Você está na página 1de 2

“REFLEXÕES SOBRE O MUNDO ÁRABE CONTEMPORÂNEO”

A CONSCIÊNCIA DO ORIENTE MÉDIO*

Por Hazem Saghieh

O Oriente Médio nunca esteve tão dividido como hoje. Ao lado do conflito israelo-
palestino , o conflito turco-curdo se intensifica, o medo árabe do Irã aumenta e o Iraque
nos provê um vívido e tangível retrato do Inferno.

Por outro lado, o Oriente Médio jamais esteve unido como hoje. É suficiente contemplar a
ligação Iraquiana-Turca sobre a questão curda e Iraquiana-Iraniana sobre a questão xiita.
Na verdade, é suficiente olhar para o contraditório consenso sobre a questão palestina, que
se tornou um mero elemento de instrumento, perdendo todo seu significado histórico.
Alguém pode também olhar para a extensão do envolvimento em muitas questões árabes,
assim como a habilidade de Damasco em ignorar os árabes em favor do Irã. O quinto
aniversário da guerra no Iraque claramente expõe a responsabilidade de todos em forçar as
estruturas árabes, seja no nível da segurança ou da consciência, até o ponto do colapso. Sem
mencionar que se tornou impossível discutir questões como religião e modernidade no
mundo árabe sem referir-se à experiência turca.

A causa palestina foi tradicionalmente uma linha divisória entre árabes e não-árabes. Era
costume dizer que tanto o Irã sob o Xá quanto a Turquia sob a Otan eram aliados do Estado
Judaico, mas isso agora tornou-se um mero nonsense. Politicamente e ideologicamente, o
Irã tornou-se o que os árabes um dia foram. Enquanto a Turquia, semi-islâmica e semi-
militar, agora se coloca numa posição mais complexa, pois “interfere” à sua maneira na sua
vizinhança mais ampla, mediando entre Damasco e Tel Aviv. Mesmo a questão palestina
não é o que costumava ser, não só porque o palestianismo de Mahmoud Abbas difere
qualitativamente do de Mahmoud al-Zahhar, mas também porque a posição de tomada de
decisões que Ahmadinejad hoje tem na questão não é objeto de questão nem de
nacionalidade nem de “nacionalismo”.

Dado o que o “Arabismo” veio a ser, é como se nós estivéssemos no processo de formar
outra identidade, uma ainda encoberto na obscuridade. De forma parecida, em Israel, a
emergência do “Pós-sionismo”, à margem de Oslo e de suas ruínas, sugeriu a necessidade
de algo similar, demandando uma forma mais clara de auto-identificação.

Esse “Oriente Médio” é o que nacionalistas árabes e radicais em geral sempre odiaram.
Eles vêem isso como um produto colonialista que procura enfraquecer o arabismo, ainda
que o arabismo jamais tenha cessado em enfraquecer a si mesmo, sem necessidade de ajuda
de quem seja. Radicais mais sofisticados insistem que nós somos apenas um “Oriente
Médio” aos olhos dos ocidentais e na nossa situação geográfica vis-à-vis ao Oeste, sem
notar nosso pobre senso de direção enquanto um relógio suíço determina onde nós oramos e
adoramos.

1
“REFLEXÕES SOBRE O MUNDO ÁRABE CONTEMPORÂNEO”

Décadas antes de Shimon Peres especializar-se na amarração do Oriente Médio, Michel


Aflaq especializou-se em acusar os “Shuubiyyin”, ou seja, os parceiros não-árabes do
Oriente Médio, de sabotar a civilização e a cultura árabes. Mais freqüente do que se
imagina, a sabedoria da luta concluiu que a função do Oriente Médio era colocar Israel
discretamente no seu interior e deixá-lo escondido no seu interior com tal disfarce. Quando
Condoleezza Rice começou a alardear com orgulho a “novidade” do conceito, aqueles que
duvidavam perceberam o quão verdadeiras as suas suspeitas.

Nossas questões hoje, no entanto, são médio-orientais em uma medida sem precedentes,
assim como as últimas de nossas guerras foram, a de Julho de 2006, o engajamento militar
Israel/Síria-Irã. A questão palestina, assim como a curda, requere esforços transnacionais e
trans-étnicos. Enquanto isso, a maioria de nossos maiores rios é compartilhada por dois ou
mais Estados, alguns dos quais são não-árabes. A sede está nos confrontando, e há também
as armas nucleares, certamente presentes em Israel, e possivelmente presentes no Irã de
amanhã.

Tal identidade, a médio-oriental, não implica a hegemonia de uma comunidade religiosa ou


étnica sobre outra, nem tem a intenção de acabar com Estados ou Estados que virão a ser. É
mais técnico e procedente do que ideológico, desenvolvimentista e construtivo na natureza
do que destrutivo.

Desse modo, nossas elites vão internalizar esse momento em suas consciências, assim como
fizeram no fim do século XIX e começo do XX quando adotaram o arabismo cultural para
substituir a coesão da obsoleta sociedade otomana?

Por Hazem Saghieh , editor de política do Dar Al-Hayat

Você também pode gostar