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Moa Sipriano
MOASIPRIANO.COM
O pastor chegava pontualmente às sete da noite. Estacionava o carro em sua vaga exclusi-
va, onde dois cones estratégicos na via pública impediam a parada de outros carros. Deixava o
interior do veículo coreano ao som dos cânticos de louvor entoados por uma bela voz de
barítono de um dos novos talentos da sua prestigiada gravadora evangélica.
Um pouco antes do início do culto de adoração, como por encanto, centenas de pessoas
surgiam sabe-se lá de onde. Todas ansiosas para presenciar o espetáculo de gestos, palavras
e emoções proporcionados pelo grandiloqüente pastor diante das suas ovelhas histéricas.
Agora concentrado, sentado em sua cadeira no fundo do “templo”, o pastor acariciava sua
bíblia velha de guerra, retirando um pequeno marca-textos feito de papel e seda do meio de
uma página amarelada qualquer.
O pastor já havia decorado a bíblia de cabo a rabo. Ele sabia o que proferir no sermão
daquela noite. Nada que fugisse do trivial. Pequenos dramas encenando os mistérios da salva-
ção. Um pouco de suspense evocando o sofrimento e o perdão. O grande final era reservado
para as orações lacrimosas, ditas em alto e bom som, onde lágrimas pré-fabricadas inundariam
as faces coradas no instante exato. E o pastor invocaria o nome do seu xará quase que movido
pelo histerismo crônico, para o delírio da platéia ensandecida.
Uma hora e quinze minutos de espetáculo. Agora era o momento de colher as glórias de
uma atuação impecável. A volta do sorriso perfeito e o aperto seguro de mãos, mancomunados
com um leve tapinha nas costas e um olhar azul profundo exalando compaixão era o suficiente
para transmitir serenidade quase que divina aos irmãos tão necessitados de atenção.
As notas mirradas de real eram depositadas em uma cesta de vime que repousava sobre
uma mesa de plástico. Todos deveriam estar empenhados na reforma do salão, segundo as
palavras de incentivo do pastor.
Mas o que a maioria dos irmãos não sabia era que boa parte daquele dinheiro suado seria
investida naquela mesma noite, a poucos metros dali, numa casinha simples e discreta, onde o
santo que não era santo costumava freqüentar antes de voltar para sua casa luxuosa em
condomínio fechado, cair nos braços dos seus dois filhos pequenos, tomar um segundo banho,
e dormir ao lado da esposa frígida.
***
Quinze minutos de sexo naquela noite valiam duzentos reais. O pastor chegaria a qualquer
momento. As palavras não eram mais necessárias. Mas Pietro queria comemorar aquela noite
fria de um agosto comum e corrente. Há dez anos o pastor mantinha um caso com Pietro, hoje
um rapaz de 24 anos, dono de um belo corpo esculpido ao som do axé baiano, mas sem
conteúdo algum na cabeça “solineuzada”.
Poucos minutos eram suficientes para o descarrego do velho homem. Jesus sempre abria
as portas com a própria chave. Jesus sempre retirava metodicamente peça por peça de suas
roupas de caimento perfeito, colocando-as delicadamente em um único cabide posicionado
atrás da porta do único quarto.
Jesus, trajando apenas uma cueca branca, olhava para aquele corpo moreno e liso posicionado
“de quatro”, com as pernas bem abertas sobre o colchão de molas, pronto para ser penetrado
com selvageria nada divina.
Jesus “entrava com tudo” naquele corpo que rebolava e gemia e gritava falsamente de
prazer, tudo para satisfazer o homem santo que não era santo. Atos repetidos à exaustão por
tanto tempo, onde os sentimentos estavam sepultados e somente o velho corpo viciado ainda
precisava desesperadamente consumir aquela carne fresca, quente, sensual, submissa.
Pietro rebolava. Jesus gritava. Ambos oravam o “pai-nosso”, entre gemidos e sussurros.
Assim era o prazer do casal enrustido, suando o corpo e ferindo a alma entre quatro paredes
fétidas que imploravam por uma demão de tinta fresca.
“O senhor Jesus é o meu Pastor e nunca me abandonará!”, gritava Pietro, manipulando seu
sexo até jorrar seus pecados sobre o lençol de tecido barato.
O pastor Jesus mordia as costas do seu amante, e entre uma oração e uma súplica de
perdão ao Pai, também acabava depositando sua essência hipócrita dentro do corpo sarado do
jovem amante bailarino.
Banho tomado, cabelos alinhados, perfume reposto, o pastor Jesus tirava algumas notas
amarrotadas da carteira - fruto do esforço dos irmãos -, e deixava o montante sobre a cama
bagunçada do casal.
“Parabéns para nós, parabéns para nós...”, cantava, desafinado, o amante vindo da cozinha
minúscula, segurando uma travessa onde repousava um pequeno bolo caseiro de chocolate.
Apesar da pressa, Jesus aceitou um pedaço da sua sobremesa favorita, para não fazer
desfeita ao seu objeto de prazer. O pastor olhava assustado as horas no caro relógio de pulso.
Tudo era controlado. Para tudo havia um rígido horário a ser cumprido.
“O dinheiro dos irmãos sustenta o nosso prazer.”, disse Pietro, enquanto limpava a boca do
seu homem, que feito criança se deliciava com os restos de uma fatia fina de bolo.
“Amém, Senhor, Aleluia!”, gritou Jesus, olhando para um céu imaginário, pondo-se de pé
logo em seguida, pronto para voltar ao seu lar perfeito, inventar uma desculpa qualquer à
esposa queixosa e dormir o sono tranqüilo daqueles sustentam o báculo da Hipocrisia.