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Enrique Pinto-Coelho,
http://www.ionline.pt/conteudo/40099-margarida-rebelo-pinto-tenho-um-macho-alfa-ca-dentro
Criticada por muitos, lida por muitos mais. A autora portuguesa viva (ou morta)
que mais livros vende encerra a década com oito romances, mais oito títulos
publicados - das crónicas à literatura para a infância, passando pela biografia de
Herman José - e dois argumentos para filmes, um saldo positivo ao alcance de
muito poucos.
MRP é uma predadora que ainda não se cansou de seduzir e muito menos de
dominar o mercado literário escrevendo sobre os afectos. É assim que se sente em
casa, é este o seu "planeta" e não sente qualquer necessidade de mudar de registo.
Mudar para quê? A fórmula funciona e de que maneira. A prosa desta narradora é
uma combinação explosiva de feminismo e feminilidade que atrai legiões de leitoras
- e leitores, insiste ela. Não pensa, nem nunca pensou, que os homens são todos
estúpidos. E só aqueles que não a conhecem, "só aqueles que não me lêem" -
defende-se -, acreditam nisso.
Quase doze anos depois de abalar o mercado com o estrondoso sucesso de "Sei
Lá", ponta-de-lança da literatura pop ou light em Portugal, MRP volta a inundar as
montras e as estantes com "O Dia em que te Esqueci", sétima réplica daquele
primeiro tsunami editorial. Lançado em fins de Novembro e publicitado como "o
livro mais romântico do ano", o novo bestseller de Margarida Rebelo Pinto é a
sequela do "Diário da Tua Ausência", um romance de 2006 escrito como uma
"sentida carta de amor".
"Diário da Tua Ausência" fecha uma etapa e inaugura outra que, pelos vistos, não
será muito diferente.
Este novo ciclo que se abre inclui livros sem lacinhos na capa?
Sim, acho que sim (risos). Eu tinha mesmo de escrever "O Dia em que te Esqueci".
"Diário da Tua Ausência", a primeira parte deste livro, é uma obra romântica,
sonhadora. Acho que passei os últimos dez anos no mundo da lua. Vivia noutro
mundo, na estratosfera, e "Diário da Tua Ausência" é o contraponto dessa visão
idílica, sonhadora, platónica e sobretudo idealizada que eu tinha do amor. Consegui
descer à Terra e ver o amor de outra maneira.
Também disse que 2008 foi um ano muito difícil para si. O ano que termina
agora foi melhor?
Foi muito bom. Costumo definir três objectivos, mas este ano fui mais modesta:
tinha dois e cumpri os dois. No âmbito pessoal faltava um quadro de estabilidade.
No profissional faltava um livro que mais uma vez chegasse a toda a gente e com o
qual as pessoas se identificassem. Vi-me indecisa entre dois manuscritos, o que
aliás é uma constante em mim desde 2006. "O Dia em que te Esqueci" é o fim de
um ciclo. Queria ver-me livre desta história, desta fase literária.
O primeiro romance, "Sei Lá", esteve seis anos na gaveta antes de ver a
luz...
Ou cinco, já não sei... De início não acreditei nele e quando acreditei tinha uma
vida pessoal dificílima. Tinha um bebé de berço e trabalhava muito, era directora de
comunicação da Fnac, chegava a casa às oito da noite e não tinha tempo para
escrever.
Talvez isso explique também a excitação que suscita a Joana Amaral Dias,
uma mulher bonita com uma carreira política bem-sucedida.
Exactamente. Quando a vejo, penso em mim: aí está outra loira com atitude.
Deveria haver mais! É de facto muito bonita e muito sexy, combina o que há de
mais importante com o que há de mais engraçado numa mulher. Hoje em dia, o
que é engraçado é que depois destes anos todos continuo a ter a mesma atitude:
olho para tudo o que tenho e tudo o que construí, sei que aquilo é fruto exclusivo
do meu trabalho e se não continuar a trabalhar desaparece. O melhor é baixar a
bola e estar sempre a trabalhar.
Confesso que fiz batota e não li nenhum livro completo, mas li o início de
"Sei Lá" e o final de "O Dia em que te Esqueci". Um fala de homens
"estúpidos" e vibradores, o outro fala de doença e morte.
Os registos são completamente diferentes. É um abismo para quem nunca leu os
meus livros, mas para os meus leitores fiéis é apenas natural porque foram
acompanhando a obra.
Fecha-se um círculo?
Não sei. Não gosto de ter uma visão definitiva das coisas. O que sei é que tinha de
fechar a história da mulher do "Diário da Tua Ausência", porque é uma mulher
apaixonada, abnegada e fica sentada, pregada na pedra do porto, como diz o Chico
Buarque. Não gosto de mulheres passivas e, portanto, ela tinha de fazer alguma
coisa à vida dela. Por outro lado, houve muitos leitores que me foram perguntando
ao longo destes anos o que tinha acontecido àquela personagem. O "Diário da Tua
Ausência" é um livro tão terno, tão emocional e tão sincero que desencadeou um
fenómeno de empatia e trouxe novos leitores, sobretudo homens. O que prova que
os portugueses podem ter educação, ser românticos... Os homens não são maus
por natureza, que era uma coisa que aparecia um pouco no "Sei Lá". Agora já não
aparece tanto.
A sua obra anda sempre à volta do universo feminino e já fez guiões para
cinema. Já pensou em colaborar com o Pedro Almodóvar?
Adoraria trabalhar com o Almodóvar, mas também com o Alejandro Amenábar, o
realizador de "Ágora". É um filme que aborda a misoginia e põe o dedo na ferida,
mas também fala da violência com que os cristãos impuseram a sua religião. Gosto
de cinema, mas em Portugal é muito complicado, porque não há indústria e toda a
gente acha que temos de trabalhar pro bono. Para projectos comerciais não
trabalho de borla. Não ofereço guiões a realizadores nem a produtores. E eles não
pagam porque sou cara, porque sou uma marca e represento bilheteira.
Ou tauromáquica...
Sim (risos)! Esse senhor pôs-me o rótulo extraordinário do "autoplágio". Mas fui a
todos os dicionários de literatura e não existe o "autoplágio". O [Jorge Luis] Borges
dizia que estamos sempre a escrever o mesmo livro e eu gosto da obra do Lobo
Antunes, que fala sempre das mesmas coisas... Não fiquei nada preocupada. O
próprio Murakami faz isso, não acho que seja um problema. O "autoplágio" não
existe. O que existia era muita dor de cotovelo na classe dita intelectual pelo facto
de eu ter abalado um sistema em que o escritor tinha de ser maldito,
incompreendido e não podia ganhar dinheiro. Foi um pretexto para os pseudo-
intelectuais e intelectuais se virarem contra mim, porque irritava muita gente.
A paz e o equilíbrio que encontrou não podem pôr em risco uma inspiração
literária como a sua, tão dependente do desencontro amoroso?
Não, porque sou eternamente atormentada e paradoxal. Sou a pessoa mais
ambivalente que conheço, estou sempre a divagar e raramente tenho uma opinião
definitiva sobre o que quer que seja, nomeadamente sentimentos e relações. E vou
estar sempre em ebulição com estes temas.
Já li que viveu um grande amor, mas também que viveu dois. Acredita que
também isto poderá ser actualizado no futuro para três ou quatro grandes
amores?
Não, acho que não (risos). Foram mesmo duas vezes.