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O artigo 5° do Cédigo de Registo Predial e a Compra e Venda Imobilidria Joo aco §1 Consideragées Gerais Apesar de o nosso sistema assentar no titulo e, por isso mesmo, a inscrigao registal ndo representar uma condigdo necessaria nem suficiente para a aquisi¢éo', ela nao é indiferente para a situacdo juridica dos prédios, pois resultam da inscrigao registal efeitos de importancia muito significativa. Nao se pode, por isso, considerar irrelevante ou indiferente a inscrigéo no registo predial, Alias, nem o registo enunciativo pode ser entendido como indiferente No que respeita as situagées juridicas que procura publicitar. Basta pensar no registo da mera posse que altera o respectivo prazo de aquisigao por usucapido. Porém, se o registo pode interferir na aquisi¢ao de direitos reais 6 bom recordar o que tem sido enfatizado por Oliveira Ascenso — a base da nossa ordem imobiliéria ndo reside no registo mas na usucapido que nao pode ser prejudicada pelas vicissitudes registais”, Mas 0 registo de um facto juridico a favor de um determinado sujeito nado garante, nem pode garantir, que a situagdo juridica publicitada nado padece de outros vicios e, por isso, se torne indestrutivel. Como escreve, Maria Clara Sottomayor, 0 registo no supre outros ios derivados de uma alienagdo ou oneragao nao registada*. Em suma, adoptando a orientagdo de Orlando de Carvalho, a verdade material ndo foi substituida por uma verdade registal ou tabular, pois que 0 registo oferece a imagem possivel da situagao juridica do bem* " Cf Méniea Jardim, “A Seguranga Juridica Gerada pela Publicidace Registal em Portugal e os Credores que Obtém o Regisio de uma Penhora, de um Arresto ou de uma Hipoteca Judicial” in Bolen da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n° 83, 2007, p. 384, * Para Oliveira Ascenso a usucapido vale por si. Quem acreditou no resto pode fcar defaudado, uma vez que ele nada pode contra a usueapio. CE Direito Civil: Reais, Coimbra, 1993, p. 382. Cf. Maria Clara Sottomayor, lmvalidade e Registo: A Protecedo do Tereeiro Adguirente de Boa Fé, Coimbra, 2010, p. 332. “A imagem nao pode nem préiende esgotar os dados relatives & exactasituagio do prédio, CE Orlando de Carvalho, “Terceitos para Efetos de registo” in Bolerin da Faculdade de Direto, Vol. 70, 1994, p. 100. Pela nossa parte, sem procurar aprofundar as questées atinentes a teoria geral registal, propomos proceder a uma releitura do artigo 5° do Cédigo de Registo Predial, tendo em conta a controvérsia que o preceito tem suscitado na doutrina e na jurisprudéncia, extravasando, por vezes, aquilo que efectivamente procura regular. No entanto, procuraremos concentrar esforcos nos efeitos registais atribuidos ao artigo 5° — designadamente o efeito consolidativo e 0 efeito atributivo — a propésito da compra e venda imobiliaria, §2- Os efeitos consolidativo e enunciativo O artigo 5°, encimado pela epigrafe oponibilidade a terceiros, determina no n° 1 que os factos susceptiveis de registo sé produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo. Assim, tendo em conta o sistema do titulo, bem como o principio da consensualidade, nos termos do qual o direito real se transmite por mero efeito do contrato, parece claro que 0 preceito ndo promove um efeito constitutive mas algo muito dissemelhante Aliés, basta compreender as respectivas diferencas, em contraste com o contetido do artigo 4°, apesar de, nem ai, 0 efeito constitutivo ser admitido, de modo unanime’, © n? 1 do artigo 5° também nao decorre da estrita aplicacao do artigo 408° nem representa a pretendida contra-face do principio da consensualidade®. Ao determinar que os factos sujeitos a registo so produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, isso ndo representa, nem pode representar, uma ligagdo estrita entre a validade do contrato e a inscrigao registal. Ao invés, devemos aceitar a orientagao de alguns realistas no sentido de entender o principio da consensualidade como principio da eficacia real imediata que atribui o correspondente direito sem necessidade de acto ulterior”, * Oliveira Ascensio sustenta que, no artigo 4°, a lei no recorre A técnica de inserigio constitutiva, distinguindo factos constitutivos € factos condicionantes de eficicia. Cf. Direito...op. cit, pp. 357-8. Alls, 0 autor também ja tinha manifestado idéntica posi¢ao na vigéneia do anterior Cédigo de Registo Predial. Cr. “Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Juridica Portuguesa” in Revista da Orem dos Advogados, n° 34, 1974, pp. 15-6. * Rejeitamos, portanto, a expressio de André Dias Pereira, “A Caracteristica da Inércia dos Direitos Reais: Brevissima Reflexo sobre o Principio da Publicidade” in Estudos de Homenagem ao Professor Marwel Henrique de Mesquita, Val. 1, Coimbra, 2009, p, * "Cf, Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, pp. 281 e segs, Se 0 efeito perante terceiros deriva, nao da validade, mas da proteccao do negécio em face de outra aquisigéo sobre 0 mesmo bem, compreende-se melhor a sua autonomia face ao contrato € até relativamente a factos que Ihe so posteriores. Realmente, enquanto a aquisigéo do direito de propriedade sobre um bem nao for registada podem ocorrer vicissitudes, riscos®, susceptiveis de compreender a sua correlativa desproteccdo, em favor de uma outra aquisi¢éo registada. Dai que o registo receba uma proteccdo adicional, uma confirmagao® das situagées juridicas correspondentes a esses actos, reforgando a sua propria eficacia externa. Mas se a eficacia externa ndo depende do registo, reconhece-se uma outra imunidade depois da correspondente inscrigéo. Antes era vulnerdvel em telacéo a eventuais actuagées de terceiros. Ou seja, antes do registo a eficacia existe mas no se reforga, néo se consolida, enquanto nao houver registo”. Assim, se compreende o significado e a justeza da designagao efeito consolidativo. Ele concorre para proteger a titularidade do direito e, por isso mesmo, exercer uma fungao consolidativa, confirmativa de algo que Ihe preexistia Inversamente 0 n° 2 exceptua do efeito consolidativo, da oponibilidade a terceiros, a aquisigéo por usucapiao de direitos de propriedade, usufruto, superficie ou serviddo, as servidées aparentes e os factos relativos a bens indeterminados. Como tal, ndo sé a validade nao ¢ atingida por falta de registo, como inexiste qualquer proteccao adicional em virtude de ter sido efectuado o registo. Este regime destina-se, sobretudo, a situagées aquisitivas por usucapido, uma vez que a aquisigao originéria depende apenas do facto aquisifivo, ao passo que a regularidade da aquisi¢ao derivada se apoia, simultaneamente, no facto aquisitivo e na posi¢ao juridica do anterior titular” Ora, 0 registo de uma situagdo concorrente com a do sujeito adquirente nos termos do n° 2, nao o afecta nem o ameaga, mesmo que ele ndo tenha registado, tendo em conta a supremacia das situagdes ai prescritas, em face do efeito proveniente do registo, * Menezes Cordeiro sublinha o risco perante terceiro que deixa de existir se o titular registaro seu direito, CF Direitas Reais, Vol. 1, 1979, p. 392 * Umma outra expressio uilizada por Oliveira Ascenstio, de modo a explicar como 0 registo, a0 confirmar situagGes, elimina a pendéncia anterior. Cf. “Efeitos..." in op, cit, p. 27 "° Cf Carvalho Fernandes, “Terceiros para Efsitos de Registo Predial” in Revista da Ondem dos Advogados, n° 57, 1997, p. 1307. "'CE: Paulo Henriques, “Terceiros para Efeitos do Artigo 5° do Cédigo de Registo Predi Faculdade de Direito de Coimbra, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 9. in Boletim da Mas se o sujeito decidir registar, o acto correspondente nao lhe da nem Ihe retira direitos, embora o registo desempenhe o fim a que se destina, a noticia, a publicidade da situago do prédio. Discordamos, por isso, quando se afirma que 0 efeito enunciativo nao permite ao registo desempenhar a consabida fungdo de publicidade'’. Pelo contrario, a funcdo de publicidade é sempre desempenhada. Basta haver registo’*. O elemento caracteristico do efeito enunciativo reside no resultado neutro da inscri¢ao registal, em sede protectora face a terceiros. Ou seja, se a inscrigéo confere publicidade, ela nao reconhece novos direitos nem reforga os direitos ja existentes. A causa aquisitiva mais relevante, abrangida pelo efeito enunciativo, é a usucapiao que, como se compreende, atentando no efeito neutral da inscrigao registal, revela, por isso mesmo, uma natureza preponderante em relagdo ao registo predial. Talvez a preponderdncia estruturante do efeito enunciativo ajude a compreender a inadmissibilidade, nesta sede, do registo constitutivo™. Efectivamente a inscrigao de um facto no confere uma situacdo de vantagem, nema falta de inscrig&o pode, de alguma sorte, assumir-se como prejudicial em si mesma. Mas a neutralidade descrita do efeito enunciativo nao pode significar a irrelevancia da inscrigao registal. Além da publicidade, a inscrigao de factos, anteriores @ invocagao da usucapiéo pode assumir consequéncias nao despiciendas para a ordem juridica, Basta recordar que o registo de mera posse confere um prazo aquisitivo mais curto, nos termos dos artigos 1295° e 1296° do Cédigo Civil. Algo de similar decorre do registo do titulo de aquisigao, que também reduz os prazos de prescri¢ao aquisitiva, nos termos e para os efeitos do artigo 1294° do mesmo Cédigo. §3° Terceiro, a vexata quaestio " CE José Alberto Vieira, Direitos Reais, Coimbra, 2008, p. 314 " Estamos a pensar na publicidade provocada ou racionalizads, utlizando expressdes de alguma doutrina, Cf. Carlos Ferreira de Almeida, Publicidade e Teoria dos Registos, Coimbra, 1966, pp. 81 © segs; Menezes Cordeiro, Direitas, Vol. I, op. cit p. 364. "Para Vassalo Abreu a prevaléncia dada i usucapido, em detrimento do registo, encontra-se indissociavelmente ligada a0 efeito enunciativo ou declarative. Se o efeito constitutive vier a ser adoptado, 0 papel da usucapitio sera consideravelmente reduzido, como sucede noutras paises que adoptam sistemas distintos do nosso. Cf. “A Relago de Coexisténcia entre a Usucapitio © o Regista Predial no Sistema Juridico Portugués” in Estudas cle Homenagem ao Professor Henrigue de Mesquita, Vol. I, Coimbra, 2009, p. 98. Além dos numeros 1 e 2 do artigo 5°, 6 sem diivida 0 n° 4 do mesmo artigo que contribui para densificar a questao relativa aos efeitos decorrentes do registo. Efectivamente, a propésito da nocdo de terceiro para efeitos de registo, suscitam-se questées complexas que extravasam, por vezes, 0 Ambito da nogao de terceiro e os propésitos do préprio artigo 5°. Pela nossa parte, apesar de nao enjeitarmos os argumentos de natureza sistematica nem os daqueles que procuram buscar a coeréncia do sistema, entendemos terem sido cometidos exageros que em nada contribuiram para clarificar as questées em presenga, v.g. aquela que antecedia todas as outras — 0 alcance da nogao de terceiro. Como se compreende, a amplitude da nogao de terceiro pode assumir directas consequéncias nos efeitos do registo. Eles nao se restringem ao adquirente mas afectam outros sujeitos que tenham intervindo nesse ou noutro negécio sobre a mesma coisa ou até num outro acto que contribui, por acgao ou por omissao, para a inscri¢do registal. Por isso, a amplitude da nogao de terceiro pode ser importante, quiga decisiva, tanto para a protecgao do titular do direito como daquele que, por via do registo, procura adquirir a titularidade, em detrimento do primeiro adquirente. Alias, 0 adquirente pode ter sido enganado pelo facto de no constar no registo a ultima titularidade, o que o levou, de boa f@, a negociar com o anterior titular que, no momento da celebragéo de um negécio, alegadamente transmissivo, jé nao dispunha da titularidade do bem. Dai a estrita necessidade de fixar um entendimento auténomo de terceiro para efeitos registais. Tanto mais que a nogao de terceiro para efeitos civilisticos, de um modo geral aplicével ao artigo 291° do Cédigo Civil, se afigura desadequada para os efeitos registais, reconhecendo-se a diferenca de fundamentos entre o plano substantivo e o plano registal'®. No entanto, como a versao inicial do Cédigo de Registo Predial néo continha uma nogdo de terceiro para efeitos de registo teve de ser a doutrina e a jurisprudéncia a * Para Luis Couto Gongalves, o fundamento de protecezo de terceiro para efeitos do registo é 0 principio dda publicidade ea confianga do adquirente numa aparente legitimidade do transmitente, Nesses termas, 0 primeiro adquirente sofre consequéncias por nfo ter cumprido o énus do registo. Ao passo que 0 fundamento de protecg3o do teroeiro para efeitos da artigo 291° do Cédigo Civil é o da estabilidade dos negécios juridicos, punindo o primeira transmitente por nlo ter actuado, em prazo razodvel, na defesa do seu direito. Cf “A Aplicagio do artigo 291°, n° 2 do Cédigo Civil a Terceiro para Efeitos de Regista” in Cadernos de Direito Privado, n° 9, 2008, p. 32. procurar uma formula que permitisse estribar as questées conexas com os efeitos do registo. S6 que a procura da tal férmula motivou ampla controvérsia que nem cessou depois de se ter constatado a necessidade de emitir acordaos uniformizadores de jurisprudéncia nem apés o proprio legislador ter intervindo no propdsito de dilucidar aquela vexata quaestio.. Realmente se a versao inicial do Cédigo de Registo Predial, na parte relativa a oponibilidade a terceiros néo continha uma nogao de terceiro", se foi necessario o Supremo proferir um acérddo uniformizador de jurisprudéncia”’ e altera-lo posteriormente’®, se o legislador foi chamado a inserir uma nogao legal", 0 actual ntimero 4 do artigo 5°, nem assim terminou aquela que é, em nossa opiniao, a maior controversia do direito registal Alias, a controvérsia assentou num equivoco. Antes de reconhecer a necessidade de procurar uma nogdo de terceiro para efeitos registais, a doutrina apoiou-se em nogées préprias do direito civil. Uma delas assentava numa ideia restritiva que partia da definigaéo de Manuel de Andrade, segundo a qual terceiro & todo aquele que tenha adquirido de um autor comum direitos incompativeis”. A partir dai, diversa doutrina e jurisprudéncia seguiu esta orientagdo”. O proprio Orlando de Carvalho adopta a ideia restritiva ao identificar os terceiros como aqueles que se encontram em conflito entre si, sobretudo quando um direito é posto em causa por outro”. Acrescenta ainda que um terceiro é todo aquele que recebe do mesmo autor direitos sobre o mesmo objecto, total e parcialmente conflituantes*, Adoptando perspectiva semelhante, Vaz Serra sublinha a importancia do registo predial de modo a assegurar a quem adquire direitos de uma certa pessoa que esta nao realizou * Cf, artigo 5° do Cédigo de Risto Predial na versio do Decreto-Lei 305/83 de 29 de Junho "” CE. © Acérdio Uniformizador de Jurisprudéncia n® 15/97 de 20 de Maio, publicado em Diério da Repiiliea de 4 de Julho do mesmo ano. '* Cf. 0 Acérdiio Uniformizador de Jurisprudéncia n° 3/99 de 18 de Maio, publicado em Diario da Replica de 10 de Julho do mesmo ano '° On? 4 do artigo 5° apenas foi introduzido pelo Decreto-Lei n° 533/99 de 11 de Dezembro. * Cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relagdo Juridica, Vol. 11, Coimbra, 1960, pp. 19-20. * CE. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, Coimbra, pp. 468 e segs; Heinrich Ewald Horster, 4 Parte Geral do Cdigo Civil Portugués, Coimbra, 1992, pp. 601 segs; Acérdto da Relasio de Evora de 3 de Julho de 1974, Acdedio do Supremo Tribunal de Justiga de 27 de Maio de 1980; Accrdio da Relagio de Coimbra de 24 de Maio de 1988 ® CE Orlando de Carvalho, “Terceiros para Efeitos do Registo” in Boletim dar Faculdade de Direito de Coimbra, n° 52,1994, p. 102. * Idem, p. 105, actos susceptiveis de o prejudicar na sua estrita qualidade de adquirente™*. Antunes Varela adoptando os pressupostos de Vaz Serra no que respeita a fungao do registo, comega por reiterar a ideia restitiva de terceiro, pois a inscrigéo tabular nao pode declarar que o contrato de compra e venda, celebrado entre A e B, nao tem defeitos que comprometam a sua validade”®, mas, posteriormente, evolui para uma concep¢ao mais abrangente do que a defendida pela orientagao tradicional”. De modo diverso, Guilherme Moreira, ao contrapor o terceiro a um sujeito, sublinha que aquele termo nao pode designar uma qualquer pessoa estranha a um negécio, mas, apesar disso, deve assumir um sentido muito amplo. Assim, terceiro resultaria nao da participagao directa ou indirecta num determinado acto juridico mas da qualidade de ser parte noutro acto em Conjunto com sujeitos do primeiro acto, assumindo assim uma relagao com ar ele’’. No entanto, contribuindo para promover a autonomizagao dos dois planos, terceiro, para efeitos de registo, seria aquele que tivesse adquirido conservado direitos sobre 0 imével, lesado em caso de o acto nao registado produzir efeitos em relacéo a ele*. Esta orientagéo também encontra seguidores. Além de alguma jurisprudéncia dos tribunais superiores**, devemos destacar Oliveira Ascensao que, a propésito da necessidade de interpretar 0 artigo 17° n° 2, entende preferir a nogdo mais ampla de terceiro, tendo em conta 0 seu efeito perante o subadquirente”. Atentando no dissidio, 0 STJ recusa 0 conceito mais restritivo de terceiro, por considerar que 0 registo deve contemplar outras situagdes, além da dupla transmisséo de direitos incompativeis sobre a mesma coisa, assumindo a seguinte orientacéo uniformizadora: sé 0 conceito amplo de ® Vaz Serra sustenta a posigio restrtiva, contrariando até, em anotagZo, um acérdio do STI que havia adoptado a orientagiio ampla. “Anotagio” in Revista de Legislagdo e de Jurisprudéncia, n° 97, 1964, p.5T. Antunes Varela reconheca ser o valor do registo bastante frouxo, apagado e precério, Cf. in Revista de Legislagdo e de Jurisprudéncia, n° 118, 1985, p. 313. * Numa anotagio mais tardia, Antunes Varela, em co-autoria com Henrique de Mesquita, defende que 0 coneeito de terceiro deve incluir ndo apenas os sujeitos que adquirem do mesmo alienante direitos incompativeis, mas também aqueles que, sobre determinada coisa alienada, adquiram contra est, direitos de natureza real, por meio de actos permitides por lei. Cf. “Anotagio” in Revista de Legislagdo e ce Jurisprudéncia, n? 127, 1994-5, p. 19. ®CE Guilherme Moreira Instcuigtes do Direito Civil Portugués, Vol. 1, Coimbra, 1907, p. 523 ® Thidem, pp. 3525-6, Cf. 0 Acérddo da Relagao de Coimbra de Justiga de 13 de Fevereiro de 1996. ” CE Oliveira Ascensio, Direito...op. cit, pp. 370 ¢ segs; Idem, de Julho de 1986; Acérdio do Supremo Tribunal de in op. cit, pp. 28 e segs. terceiro tem em devida conta os fins do registo e a eficdcia dos actos que devem ser registados®. Apesar da maioria tangencial e das diversas declaragées de voto, alguma doutrina manifestou, como era de prever, concordancia com a decisdo. Foi o caso de Carvalho Fernandes, embora acabe por reconhecer nao bastar um qualquer acto unilateral de terceiro, devendo excluir-se os actos juridicos em que intervenha exclusivamente a vontade do terceiro que regista®*. O segundo acérdao uniformizador, ao consagrar a orientagao oposta — a orientagao restritiva — manifesta preferir a tutela do adquirente, ainda que nao registe, em vez do que pretende adquirir a non domino. A motivagéo do acérdao valora o principio da consensualidade e constata que o sistema do registo nao dispde de um cadastro modemo e eficiente no sentido de promover a seguranga no comércio juridico imobilidrio pretendido pelo primeiro acérdéo uniformizador®. Por isso, constatando a auséncia de reformas legislativas entendidas como imprescindiveis, de modo a complementar a orientagao jurisprudencial anterior, v.g. 0 registo obrigatério e a imediata comunicagao ao conservador do registo predial, e uma factualidade preocupante — a corrida ao registo das penhoras e a procura da inexisténcia de escrituras publicas de transferéncia de propriedade — considerou-se ser mais prudente e sensato regressar ao conceito tradicional de terceiro™. Ainda nesse ano, de modo a remover quaisquer diividas, 0 legislador foi chamado a intervir, aditando um n® 4 ao artigo 5°°, de modo a promover uma clarificagao legal de terceiro para efeitos do registo — aquele que tenha adquirido de um autor comum direitos incompativeis entre si A clarificagéo legal no mereceu a concordancia de determinada doutrina®, tendo alguns sublinhado as desvantagens da inversao de sentido do ®" CE. Acérelfo Uniformizador n° 15/97, op. cit °° CE Carvalho Fernandes, “Tereeiros...” in op. cit, pp. 1311-2 ® Cf. 0 Acdrdiio Uniformizador n° 3/99, op. cit * Idem. * CE. 0 Decreto-Lei n® $33/99 de II de Dezembro. ° Rui Pinto Duarte manifestou-se nesse sentido. Apesar de reconhecer ao artigo 5°, apés o aditamento por via lezislaiva, o cere da interpretagio do segundo acérdio unifrmizader torau-se incontestivel, de jure condito. Mas logo sublinha que a alterago legislativa nfo solucionou todos os problemas anteriormente suscitados. Cf. Curso de Direitos’ Reais, Cascais, 2002, p. 138; Também Isabel Pereira Mendes integra este grupo ao defender que o conceito de terceiro do artigo 5 no pode estar na dependéncia de qualquer limitagio, ndo pode ser, por isso, um conceito restrito. Cf. Cédigo de Registo Predial Anotado e Comentado, 16* ed., Coimbra, 2007, pp. 152-3; Teixeira de Sousa considera que a segundo acérdao e a posterior alteragao legislativa. Nesta perspectiva, Teixeira de Sousa manifesta grande inconformismo perante tal mudanga, alertando para as situag6es de desproteccao de uma orientacao restritiva’’. Na mesma linha, de modo menos enfatico, Pedro Nunes alerta para aquilo que em sua opiniao, fepresenta o esvaziamento de contetido do artigo 5° do Cédigo de Registo Predial”*. Ao invés, outros reconhecem a orientagdo restritiva como a mais adequada para promover a coeréncia do principio da consensualidade, em sede registal®”. Todavia, a questdo extravasou a estrita antinomia entre a nogdo ampla e a nogao restritiva de terceiro para efeitos registais, tendo em conta a ampla variedade de alternativas"’ e a defesa de que a nocdo legal adoptada nao esgota a concep¢ao de terceiro para efeitos registais no Direito positivo. Efectivamente, José Alberto Vieira considera a nogdo de terceiro do n° 4 do artigo 5° aplicavel as situagées de dupla alienagao, mas inaplicavel as previstas nos artigos 17° n° 2 e 122° do Cédigo de Registo Predial e 291° do Cédigo civil" Pela nossa parte, apesar de entendermos que os artigos 17° n° 2 e artigo 122° do Cédigo de Registo Predial no contém uma nogao de terceiro, ao invés do n® 4 do artigo 5°, onde o legislador deixa claro que a no¢do nao & apenas aplicavel a este preceito mas a fodo o articulado do registo predial, temos duividas de que a vexata quaestio contribua para solucionar as questées concepeto resrita de teociros provoca resultados inadmissiveis, CE. “Sobre a. Eftdcia Venda Executva” in Cadernos de Dieto Privado 1° 2, 2003, p. 61; Algo de semelhante € dito por Joo Paulo Remédio Marques, Curso de Processo Executvo Comum A Face do Cédgo Revsto, Coimbra, 2000, pp. 219 esegs. °" Teixeira de Sousa sublinha a desproteccao do credor exequente e a incompatibilidade com a eficdcia extintva da vena exeeutiva, Cf, “Sobre @ Coneeito de Teretiros para Efitos de Registo™ in Reviva da Ordem das Advogatos, 199, pp. 43 ¢ ses ** Cf, Pedro Nunes, “Anélise Metodolégica do Acérdio do Supremo Tribunal de Justiga n° 3/99 Sobre 0 Canccito de Terciros Para Eitos de Riso" in Mh 11,2005, pp. 302303, » Couto Goncalves partilha desta orientagio quando refere que o adquirente regista, nao para constituir um dreito real mas para o consfidar. Acrescenta snda que o artigo * do Cédigo de Regist Prdial ndo pve desvirtar a norm civilisa do artigo dO8" a I. C"A Aplicagao..”in op et p50, * Paulo Henriques recusa a idcia de reduzir a complexidade da questio A nogio ampla, restrita ow intermédia de terceio, Segundo el, as altematias seria, no minim, oto pelo que qualquer redusio ou simplificgdo gerariaequivoco. CE “Tercers..” in op. ct pp. 24-3 4" José Alberto Vieira defende que 0 conceita de tercciro possti, para efeitos de protecgdo registal, uma extensto maior do que a que resulta don 4 do artigo 5*-Oterceiroprotgido pelos artigos 17° 2, 122° do CRP e 291° do COtigo Civil seria distinto do outro. previsio pelo artigo SCE. “A Nova Obrigntorednde de Repstar Se linpaco sabre Aqusiio de Dieitos Reais Sobre Coiss Imoveis ea Seguranga no Comécio Furiico Imobiisio” in Estudos em Homenagem ao Projessor Deutor Sirvlo Corrta, Coimbra, 2010, p. 100. intiva da emergentes dos efeitos do registo predial. Alids, se reflectirmos sobre algumas das formulagées doutrinarias, verificamos que o propésito nao esta verdadeiramente dirigido ao que se deva entender por terceiro mas, ao fim e ao. resto, a necessidade de justificar o alcance de determinados efeitos registais que se apoiam numa ideia de terceiro, por vezes afastada da letra e do espirito da lei 5* Efeito atributivo no artigo 5°? Colocando a problemdtica do terceiro na sua verdadeira dimensao, devemos prosseguir de modo a procurar dilucidar a divida que contamina aquela problematica. En | nossa opinido, 0 fulcro de toda a questao reside em saber se 0 artigo 5° contempla um efeito atributive semelhante ao previsto nos artigos 17° n°2 e 122° do Cédigo de Registo Predial. Devemos sublinhar que 0 efeito atributivo do registo consiste uma excepgao aos principios caracterizadores do nosso sistema registal. Por isso, agiremos com cuidado ao analisar 0 alcance daquele efeito no conjunto das normas registais. Consideramos ser uma metodologia adequada partir dos preceitos que claramente consagram o efeito atributivo para, de seguida, estudar 0 artigo 5° do Cédigo de Registo Predial. Ora, como se sabe, 0 n° 2 do artigo 17° € 0 artigo 122° do Cédigo de Registo Predial prescrevem, expressis verbis, a protecgao dos direitos de terceiro perante a ocorréncia de uma vicissitude, a nulidade ou a rectificacdo do registo. Segundo o artigo 17° n? 2° a declaragao de nulidade do registo nao prejudica os direitos adquiridos a titulo oneroso por terceiro de boa fé, se 0 registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acco de nulidade. Nos termos do artigo 122%, a rectificagao do registo nao prejudica os direitos adquiridos por terceiro de boa fé, se 0 registo dos factos correspondentes for anterior ao registo da rectificagao ou da pendéncia do respectivo processo. Ainda no que respeita a protecgao do terceiro de boa fé, 0 artigo 291° do Cédigo Civil acautela os direitos de terceiro perante a declaragao de nulidade ou de anulacéo de um negocio juridico que respeite a bens iméveis ou bens méveis sujeitos a registo. Se estas trés prescrigdes legais consagram, indubitavelmente, um efeito atributivo, sera que encontramos algo de semelhante no artigo 5°? Uma apreciagao perfunctéria s6 pode concluir em sentido negativo. Efectivamente o 10 artigo 5° ndo refere a protecgéo de direitos de terceiro, perante algumas vicissitudes registais ou substantivas. Como vimos, trata, no n° 1, de uma eventual oponibilidade a terceiros, o efeito consolidative ou confirmativo, no n° 2 das excepgdes que, por sua vez, representam o efeito enunciativo e no n? 4 de nogao de terceiro para efeitos de registo. Acrescem ainda os n° 3 e n° 5, relativos a inoponibilidade da falta de inscrigdo registal aos interessados e a inoponibilidade a terceiros de arendamento nao registado, com duracdo superior a seis anos, respectivamente. Em sintese, suscita-se legitimamente a questao: sera que existe algo que escape a um intérprete médio e diligente? Se voltarmos a reinterpretar as. preceitos citados responderemos negativamente mas se compulsarmos parte muito significativa da doutrina e da jurisprudéncia portuguesas, constatamos a defesa do efeito atributivo. Ou seja, além do efeito consolidativo, o artigo 5° encerra ainda um efeito atributivo ou aquisitivo. Ou de outro modo o artigo 5° conteria, simultaneamente, um efeito consolidativo e um efeito_atributivo. Também se desvaloriza a perspectiva consolidativa e se encontra, principalmente, no artigo 5°, um efeito atributivo. Alias, cumpre sublinhar que esta orientagéo desvalorizadora do efeito consolidativo, busca raizes numa linha argumentativa que nem sequer the atribuia relevancia ou autonomia® Em nossa opinido, José Alberto Vieira desvaloriza o efeito consolidativo ao reconhecer, sem mais, que o registo evita a aquisicdo tabular de um terceiro”, para, de seguida, a propésito do efeito atributivo, conferir especial relevancia ao proprio artigo 5°. Embora reconhega que o sentido literal pode indicar que 0 direito real s6 tem oponibilidade contra terceiro se houver registo, de seguida, recusando a perspectiva literal, sustenta que o objectivo do artigo 5° reside na protecgéo de um terceiro que, confiando na aparéncia de uma situagao registal desconforme a realidade substantiva, celebra um negécio @ regista a sua aquisigéo“*. Nestes termos, tendo em conta o desiderato protector para terceiro que contrata com o que figura no registo como titular“, o registo * Menezes Cordeiro no se impressiona com a eliminago do risco por via do registo tempestivo. Acrescenta que a correspondente inserigdo, que se diz. consolidativa, nto configura um efeita auténomo de registo. CE. Direitas...op. cit. p. 392 “CE José Alberto Vieira, Direitas...op. cit, p. 288. “+ A desconformidade com a realidade substantiva assentaria nos casos de registo incompleto em que 0 terceiro adquire um direito e regista 0 facto correspondente. Ibidem, p. 292 © Thidem, p. 295, representa a cortelativa extingao de uma primeira aquisicdo, nao registada, a favor das pretensées do terceiro de boa fé*°. Também Clara Sottomayor perspectiva o artigo 5° como o preceito que da especial proteccéo a terceiro, representando séria limitagdo a eficacia absoluta dos direitos reais, com prevaléncia da confianga daquele terceiro na titularidade aparente do transmitente*’. De tal sorte o efeito atributivo se afigura importante no seu contetido que Sottomayor decide destacé-lo, a par do efeito proprio do artigo 291° do Cédigo Civil, nos seguintes termos: se no artigo 5° existe um conflito entre adquirentes do mesmo transmitente, no artigo 291° ha um conflito entre o primeiro transmitente e 0 iiltimo subadquirente de uma cadeia de nulidades*. Diferentemente, procurando equiparar os efeitos consolidativo e atributivo do artigo 5°, Menezes Leitao atribui relevo a ambos, procurando-os distinguir, a partir de um mesmo patamar. Quanto ao primeiro efeito, caracteriza-o como verdadeira consolidac4o do direito do adquirente porque, depois do registo, o pode opor perante terceiros, de modo eficaz, pois nao abala os principios da consensualidade e da causalidade do artigo 408°. Quanto ao segundo, parte do mesmo ntimero do artigo 5°, 0 n® 1, afirmando que a aquisigéo tabular se funda na circunstancia de os factos sujeitos a registo 86 produzirem efeitos contra terceiro depois da data do registo, exigindo uma dupla alienagao ou oneragao e o registo prévio da segunda alienagao™. Adoptando uma equivaléncia semelhante, jé Oliveira Ascensdo e Carvalho Fernandes haviam colocado, ao mesmo nivel, ambos os efeitos imputados ao artigo 5° do Cédigo de Registo Predial. Na opinido de Oliveira Ascenso, o registo consolidativo no confere oponibilidade suplementar, a eficacia absoluta existe ab initio, mas, no entanto, pode ser afastada se outrem adquirir posteriormente um direito incompativel e 0 registar antes do primeiro titular do direito™’. Quanto ao efeito atributivo, entende o artigo 5° aplicavel as incompletudes registais, pelo que o terceiro pode ver a respectiva situagao * CE José Alberto Vieira, “A Nova Obrigatoriedade...” in op. cit. p. 99. © CE Maria Clara Sottomayor, Invalidade,..op. cit, p.. 338. * tidem, p. 338, # CE Luis Menezes Leitto, Direitos Reais, 2° ed., Coimbra, 2011, pp. 268 e segs. ® Ibidem, p. 272. * Deste modo, o registo assume a natureza de uma resolugdo do direito de outrem, Cf, Oliveira Ascensio, Direito Civil:Reais, Coimbra, 1993, p. 362. protegida se houver um registo preexistente e se proceder primeiramente 4 sua inscrigao™. Carvalho Fernandes, por seu turno, configura o registo consolidativo como requisito de oporibilidade a terceiros de actos que a ele estdo sujeitos™ e o efeito atributivo ou aquisitivo o que atribui a um negécio invalido uma eficacia que nao Ihe era garantida pelo direito substantivo™. De outro modo, atingindo 0 mesmo propésito, mas sem destacar ou sequer mencionar, de modo equivalente ou prevalente, os efeitos consolidativo € atributivo, outros autores ja haviam reconhecido ambas as virtualidades do ‘supra-citado preceito legal. Nessa perspectiva, Antunes Varela, comentando o artigo 5° e a posigao de Vaz Serra sobre o artigo equivalente a este, no Codigo anterior, concorda com o seu teor e com a seguranga dada pelo registo, uma vez que os actos susceptiveis de prejudicar o adquirente nao Ihe sao oponiveis se nao registados®. Avangando um pouco mais, considera que o registo nao assegura apenas que, pertencendo 0 direito aquele em cujo nome se encontra inscrito, ele ndo constitui sobre o imével encargos, além dos inscritos no registo, assegura ainda que o mesmo sujeito nao o alienara anteriormente a outrem®. Assim, a alienagaéo de um imével feita anteriormente pelo transmitente, que no registo continua inscrito como titular do prédio, nado produz efeitos contra 0 adquirente posterior que registou a aquisigao, em primeiro lugar”. Isso significa que 0 adquirente posterior néo adquire do verdadeiro titular mas adquire em virtude de ter registado primeiramente, consistindo o registo, como ¢ bom de ver, numa aquisigao por via do registo, um efeito atributivo ou aquisitivo, desta feita por via do artigo 5°. Mas serd assim? Estamos de acordo com o reconhecimento de que a principal fun¢éo do artigo 5° consiste em limitar o principio da consensualidade™, pois, apesar de estarmos perante um negécio valido, que produz efeitos reais, estes efeitos podem ser destruidos por via da aquisicéo atributiva a favor de outrem, nos termos do artigo 291° do Cédigo Civil ou dos artigos 17° n° 2 ou 122° do Cédigo de Registo Predial. Em virtude da vicissitude * A expressto utilizada a favor deste terceiro também é, curiosamente, uma consolidagao. Todavia, no da ttularidade, mas de um registo preexistente. Cf, Oliveira Ascensio, Dirvito...op. cit. p. 373, © Cf, Carvalho Fernandes, Ligdes...op. cit, p. 129, “ Ibidem, p. 137. © Cf, Antunes Varela, “Anotagdo” in op. cit, p. 314 * Ihidem, p. 314 © idem, pp. 314-5. * CE Maria Clara Sottomayor, Jvatidade...op. cit, p. 338. acima descrita que acautele a proteccao de um terceiro de boa fé que regista uma aquisicao a titulo oneroso, em detrimento daquele que, apesar de ter celebrado um contrato valido, vé a sua pretensao desvalorizada, em virtude de ndo ter registado Duvida-se ou melhor contesta-se que 0 préprio artigo 5° reconheca um outro efeito aquisitivo na sua propria prescrigéo normativa. Consideramos esse raciocinio contraditério e dificilmente inteligivel. Como pode o artigo 5° prever a oponibilidade a terceiro de um direito de um titular e, simultaneamente, abranger a eficdcia da pretensao de um terceiro que registou? Alias, intuindo a contradicao, José Alberto Vieira escreve que o n° 1 do artigo 5° nada tem a ver com a oponibilidade do direito real". Salvo o devido respeito, 0 n° 1 do artigo 5° nada tem a ver com o efeito atributivo, respeitando apenas ao efeito consolidativo e, por isso mesmo, a um fortalecimento da oponibilidade do titular perante terceiros. Em nossa opinido, 0 n® 1 do artigo 5° pode representar, quanto muito, um entreabrir de porta, uma compatibilizacao do efeito aquisitivo ou atributivo, exactamente em sede do proprio efeito consolidativo. Nada mais do que isso Sendo vejamos. Aquele que nao registar, que nao consolidar 0 seu direito, artisca-se a sobrevir 0 efeito aquisitivo, em virtude da estrita aplicago, nao do artigo 5°, mas dos artigos 17° n° 2 e 122° do Cédigo de Registo Predial ou do artigo 291° do Cédigo Civil, desde que os respectivos requisitos se encontrem totalmente preenchidos. E isto que 0 n® 1 do artigo 5° pretende dizer. Nada mais. Assim, perante a eventualidade de um efeito atributivo a favor de um lerceiro, 0 verdadeiro titular pode evitar aquele efeito, desde que registe, consolidando a respectiva pretensdo, Como a epigrafe do preceito e 0 n® 1 indicam, 0 arfigo 5° ndo se aplica a terceiros nao titulares — para isso dispomos dos preceitos relativos ao efeito atributivo — mas antes ao sujeito que adquiriu o bem ao verdadeiro titular e que pretende acautelar o seu direito, de modo a tomé-lo inatacdvel perante terceiros. O artigo 5° néo encerra qualquer conflito entre um titular inscrito e outro nao inscrito™, mas a susceptiblidade de proteger, de modo consolidativo ou confirmativo, o titular de um direito, caso decida inscrever no registo o facto a salvaguarder. © Ct, José Alberto Vieira, Direitas...op. ct, p. 299. Perspectiva defendida por Ménica Jardim, “Seguranga..." in op. ct, p. 393 Alids, a perspectiva descrita é mais légica, dota de maior coeréncia o préprio sistema registal. Sendo vejamos. Se o efeito atributivo representa uma excep¢ao ao principio nemo plus iuris in alum transferre potest quam jpse habe" e ao principio da consensualidade, se sé alguns preceitos fundam a aquisi¢do tabular, a leitura proposta, ao afastar do ambito excepcional o artigo 5°, confere menor amplitude a0 efeito atributivo do que as demais interpretagdes. Além disso, adequa-se A letra da lei, porque, como vimos, 0 artigo 5° nao reconhece o efeito atributivo expressis verbis mas $6 nos outros artigos supra-citados e desde que se reconhega o titulo oneroso € o terceiro de boa fé. Reitera-se a inaceitabilidade da perspectiva oposta. Nao ha, como se sabe, um principio geral de protecgao de terceiro mas somente uma aquisicao tabular a favor de terceiro, em situagées excepcionais. Tais situagées devem estar necessariamente previstas na lei, constituindo 0 niicleo protector do terceiro de boa fé, em detrimento do usual ambiente favoravel ao adquirente legitimo. Como tal, aquele niicleo, de natureza excepcional — o efeito atributivo ou aquisigao tabular — implica um metodologia estrita, incompativel com a interpretagéo analégica ou mesmo com uma interpretagao extensiva. Nestes termos, ndo conseguimos acompanhar os autores que reconhecem 0 regime excepcional da proteccao de terceiros do registo atributivo, mas que nele incluem, além dos artigos 17° n° 2 e 122° do CRP e 291° do Cédigo Civil, © proprio artigo 5%. Os outros elementos de interpretacdo, os factores hermenéuticos™, também nao ajudam a equacionar 0 suposto efeito do artigo 5°. Como vimos, se 0 elemento gramatical concorre para afastar 0 efeito atributivo daquele preceito, temos de assentir que os préprios elementos histérico e racional nao permitem solidificar tal efeito. Quanto ao elemento racional ou teleolégico, o intuito do artigo 5°, indicado pela respectiva epigrafe 6 o de promover o reforgo da oponibilidade a terceiros de factos sujeitos a registo por parte do legitimo titular. Nao prescreve, como se compreende, uma causa autonoma de Heinrich Ewald Hrster dt especial relevo a excepgio a este principio, segundo o qual nfo se permite transferir mais do que se tem, a propésito do estudo do efeito atibutvo, CF. “Efeitos do Regist, Terecitos, Aquisigao a Non Domino” in Revista de Diretoe dla Economia, n° &, 1982, p. 119 ¢ sess ° José Alberto Vieira reconhece como excepcional a protecsaa do terceiro de boa Fé que no permite fandamentar idéntica tutela noutros preceiteslegas, lém dos artigos 5° n° I, 17° n° 2.¢ 122° do CRP edo artigo 291° do Céaigo Civil. CE“ A Nova..." in op. cit, p. 103 Expressio usada por Jodo Baptista Machado, Introd ao Direito e ao Discurso Legiimador, Coimbra, 2007, p. 181 oponibilidade de terceiro que, como o nome indica, nao , por si s6, titular da coisa. Sobre 0 elemento histérico, lembremos que 0 artigo 5° corresponde ao antigo artigo 7° do Codigo de Registo Predial de 1967 que, por sua vez, se inspirou, enquanto projecto, no preceito do Cédigo italiano mas cuja versao final se afastou radicalmente dele, como por todos reconhecido. Nao estamos s6 convencidos da justeza do raciocinio proposto como entendemos que a orientacéo inversa — feito altibutivo do artigo 5° — enfrenta fragilidades importantes e contradigdes inquietantes. Fagamos um simples exercicio: admitamos, como hipétese de trabalho, o efeito atributive do artigo 5°. Mas temos logo um sério problema. Como se sabe, o efeito atributivo nao pode ser desencadeado de modo automatico, mediante o aparecimento de um terceiro adquirente. O efeito atributivo sé merece acolhimento quando, apos uma verificagao cumulativa, se reconhece existir, pelo menos, os seguintes requisitos™: preexisténcia de um registo desconforme, registo posterior incompativel, boa fé e onerosidade. Porém, quando tentamos apurar os requisitos propostos pelos apoiantes do efeito atributivo no artigo 5°, constatamos, de modo muito significative, que 08 tais requisitos nem sempre coincidem com os indicados para sustentar a aplicabilidade do efeito atributivo nos outros artigos do Cédigo de Registo Predial ou no artigo 291° do Cédigo Civil. Tem mais, Nao s6 se verifica uma dissemelhanga, como, por vezes, os requisitos séo menos numerosos ou até limitados & mera exigéncia de um terceiro que regista. Nao podemos deixar de sublinhar que este raciocinio revela uma postura assaz contraditéria sobre a admissibilidade, a titulo excepcional, do efeito atributivo, Examinemos, com maior atengao, alguns argumentos da doutrina que partilha este ponto de vista. Assim, Antunes Varela comeca por sublinhar diferengas entre os requisitos proprios do artigo 291° do Cédigo Civil e os do artigo 5° do Cédigo de Registo Predial, sustentando que a boa fé nado deve “ Indicamos os requisites de maior consenso entre os estudiosas do efeito atributivo, Nao procuramas a exaustividade nem indicamos o requisito dos trés anos, exclusive do artigo 291° do Cédigo Civil Reconhecemos ainda que nem esses requisites tém desempenhado o papel de denominador comum, entre 10s demais requisitos propostos. Cf Oliveira Ascenso, Direito...op. cit, pp. 376 © segs; Menezes Cordeiro, Direitos..., Vol. I, pp. 378 segs; Carvalho Femandes, Ligdes...op. cit, pp. 129 e segs; Anténio Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra, 2007, pp. 65 segs; Rui Pinto Duarte, Curso...op. cit. pp. 138 e segs; Menezes Leitio, Direitos...op. cit, pp. 272 ¢ segs; José Alberto Vieira, Diretos...op. cit, pp. 292 e seus. 16 integrar 0 quadro préprio do efeito aquisitivo deste ultimo preceito legal®. Sob perspectiva semelhante, Ménica Jardim propée a eliminagao da onerosidade e a inexisténcia de um conceito unitario de terceiro do registo predial, acentuando também a diferenga entre os requisitos do artigo 5° e os requisitos dos outros preceitos configuradores do registo atributivo™. Paulo Henriques pretende ainda ir mais longe, considerando inexistirem razées para colocar a onerosidade ou a boa fé no elenco de requisitos préprios do efeito atributivo do artigo 5°, Relativamente onerosidade, considera nao ser importante distinguir entre o interesse do adquirente a titulo oneroso e 0 adquirente a titulo gratuito mas verificar, em vez disso, quem acautela os seus interesses, inscrevendo o facto no registo competente, e quem os nao acautela’’. Sobre a boa fé, reputa- a de itrelevante e a respectiva exigéncia susceptivel de inviabilizar a publicidade da situagéo dos bens e, assim, frustrar a estabilidade e a seguranga do comércio imobilidrio™. Discordamos, como ¢ dbvio, da desvalorizagao dos requisitos que se afiguram, em nossa opinido, estruturantes do proprio registo aquisitivo. Ao enfatizar-se a seguranga e a confianga promovida pelo registo, nem se percebe como pretende premiar-se 0 sujeito que se aproveitar da inscrigao registal, bem sabendo nao ser o legitimo adquirente. Admitir esta possibilidade contribuiria para abalar os fundamentos do reconhecimento do registo atributivo, em concretas e restritivas situagdes. Em vez de protegermos aquele que confia no registo, protegeriamos o que se aproveita de um registo desconforme, o que consegue registar antes do verdadeiro titular. Mesmo que, para a prévia inscrigo, tenha usado de estratagemas, de uma actuacao reprovavel ou fraudulenta. Insistimos, assim, na exigibilidade da boa fé do adquirente que regista, em primeiro lugar, de modo a assegurar 0 desconhecimento nao ea culposo da existéncia de direito de outrem®. A exigéncia da boa fé deve ser Antunes Varela considera que 0 valor ético-juridica da boa fé, consagrado no Cédigo Civil, no pode reduzir a eficacia do registo. Cf “Anotagio” op. cit, pp. 308 ¢ sees "Para Ménica Jardim o terceiro referido no artigo 5° nfo ¢o terceiro do artigo 17° n° 2¢ 0s interesses do adquirente, a titulo gratuito, que regista prevalecem sobre o que niio acautelar os seus préprios interesses. Cf.“A Seguranga...” in op. cit, pp. 395 e segs. "CE Paulo Henriques, “Terceiros...” in op. cit, p $2 © CE Paulo Henriques, “Terceires...” in op. cit, p. 59, “ Para Carvalho Fernandes, que até dispensa a onerosidade, a boa fé do adquirente no deve ser afistada, sob pena deo terceiro ndo poder ser tutelado para efeitos do registo predial, Cf. “Terceiras...” in op. cit, p. 1310, sublinhada, tanto mais que se preconiza uma concepgao ética, ndo 0 mero desconhecimento psicolégico da tutela de outrem”. Quanto a onerosidade, apesar de reconhecermos a sua menor importancia, perante a boa fé, a subsisténcia deste requisito encontra-se prescrito em todos os artigos préprios do registo atributivo’’, pelo que nao se encontra motivo atendivel para o excluir. Os inconvenientes do reconhecimento do registo atributivo no artigo 5° nao ficam por aqui. Se o admitissemos, com inerente aligeiramento ou supressdo dos respectivos requisitos estruturantes, designadamente a boa fé, poderiamos erigir 0 seguinte paradoxo: embora reconhegamos que o registo predial nao & condicgao de validade do acto e nao possui, de um modo geral, efeito constitutivo, a aceitagdo de um efeito aquisitivo, com base numa forcada interpretagao do artigo 5° dispensadora dos préprios requisitos dde aquisigao tabular, pode contribuir para criar uma nova uma funcdo registal. Reparemos no seguinte: no efeito constitutivo, a causa aquisitiva origina a inscricdo registal que, depois, reconhece a existéncia e a validade do direito. Com a descrita interpretagdo do artigo 5°, permitiriamos a um sujeito, sem causa aquisitiva e sem requisito justificativo, a aquisigao de um direito correspondente ao facto inscrito, apenas porque o conseguiu inscrever. Nao interessa a motivagao, 0 engenho ou arte. Nao interessa se 0 sujeito esté de boa fé, se houve compra e venda ou se 0 acto de disposi¢ao foi praticado com base na situagao registal desconforme. Basta ter registado, em momento anterior ao adquirente legitimo, Seria o plano factual da inscrigdo a sobrepor-se aos demais. Dai ser mais gravoso e bem diferente do efeito constitutive”. Teriamos uma “nova “formula registal’, criadora de direitos, que nos causa a maior perplexidade e preocupacéo, além de uma fundada discordancia, motivada na compatibilizagao deste raciocinio com o nosso Direito positive ® Oliveira Ascenso, em defesa da concepcio ética da boa f&, considera niio bastar @ mero facto psicotégico do desconhecimento da desconformidade. Cf. Direito....op. cit, p 377. De acorda com a mesma perspectiva, José Alberto Vieira socorre-se do n® 3 do artigo 291° do Cédigo Civil, aplicando-o a todas as hipéteses de efeito atributivo do registo predial. Cf. Direitos...op. cit, p. 298. * José Alberto Vieira também no prescinde do requisito da onerosidade. Vai mais longe, ao reconhecé- lo no artigo 5°, com base no argumento sistemitico extraido a partir dos artigos 17° n°2 e 122° do CRP e 291° do CC. Ck. Diveitos...op. cit, p. 298. Ménica Jardim reconhece que 0 registo do segundo adquirente desempenha uma funsio constitutiva pois 0 registo de um negécio invalido atribui um direito ao titular inserito, em detrimento do anterior adquirente. CE “A Seguranga...” in op. cit. p. 389. 18 6* 0 Registo, a penhora e a venda executiva Apesar de 0 artigo 5° nao parecer consagrar o efeito atributivo, tem-se argumentado, por vezes a fortiori, com a necessidade de manter a interpretagao relativa ao efeito atributivo, de modo a proteger o efeito derivado dos registos da penhora ou da venda executiva, Cumpre indagar o seguinte: serd isto possivel? Serd que a proteceao do sujeito que promove os registos da penhora ou da venda executiva justifica aquela interpretagao do artigo 5°? Antes de responder a estas questdes, cumpre atentar nos preceitos directamente aplicdveis, consagrados nos Cédigos Civil e de Proceso Civil Por um lado, 0 artigo 819° do Cédigo Civil determina que, sem prejuizo das regras de registo, séo inoponiveis a execugdo os actos de disposicéo ou oneragao de bens penhorados. Por outro, 0 artigo 838° n° 4 do Cédigo de Processo Civil impée um registo definitivo da penhora antes da consignagao judicial ou da venda. Aliés, algo de semelhante sucedia na antiga redacgao do n° 4 deste preceito do Codigo de Processo Civil. Alids, dizer que a penhora sé produzia efeitos depois da data do respectivo registo, nao pode significar mais do que isto mesmo. Também as ilagdes da sua alteragdo ndo podem motivar uma forgada extrapolagao”’. Assim, sem prejuizo de uma analise mais profunda, parece que o regime acima descrito ndo é susceptivel de prefigurar uma inatacavel proteccao para o sujeito que regista Se 0 beneficidrio do registo é o exequente e o executado ainda ¢ o titular do direito, um terceiro nao pode obter, depois disso, um registo definitive a seu favor. Diferente sera 0 caso de o executado ja nao assumir a titularidade do bem. Neste caso, se o terceiro registar a aquisicao, o registo posterior da penhora pode néo ser suficiente para proteger as pretensdes do exequente Por isso, 0 exequente nao é imune a situagdes incompativeis com a satisfagao do seu crédito sem reflexo no registo no momento do registo da penhora mas com efeito posterior. Como refere Paula Costa e Silva nem 0 acto de ” Depois de colocar a hipstese de saber se o legislador pretendeu dar alguma indicagio com a alterago do n® 4 do artigo 838°, v. g, influenciar a interpretagdo do n? 4 do artigo S* do Cédigo de Registo Predial, Mariana Gouveia reconhece que isso nfo sucedeu. Acrescenta ainda que, quanto muito, 0 legislador deixou antever que a problemdtica do terceiro para efeitos de registo deve ser regulado pelo registo predial e ndo pelo Cédigo de Processo Civil. Cr. “Penhora de Iméveis e Registo Predial na Reforma da ‘Acgio Executiva” in Cadernas de Direito Privado, n° 4, 2003, p. 33, Em idéntico sentido, defendendo ue esta alteragao legislativa nfo atinge a questio relativa ao conceito de terceiros para efeitos de registo predial, ef: Luis Couto Goncalves, “Terceiros.." in op. cit, p. 932. nomeagdo A penhora nem o despacho ordenatério de penhora conferem ao exequente uma garantia de imobilizagao juridica dos bens penhorados™. Também a alteragaéo do artigo 819° do Cédigo Civil ao introduzir a expressao “inoponiveis’, em vez de “ineficazes’, ndo dota o registo da penhora de uma eficacia indestrutivel”®, incluindo o afastamento de registos posteriores de factos correspondentes a direitos incompativeis com as pretensdes do exequente. Como se percebe, 0 artigo 819° pretende dizer o seguinte: os actos de disposigao ou de oneragéo de bens penhorados sao inoponiveis. De outro modo, regula os actos relativamente a bens penhorados no momento da disposigao ou da oneragao. Nada diz sobre os actos praticados antes de o bem ter sido penhorado. Quanto a esses, tanto os principios do registo como a inteligibilidade do preceito concorrem para solidificar a ideia de que eventuais actos de disposigao nao sao ineficazes. Alids, nem 0 artigo 824 n° 2 do Cédigo Civil concorre para uma protecgdo indestrutivel, dado prescrever que os bens so transmitidos livres de direitos reais que nao tenham registo anterior ao de uma penhora, com excepcao dos que, consfituidos em data anterior, produzam efeitos em relagao a terceiros independentemente de registo. Avaliando tudo isto, devemos aceitar a ideia de que uma outra interpretagdo do artigo 5° n° 4, nao a interpretacao literal ou histérica”®, permite solucionar situagées socialmente relevantes, nomeadamente as do direito do penhorante? Temos de convir, por um lado, que a ideia de atribuir maior relevancia ao registo da penhora ndo é nova. Mas nem mereceu, noutro tempo, grande acolhimento na doutrina nacional e estrangeira”’. Entre nés, basta pensar na posigéo de José Alberto dos Reis, ao reconhecer como efeito da penhora, a apreensdo judicial dos bens respectivos e ao sustentar que tal efeito no consiste na expropriagdo da faculdade de dispor, mas antes na sxequente e Terceiro Adquirente de Bens Nomeados & Penhor Ordem dos Advogadlas, n° $9, 1999, p. 329. ** Para Ménica Jardim, embora a nova redacyio no elimine todas as diividas, a penhora posterior, registada antes do registo de venda, assume prevaléncia sobre cla, sob pena de se adoptar uma regra de inoponibilidade fragmentiria prejudicial para o credor penhorante. "A Seguranga..." in op. cit. p. 407 *© Couto Gongalves reconhece a interpretacio literal e histérica do n® 4 do artigo 5°, favordvel a uma solugio de protecedo do adquirente em detrimento do penhiorante. Cf. “Terceiros para Efeitos de Registo ea Seguranga Juridica” in Estudos em Homenagem do Professor Henrique de Mesquita, Vol. 1, Coimbra, 2009, p. 930. CE Domenico Rubino, La Futtispecie e Gli Effet Giuridici Preliminari, Milo, 1939, pp. 469 ¢ sexs. in Revista da 20 criagéo de um estado de indisponibilidade relativa’’. Também Vaz Serra admite a ineficacia da alienacao dos bens penhorados”. Alids, mesmo depois da proposta de alteragao do Cédigo Civil, no sentido de consagrar a ineficacia das alienagdes posteriores a penhora™, continua a reconhecer que a lei substantiva ndo resolve o problema”. E exactamente a partir deste ponto, da impossibilidade de resolver a questo no plano substantivo, que a doutrina o tenta resolver no plano registal. Como nao existe um preceito atinente aos efeitos do registo da penhora, no Cédigo de Registo Predial, os autores socorrem-se da maior amplitude da nogao de terceiro, com o intuito de promover a resolugao do assunto que os preocupa. O proprio Vaz Serra admite, de modo muito claro, este raciocinio quando, apés a andlise da inadequacdo dos preceitos vigentes, afirma o seguinte: “saber, pois, se os actos de alienacao anteriores 4 penhora sujeitos a registo e registados depois do registo desta so ou nao eficazes em relagdo ao penhorante, depende de este poder ou nao considerar-se como terceiro para efeitos do registo predial*. Assim, depois de assinalar esta importante encruzilhada, opta por uma resposta afirmativa, nos termos da qual o penhorante é terceiro e, ao penhorar a coisa, consegue que ela fique afectada aos fins da execugdo™. ‘Aquela via, trilhada por autores que se dedicam ao estudo da acgéo executiva, pode revelar-se sedutora, tendo em conta os resultados pretendidos. E exactamente esse o percurso de Carvalho Fernandes. Partindo da concepgao ampla de terceiro subjacente ao primeiro acérdao uniformizador de jurisprudéncia, entende ficarem abrangidos pela tutela registal dos terceiros de boa fé os que registam o arresto, a penhora, a hipoteca judicial e a apreensdo ® Cf José Alberto dos Reis, “Venda no Processo de Execugio” in Revista da Ordem dos Advogados, 1972, p.4 "* Vaz Serra reconhece a discussio da inalienabilidade dos bens penhorados em face do Cédigo Civil de 1867 © do Cédigo de Provesso Civil de 1876 , mas defende que a alienagio voluntiria dos bens Penhorados 96 pode considerar-se inadmissivel enquanto ofender os interesses da execugaio. Por conseguinte, a alienagio dos bens penhorados nfo deve ser nula mas ineficaz em beneficio da execugio Vaz. Serra, “Realizagio Coactiva da Prestagio (Execucio), in Boletim do Ministério da Justica, n° 73, 1958, pp. 146-7. *° © Anteprojecto determinava, no artigo 403°, a ineficdcia em prejuizo do penhorante e dos demais credores intervenientes na execugdo, das alienagdes que a lei sujeita a registo, se nfo forem registadas antes da penhora "CE. Vaz Serra, “Anotagao” in Revista de Legislagdo e de Jurisprudeéneta, n° 103, 1970-1, p. 161 Ibidem, pp. 161-2, * Ibidem, p. 162. de bens em processo de faléncia™. Acrescenta ainda, a titulo de justificacao, que do regime contido no artigo 819° do Cédigo Civil e do artigo 838° do Codigo de Processo Civil nao parece poder extrair-se argumentos contra a concepgao ampla de terceiro®*. Todavia, tanto o segundo acérdao uniformizador de jurisprudéncia como a subsequente actividade do legislador, ao incluir uma nogao restritiva de terceiro no n° 4 do artigo 5°, parecem ter obstaculizado uma via que tanto apoio reunira na doutrina. Dai a critica de Teixeira de Sousa ao segundo acérdao, lamentando que ele tenha desfavorecido o credor exequente e, sobretudo, duvidando que seja conciliével com a oponibilidade a terceiros da penhora registada, consagrada no Cédigo de Proceso Civil®. Mais tarde, depois da entrada em vigor do n° 4 do artigo 5°, continua a verberar a nogdo restritiva porque a entende responsdvel por uma contradigao insanavel perante o artigo 824° n° 2 do Cédigo Civil, uma vez que permite oposi¢ao a penhora da parte de um titular de um direito atingido pelo efeito extintivo da venda executiva, nos termos deste preceito do Codigo Civil®”. Remédio Marques, adoptando a mesma perspectiva critica, defende a aplicabilidade do artigo 5° a resolugéo de conflitos entre o exequente penhorante ou o adquirente da venda executiva e o adquirente que registou a sua aquisigéo depois do registo da penhora®’. Nestes termos, porque a resolucao do conflito é favordvel aos primeiros e a coisa fica numa situagao de indisponibilidade para o executado, porque a aquisigdo da venda executiva 6 a consequéncia da penhora, nos termos dos principios do trato sucessivo e da prioridade, o direito de propriedade do adquirente antes da data do registo da penhora nao pode prevalecer®’. Alias, mesmo que este entenda requerer a anulacdo da venda executiva, a acgao de reivindicagao ndo procede porque a venda assume a natureza de uma aquisicao derivada™. Cf, Carvalho Fernandes, “ter Idem, p. 1315 e segs. Teixeira de Sousa defendia ainda a compatibilizaydo do artigo 5° do CRP, antes da incluso do n® 4, com o artigo 838° n® 4 do CPC. CF. “Sobre o Conceito...” in op. cit, pp. 35 e segs, °'Cf, Miguel Teixeira de Sousa, “Sobre a Eficdcia...” in op. cit, pp. 61-2. 5 A prioridade do registo da penhora determina que a coisa fique afecta aos fins da execugio, pelo que o Estado, a0 agir em substituigio do executado, nfo se afasta da previsio de terceira do n® 4 do artigo 5°. CF. Jotio Remédio Marques, Curso...0p. cit, p. 292. ® Ibidem, p. 295 *"Tbidem, p. 295, fs...” in op. cit, p. 1312 Monica Jardim, assentando em pressupostos semelhantes, vai um pouco mais além. Para ela, a penhora definitivamente registada prevalece sobre 0 direito de propriedade nao registado mas adquirido em data anterior, assumindo a natureza de um direito real de garantia, tendo em conta que o exequente é tutelado pelo artigo 5° e, assim, se torna titular de um direito que visa assegurar a satisfago privilegiada do direito de crédito, de modo equiparado a uma hipoteca’’. Porém, recusa entender que a previsao do artigo 5° inclua todos e quaisquer conflitos originados pela compra e venda de um bem sujeito a registo definitivo de penhora™. Diferentemente Lebre de Freitas, apesar de admitir a protecco do sujeito que regista a penhora, face aos termos do n° 4 do artigo 5°, reconhece que a consagragao da nogdo restritiva de terceiro retira essa possibilidade”. No mesmo sentido, Mariana Gouveia, embora entenda ser preferivel proteger 0 penhorante com registo, e, por isso, acautelar a inoponibilidade a terceiros de boa fé de factos nao registados, reconhece que o conceito de terceiro em vigor permite a oponibilidade do direito do adquirente, nao registado, ao penhorante @ ao comprador da venda executiva™. Claro que também houve autores que recusaram®. e que continuam a recusar™ socorrer-se de uma maior amplitude da nogdo de terceiro para efeitos do registo predial, no sentido de solucionar os efeitos conexos do registo da penhora ou da venda executiva. Outros consideram a op¢ao nao decisiva, tendo em conta os principios estruturantes do registo predial. Assim, para Paulo Henriques, a conjugagao dos principios do trato sucessivo e da legitimagao concorre para diminuir os conflitos entre adquirentes mediatos’”, ° CE Ménica Jardim, * A seguranga...” in op. cit, pp. 399 e segs Monica Jardim procura demonstrar que o registo definitivo da penhora no assegura, em qualquer aso, 4 validade da subsequente venda judicial. Realmente se um bem nfo pertencer ao executado nem a terceiro responsivel pelo cumprimento da divida, o conflito gerado niio poderia ser subsumido no artigo 5° do Cédigo de Registo Predial. Cf Efeitos Decorrentes do Registo da Penhora Convertido em Definitivo nos termos do Artigo 119° do Cédigo de Registo Predial” in Cadernos de Direito Privado, n° 9, 2005, pp. 37-8. "Assim, o principio da prioridade registal nfo considera terceiros os adquirentes por causa diversa do titular anterior da inserigdo registal. CE. Lebre de Freitas, 4 Acgdo Executiva Depois da Reforma da Reforma, * edigio, Coimbra, p. 267. °* Cf, Mariana Gouveia, “Penhora...” in op. cit, pp. 34-5. * Cf, Orlando de Carvalho, “Terceitos...” in op. cit, p. 105, * Cf, Paula Costa e Silva, “Exequente...” in op. cit, pp. 327 e segs, 7 Na maioria dos casos, 0 bencficiério do registo baseia 0 seu direito em facto aquisitivo derivado de titular ow sucessor do facto anteriormente inserito, procurando manter uma linha ininterrupta de inscrigdes. Cf. Paulo Henriques, “Terceiros..." in op. ct, p. 19. 23 pelo que nao é pela aplicagdo do n° 4 do artigo 5° que o beneficidrio da inscrigao registal € protegido, mas pela prova dos requisitos dos artigos 291° do Cédigo Civil, 17° n® 2 e 124° do Codigo de Registo Predial™. Por nossa parte, importa reequacionar o debate em torno da natureza da penhora juridica da penhora e, a partir dai, modificar, se for caso disso, a legislacao atinente aos efeitos do registo da penhora no direito substantive Enquanto isso nao sucede, aceitamos que a alteragao do artigo 838° do Cédigo de Processo Civil, a propésito da realizagéo da penhora através de comunicagao electrénica, contribui para determinar a prioridade entre as situagdes juridicas conflituantes sobre um mesmo imével® e representa, inegavelmente, uma aproximagao do momento da constituicéo dos direitos com © da data do seu registo"”. 7® Um outro artigo 5°? Se sdo estas as nossas consideragées, a propésito de uma releitura do artigo 5°, isso nao significa pugnar pela sua imutabilidade. Todavia, manifestar abertura para uma reforma do preceito citado, n4o pode implicar o reconhecimento da interpretagao contra iegem de alguma doutrina. Mesmo que tal interpretagao se funde em pretensdes alegadamente atendiveis, v.g. a modernidade do registo predial ou o reforgo da protecgao do beneficidrio da penhora. No que respeita 4 modermidade, porque o regime registal portugués se afigura antiquado e desajustado, seria nevessario reinterpretar o artigo 5° de modo diferente". Sobre a protecgdo do beneficiario, a interpretagao do n° 4 do arfigo 5°, em divergéncia do seu sentido literal, concore para proteger 0 penhorante, em desfavor do adquirente que regista a sua aquisi¢ao, depois do registo da penhora"™. Além destas pretenses, subsiste ainda o reconhecimento do alegado efeito atributivo do artigo 5°. Por isso, para os defensores dessa tese, a ° Idem, p. 20. ® CE Paula Costa Silva, A Reforma da Acco Executiva, 3 ed, Coimbra, 2003, p. 93 °° Ch Mariana Gouveia, “Penhora..."in op. ct, p. 33 * Esta 6 postura de Isabel Pereira Mendes ao recusaro conceitorestrito de terciro, Para fundamentar recusa,acrescenta ser carcato que alguém confie na inerigo registale, mais tarde, confrontar-se com a possibilidade de uma aquisiglo fundada naquelainserigfo vr a ser posta em causa, em virtude do registo Posterior de outrem. Considera anacrénico que a hipétese se funde numa presungio de que o dircito existe. CF Céadigo...op cit, p. 153. "°C Maria Clara Sottemayor,Jnvalidade...op. cit, pp. 364-5 24 invocagao de uma ideia restritiva de terceiros nao produz qualquer efeito util, pois ignora 0 efeito aquisitivo deste artigo'™. Pela nossa parte, nao podemos estar mais de acordo, a ideia ou concep¢ao resttitiva de terceiro, que decorre do n° 4 do artigo 5°, concorre para ignorar um efeito que, a nosso ver, o artigo 5° nao contém — o aludido efeito atributivo. Dai que néo possamos partilhar tal preocupagao, em sede de status quo, nem 0 correlative anseio sobre uma futura revisdo do artigo 5°, por estritas razdes de coeréncia Existem ainda outras consideragées sobre o artigo 5°, na perspectiva do Direito a constituir, tanto no que respeita aos sujeitos dignos de protecgao registal"™, , como a nogao de terceiro, sugerindo, inclusivamente, uma redacgao diferente para o artigo 5°°° ou uma perspectiva mais vasta, uma orientagao mais moderna, que assuma a confianga dada ao registo pela informatizagao dos servicos e pelo recurso a Internet"™®. Mas a reflexdio no sentido de obviar os problemas detectados no deve ser restringida as fronteiras do artigo 5°, uma vez que o preceito nao é a chave ou a pedra angular das questées prementes com que o registo predial se defronta. Devem equacionar-se aspectos mais latos do registo predial que tenham em conta os principios estruturantes do registo e a modernidade do regime juridico da compra e venda imobilidria nas suas multiplas vertentes. Nao se deve, ao invés, promover 0 artigo 5° a algoz ou a santo milagreiro dos problemas atinentes ao registo predial da penhora ou da prépria compra venda. Consideramos, por isso, consideremos inadequado e perigoso aceitar a ideia de adoptar uma cirtirgica alteragao do contetido do n° 4 do artigo 5°. © Cf. Ménica Jardim, “A Seguranga...”in op. cit, p. 414 " Mariana Gouveia coloca-se neste plano, defendendo a plena eficacia da penhora, na sequéncia das posigies de Vaz Serta, embora reconheca que 0 Direito vigente nfo Ihe confere apoio ou sustentagao. CE “Penhora...” in op. cit, pp. 34-5. "© Monica Jardim sustenta a necessidade de conssgrar no artigo $* a seguinte nogfo. tereeiros s2o aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompativeis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei tenham esse alienante como sujito passivo, ainda que niio haja intervindo nos actos juridicos de que tais direitos resultam. Cf. “Seguranga...” in op. cit, p. 421. Para Luis Couto Goncalves, a actual nogio de terceiro € manifestamente insuficiente, retrdgrada, justificando-se o alargamento do coneeito, de modo a protezer o penhorante e aquele que tenha um direito a incidir sobre um bem que, entretanto, 0 mesmo titular inscrto haja alienado. Propde, assim, uma redefinigao de terceiro no sentido daquele que tendo efectuado, de boa fé, em relagio ao mesmo titular inscrito, 0 registo de um facto sobre determinado prédio, vé o direito afectado por qualquer outro facto conflituante anterior nfo registado ou registado em momento posterior. Cf. “Tercciros...” in op. cit, pp. 934 e segs. '°°CE, Armindo Matias, “Efeitas do Registo Predial Portugués” in Galileu: Revista de Economia e Direito, n° 5, 2000, p. 63; Mouteira Guerreiro, “Publicidade © Principios do Registo” in Temas de Registos ¢ de Notariado, Coimbra, 2010, p. 35. Alids, alguns dos que defendem posigées das quais divergimos, nomeadamente a revogagao do artigo 824° do Cédigo Civil, insistem na necessidade de reforgar a fungdo de seguranga do registo predial"”’, parecendo olvidar que a publicidade registal ndo procura proteger, de modo absoluto e infalivel, o titular inscrito, tendo em linha de conta a primazia da regularidade da conformagao, em detrimento da sua prépria indiscutibilidade", confirmando 0 principio da prevaléncia da situagao substantiva sobre a situagao registal'™. Por isso, as varias tentativas de acentuar a seguranga do registo, por meio de argumentos mais ou menos grandiloquentes""”, no podem motivar a nossa adesao. Se o fizermos, contribuimos para desvirluar o sistema de equilibrio entre os principios do nosso regime juridico. A cautela, é bom recordar que ele se estriba no interesse da regularidade na constituigao do direito real'"’, em detrimento do interesse da seguranca e apesar de alguma doutrina insistir no reforgo deste interesse, que nao poria em causa o principio da consensualidade nem a natureza declarativa do registo"”, duvida-se que assim seja. De qualquer modo, e independentemente dos proclamados beneficios que o reforgo do principio da seguranga pode trazer ao Direito registal"", ", Parece-nos que tal reforgo passa, inegavelmente, por uma reforma global e nao por uma circunscrita e confuso alargamento da nogao de terceiro inscrita no n° 4 do artigo 5°. Algo diferente seria a minimizagao ou o desaparecimento do principio da consensualidade. Sabendo que a consensualidade nunca obteve unanimidade, 7 ‘Nesse sentido, ef: Mariana Gouveia, “Penhora...” in op. cit, pp. 3 a in op. cit, p. 420, '* Orlando de Carvalho apela & compreensio dos principios da consensualidade e da publicidade, bem ‘como a conciliagdo dos interesses subjacentes, a regularidade e a indiscutbilidade de conformagio, de modo a compreender o que esti verdadeiramente em causa, Como em Portugal prevalece 0 sistema do titulo, © interesse da regularidade prevalece sobre 0 da indiscutibilidade, pelo que o requisito da ppublicidade se limita a uma condigio de eficécia, ndo a uma condigiio de validade, Cf. Direito das Coisas, Coimbra, 1977, pp. 268 e segs. " CE José Alberto Vieira, “A Nova Obrigatoriedade...” in op, cit, p. 97, "° No sentido de procurar reforgar a aludida perspectiva securitéria, Ménica Jardim antev8 uma crise do Direito com a destruigo dos principios da seguranga que sustentam o sistema juridico, Cf. “A Seguranga...” in op. cit, pp. 420-1 '""Expressto feliz de Luis Menezes Leitio, ef. Direito das Obrigagées: Contratos em Especial, Vol. IM Tred.,p.30. "= CF. Luis Couto Gongalves, “Terceiros...” in op. cit, p. 935, Sobre este assunto, of. Rosario Fernandez, “Publicidad Registral, Seguridad del Mercado y Estado Social” in Anueirio de Derecho Civil, $8, 2005, pp. 1544 e segs, 5; Ménica Jardim, “Seguranca. 26 nem antes'’*, nem agora''’, que a consensualidade nao representa o Unico, 116 nem o principal meio de transmissao da propriedade""®, ndo podemos olvidar ‘0s movimentos em pro! da uniformizacao do Direito europeu que preconizam exactamente o desaparecimento do consensualismo'"’. Nao admira, por isso, que se defenda, quase por consequéncia, a adopgdo genérica do efeito constitutive do registo'® e a correlativa aproximagdo ao sistema germanico, 119 tanto mais que ja se constata uma evolugao nesse sentido", motivadora de leituras diversas, designadamente da orientago que 0 nosso registo ja adopta um efeito semi-constitutivo”® Também no recusaremos uma suposta evolugao para um registo com predominante preponderancia do efeito constitutivo. Porém, também aqui nao devemos ter ilusées de que tal modelo permite resolver os problemas equacionados a propésito da interpretagao do artigo 5° do Cédigo de Registo Predial. Basta pensar, a titulo exemplificativo, nas questées emergentes dos yt actos dispositivos posteriores a pré-inscrigéo registal"”', nas restricbes " CE C. Bufnoir, Propriété et Conirat: Théorie des Modes d’ Acquisition des Droits Réels et des Sourees des Obligations, 2 ed., Paris, 1924, pp. 59 e segs; C. Demolombe, Traité des Conirats ou des Obligations Conventionelfes en General, Vol. 1, Pati, 1887, pp. 25 ¢ seus. * Jean- Pascal Chazal e Serge Vicente defendem que a solugio adoptada no Code Civil no 6 no respeitou as origens do Direito Romano como adaptou uma solulo eivada da filosofia voluntarista que ‘epresentou um erro para o Direito Civil. CE. “Le Transfert de Propriété par |" Effet des Obligations dans le Code Civit” in Révue Trimestrielle de Droir Civil, ® 3, 2000, pp. 486 e sexs © Carlos Ferreira de Almeida sublinha que, apesar da lei destacar o modelo da consensualidade, existem coutras situagdes, porventura mais frequentes, onde a causa da transmissio & mais complexa, aproximando-se, inclusivamente, do sistema do titulo e do modo. Cf, “Transmissio Contratual da Propriedade: Entre 0 Mito da Consensualidade © a Realidade de Multiplos Regimes” in Thémis, n° 11, 2005, pp. 7 ¢ segs; Adoptando orientagdo semelhante quanto a importancia e amplitude das excepsbes, Assungio Cristas defende a inaplicabilidade do consensualismo & transmissio de direitos de crédito, CE Transmnissdo Contratual do Direito de Crédlto; Coimbra, 2005, p. 430. "” CE. Ulrich Drobnig, “Transfer of Property” in Towards a European Civil Code, coord por Hartkamp, Londres, 2004, p. 732-3. " Maria Clara Sottomayor perspectiva o futuro desaparecimento do principio da consensualidade e @ adopgio do registo constitutive, como resultado da uniformizagio do Direito europeu. CE Inyalidade...op. cit, pp. 195 e segs ° Oliveira Ascensio reconhece que o direito registal portugues partiu do sistema da tutela da seguranga dos direitos para se aproximar do sistema germanico da tutela da seguranca do trifego. Cf, Efeitos...op, cit, pp. 33-4 ' Para Mouteira Guerreiro o sistema registal portugués & em parte declarativo e em parte consttutivo, pelo que se pode assumir como semi-consttutivo ou semi-declarativo. Cf. “Publicidad” in op. et, pp 32-3, Num outro estudo, Mouteira Guerreiro defende ser mais seguro e mais justo uma aproximagiio do modelo germnico de registo imobiliario " Cf. A Posse, o Registo e Seus Eteitos” in op. cit, p. 346. '=! Cf. Ménica Jardim, “O Sistema Registal Germanico” in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, n° 78, 2002, pp. 427 segs 27 reconhecidas tanto a inoponibilidade do primeiro adquirente ou na prevaléncia do direito real sobre 0 direito de crédito’. §8° Conclusées Depois de concluida a releitura do artigo 5°, estamos em condigées de enunciar algumas conclusées, sem prejuizo de, como é ébvio, aprofundar, em momento ulterior, alguns dos assuntos agora trazidos colagao, v.g. a aludida reforma do Codigo de Registo Predial e alguns dos preceitos relatives aos efeitos da penhora, consagrados nos Cédigos Civil e de Processo Civil Atentando no Direito positive, somos da opinido de que o n° 1 do artigo 5° consagra 0 efeito consolidativo ou confirmativo do registo, mas ndo o efeito atributivo ou aquisitivo, reservado, de modo exclusivo, para os artigos 17° n° 2 © 122° do Codigo de Registo Predial e 291° do Cédigo Civil. Nessa perspectiva, © efeito consolidativo do artigo 5° constitui o reverso daqueles preceitos, pois que a efectivagao do efeito consolidative ou confirmativo, a favor do legitimo adquirente, evita a aquisigéo de um direito confituante por parte de um terceiro que tenha conseguido inscrever no registo 0 acto correspondente. No entanto, esse terceiro sé adquiriria, nos termos dos outros preceitos citados, no por causa do artigo 5°, O efeito consolidativo do n° 1 do artigo 5° assume plena coeréncia com o principio da consensualidade porque representa, na perspectiva registal, a eficdcia real imediata que atribui o correspondente direito sem necessidade de um acto posterior — 0 registo subsequente s6 protege ou consolida um direito existente. Ao recusar, em sede do artigo 5°, o efeito atributivo, além do efeito consolidativo, discordamos, como é dbvio, das orientagbes que promovem o equilibrio ou a supremacia entre aqueles dois efeitos registais. Em nossa opinido, 0 n® 4 do artigo 5° nao consagra outro efeito a acrescer aquele que a lei prevé, de modo expresso, o efeito consolidativo. On? 2 do artigo 5° exceptua da oponibilidade a terceiros a aquisigao por usucapido de direitos de propriedade, usufruto, superficie ou servidao, as Maria Clara Sottomayor, depois de ter alertado para o esbatimento das diferengas entre os sistemas declarativo e constitutive, sublinha, quanto a este ditimo, a relevancia, admitida pela jurisprudéncia, da fraude ou da mi f de terceiro, com consequéncias na inoponibilidade e a invalidade da transmissfo por ‘ofensa aos bons costumes, pondo assim em causa, a prevaléncia do direito real. Cf. Invalidade...op. cit, p. 198, 28 servidées aparentes e os factos relativos a bens indeterminados. A validade nao atingida por falta de registo e nao existe uma protecao adicional em virlude de ter sido efectuado o registo. Trata-se do efeito enunciativo. Assim, se © sujeito decidir registar, 0 acto correspondente nao Ihe dé nem the retira direitos, embora 0 registo desempenhe o fim a que se destina, contribuindo para dar publicidade a situacao do prédio. Se aceitamos a nogao restritiva de terceiro e a consideramos aplicavel, no apenas no artigo 5° mas também a todos os outros preceitos do Cédigo de Registo Predial, reconhecemos, no entanto, que a questo extravasou uma estrita antinomia entre nogdo ampla e nogdo restritiva de terceiro para efeitos registais, tendo em conta a proliferagao de alternativas citadas pela doutrina, Porém, tais alternativas ndo permitem justificar a admissibilidade do efeito atributivo no artigo 5° e muito menos admitir 0 efeito atributivo estaria, no artigo 5°, quase desprovido de requisitos estruturantes, nomeadamente da boa fé ou da aquisigao a titulo oneroso. Porque ndo ha um principio geral de protecgao de terceiro, a aquisicao tabular a favor de terceiro, sé pode ser reconhecida em situagées excepcionais. E nas situagdes excepcionais prevista na lei, nao em quaisquer outras. Além disso, o aligeiramento de requisitos, de modo a fazer actuar 0 efeito atributivo no artigo 5, a admitir-se, pode gerar um outro efeito, diferente do atributivo ou do constitutive. Quanto @ penhora e a venda executiva, concordamos com a necessidade de voltar a reflectir sobre a natureza juridica da penhora, de modo a aquilatar a verdadeira extensdo e eficacia dos efeitos do registo da penhora Todavia, se a lei substantiva nao resolve os problemas com que se defronta certo sector da doutrina, nao nos parece que uma forgada interpretagéo do n° 4 do artigo 5° os possa resolver. Também nao nos parece que exista algo de inconciliavel com a oponibilidade a terceiros da penhora registada, consagrada no Cédigo de Processo Civil, nem uma contradi¢ao insandvel perante o artigo 824° n® 2 do Cédigo Civil. Recusamos ainda que a penhora definitivamente registada prevaleca sobre o direito de propriedade nao registado mas adquirido em data anterior, assumindo a natureza de um direito real de garantia, em termos semelhantes a uma hipoteca. Seria mais razoavel defender que esta ideia, apesar de se configurar como teoricamente sedutora, nao tem qualquer correspondéncia com 0 Direito positivo. No que respeita ao plano do Direito a constituir, alam do debate em torno da natureza juridica da penhora, reconhecemos que a consensualidade no representa o tinico, nem o principal meio de transmissdo da propriedade e nao recusamos, a prior’, as opinides favoraveis ao desaparecimento do consensualismo ou a instituigdo do registo constitutivo. No entanto, temos fundadas diividas de que tais medidas solucionem, por si so, as questes atinentes a seguranga da compra e venda imobiliétia e da consequente inscrigéo na instituigéo de registo predial competente, Se, diversamente, nao se pretender proceder a um corte epistemoldgico com a tradigéo do Direito registal portugués, deve recordar-se que 0 nosso sistema se estriba na regularidade na constituigéo do Direito real, em detrimento dos interesses da seguranga. Lisboa, 30 de Agosto de 2011 José Luis Bonifacio Ramos 30

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