Introdução
Nota: esta introdução não é uma mensagem de além-túmulo, mas um dos últimos textos
de Timothy Leary, escrito assim que o trabalho neste livro começou.
A contracultura floresce sempre e onde quer que alguns membros de uma sociedade
escolham estilos de vida, expressões artísticas e formas de pensamento e
comportamento que sinceramente incorporam o antigo axioma segundo o qual a única
verdadeira constante é a própria mudança. A marca da contracultura não é uma forma
ou estrutura em particular,mas a fluidez de formas e estruturas, e perturbadora
velocidade e flexibilidade com que surge, sofre mutação, se transforma em outra e
desaparece.
A contracultura é a crista movente de uma onda, uma região de incerteza em que a
cultura se torna quântica. Tomando emprestada a expressão do Premio Nobel de física
Ilya Prigogine, a contracultura é o equivalente cultural do “terceiro estado da
termodinâmica”, a “região não-linear” em que equilíbrio e simetria deram lugar a uma
complexidade tão intensa que a nossos olhos parece caos.
Aqueles que fazem parte de uma contracultura se desenvolvem nessa região de
turbulências. É o seu meio natural, a única matéria maleável o bastante para ser moldada
e remodelada rapidamente o bastante para dar conta da velocidade de suas visões
internas. Eles conhecem a corrente, são engenheiros do caos, migrando na crista da onda
da máxima mudança.
Na contracultura , as estrutura sociais são espontâneas e efêmeras. Os que fazem parte
de contraculturas estão constantemente se reunindo em novas moléculas, se fissionando
e reagrupando em configurações adequadas aos interesses do momento, como partículas
se esbarrando em um acelerador de grande potência , trocando cargas dinâmicas. Nessas
configurações eles colhem a vantagem de trocar idéias e criações por intermédio de
resposta rápida em pequenos grupos, conseguindo uma sinergia que permite que seus
pensamentos e suas visões cresçam e se modifiquem quase que no mesmo instante em
que são formulados.
A contracultura não tem uma estrutura formal nem uma liderança formal. Em certo
sentido, ela não tem liderança; em outro sentido , é abarrotada de líderes , com todos
sues participantes inovando constantemente , invadindo novos territórios em que outros
podem acabar penetrando.
A contracultura pode surgir em alianças ( algumas vezes constrangedoras ) com grupos
políticos radicais ou mesmo revolucionários ou forças de insurreição, e os participantes
das contraculturas e desses grupos muitas vezes são os mesmos.
Mas o que interessa à contracultura é o poder das idéias , imagens e da expressão
artística, não a obtenção de poder pessoal e político. Assim, partidos políticos
minoritários, alternativos e radicais não são, em si, contraculturas. Embora vários
memes* contraculturais tenham implicações políticas, a conquista e a manutenção de
poder político exige a adesão e estruturas inflexíveis, incapazes de acomodar a inovação
e a experimentação que são a base da razão de ser da contracultura.
A contracultura – como este livro mostra – é um fenômeno perene, provavelmente tão
velho quanto a civilização e possivelmente tão velho quanto a própria cultura. De fato,
muitos dos personagens que acabaram ocupando lugar de destaque nos livros escolares
– de Sócrates a Jesus, Galileu, Martinho Lutero e Mark Twain – eram contraculturais
em sua época.
Este livro levanta a pergunta “O que é contracultura?” e identifica os temas comuns que
perpassam as contraculturas em diferentes épocas e lugares. Também descreve o
importante papel de catalisador de mudanças desempenhado pelas contraculturas no
desenvolvimento das grandes culturas, mostrando de que maneira a cultura como um
todo surge da contracultura.
Essa discussão serve como um ponto de referências em um passeio divertido por um
enorme número de contraculturas, do taoísmo à acid house. Espero que você leia e goste
deste livro, e que ele o inspire a viver a mensagem contracultural de individualidade,
coragem e criatividade com seu próprio esplendor e glória.
Timothy Leary
* Termo criado em 1976 por Richard Dawkins em O Gene Egoísta, é considerado uma
unidade autônoma de informação que se multiplica de cérebro em cérebro. ( N. do E.)
Prefácio
Certo belo dia, no auge de sua conquista do mundo mediterrâneo, Alexandre, o Grande,
estava no campo, perto de Atenas – que acabara de se render às suas forças -,
contemplando a paisagem acidentada banhada pelo sol que cercava aquela cidad, que
era para ele a jóia mais brilhante do vasto território que ele então controlava.
Enquanto desfrutava daquilo, Alexandre chegou perto de um homem que relaxava ao
lado de um córrego. Aquecendo-se ao sol da tarde, o homem estava tão absorto em
alguma espécie de transe bucólico que não se dava conta da presença do conquistador
nem do tumulto que acabara de tomar conta da cidade próxima. Alexandre reconheceu
de imediato o homem e se aproximou dele, dizendo: - Eu sou Alexandre. Há algo que
eu possa fazer por você?
O homem abriu os olhos preguiçosamente, olhou para cima e respondeu:
- Sim. Saia da frente da minha luz.
Quem era aquele homem, por quem o recém-empossado regente do mundo conhecido
interrompia seu momento de glória para humildemente oferecer seus serviços – apenas
para receber uma resposta atravessada?
O homem ao lado do córrego era Diógenes – um renomado autor teatral e ao mesmo
tempo um completo miserável e excêntrico criador de casos ateniense sem residência
fixa. Diógenes vivia ao ar livre, freqüentando as ruas e as áreas públicas de Atenas e
normalmente perturbando os cidadãos com seu humor iconoclasta e suas brincadeiras
maliciosas, algumas vezes grosseiras, mas sempre brilhantes. Famoso em todo o mundo
grego por sua sabedoria aforística e suas criações dramatúrgicas, ele também era um dos
principais nomes do movimento socrático, uma contracultura grega que iria mudar a
face do mundo ocidental para sempre.
A resposta de Diógenes a Alexandre – “Saia da frente do meu sol” – simboliza a atitude
das contraculturas através dos tempos frente à autoridade imposta: ela bloqueia a luz.
A luz – a força brilhante de uma expressão individual sem amarras, o brilho radiante da
criatividade humana liberta de roteiros e controles externos. A luz – o brilho liberado
quando, individualmente , e em especial coletivamente, os seres humanos livremente
compartilham recursos internos e externos para criar seu mundo de acordo com os
ditames do verdadeiro eu. E o brilho numinoso do próprio mundo nos olhos daqueles
que exercitam esse tipo de liberdade.
Se Alexandre tivesse se recusado a sair da frente da luz de Diógenes, o filósofo-
dramaturgo mais provavelmente se levantaria e sairia da sombra do conquistador do que
iniciaria um pugilato com ele. Porque se Diógenes reagisse à separação de seu amado
sol tentando derrotar aquele que o tinha separado dele, o sol – como Diógenes tinha a
sabedoria de reconhecer – muito provavelmente se poria antes que o conflito fosse
resolvido.
O objetivo primordial das contraculturas, portanto, não é tomar as rédeas ou eliminar o
controle externo nem mover uma guerra contra aqueles que o detêm – embora em
alguns momentos as contraculturas possam participar de forma apaixonada de tais
empreitadas. Em vez disso, as contraculturas buscam basicamente viver tão livres das
restrições à força criativa quanto seja possível, onde e como quer que seja possível fazê-
lo. E quando as pessoas buscam esse tipo de liberdade com compromisso e vigor , elas
desbloqueiam a passagem da luz, de modo que as gerações posteriores podem se
aquecer com seu calor.
Eu deliberadamente escolhi romper com as tradições de modo a ser mais fiel à Tradição
do que as atuais convenções e idéias permitem. O caminho mais vital normalmente é o
mais difícil, e passa por convenções muitas vezes transformadas em leis que precisam
ser rompidas, com conseqüente liberação de outras forças que não suportam a liberdade.
Portanto, uma ruptura dessa natureza é algo perigoso, embora indispensável para a
sociedade. A sociedade reconhece o perigo, e faz com que a ruptura normalmente seja
fatal para o homem que a produz. Ela não deve ser feita sem que sejam avaliados o
perigo e o sacrifício , sem a capacidade de suportar violentas punições , nem sem a fé
sincera em que o fim justifica os meios, nem eu acredito que isso possa ser efetivamente
conseguido sem tudo isso.
Contato direto
Contato indireto
Ressonância
Prévia
Arranhando a superfície
Como investigação de contraculturas mundiais , contraculturalistas e sua importância
para a história , Contracultura através dos tempos é necessário incompleto.
Contraculturas de algum tipo e magnitude muito provavelmente surgiram em quase
todas as regiões do mundo, em quase todas as épocas da história. Da mesma forma,
muitos indivíduos isolados com valores e inclinações contraculturais – em outras
palavras, contraculturalistas solitários – produziram trabalhos de importância e
influência , a despeito de um grupo contracultural de apóio. Seria praticamente
impossível registrar, na estrutura narrativa de um único livro, cada contracultura ou
contraculturalista que deixou um registro histórico.
Os autores fizeram muitas escolhas difíceis – e algumas vezes arbitrárias - , que
implicam a exclusão de importantes grupos e personagens contraculturais. Pode-se
argumentar que muitos dos que foram descartados – desde sábios da floresta e antigos
hereges tantristas da antiga Índia até Mark Twain, o grande iconoclasta americano do
século XIX – são tão importantes quanto aqueles que foram incluídos. De certa forma,
este livro só é capaz arranhar a superfície de seu tema sem transformar em uma
enciclopédia de verbetes curtos.
O principal critério para inclusão de contraculturas foi a sua identificação pelo amplo
público contemporâneo Os autores acreditam que muitos leitores irão apreciar novas
visões de movimentos e personagens conhecidos – de Sócrates aos beats – oferecidas
por este quadro de evolução de contraculturas de todo mundo através do tempo. No caso
do leitor desapontado por descobrir que sua contra cultura predileta ficou de fora deste
livro, os autores esperam que ele possa encontrar nesta páginas muitas expressões de
criatividade, coragem e visão que reflitam fielmente o personagem ou grupo excluído.
De legados e vidas
O verdadeiro poema não é aquele que o público lê. Há sempre um poema não impresso
no papel, que coincide com a produção deste, estereotipado na vida do poeta. É aquilo
em que ele se transformou por intermédio do seu trabalho. A questão não é como a idéia
é impressa na pedra, tela ou papel, mas em que grau ela conquistou forma e expressão
na vida do artista. Sua verdadeira obra não estará na galeria de nenhum príncipe.
Dan Joy
23/06/2003
Des/Orientação
Antes de tudo obrigado a Timothy e Dan por essas introduções otimistas demais. Como
o idiota proverbial de muitas histórias contraculturais de outrora, eu mergulhei de
cabeça na impetuosa corrente caótica da história humana armado apenas de sua bela
visões e mapas.
É, eu tentei tecer uma colcha adoravelmente simétrica com os fios multicoloridos desses
períodos culturais altamente diferentes, esperando, por fim, encontrar um objeto bem
definido cuja coerência seria óbvia até mesmo para a inteligência mediana.
Mas , maldição , as pessoas são engraçadas – inclusive não intencionalmente. Olha,
turma, as coisas que eu descobri ainda me fazem tremer. Grandes pessoas, pessoas
espertas, pessoas ligadas, pessoas extremamente criativas, obviamente envolvidas não
apenas em trabalhos transformadores, mas em extravagante insensatez e contradição;
deixando atrás de si não apenas um legado de luta destemida pela verdadeira autonomia
contracultural, mas uma pletora de questões sem resposta. Mas deus(es), estejam eles
vivos ou mortos, são todos humanos – humanos demais. E iríamos querer que fosse de
outra forma?
E você, caro leitor? Eu só posso humildemente pedir que, ao mergulhar nessa narrativa
histórica, deixe suas expectativas junto à porta. Você poderá pegá-las intactas, se quiser,
ao final da viagem.
Há muitos tipos relacionados aqui, e eu acredito que todos vocês irão encontrar coisas
merecedoras de seu interesse e atenção. Mas , atenção: nos últimos dois anos,enquanto
escrevia isto, eu revelei o título a algumas pessoas. Muitas vezes, alguém me falava,
excitado, sobre certa cultura realmente obscura, eXXXtrema, normalmente envolvendo
a palavra”tântrico”. Entre os charmes atribuídos a essas culturas estava o fato de que
eles faziam comer cérebros ou arrancar cabeças de morcegos a dentadas e beber o
sangue deles. ( Insira aqui a piadinha sobre Ozzy.)
Isto não é show de horrores, galera! Embora um livro sobre esse tipo de fenômeno
cultural exerça um profundo fascínio sobre este autor (não, eu não estou sendo irônico),
este trabalho em particular é sobre cultura que tiveram um impacto muito mais amplo.
Claro que eu quero que o mais ligado dos ligados – sabe, aqueles com retratos de
Antonin Artaud e Lynette “Squeaky” Fromme nos monitores de seus computadores –
reconheça valor neste livro. Mas a minha maior esperança é de que ele tenha algo a
dizer as pessoas comuns que foram influenciadas ou sofreram o impacto da
“contracultura”; de que ele tenha algum interesse para aqueles que falam contra cultura;
e, finalmente, que seja acessível ao curioso, que talvez nem saiba o que a palavra
representa.
Por isto eu resisti bravamente ao impulso e me envolver no tipo de discussão
acadêmica, tão popular nas ultimas décadas, que questionam nossa compreensão
comum de certas palavras que uso com freqüência neste texto, como individualidade e
liberdade. Eu não necessariamente nego o valor desses discursos, mas eu os considero
no mínimo impraticáveis para este estudo. Portanto, se sua idéia de FAB Four é
Foucault, Deleuze, Derrida e Lacan, talvez ache esse procedimento um tanto pueril.
O.K., agora que algumas das maiores expectativas dos meus leitores foram
adequadamente frustradas, podemos seguir em frente. Bem-vindo à primeira história
das contraculturas.
Dan Joy teve a idéia deste livro em 1994, durante conversas com Timothy Leary, cujo
trabalho posterior em particular deu inspiração para alguma idéias fundamentais. Dan
foi o responsável pela maior parte do esboço e das base conceituais deste livro e
contribuiu com dois capítulos, bem como com outras passagens fundamentais do
resultado final. Leon Fernandez deu uma inestimável contribuição ao projeto inicial, na
seleção de contraculturas e idéias básicas. Eu também contribuí com o esboço e com a
articulação dos conceitos fundamentais , assumindo total responsabilidade pelo projeto
em 2001, quando foi assinado o contrato com a editora. Gracie e Zarkov contribuíram
com algumas linhas e parágrafos dos capítulos 1 e 8, e Dan retornou ao projeto para
ultima rodada de trabalho editorial. Eu sou o responsável pela maior parte do texto e pro
pontos de vista específicos expressos aqui.
Portanto , quando o pronome pessoal “Eu” é usado, refere-se a mim ( R.U. Sirius), e
quando é empregado o “Nós”, refere-se a Joy e a mim. Finalmente , no que se refere a
pronomes de gênero como “dele” ou “dela”, eu gosto de misturá-los. Algumas vezes
utilizo o genérico no masculino, outras, no feminino. Não se preocupe com isso.
Obs: Trecho tirado do livro Contracultura Através dos Tempos de Ken Goffman e Dan
Joy , pgs 9 a 20.