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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA

O OFÍCIO DO PRODUTOR MUSICAL EM QUESTÃO:


ANÁLISE DO TRABALHO DE ANDY WARHOL NO ÁLBUM – THE
VELVET UNDERGROUND & NICO.

Autor: Rodrigo Tadeu Belíssimo

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Nogueira de Castro Monteiro

2008
Série Discente

Pesquisa Financiada pela Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade


Anhembi Morumbi, dentro do Programa de Iniciação Científica para Discentes.

É proibida a reprodução total ou parcial.


AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos para todos que colaboraram direta ou indiretamente


para a conclusão desta pesquisa. Gostaria de citar algumas delas, pois são pessoas que
sabe o quanto fazem parte deste trabalho:
Primeiramente a minha família: Mãe, Pai, meus irmãos, meus cunhados e meus
sobrinhos e a Regina meus agradecimentos pela paciência e força.
Ao meu professor orientador Prof. Dr. Ricardo Nogueira de Castro Monteiro que
sempre soube indicar o melhor caminho nos momentos de dúvidas.
À Universidade Anhembi Morumbi pela confiança depositada em mim e pela
oportunidade de aprendizado que me foi entregue.
A todos os professores do curso de Tecnologia em Produção Musical, que tanto
solicitei ajuda e nenhum se mostrou indiferente aos meus pedidos.
Aos colegas de classe, em especial Dima Dahaba Abubacar que discute até hoje
comigo o ofício do produtor musical e Anthero Vilhena que dividiu comigo as dificuldades
e alegrias de realizar um trabalho como este.
Aos meus amigos de trabalho do Nimbus Studios, que sempre me ajudaram com
todos os problemas que enfrentei pelo caminho: Rodrigo Martinelli Issobe, Alessandro
Martinelli Issobe, Alex Oliveira, Kleber Molina, Paulo Senoni, Gabriel Paludetti e Roger
Marx.
Aos amigos que fizeram deste trabalho uma realidade: Luis Guilherme Inhesta
Leite, pelos livros, vinis, e pelas longas conversas a respeito do Velvet Underground.
Fabiano Baltazar Garcia Alonso que me ajudou muito conversando sobre
“iniciações científicas” e colaborou imenso com minhas leituras em inglês.
Diego Macedo de Oliveira, Luis Eduardo Freire e Clóvis Rodrigues da Silva que
sabem o quanto isto é importante para nós.
Para aquela a quem dedico esta pesquisa: Juliene Fattori Moretti, principal pessoa
que me incentivou a terminar os estudos e me fez descobrir que isto é apenas o início,
meu muito obrigado a você e a sua família que marcaram esta fase.
E, por fim, meu muito obrigado a Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison, Maureen
Tucker, Nico, Andy Warhol e a todo aquele pessoal “maluco” de Nova York que fizeram e
fazem a trilha sonora de minha vida e que hoje foram objeto de estudo.
Vida Longa ao Velvet Underground e a Pop Art!

Meus sinceros agradecimentos!


RESUMO

Este trabalho de iniciação científica, financiado pela Universidade Anhembi


Morumbi, tem como objetivo examinar a figura de um produtor musical.
Durante o curso de Tecnologia em Produção Musical, percebeu-se a necessidade
de esclarecer quem exatamente é esse profissional, tanto para leigos quanto para
atuantes do ramo musical. O que faz esse um produtor musical? A presença deste é
essencial?
Para contextualizar o tema, este trabalho foi dividido em duas partes.
A primeira trata da origem e do papel desse profissional dentro do cenário musical
e na produção de um álbum.
Já a segunda, trata-se de um estudo de um caso específico: por que Andy Warhol
é considerado produtor musical do disco The Velvet Underground & Nico, banda norte
americana de mesmo nome, considerada um marco na história do rock and roll.
Será analisado como o artista, sem formação musical especifica e sem trabalhos
anteriores, conseguiu atuar como produtor musical de um disco considerado sucesso pela
mídia.
Com essas analises, será possível compreender quem pode ou não ser
considerado produtor musical e até que ponto essa dicotomia é necessária nesse campo
de atuação profissional.

Palavras-Chave: Andy Warhol, Velvet Underground, Produtor Musical.


ABSTRACT

This paperwork of scientific initiation, financed by Universidade Anhembi Morumbi,


will discuss the position of a musical producer. During the Musical Production's course, it
was a necessity to clarify who's this professional is for laypeople and professionals. What
does a musical producer do? Is the presence of this professional essential? To understand
it, this work was divided in two parts.
The first part explains the origin and the position of this professional in the musical
scene and in a production of an album.
The second part is about a study of a specific case: why is Andy Warhol considered
musical producer of the record The Velvet Underground & Nico, first album of a North
American band with same name and considered a landmark in the history of the rock and
roll.
The paperwork will analyze how the artist, with no specific music formation and with
no previous works, managed to produce a record and get success with it in the media.
With these analyses, it will be possible to understand who can or not be considered
a musical producer and how far this definition is necessary in this field of professional
performance.

Keywords: Andy Warhol, Velvet Underground, Musical Producer.


SUMÁRIO

● INTRODUÇÃO.............................................................................................. 6

● MÉTODO....................................................................................................... 9

● RESULTADOS.............................................................................................. 10

● DISCUSSÃO................................................................................................. 12

● REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 90

● ANEXOS........................................................................................................ 95
INTRODUÇÃO

1) TEMA:

Andy Warhol foi um dos personagens mais influentes do século XX.

Por que Andy Warhol pode ser e foi considerado o Produtor Musical de
um dos discos mais influentes da história do século XX, o primeiro álbum da
seminal banda americana The Velvet Underground, intitulado “The Velvet
Underground & Nico”?

A formulação desta questão requer uma análise do ofício do Produtor


Musical desde sua origem até os dias de hoje.

Qual o papel dessa figura na concepção e realização de um álbum de


um grupo musical, ao ponto deste atingir números de vendas exorbitantes?

O que levou ao surgimento de uma profissão que permanece com seus


objetivos e forma de atuação, ainda tão obscuros para a maioria das pessoas,
apesar da extrema facilidade para obtenção de informação existente nos dias
atuais?

Esta análise suscita outra instigante questão: poderá um indivíduo sem


formação musical específica e sem produções antecedentes atuar como
produtor musical como no caso de Andy Warhol?

Em 2003, a revista americana Rolling Stone fez uma eleição dos 500
maiores Álbuns da história em ordem de influência, colocando o álbum “The
Velvet Underground & Nico” em 13º lugar. Já a revista britânica Uncut, elegeu
em lista semelhante - os 100 maiores discos de estréia - o mesmo álbum em
primeiro lugar, isso no ano de 2006.

São mais de 40 anos de existência (1967 - 2008) de um disco que até


hoje assombra a imaginação popular. Ainda é um disco difícil de ser ouvido e
compreendido e, paradoxalmente, considerado como um dos discos que mais
influenciou as últimas gerações.

Analisar este feito e descobrir onde Andy Warhol encaixa-se no sucesso


deste álbum é o objetivo desta iniciação científica, entender e traçar o trabalho

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do Produtor Musical será conseqüência direta deste estudo e descobrir quem
pode ou quem não pode ser um Produtor Musical é uma questão a ser
discutida.

Danny Fields, “guru” da Atlantic Records e quem descobriu artistas como


The Doors e The Stooges, se posiciona a respeito do trabalho de Andy Warhol
nesse disco:

“O que Andy talvez tenha feito no disco é


levá-los a tocar como ele sabia que faziam
na Factory. É o que eu teria feito se fosse
um amador em produção. E isso me
parece um grande elogio à relação
produtor-artista.” (LISBOA, 163).

2) OBJETIVOS:

2.1. OBJETIVOS GERAIS:

Analisar o ofício do produtor musical desde sua origem até os dias


atuais. O que faz desse profissional uma peça de extrema importância na
realização de um álbum e por que seu método de trabalho permanece ainda
tão obscuro para a maioria das pessoas.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Para contextualizar este tema, a figura de Andy Warhol e o trabalho de


produção realizado no álbum de estréia da banda The Velvet Underground no
ano de 1967, será analisado, focando no fato de Andy Warhol não ter nenhuma
formação musical, ou mesmo, produções musicais antecedentes que
pudessem abrir margens para que este trabalho fosse um sucesso.
O que nos coloca diante de questões: Quem pode e quem não pode ser
um produtor musical, quais são os limites desta profissão e o que é necessário
para realizar um disco de sucesso?

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A partir destas dúvidas e de suas respectivas análises, esta iniciação
científica procurará trazer uma maior clareza para futuros trabalhos
acadêmicos voltados para este tema, que é tão pouco discorrido.

3) HIPÓTESES:

As hipóteses levantadas por este trabalho de iniciação científica serão


divididas em duas partes, a primeira questionará a figura do Produtor Musical,
como maneira de resolver o enigma que rondam esta profissão, na segunda
parte as hipóteses enquadram-se no estudo de caso proposto para exemplificar
o tema geral: “Análise do trabalho de Andy Warhol no Álbum - The Velvet
Underground & Nico” e desta forma finalizar a pesquisa questionando os
diferentes tipos de formação de cada profissional dessa área.

As hipóteses serão apresentadas na seguinte ordem:

1ª Parte:

a) O que levou ao surgimento de uma profissão que permanece com seus


objetivos e forma de atuação, ainda tão obscuros para a maioria das
pessoas?
b) Qual o papel dessa figura na concepção e realização de um álbum, ao
ponto deste atingir números de vendas exorbitantes?
c) O que define o conceito de álbum no mercado cultural?

2ª Parte:

a) Por que Andy Warhol pode ser e foi considerado o Produtor Musical de
um dos discos mais influentes da história do século XX, o primeiro álbum
da seminal banda americana The Velvet Underground, intitulado “The
Velvet Underground & Nico”?

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b) Poderá um indivíduo sem formação musical específica e mesmo sem
produções musicais antecedentes atuar como um produtor musical de
sucesso, como foi o caso de Andy Warhol?
c) Quem pode e quem não pode ser um produtor musical, quais são os
limites desta profissão e o que é necessário para realizar um disco de
sucesso?

4) JUSTIFICATIVA:

Montar bases de conhecimento da profissão do produtor musical, que é


tão pouco estudada neste país, analisar suas nuances e facilitar a
compreensão desta profissão para os ouvintes leigos e para os profissionais do
ramo da música que ainda não conseguem entender o que faz um profissional
deste tipo.
As motivações de uma figura como Andy Warhol a produzir um conjunto
tão díspar quanto este em pleno ano de 1967 e o sucesso, mesmo que tardio,
desta produção são bases para uma análise profunda para entender se a
qualidade individual pode ser uma diferença no final de um produto como esse.

MÉTODO

A metodologia desta pesquisa se dividirá em duas etapas:

1) PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: O Ofício do Produtor Musical.

Na pesquisa bibliográfica, uma literatura diversificada será analisada,


revisada e inserida no contexto do tema escolhido, a divisão por tópicos
novamente foi adotada para a escolha dos livros necessários para iniciar o
projeto.
Na primeira parte do relatório o ofício do produtor musical será tema de
estudo e sua origem e técnicas (psicológicas e tecnológicas).

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As diferenças que permeiam as nomeações dos tipos de produtores
serão destrinchadas e relacionadas, juntamente com o conceito de Álbum que
será discutido e reforçado.

2) PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: Analise do Trabalho de Andy Warhol


no Álbum – The Velvet Underground & Nico.

Na segunda etapa da pesquisa, a ser entregue como relatório final desta


iniciação científica, os assuntos dividiram-se entre: a Pop Art e sua influência
na música, complementando este, abreviarão algumas referências biográficas
de Andy Warhol, sua passagem da pintura para o cinema de vanguarda, a
convivência com a classe artística que povoava a “Factory”, sua base de
operações e, finalmente, seu encontro com o Velvet Underground e o trabalho
posterior desenvolvido com o “Exploding Plastic Inevitable” até a ruptura.
Para complementar esta trajetória, livros biográficos sobre o
conjunto Velvet Underground também serão analisados e postos em
paralelo com o restante do trabalho.

RESULTADOS

As considerações finais sobre esta pesquisa são extremamente


esclarecedoras e satisfatórias.
Compreender o ofício do produtor musical é uma tarefa hercúlea, mas
que serviu de preparação para a segunda etapa da pesquisa que define se
Andy Warhol enquadra-se ou não na categoria dos produtores musicais.
Alguns conceitos foram elucidados e todas as perguntas propostas
inicialmente foram respondidas.
Sendo elas:

a) O conhecimento das causas que suscitaram no surgimento desta


profissão.

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b) O porquê desta profissão ainda permanecer tão obscura para as
pessoas leigas ou não no universo da música.
c) Como se dá o trabalho do produtor musical na produção de um álbum.
d) A definição conceitual de álbum e suas implicações culturais e
mercadológicas.
e) A divisão conceitual do ofício do produtor musical em dois aspectos:
cognitivos e práticos.
f) Nos aspectos cognitivos a apresentação da relação da Gestalt com o
trabalho do produtor musical.
g) Uma análise a respeito da atuação das gravadoras e o relacionamento
destas com os produtores musicais.
h) Especulações sobre quais podem ser considerados como os primeiros
produtores musicais como é conhecido nos dias atuais.
i) Apresentação dos diferentes estilos de atuação dos produtores
musicais, divididos conforme exemplos retirados da bibliografia citada.

O conhecimento adquirido nesta primeira etapa da pesquisa foi precioso,


principalmente, do ponto de vista comparativo. A análise dos métodos de
diferentes produtores musicais resultou em bases sólidas para discutir a
relação entre Andy Warhol e os Velvet Underground.
Sem a pesquisa realizada na primeira parte, previa que esta iniciação
científica poderia tornar-se enfadonha e presunçosa.
Na segunda parte pude analisar como um produtor musical pode
influenciar numa obra, desde que compreenda e possua uma base sólida
de conceitos artísticos.
Algo que Andy Warhol provou em sua vida ser detentor de sobra e
mesmo sem conhecimentos técnicos de tecnologia do áudio ou mesmo
conhecimentos teóricos musicais conseguiu realizar um trabalho de
vanguarda a altura da proposta inicial da banda na época. E com isso
ajudar a trazer a tona um dos álbuns que, até hoje, mais influenciam artistas
na história da musica pop do século XX.
As sugestões e as correções do orientador também foram muito
importantes. Algumas sugestões ultrapassaram a relação professor-aluno,

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principalmente, quando levantei questões sobre a falta de tempo para
escrever minha iniciação.
O amadurecimento que uma iniciação científica traz para o estudante é
tangível e refletirá em posteriores trabalhos acadêmicos que realizarei no
decorrer do processo de graduação.
Sinceramente, a prática é exaustiva, mas particularmente
recompensadora.

DISCUSSÃO – 1ª Parte

ASPECTOS COGNITIVOS DA PRODUÇÃO MUSICAL

Tanto para as pessoas fora do mercado musical quanto para as pessoas


inseridas neste, existem dificuldades de entender o que faz um produtor
musical.
Os próprios produtores musicais dividem-se em opiniões quanto ao
modus operantis, porém existe uma definição dos patriarcas dos produtores
musicais, Sir George Martin, onde descreve que um produtor musical é como
um produtor e um diretor de cinema, reunidos em um (BURGESS, 10).
O produtor musical Richard James Burgees, que escreveu um livro
procurando retratar essa profissão, diz que a versatilidade é a marca registrada
da maioria dos produtores bem-sucedidos (op. cit. p. 10).
Para esclarecer melhor o ofício de um produtor musical, é necessário
entender quais os trâmites de uma produção musical.
Começo esta divisão baseada em dois aspectos: cognitivos e práticos.
No aspecto cognitivo, as competências artísticas são relativizadas e
alguns processos subjetivos, como a intuição e o pensamento reflexivo, são
manejados com a intenção de favorecer o conceito pré-existente num projeto
artístico.
O conceito é, na maioria dos casos, considerado o principal aspecto de
uma produção musical.

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Constitui a força motriz de um trabalho coeso e que fará sentido, artístico
ou comercial ou a junção de ambos, no momento em que o trabalho final se
revela ao mundo.
Tal qual um psicólogo, o produtor musical vê-se utilizando da Gestalt (a
psicologia da forma) para realizar seu trabalho.
O comportamento humano deve ser analisado em seus aspectos
globais; quais condições que o alteram, quais percepções são alicerces para o
estímulo, qual o relacionamento da parte com o todo e, eventualmente, a
restauração do equilíbrio da forma.
Um dos principais estudiosos, no campo da percepção musical, o
canadense Murray Schafer, no livro Afinação do Mundo compara a relação
gestaltiana de figura e fundo com a percepção auditiva.
Na Gestalt a figura trata-se do foco de interesse, enquanto o fundo é o
cenário ou o contexto; um terceiro elemento é adicionado, sendo ele o campo
que é o lugar onde ocorreu o acontecimento.
Para a percepção auditiva a figura é o sinal ou marca sonora, o fundo
são os sons do ambiente e o campo é a paisagem sonora.
Mapear todas essas variantes é uma das características no trabalho de
um produtor musical. Essa capacidade de abstração faz com que um produtor
musical diferencie-se de qualquer profissional do ramo da música.
O produtor musical é um profissional com competência sonológica e de
aculturação, este possui conhecimento das propriedades sonoras e a
capacidade de projetá-las.
Existe um exemplo que serve como aplicação da gestalt.
Narra um indivíduo numa sacada de um prédio de 13 andares olhando
para baixo e a rua onde o prédio localiza-se é uma subida, porém quando o
indivíduo olha para baixo a percebe como uma reta.
O exemplo citado aplica-se perfeitamente ao desenvolvimento do
conceito de uma realização artística como um álbum.
São diversos os casos em que o artista está olhando para baixo e
enxergando uma reta e a função do produtor musical é mostrar para o artista
que esta reta na verdade trata-se de uma subida e existe muito trabalho e
esforço pela frente para a realização de sua obra.

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O produtor musical depara-se constantemente com o conceito da boa-
forma, presente na gestalt e que pode ser relacionado com o elemento que
desejamos compreender e para isso deve ser apresentado em seus aspectos
básicos, possibilitando a sua decodificação.
Para isso são necessários elementos como equilíbrio, simetria,
estabilidade e simplicidade, para somente então alcançarmos a boa-forma.
Portanto quanto mais clara estiver a boa-forma, melhor será a separação
entre figura e fundo. Quando isso não ocorre, fica mais difícil distinguir o que é
figura e o que é fundo, proporcionando assim facilitações às induções
provocadas pela ilusão de ótica.
Retomando o exemplo do indivíduo na sacada, a falta de elementos da
boa-forma no instante em que olha para baixo faz com que seja percebido algo
diferente do que é na realidade.
Mas vale ressaltar que muitas vezes, o que o artista quer passar é
exatamente essa falta de “elementos da boa-forma” com sua obra e o produtor
musical deve possuir qualificação suficiente para compreender o que o artista
tenta desenvolver artisticamente naquele momento.
Sobre este assunto Sir George Martim disse que:

“O produtor musical é o responsável pela ‘forma’ do resultado


sonoro. Em grande parte ele é o ‘projetista’, não no sentido de
criar a obra em si, mas de montar o palco para o show e
apresentar a obra para o mundo. É o seu discernimento que
faz da obra o que ela é – boa ou ruim.” (BURGESS, 11).

Em comparação, na teoria da gestalt o campo psicológico é entendido


como um campo de força que nos leva a procurar a boa-forma. Para isso
existem três princípios que regem o campo na busca da boa-forma, sendo eles
a proximidade, onde os elementos mais próximos tendem a serem agrupados,
a semelhança, onde os elementos semelhantes são agrupados e o
fechamento, onde ocorre uma tendência a completarmos os elementos
faltantes numa figura a fim de garantirmos sua compreensão.

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Todos estes princípios regem a produção musical e o produtor deve ter o
discernimento de como usar cada um deles para cada momento em um
trabalho.
Muitas vezes essa capacidade de decisão ocorre como um insight,
outro termo que refere-se a gestalt. O termo designa uma “compreensão
imediata”, enquanto uma espécie de “entendimento interno”. Isso acontece
quando olhamos para uma figura que não tem sentido para nós e, de repente,
sem que tenhamos feito nenhum esforço especial para isso, a relação figura-
fundo elucida-se. Alguns produtores com quem conversei sobre o assunto
preferem definir isso como “um instante de sorte”.
Para elucidar compreensão dos aspectos cognitivos, também é preciso
trazer a tona o conceito de álbum.
O que faz deste produto o bem mais ambicionado por um produtor
musical?

O CONCEITO DE ÁLBUM

No livro Dicionário Musical de Bolso da Editora Hal Leonard o


significado de álbum é: uma gravação de longa duração. Na música pop
contém certo número de canções. (HAL LEONARD, 13)
O que deixa a seguinte dúvida, apenas números é que fazem um álbum
ser um álbum? A relação é estritamente numérica, e apenas esse fator faz com
que artistas e gravadoras percam dias, noites e muito dinheiro atrás de um
produtor que possa fazer com que esse álbum seja um sucesso?
A significação mais duradoura para o termo e que empresta mais sentido
e relevância ao trabalho dispensado por um produtor musical em um produto
como este, tem suas bases na história da música, em especial a das
gravadoras.
Na década de 50, o compacto era o formato principal da indústria
fonográfica brasileira. No lado A do disco era gravado a canção mais indicada a
ser tocada no rádio e no lado B outra canção de menor apelo.

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Neste período, as companhias RCA e CBS disputavam a hegemonia
entre dois formatos da música popular massiva, enquanto a RCA apostava no
compacto simples gravado em um disco de 45 rotações por minutos, a CBS
defendia a venda de álbuns gravados em Lps.
O formato atingiu a maturidade nos anos 60, quando grupos como “The
Beatles” (Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, 1967) e “The Who” (Tommy,
1969) lançaram álbuns sofisticados e a idéia de álbum conceitual.
Uma excelente definição é a do jornalista Thomas Pappon, da extinta
revista BIZZ, que diz:
“Discos conceituais já não eram novidade, no início da
década de 70. Eles funcionam como trilhas-sonoras de idéias,
de conceitos - daí o nome. O LP conceitual é um todo orgânico,
um corpo constituído por vários elementos (cada um exercendo
uma função em prol da idéia central): a capa, o título, as letras,
a ordem das músicas e até (nos países civilizados) a
divulgação.” (PAPPON, Bizz: edição 20, março de
1987).

Assim, o álbum deixa de vez de ser apenas uma coleção de sucessos já


lançados em compactos, para se tornar ele mesmo a obra fonográfica – um
conjunto de canções, com parte gráfica, letras, ficha técnica, agradecimentos e
um título, lançados por um determinado grupo ou intérprete.
A instituição do álbum como produto principal da indústria fonográfica
modificou as estratégias de produção da música popular massiva e tornou
necessário que produtores, compositores e intérpretes levassem em
consideração as oito ou dez faixas, a ordem, a seqüência e a coerência das
canções.
Olhando por essa perspectiva o produtor musical exerce uma dupla
função após a concepção adotada para álbum. Como sabemos a projeção do
álbum no mercado foi conduzida sob uma ótica estritamente comercial, onde
uma das gravadoras apostava no álbum, que apesar de mais caro trazia mais
músicas e outra apostava no formato do single que era economicamente mais
viável para a própria gravadora quanto para os consumidores.

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É um pouco estranho pensarmos que o álbum “venceu” esta corrida,
onde numa sociedade capitalista em expansão o formato do single parecia ser
mais viável.
Porém se analisarmos pela ótica artística, faz sentido o álbum ter
sobrepujado o formato do single, pois o álbum passa a ser consumido como
livros.
Ao ser colecionado em discotecas privadas ganhou o status de obra
fonográfica de um objeto cultural digno de nota.
O produtor musical precisa lidar com estas duas perspectivas
diametralmente opostas.
Não existe, de fato, regras precisas e matemáticas para indicar como
procedimento para a realização de um álbum com notável conceito artístico e
rentável financeiramente para seus investidores. Porém algumas supostas
“dicas” foram relacionadas mais a frente da pesquisa, baseadas nas
sequências de produções que atingiram este feito e que sugerem uma certa
ordem de trabalho.
Os problemas para um produtor musical se agravam quando pensamos
nas questões que apontam para o iminente fim do álbum, considerando o
acesso por meio digital, ilegal ou não, às faixas isoladas.
Sobre este assunto, Márcia Tosta Dias observa:

“... as músicas descoladas do todo que um dia


reivindicou para si o estatuto de obra de arte. Temos agora a
música gravada e não mais somente discos, termo
oficialmente incorporado ao universo de trabalho da área.”
(DIAS, 17)

No momento uma análise do que é conceitualmente artístico e do que


rentável financeiramente faz-se necessária.

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Os primeiros patrões: a Indústria Fonográfica

"Tal como a água, o gás e a energia elétrica, vindos longe


através de um gesto quase imperceptível, chegam a nossas
casas para nos servir, assim também teremos ao nosso dispor
imagens ou sucessões de sons que surgem por um pequeno
gesto, quase um sinal, para depois, do mesmo modo nos
abandonarem" (VALÉRY, 105).

Há menos de um século e meio todo o som era ao vivo, e tão fugitivo


quanto um eco. Hoje o ar vive cheio desses mesmos sons, acrescidos dos
sons que se conservam em discos, fitas, cd´s e digitalizados pelas novas
tecnologias.
Estes, diferenciando-se dos sons ao vivo, podem ser reproduzidos em
qualquer lugar, a qualquer tempo.
A origem desses “sons em conserva” data em 1877, quando Thomas
Édison percebeu que as ondas de pressão reconhecidas como som, poderiam
ser armazenadas em fôrmas permanentes e assim poderiam ser reproduzidas
do original.
O fonógrafo (do grego phonos e grafos, respectivamente som e escrita)
foi inventado por Édison que reproduziu, mesmo que em sons ruidosos, a
primeira frase gravada da história “Mary had a little lamb” (Maria tinha um
carneirinho), oriunda de uma canção infantil americana.
A partir desta descoberta o homem começa a formar seu armazém
sonoro.
Esta invenção passou a ser usada para gravações diversas, devido a
seu mecanismo relativamente simples.
O aparelho consistia em um cilindro coberto com papel de alumínio.
Uma ponta aguda era pressionada contra o cilindro. Conectados à ponta,
ficavam um diafragma (um disco fino em um receptor onde as vibrações eram
convertidas de sinais eletrônicos para sinais acústicos e vice-versa) e um
grande bocal. O cilindro era girado manualmente conforme o operador ia
falando no bocal (ou chifre).
A voz fazia o diafragma vibrar. Conforme isso acontecia, a ponta aguda
cortava uma linha no papel de alumínio. Quando a gravação estava completa,

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a ponta era substituída por uma agulha; a máquina desta vez produzia as
palavras quando o cilindro era girado mais uma vez.
Uma invenção como esta não tardou a atrair concorrentes investidores
como Chichester Bell (primo de Alexander Graham Bell) e Charles Tainter
que obtiveram a patente do gramofone. Este se baseava no mesmo princípio,
mas substituía por cera a folha de estanho e com isso conseguia-se um som
melhor.
No ano de 1887, uma década depois de Édison, Emile Berliner
produziu o gramofone que usava discos, ao contrário de cilindros. Com novas
melhorias na qualidade do som os discos de Berliner seriam a opções
escolhida pela indústria que se formaria posteriormente.
O termo indústria torna-se mais claro quando observamos as ambições
comerciais da invenção mentalizada por Édison.
Ocorreram alguns folhetos publicitários endereçados aos homens de
negócio por volta de 1890, quando a qualidade de áudio melhorou um pouco,
que anunciavam da seguinte forma:

“Sua taquigrafa sai para o almoço, vai para casa, precisa de


vez em quando de um dia de folga e custa de 15 a 20 dólares
por semana. O fonógrafo não come esta a postos a noite e aos
domingos e custam apenas 170 dólares”. (STEVENS,
WARSHOFSKY, 110)

Nota-se neste anuncio o início do que foi conhecida depois por


automatização do trabalho, a substituição do homem pela máquina. Porém
devido a sua dificuldade no manejo, o fonógrafo demorou muito para instalar-se
nos escritórios.
Enquanto o fonógrafo não se popularizava no mundo dos negócios,
multidões escutavam polcas e marchas em máquinas que faziam tocar com
uma moeda e que eram instaladas em farmácias, teatros e bares. Mesmo com
a iniciativa de Édison em promover a invenção no mundo dos negócios, o
público optou por usá-la para divertir-se.

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Dois aperfeiçoamentos trouxeram o gramofone aos lares. O primeiro
deles foram motores de mola, pequenos e baratos, que faziam girar discos e
cilindros numa velocidade constante.
E o segundo, trouxe a tona o início da produção em massa.
Um processo galvanoplástico tornou possível a reprodução de milhares
de discos, a partir de um disco-matriz.
A venda do gramofone e dos discos subiu vertiginosamente e um
gigante da indústria tomou grande impulso com uma cativante marca
registrada.
Era a Cia. Victor que adotou como símbolo da empresa em 1900, a
pintura de um quadro do artista inglês Francis Barraud, His Master's Voice (A
Voz de Seu Mestre), hoje normalmente abreviado para HMV, o nome foi
cunhado em 1899 como o título de uma pintura do cachorro Nipper de Jack
Russell Terrier que escuta um gramofone. Na pintura original, o cachorro
estava escutando um fonógrafo de cilindro, porém Francis Barraud modificou
pintando Nipper que escuta um gramofone de disco.
Nasciam as gravadoras, lares iniciais da profissão aqui estudada.
Intrinsicamente ligadas ao surgimento do vinil e sua reprodutibilidade em
massa. No final da década de 1890, Berliner criava a Gramophone Company,
estabelecida em Londres, pioneira na gravação de discos. Em 1929, com a
época da grande depressão, discute-se uma possivel união entre a
Gramophone Company e a Columbia Records, o que tornou-se realidade em
1931, logo as duas empresas se fundiram definitivamente, dando origem à
Electric and Musical Industries, a EMI.

A velocidade e o formato do disco, porém não estavam ainda definidos.


Haviam discos de 76, 79, 80 rotações, e os tamanhos variavam de 15, 17, 20,
25 a 30 cm. Essas divergências advinham dos diferentes métodos e técnicas
de gravação desenvolvidas pelas primeiras marcas, ainda no início do século
XX.

Finalmente, na metade da década de 10 a Victor Record Company


(mais tarde RCA Victor) estabeleceu o padrão mais conhecido, e com o qual

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se denominam os tais discos: 78 rotações por minuto, com as dimensões de 25
cm.

O auge do uso deste formato deu-se nas décadas de 40 e 50, quando o


consumo de discos para uso particular tornou-se um costume difundido no
mundo inteiro.

Ao mesmo tempo, em 1948, surgiria o formato que iria substituí-lo: o LP


(Long-Playing), de 33 rotações e 30 cm.

Durante o seu apogeu, os discos de vinil foram produzidos sob


diferentes formatos:

• LP: abreviatura do inglês Long Play (conhecido na indústria como,


Twelve inches ou, "12 polegadas" ).

Disco com 31 cm de diametro que era tocado a 33 1/3 rotações por


minuto. A sua capacidade normal era de cerca de 20 minutos por lado. O
formato LP era utilizado, usualmente, para a comercialização de álbuns
completos.

• EP: abreviatura do inglês Extended Play.

Disco com 17 cm de diametro e que era tocado, normalmente, a 45


RPM. A sua capacidade normal era de cerca de 8 minutos por lado. O EP
normalmente continha em torno de quatro faixas.

• Single ou compacto simples: abreviatura do inglês Single Play


(também conhecido como, seven inches ou, "7 polegadas"); ou como
compacto simples.

Disco com 17 cm de diametro, tocado usualmente a 45 RPM (no Brasil,


a 33 1/3 RPM). A sua capacidade normal rondava os 4 minutos por lado. O
single era geralmente empregado para a difusão das músicas de trabalho
de um álbum completo a ser posteriormente lançado .

• Máxi: abreviatura do inglês Maxi Single.

21
Disco com 31 cm de diametro e que era tocado a 45 RPM. A sua
capacidade era de cerca de 12 minutos por lado.

RCA são as iniciais de Radio Corporation of America que foi criada


em 1919, a primeira grande empresa norte-americana de telecomunicações.

Prosseguindo com o surgimento das gravadoras, em 1929, a RCA


comprou a Victor (Victor Talking Machine Company fundada em 1900)
constituindo-se assim a RCA Victor, o maior e mais antigo fabricante de discos
da América.

A RCA Victor foi responsável, talvez, pela mais famosa transação


comercial da história da música, quando, em 1955, adquiriu o contrato de
exclusividade de Elvis Presley da Sun Records por 35 mil dólares.

Outros artistas famosos como, Enrico Caruso, Little Richard, Jefferson


Airplane, David Bowie, Sam Cooke, Neil Sedaka, também foram exclusivos da
RCA.

No Brasil, seu recordista em vendagens de discos foi Nelson


Gonçalves que permaneceu na gravadora desde 1941 até o final de sua vida
em 1998. O cantor havia vendido cerca de 78 milhões de cópias até àquele
ano.

Em 1987 a RCA Records foi vendida ao grupo alemão Bertelsmann, a


BMG, passando a se chamar BMG/Ariola.

Outra gravadora que contribuiu para o surgimento da indústria


fonográfica foi a Columbia Records que também é uma das mais antigas
gravadoras dos Estados Unidos, tendo sido criada em 1888.

Hoje subdisiária da Sony Music, que é a mais poderosa gravadora dos


EUA sendo que eles possuem fabricas de CDs nos 50 estados do EUA
facilitando e controlando a distribuição não só dos artistas que eles contratam,
mas também das gravadoras menores que não tem suporte de distribuição.

22
Eles possuem um contrato especial também, chamado de PD que
significa Press & Distribuition ("impressão e distribuição"), assim eles podem
não assinar certos artistas, mas reter parte dos lucros em edição e na
distribuição, o que pode levar a praticamente 66% dos lucros.

A alcunha do produtor musical, como conhecemos atualmente, surge


finalmente com a Sun Records que ficava em, Memphis, Tennessee, e
começou a operar em 27 de março de 1952.

Fundada por Sam Phillips, a Sun Records ficou conhecida por lançar
astros como Elvis Presley, Carl Perkins, Roy Orbison e Johnny Cash.

Foi o produtor e engenheiro de som da Sun, Jack Clement, que


descobriu e lançou Jerry Lee Lewis enquanto o dono da gravadora viajava para
a Flórida, isso no ano de 1956. (in: http://www.cowboyjackclement.com, acesso
em 12 de agosto de 2008).

Antes disso, mais precisamente em 1950, Miles Davis lançava seu “Birth
of The Cool”, produzido por Pete Rugolo, porém a produção nessa época ainda
não lidava com o que podemos citar como artistas meteóricos, como veio
acontecer na Sun Records poucos anos depois.

Porém a competição pelo título acirra-se quando foi tornado público


por Frank Sinatra no álbum “In The Wee Small Hours” de 1955, a idéia de
álbum remete a um produto musical fechado com mais de quarenta minutos,
criado a partir de um título que agrupa entre doze e catorze canções, parte
gráfica, letras, ficha técnica e agradecimentos, este álbum foi produzido por
Voyle Gilmore, que produziu artistas como The Kingston Trio, para a Capitol
Records.

Outra gravadora que representa o início da indústria fonográfica é a


Odeon Records fundada por Max Strauss e Heinrich Zunz em Berlim,
Alemanha.

Uma curiosidade é que em 1904, a Odeon lançou o primeiro disco de


dois lados para um gramofone. Outro fato histórico aconteceu em 1931,

23
quando a Odeon fundiu-se com a representante filial da Columbia Records do
Reino Unido, Electrola Records, HMV, Parlophone e outras marcas, para
formar a EMI. Em 1936, o diretor da filial da Odeon foi forçado a se retirar e foi
substituido pelo Dr. Kepler, um membro do Partido Nazista. Em 1939, a Odeon
e a Electrola são colocadas e apontados por administradores nazistas. Quando
os russos liberaram Berlim em 1945, eles destruíram a maioria de sua fábrica.
Depois de 1945, a Odeon continuou a usar sua marca para impressões feitas
para a África Oriental. No Brasil a marca sobreviveu como uma subsidiária da
EMI (EMI-Odeon) até a metade da década de 1980, quando acabou
definitivamente.

Já a Parlophone também fundada na Alemanha no periodo anterior a


Primeira Guerra Mundial tem como símbolo o "£" que significa L em alemão,
referindo-se a companhia Carl Lindstrom, que foi a fundadora dessa
gravadora.

Na década de 1960, a gravação de discos da banda The Beatles sob o


selo da Parlophone, transformou essa gravadora em uma das maiores e mais
famosas empresas do ramo dessa época.

Algumas outras gravadoras ou selos, como ficariam conhecidas então,


foram surgindo ao redor do mundo mas foi a partir do surgimento da
Gramophone Company, que instaura-se o que conhecemos hoje por
Gravadoras, ou a Indústria Fonográfica, berço profissional do produtor musical.

Aspectos Práticos da Produção Musical

Como observamos até aqui, um álbum é um produto da indústria cultural


que apresenta contradições entre sua produção comercial, material e sua
produção artística.

24
Quando os detentores do mecanismo de distribuição inicial deste tipo de
produto – as gravadoras - compreenderam o imenso poder de alcance artístico
ou comercial, ou nos melhores dos casos, a junção de ambas, viram-se
obrigados a encontrar uma figura que reuni-se essas contradições e
transforma-se estas em similaridades, para que nenhum de seus investimentos
desse errado, esse profissional deveria fazer a ponte entre os artistas e os
donos das gravadoras.

Surge assim a figura do produtor musical.

Phil Ramone, produtor musical de grande sucesso e vencedor de 14


Grammys descreve sucintamente seu trabalho:

“Como produtor, minhas metas principais são criar um


ambiente estimulante, ajudar o artista a desenvolver suas
idéias e garantir que a interpretação do cantor seja gravada e
mixada da maneira devida” (RAMONE, 16).

Desta forma o trabalho do produtor musical, surge na necessidade da


conciliação dos interesses diversos e algumas vezes antagônicos dos artistas –
o lado “artístico”; e das gravadoras – o lado “comercial”.

Estendendo o pensamento para o lado cognitivo podemos entender que


existem sempre dois pontos de vista no relacionamento humano e em dado
momento estes pontos de vista entram na zona do impasse onde ocorre aquilo
que chamamos de discussão. O produtor musical, nesse caso, deve
representar um terceiro ponto de vista e como avalia Burgess “o melhor para
todos os envolvidos”.

Sobre o assunto a definição de Márcia Tosta Dias mostra-se


extremamente eficaz:

“É na transferência do conhecimento técnico de como


relacionar música e mercadoria de maneira competente e
lucrativa, que se centra o trabalho do produtor.” (DIAS, 96)

25
Mas ainda assim, essas definições não preenchem todos os quesitos
que essa vaga procura. Algumas questões permanecem sem resposta, como:
o que faz um produtor musical exatamente?

Em momento algum vou procurar responder esta pergunta de uma forma


cartesiana, pois as variantes que se surgem num processo de produção como
esse são muitas e na maioria das vezes são influenciadas pelos aspectos
cognitivos apresentados anteriormente, mas algumas regras, ou melhor, alguns
caminhos para a produção musical podem ser apresentados.

Existem duas questões que definirão o profissional dessa área, definidas


por Burgess em seu livro como: “que tipo de produtor você quer ser?” que esta
diretamente relacionado a outra questão: “qual a descrição do trabalho?”.

Sobre a primeira, Burguess traz as seguintes definiões, em alguns


momentos bastante humorística – sentimento que permeia no decorrer de seu
livro:

1) “Que tipo de produtor você quer ser?”

a) “O Sabe-Tudo-Faz-Tudo-Manda-Chuva”
b) “O Humilde Criado”
c) “Colaborador”
d) “Merlim, o Mago”

(In: BURGESS, 1-17)

As definições de Burgess contém todas elas a dosagem que diferencia


os profissionais desta área: a experiência e conseguem, apesar do tom irônico
em diversas passagens, conceituar perfeitamente o tipo de profissional desta
área.

26
Para entender melhor sua linha de raciocínio, começo esmiuçando as
duas divisões:

1) “Que tipo de produtor você quer ser?”

“O Sabe-Tudo-Faz-Tudo-Manda-Chuva”

“Esses caras poderiam facilmente ser eles mesmos os


artistas. No cinema e no teatro, alguém que canta, dança e
interpreta é conhecido como uma tripla ameaça. Esse tipo de
produtor é uma ameaça tripla, quádrupla, quíntupla.
Provavelmente ele irá compor as canções, tocar os
instrumentose cantar nas demos, podendo ainda ser o técnico
de gravação e, de quebra, fazer a programação dos
computadores, incluindo tudo isso em um pacote de produção
que é uma pechincha.” (BURGESS, 01).

Apesar de irônica a visão de Burgess é assustadoramente equivalente


ao patamar de produção que atinge os profissionais de hoje em dia.

Com o advento da gravação digital e o consequente barateamento dos


equipamentos, a indústria fonográfica passa por um processo de terceirização
que atinge toda sua estrutura organizacional, inclusive aos produtores
musicais.

Conforme o negócio da indústria fonográfica lucrava cada vez mais, sua


estrutura interna aumentava em proporção e como qualquer empresa que se
preze, as gravadoras não podiam mais correr riscos. Como forma de solucionar
esse impasse ela adota como plataforma de lançamento, praticamente todos
os estilos musicais, a fim de atingir a maior parcela de público possível.

27
Com isso, possuir um produtor musical contratado com carteira assinada
deixou de ser proveitoso, afinal, o mesmo produtor passa a atuar em diversos
estilos musicais, muitas vezes não compreendendo a linguagem do estilo e
comprometendo o resultado final do produto, acarretando em prejuízo para as
gravadoras. Portanto a terceirização deste profissional foi a alternativa mais
eficiente que as companhias adotaram para solucionar o problema como relata
Márcia Tosta Dias:

“O trabalho do produtor musical vai se especializando


cada vez mais, até despreder-se formalmente da estrutura da
grande empresa. Deixa de ser economicamente viável, para as
companhias, ter em seus quadros produtores assalariados,
especializados nos vários segmentos em que atuam. Desta
forma, tornam-se profissionais autônomos, contratados pelas
empresas para realizar trabalhos específicos.” (DIAS, 103).

Uma liberdade maior é estabelecida a partir daqui, porém contrário a


isso, os gerentes de A&R (artista e repertório) das gravadoras buscam, na
maioria das vezes esse tipo de profissional para realizar os principais.

Os motivos são óbvios, conforme descreve Burgess, são profissionais


com um estilo de atuação que convida a gravadora um sentimento de
segurança em relação ao resultado final do projeto, ao mesmo tempo que
reflete em economia para elas. É uma categoria de produção em que as
aptidões tem de ser desenvolvidas desde cedo, ou então, formam-se equipes
de produção musical, onde os produtores se complementam nas diversas
atribuições que compete a profissão.

“O Humilde Criado”

“Ninguém jamais quer se encaixar nesse estereótipo.


Quase sempre creditado como co-produtor, essa categoria de
produtor normalmente se inicia como técnico de gravação,
programador, músico ou co-autor. Frequentemente eles se

28
envolvem com um artista iniciante. Se aquele artista se torna
um superastro, o “humilde criado”, havendo se tornado um
trunfo aparentemente indispensável, faz jus a uma promoção.”
(BURGESS, 06).

Para essa classe Burgess não atreve-se em momento algum a nomear


quem pode ou não ser. Mas ele cita algumas vantagens em o produtor
pertencer a esta categoria, como sendo a escolha perfeita para artistas
independentes que possuem autoconfiança suficiente para saber como quer
que soe sua música, mas que não tem competências artísticas/tecnológicas
para a realização prática.
Um outro fator que o autor aponta como importante é que as relações
profissionais entre artista e produtor nesse caso costumam ser duradouras e,
em alguns casos extremamente lucrativas.
Alguns artistas podem, paradoxalmente, ficar extremamente
dependentes deste tipo de profissional. Portanto Burgess ressalta que esses
produtore devem ser capazes de “agarrar o touro pelos chifres e fazer as
coisas por conta própria, sem parecer que estão tentando tomar o projeto ára si
mesmos” (BURGESS, 08).
Esse argumento levanta outra questão relevante ao estudo: qual o limite
entre o artista e o produtor?
De acordo com Phil Ramone o produtor musical deve “dar aos contores
e músicos segurança para desenvolverem suas idéias, conseguirem fazer as
suas melhores execuções e usarem tecnologia de última geração, de modo
que pudessem compartilhar isso tudo com o mundo.” (RAMONE, xii).
Observa-se nesse discurso traços do que Burgess quer dizer com
“humilde criado”. Nesse caso o produtor deve saber que ele não é o foco da
atenção no final do processo por parte do público. No final as pessoas irão se
identificar com a música e consequentemente com o artista e o produtor que
não satisfazer com essa relação muitas vezes torna-se artista e definitivamente
não é o tipo de produtor que pertenceria a esta classe, veriamos então, traços
da primeira categoria.

29
O fato de um produtor musical ter de saber os limites que o diferenciam
de um artista, respondem a uma das primeiras perguntas suscitadas nas
hipóteses desta pesquisa.
O que faz desta, uma profissão que permanece com seus objetivos e
forma de atuação, ainda tão obscuros para a maioria das pessoas?
A resposta não poderia vir de outra forma, a não ser, a declaração de
um respeitado produtor norte-americano Steve Albini feita em um grupo de
discussão na internet:

“Lembre-se de que ninguém jamais entra em uma loja


de discos gritando: ‘Me dá o novo álbum lançado pelo selo X,
produzido pelo produtor Y, cujo contrato foi elaborado pelos
advogados A, B e C, e assinado pelo diretor de artista &
repertório Z! ’ As pessoas gostam de discos porque gostam de
música. Música é feita por artistas. Você está apenas sentado
na cadeira com rodinhas e apertando o botão de gravar. Não
se esqueça do seu lugar!” (ALBINI, 2008).

Observando esta declaração, encontramos paralelos com as definições


a respeito desta profissão proferidas por Burgess, Ramone e Dias ao longo da
pesquisa. Podemos concluir que o produtor musical tem sua profissão ainda
tão desconhecida do público leigo e mesmo profissionais do ramo, porque não
existe alarde sobre seu trabalho e o próprio produtor não sente necessidade de
que isto aconteça.
Outro fator importante que não pode deixar de ser mencionado é o
caráter extremamente técnico que a profissão assume em diversos momentos,
fazendo com que a maior parte das pessoas perca o interesse sobre o assunto.
Mas existem dois fatores de extrema importância que contribuem
substancialmente para o obscurecimento público da profissão. O primeiro deles
o fato de que a mídia, em geral, pouco se interessa em produzir programas
e/ou notícia a respeito dos produtores e focando todas as luzes nos artistas
que se revelam mais interessantes para o fomento da indústria cultural e o
segundo e último fator é pouca literatura e a conseqüente formação acadêmica
tardia que surge nesta área.

30
Para finalizar esta sessão utilizo de outra declaração do produtor Phil
Ramone:

“No mundo da música, o produtor de discos equivale a


um diretor de cinema. Mas, ao contrário do diretor de cinema
(que é visível e tende a ser também uma celebridade), o
produtor de discos trabalha no anonimato. Exercemos nosso
ofício pela madrugada adentro, por trás de portas fechadas. E,
com poucas exceções, o fruto de nosso trabalho raramente é
lançado com o alarde de uma estréia em Hollywood.”
(RAMONE, 15).

“Colaborador”

“Com frequência eles se encaixam quase como um


membro da extra da banda. Preferem conduzi-la para uma
decisão unânime e usar o seu voto de Minerva com
parcimônia. A marca registrada do Colaborador é a sua
flexibilidade, e também a disposição para encontrar o que há
de valioso nas idéias alheias. Suas próprias idéias são atiradas
no caldeirão junto com a dos outros e recebm a mesma
atenção. Se o Colaborador tivesse um lema, seria: ‘o todo é
maior que a soma das partes’”. (BURGESS, 09).

Esta classificação situa-se entre as primeiras e segundas classificações


perfeitamente. No caso o produtor musical não é tão possessivo
profissionalmente como na primeira, nem tão submisso como demonstrado na
segunda. Aqui o produtor assume um aspecto mais pessoal e complexo.
Ao longo dos anos o papel do produtor musical mudou muito e um dos
fatores apresentados anteriormente é o da terceirização da profissional por
parte dos contratantes iniciais – as gravadoras. Com isso a produção passa a
ser contratada por artistas também. Se o artista já tem um produtor, a

31
gravadora pode aceita-lo ou designar um outro que considere mais preparado
para o trabalho em questão.
O trabalho de produção neste caso fica extremamente ligado ao do
artista, ocasionando problemas do tipo “se o disco é bom, o mérito é do artista,
se é ruim, a culpa é do produtor”.
A função deste produtor é conduzir o artista para fora das armadilhas
que existem no decorrer de um processo de produção. Não chega a momento
algum a ser algo opressivo do tipo: “isso não pode ser feito”, mas adquire mais
significado quando indica que algumas atitudes tomadas podem não ter mais
volta.
É um profissional que sabe muito bem administrar o tempo das seções,
orientando os caminhos a serem seguidos, sem nunca tomar a frente o
suficiente para que irrite o artista. Diferente do “humilde criado” não espera que
as opiniões e decisões surjam do artista e tampouco age como o “sabe-tudo-
faz-tudo-manda-chuva” que incentiva que o artista apenas execute suas idéias.
É um profissional que possui uma forma de atuação baseada no meio-
termo entre esses dois exemplos e, portanto é o tipo de profissional que mais
aparece no meio da produção independente atual, onde, cada vez mais, é
necessário um entrosamento entre o produtor e o músico, devido ao fato de
vários músicos se produzirem.
Este argumento reforça outra questão importante para analisar o papel
do produtor musical nos dias atuais.
Por qual razão artistas que possuem classificações suficientes para se
produzirem ainda trabalham com produtores musicais?
Desta vez a resposta vem de artistas consagrados como Elton John:

“Um produtor sabe quando uma canção deve ser


alterada ou quando um vocal não está bom, porque ele tem um
distanciamento que falta ao artista. O conhecimento e a
experiência que um produtor leva para a sala técnica, quando
um músico está tocando e cantando do outro lado do vidro, são
muito tranqüilizadores.” (RAMONE, 17).

32
Phil Ramone, caprichosamente acrescenta:

“Alguém tem de pensar rápido e fazer com que as


coisas andem, e essas são tarefas que cabem ao produtor.
Como o produtor está envolvido em quase todos os aspectos
da produção, ele tem que desempenhar, ao mesmo tempo, as
funções de amigo, chefe de torcida, psicólogo, chefe de
serviço, bobo da corte, quebra-galho, secretário, guarda de
trânsito, juiz e jurado.” (op. cit. 16-17).

Não que nas classificações anteriores possa ser diferente, mas


especificamente a produção atinge níveis comerciais onde regras de
atendimento ao cliente devem ser seguidas a risca.
Respeitar a opinião do artista, ter o tato ao fazer sugestões e ao
discordar e solucionar crises emocionais e técnicas com rapidez e eficiência,
mantém o cliente, exatamente como em qualquer outra modalidade comercial.
Este tipo de tratamento fica claro quando Phil Ramone diz que
“idealmente, o produtor, o engenheiro de som e a equipe técnica devem
manter o nível de estresse o mais baixo possível e não deixar isso
transparecer para o artista.” (idem, 29). São atitudes e formas de pensar
como essa que fazem a figura do produtor musical ainda tão necessária
nos dias atuais, mesmo com o acesso facílimo para o repertório de um
produtor musical que existe hoje.

“Merlim, o Mago”

“Seria pouco comum para Merlim ser diretamente


responsável por grande parte do conteúdo musical ou técnico
do disco. Ele desempenha um papel de alto conceito, que tem
mais a ver com a direção global, com a energia do álbum e
com os outros elementos intangíveis que impulsionam a
carreira de um artista. Um líder natural, com habilidade para

33
ver o ‘quadro geral’ e não ficar preso aos detalhes.”
(BURGESS, 15).

Essa classificação remete a um estilo de produção que pouco tem a ver


com as anteriores. O produtor musical nesse caso costuma passar
pouquíssimo tempo em estúdio, se comparado aos produtores relacionados
com as classificações anteriores, e quando esta em estúdio costuma transmitir
suas instruções de maneiras muito específicas, objetivas e detalhadas e em
outros momentos transmitindo-as de uma forma vaga, geral e filosófica.
Este tipo de produtor pode ter um lugar na “imortalidade” tanto quanto
um artista, sendo este tipo de profissional que faz com que pessoas leigas e
até mesmo músicos se interessem pelos aspectos da produção musical.
A fim de objetivar o tipo de atuação deste produtor transcrevo a atuação
do produtor musical Brian Eno e o método que este utilizou em alguns discos
denominado “Oblique Strategies” (Estratégias Oblíquas).
Brian Eno rejeita a idéia de que haja formas “corretas” de se fazer as
coisas e que nós devemos “nos enriquecer e desfrutar de todas as diferentes
formas pelas quais podemos fazer as coisas” Em 1975 ele desenvolveu, junto
com Peter Schmidt as cartas de “Estratégia Oblíqua”. Elas continham mais de
cem possibilidades para ajudar a aliviar a incerteza e a paralisia no estúdio.
As cartas seguem o mesmo príncipio do I-Ching. Se chegar a um ponto
de incerteza ou a algum desentendimento sobre o que fazer você deve
escolher uma carta. As recomendações vão desde “considere um sistema
diferente de fading” a “olhe bem perto para os detalhes mais embaraçosos e os
amplifique” e se tudo falhasse, as pessoas poderiam ter sorte e tirar uma carta
que diz: “saia e feche a porta”.
Existe uma declaração maravilhosa a respeito dessa visão a respeito da
produção musical dada pelo próprio Brian Eno:

“Normalmente, não acompanho o projeto o tempo todo. Eu me afasto deliberadamente,


de modo que possa voltar e ouvir com ouvidos descansados. Algumas coisas se tornam
imediatamente claras para mim. Tipo: ‘Isso não funciona; isso é brilhante; isso esta confuso’.
Eu posso, rapidamente, dentro de uma hora de audição, estabelecer uma pauta que diz: ‘Sobre
isso precisamos conversar filosoficamente; temos que examinar isso estruturalmente; temos

34
que examinar isto para ver se está de algum modo indo na mesma direção do resto do disco’.
Eu estabeleço pautas como essas, ao ponto de dizer que quero assumir o controle desta
canção por, digamos, metade de um dia. Durante a metade daquele dia direi o que fazer e
vamos ver se funciona. Às vezes não funciona. E, é claro, qualquer outro participante pode
assumir o mesmo papel. É muito bom quando você se encontra em uma relação de trabalho
com outras pessoas na qual pode dizer: ‘Ok, eu experimentei isso e não funcionou’, e eles
dizerem: ‘É, tudo bem’. Felizmente, a maioria dos relacionamentos dos quais eu participo são
assim. Você tem que ter respeito pelas pessoas que dizem: ‘Olhe, você já é crescido, pode
fazer uma opção e não fingir que está interessado quando não está.” (BURGESS, 12-13).

Uma biografia breve sobre Brian Eno e o grupo que participou no início
da carreira – Roxy Music, foi colocada no Anexo nº 1 a fim de complementar a
trajetória deste produtor que desde o início dos anos 70, colaborou
regularmente com Nico (“The End”, “June 1,74”) ou John Cale (“Fear”, “Words
for the Dying”), ambos ex-integrantes do grupo The Velvet Underground.

Atribui-se a célebre frase a respeito do Velvet Underground à Brian Eno:

“O primeiro álbum dos Velvet Underground talvez não


tenha vendido mais que uns poucos milhares de cópias, mas
cada pessoa que o comprou formou um grupo.” (LISBOA,
101).

2) “Qual a descrição do trabalho?”

Para compreendermos melhor como inicia-se no mercado de trabalho


um profissional deste tipo, podemos começar alguns processos da
produção de discos, ou uma tentativa de descrição do trabalho de um
produtor.

Resumidamente Phil Ramone explica:

“A produção de um disco compreende três partes básicas, e o produtor


tem envolvimento direto com cada uma delas:

35
1) Gravação – a sessão em que a música é tocada e gravada.
2) Mixagem – quando todas as seções individuais gravadas durante a sessão
(ou sessões) são mixadas.
3) Masterização – quando o som final é aprimorado e polido.” (RAMONE,
16)

Esses três processos são pilares da produção musical que não mudam
independente de época ou estilo musical. Conforme os anos passam o avanço
tecnológico facilita esses processos, porém não mudam sua essencia,
tampouco sua ordem.

Porém o trabalho do produtor estende-se quando nasce o conceito da


pré-produção, que nada mais é do que preparar o artista para o dia da
gravação.

O produtor pode atuar nesse momento escolhendo os músicos,


arranjadores, como, onde e por quem o disco será gravado e nos recursos
técnicos a serem utilizados.

Outro fator a ser considerado por um produtor musical é a montagem do


disco, na sequência em que as músicas devem ser apresentadas.

A administração do orçamento para o projeto, no momento da produção,


também fica por conta do produtor, portanto uma dose de trabalho burocrático
também será levado em conta.

Resumindo em um organograma simples, a descrição das etapas de


uma produção musical seria assim:

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PROCESSO DE PRODUÇÃO MUSICAL

PRÉ-PRODUÇÃO

GRAVAÇÃO

GRAVAÇÃO AO VIVO GRAVAÇÃO EM OVERDUB

EDIÇÃO

MIXAGEM

MASTERIZAÇÃO

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Para esta primeira etapa da pesquisa não sair do foco principal e entrar na
esfera técnica foi colocado um segundo anexo onde cada uma destas etapas é
pormenorizada.

Assim, finalizando essa primeira etapa da pesquisa cito uma forma de


pensamento de Burgess a respeito de caráter desta profissão:

“A estabilidade no emprego é zero – você é julgado pelo


resultado dos seus dois últimos projetos. Boas relações são
essenciais, nunca vai se encontrar um anúncio procurando um
produtor. E quando você finalmente pensa que já dominou
tudo, a realidade intervém para lhe mostrar que o único fator
constante é a mudança.” (BURGESS, 253).

DISCUSSÃO – 2ª Parte

1) Warhol, Andy. Produtor Musical.

“Durante todo o tempo em que o álbum estava sendo feito


ninguém parecia satisfeito com aquilo, especialmente Nico,
“quero cantar como Bawwwhhhb Deeelahhhn”, gemia ela,
contrariadíssima porque não conseguia.” Andy Warhol.
(McNEIL, 32)

Muito já foi escrito e discutido acerca da arte e da vida de Andy Warhol,


porém somam-se estudos sobre sua carreira como designer, publicitário,
pintor, cineasta, artista multimídia, dentre outras categorias. Mas é inegável
que o trabalho de Produtor Musical desempenhado por Warhol no álbum
de estréia do grupo nova-iorquino The Velvet Underground ainda é uma
faceta pouco explorada e reconhecida dentre seus trabalhos.

38
A grande questão é entender o que faz um produtor musical, e que
abordei na primeira etapa deste trabalho. Agora podemos comparar se
Andy Warhol encaixa-se na descrição, ou se ele alçou a uma nova classe
de produtor musical ou, quem sabe, Warhol, realmente, não se trata de um
produtor musical.
Para tanto, é necessário compreender as motivações de Warhol em
trabalhar com um grupo de rock.
No ano de 1965, ano em que ocorre a primeira exposição individual de
suas pinturas no museu do Institute of Contemporary Art da Filadélfia,
Warhol, em entrevista a Gretchen Berg, anunciou: “Não pinto mais. Deixei
de fazê-lo há pouco mais de um ano e agora só faço filmes. Na realidade,
poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas os filmes são mais
interessantes e a pintura não passou de uma fase que atravessei.”
Esta transformação do pintor em cineasta iniciou-se por volta de 1963
quando se mudou para a Rua 47.ª e montou um estranho ateliê batizado de
Factory.
Neste lugar, uns grupos de pessoas jovens e de diversas camadas
sociais, passaram a freqüentar o local com o intuito de incitar aversão as
convenções e ao establishment.
Homossexuais, lésbicas, artistas, cineastas, estudantes, atores, poetas,
dentre outros malucos que excursionavam eventualmente pelo local.
Warhol sentia-se fascinado e estimulado por este punhado de tipos
bizarros que, em primeiro lugar, lhe serviam de receptores e transmissores
daquilo que ocorria a sua volta e há seu tempo, através destes, Warhol
podia sentir o pulsar de sua época.
Neste mesmo ano, Warhol conhece o poeta Gerard Malanga que passa
a ser seu assistente.
E assim iniciam-se as produções cinematográficas underground de
Warhol, com filmes como Sleep (que mostra uma pessoa dormindo ao
longo de seis horas) e Empire (onde o personagem principal era o famoso
prédio Empire State, o filme tem uma duração maior que o anterior de oito
horas.)
O conceito de repetição desenvolvido em suas pinturas é retomado em
seus filmes, por exemplo, o primeiro filme Sleep, apresenta um homem

39
adormecido e a câmera passando por diversas partes de seu corpo, a
duração do filme é de 6 horas, quando na verdade o que existe é um filme
de 20 minutos, onde repete a primeira seqüência.
Warhol fez uma declaração a respeito de seus filmes que facilitará o
entendimento para sua atuação como produtor musical dos Velvets:

“Os meus primeiros filmes, nos quais utilizei objetos


imóveis, deviam, sobretudo ajudar as pessoas a conhecer-se
melhor mutuamente. No cinema, está-se geralmente sentado
num mundo imaginário. Se, entretanto, vemos qualquer coisa
que achamos maçante, a nossa atenção dirige-se sobretudo
para a pessoa que esta sentada ao nosso lado. Nesse aspecto,
os filmes são mais apropriados do que as peças de teatro ou
concertos, onde temos simplesmente que ficar sentados.
Parece-me que só com a televisão é possível obter os
melhores resultados do que com o cinema. Quando você
assiste aos meus filmes, pode-se fazer mais coisas do que
quando assiste a outros filmes: pode-se comer e beber, fumar,
tossir e olhar para o lado e, depois, olhar de novo e verificar
que ainda esta tudo lá.” (HONNEF, 74)

Com a entrada de Malanga como principal assistente de Warhol, os


filmes conseguiram mais sofisticações, desde som a argumentos.

Um exemplo de sucesso pode ser reconhecido com o filme Chelsea


Girls de 1966, que mostra duas fitas lado a lado retratando a vida na Factory, o
sucesso advindo com este filme ganhou tamanha importância nos dias atuais,
por ser o primeiro filme underground a ser exibido numa sala de cinema
comercial.

A marca do artista multimídia se fortalecia em Warhol, suas incursões


pelo mundo do cinema, evoluíram para outra forma de arte mais realista, e
realismo era um conceito desenvolvido por Warhol desde suas pinturas.

Com sua trupe de superstars da Factory, Warhol planejava uma


apresentação itinerante pela América onde diferentes tipos de arte se

40
relacionariam, tal qual um circo de horrores, Warhol planejava levar para a
América o que ela tinha de melhor, e na visão deste, era o seu pior.

Para concretizar suas aspirações Warhol precisava de música, e esta


música deveria ser ao vivo para ser “real”, Warhol precisava de uma banda.

Em dado momento chegou até a participar de um inusitado de grupo


musical, com nomes como La Monte Young, Claes Oldenburg, Walter de
Maria, Jasper Johns, além do próprio Warhol, que ensaiavam secretamente
uma incursão ao mundo da música, em especial, no mundo do Rock´n Roll.

Imaginar Oldenburg, Johns e Warhol juntos numa banda é até certo


ponto irônico, sendo os três expoentes da Pop Art, porém a inclusão de nomes
como La Monte Young e Walter de Maria, indica o quanto Warhol e os Velvets
estavam predestinados a trabalharem juntos.

La Monte Young foi um músico de grande renome no universo


intelectual/artístico underground de Nova York na década de 60. Possuía um
grupo instrumental que se chamava Dream Syndicate, grupo do qual John
Cale fez parte antes de integrar o Velvet Underground.

Nas palavras de Cale percebemos o quanto a classe artística de Nova


York estava preocupada com o experimentalismo como uma forma de arte
única e competitiva:

“No inicio dos anos sessenta eu viva no Soho. O Andy


trabalhava na Factory na 14ª Rua e eu trabalhava com La
Monte Young em Tribeca. Para a Gente do Village, do East
Village e de Lower Manhattan, o importante era a persistência,
quando se tinha uma idéia e quando ela era realizada. O
importante era ser o primeiro. Eu estava em contato com as
pessoas do Fluxus por intermédio de La Monte. Impressionava-
me muito a importância que eles atribuíam ao momento que
uma coisa era feita. O que eu sabia de Andy é que ele se
interessava pela repetição. E todas as pessoas diziam que ele
estava atrasado. Não sabia mais nada do Andy. Nunca tinha
freqüentado a Factory até Bárbara Rubin nos descobrir.”

41
Cale explicava que o Dream Syndicate era composto por um trio de
músicos que se limitava a sustentar uma nota durante um tempo imenso e a
um volume muito alto e “muito corrosivo”. Consideravam este tipo de música
como uma espécie de hipnotismo e com a sustentação de um único acorde a
música ganhava espaço.

Cale prossegue:

“... era uma forma de psicoterapia no sentido em que


as pessoas eram devolvidas a si mesmas. Estavam ali
sentadas, somente com elas mesmas, sem alguém para lhes
falar. Não havia ninguém para lhes explicar o que quer que
fosse.”

Muitas dessas idéias desenvolvidas por La Monte Young, foram


aproveitadas por Cale no Velvet Underground. Vide músicas como Heroin,
Venus in Furs ou a furiosa The Black Angel’s Death Song, todas presentes
no primeiro álbum do grupo.

Nesse momento devemos atentar para alguns fatos expostos nos


diálogos destes personagens reais.

John Cale não conhecia Warhol, mas conhecia seu trabalho e o entendia
como usufruto das técnicas de repetição. Porém seu inicio com o Dream
Syndicate baseava-se no mesmo conceito de repetição – de notas musicais
neste caso e nota-se a preocupação em ambos os casos, que o embrião
destas técnicas reside essencialmente na tentativa de não contribuir com a
alienação das pessoas.

Vem desta a razão de Warhol para seus filmes iniciais em que nada
acontece e nada muda; o mesmo acontece com o lado da música do Dream
Syndicate. Mas as coincidências conceituais não param por aqui.

Walter de Maria, mais tarde, assumiria as baquetas na posição de


baterista do Velvet Underground, em lugar de Moe Tucker.

42
Como foi citado na declaração de Cale, foi Bárbara Rubin quem pos fim
ao projeto musical de Warhol, Young, Oldenburg, Maria e Johns, e que
infelizmente, não restaram registros de qualquer forma do som que este
inusitado grupo pode ter realizado.

Bárbara Rubin foi quem levou Warhol e seu parceiro artístico Paul
Morrisey a um bar onde o Velvet Underground se apresentava, o nome do bar
era Café Bizarre.

Porém, vale notar que esforço empreendido por Rubin em divulgar


aquele grupo singular começou algum tempo antes, quando ela apresentou a
banda para seu amigo jornalista e influente na época, Al Aronowitz.

Em entrevista, Sterling Morrison descreve este encontro com precisão


impecável:

“O Al Aronowitz era o manager de uns rapazes bem


comportados de New Jersey, os 40 Fingers. Tinha organizado
um concerto e estava atrás de um outro grupo para
empresariar. Bárbara Rubin, uma de suas amigas, tinha nos
ouvido tocar numa daquelas projeções de filmes underground e
disse-lhe que conhecia um grupo que tocava umas canções
bem estranhas. E a resposta de Aronowitz foi << OK, 75
dólares>>. Tocamos três canções naqueles auditórios da
Summit High School em New Jersey: There She Góes Again,
Venus in Furs e Heroin. Era 11 de novembro de 65, data da
nossa primeira apresentação com o nome de Velvet
Underground. Metade do público abandonou a sala, a outra
metade gostou.”

Nessa apresentação foi que Al Aronowitz enxergou as possibilidades


daquele grupo tão diferente de tudo que ele tinha ouvido até então. Assim
ofereceu um contrato “verbal” com eles e prometeu arrumar um local para
tocarem. Obviamente a banda não acreditou nele até o momento em que se
concretizou um contrato no Café Bizarre para o mês de Dezembro de seis
noites por semana, um número ilimitado de apresentações de quarenta minutos

43
cada um, com vinte minutos de intervalo. Mas essas apresentações não
chegariam até o fim, principalmente após a visita de Warhol ao Café Bizarre.

Cale retrata muito bem a decisão da banda em prosseguir o trabalho


com Warhol, ao invés de continuarem com Aronowitz:

“Quando Andy e Morrisey apareceram, disse para mim


mesmo que, ao menos, eles tinham tão pouca experiência
como nós no Rock’n Roll... sempre me dei mal com o dinheiro,
com ter de pensar nesses termos.”

O fato é que o Velvet Underground impressionava bastante as pessoas


nas apresentações. E no Café Bizarre, pode finalmente elaborar um repertório
que representasse com mais fidelidade suas aspirações musicais. Antes disso
seu repertório baseava-se em clássicos do rock’n roll que Lou Reed era um fã
assumido. Porém já existiam algumas canções como Heroin e Venus in Furs
que demonstravam o potencial destes como grupo de vanguarda.

Em uma destas apresentações o grupo tocou uma de suas canções


mais perturbadoras The Black Angel’s Death Song. Após encerrarem a
canção e se prepararem para um outro número, o proprietário do Café Bizarre
veio ter uma conversa com a banda, solicitando para que nunca mais tocassem
aquela música novamente, casos contrários, seriam despedidos. É interessante
pensar que para uma banda que procurou vários lugares para tocar sem
sucesso algum, de repente se encontraram na primeira situação em que seriam
obrigados a fazer o que outras pessoas sugeririam para eles, mesmo a contra
senso. Porém a banda logo em seguida lançou-se ao tema novamente e
tocaram de uma forma mais ruidosa e raivosa que anteriormente e por fim
foram demitidos.

E foi numa dessas apresentações inspiradoras que Andy Warhol e sua


trupe apareceram e o convite para trabalharem juntos foi concebido por
Warhol.

Lou Reed, principal compositor do grupo, é quem relata o encontro:

44
“O Andy andava a procura de um grupo de rock, foi
assim que nos encontramos. Ele disse ‘Gee, that’s great’ ou
qualquer coisa assim. ‘Vou ter uma semana na cinemateca
para projetar os meus filmes. Vocês podem vir. Eu projetarei
meus filmes sobre vocês enquanto tocam’. A idéia mais
excitante quanto mais tomávamos consciência de que
havíamos sido despedidos do Café Bizarre.”

É notável como a figura de Warhol absorveu todas as outras


possibilidades que os Velvets poderiam recorrer.

Dentre algumas, destaca-se a lenda de que Brian Epstein (empresário dos


Beatles) planejava contratar o Velvet para sua agência Nems.

Assim que Bob Dylan foi, na primavera de 1965, para a Inglaterra e com
ele estavam algumas pessoas importantes para o Velvet Underground como
Bárbara Rubin e Kate Heliczer.

Rubin, como já citada anteriormente, além de amiga pessoal de Warhol, era


amiga pessoal de Dylan, aparecendo até mesmo na capa de seu clássico disco
Bringing It All Back Home. Kate, por sua vez, mulher do cineasta
vanguardista Pierot Heliczer.

Kate, na época, era vizinha de John Cale e Lou Reed que na época tinham
começado sua banda de rock, com o irônico nome de Velvet Hermaphrodite
Jug Band.

Naquele verão, Cale apareceu na casa de Kate em Londres, levando uma


fita que ele, Reed e o recém chegado guitarrista Sterling Morrison haviam
gravado em seu loft na Ludlow Street.

Na verdade, a intenção de Cale era que com aquela fita eles conseguissem
um contrato de gravação por uma grande gravadora, como os Beatles. Porém,
a gravação limitava-se a algumas gravações que pouco representavam a
sonoridade grandiosa e vanguardista que a banda realizaria mais a frente, se
observarmos as demos de músicas como All Tomorrow’s Parties, Heroin e
Venus in Furs, podemos dizer que soam como canções folk na linha de Dylan,

45
porém já com um diferencial inicial, que residia nas letras de tom confessional e
com temas pesados, relacionados as drogas e sexo livre e homossexual.

Cale solicitou para que para que Kate divulgasse a fita em Londres por ele,
que voltaria para Nova York. Apesar de contrair hepatite na época Kate tinha
uma amiga em comum com Cale para ajudar na divulgação, Bárbara Rubin.

De acordo com o autor inglês Clinton Heylin, no dia 21 de outubro do


mesmo ano, Kate recebeu uma carta de Cale. Até o momento ela tinha
mostrado a fita apenas para uma cantora folk chamada Julie Fox, que se
interessou em gravar umas duas músicas. Na carta Cale pede desculpas pela
gravação da fita demo que não estava num nível aceitável, mas é porque a
banda estava sem equipamento e que um próximo demo iria demorar bastante.
Mas Cale, sempre insistente solicitou para que Kate entregasse a fita para Bob
Whitaker, que era fotógrafo dos Beatles, para que este levasse a fita para
Epstein do “jeito que estava mesmo”.

Parece que Whitaker fez o que lhe foi pedido, pois após Bárbara Rubin
retornar a Nova York, ela escreveu uma carta para Kate avisando que o Velvet
Underground preferia não assinar com Epstein, firmando seu contrato com
Andy Warhol.

Chega a ser impressionante a força com que Warhol impressionou o Velvet


a ponto de desistirem de assinarem um contrato com Epstein, então o
empresário da banda de rock mais famosa no mundo até então.

Porém algumas declarações dos membros do grupo nos ajudam a entender


este fato, um tanto incompreensível – a começar por Cale:

“Assim que fui a Factory e vi o que acontecia por lá, me dei


conta que aquilo não nada a ver com a idéia de repetição. A
arte contemporânea era um mistério para mim. Tinha convivido
em Londres com muitos artistas, mas tinha ficado com a
impressão que eles não prestavam muita atenção ao que
faziam, que eram negligentes na sua abordagem da técnica,
que não trabalhavam o suficiente. Mas, quando cheguei a
Factory, fiquei impressionado pela massa de trabalho que ali

46
decorria permanentemente. Era preciso trabalhar muito para
produzir aquelas serigrafias. Era evidente que eles se
aplicavam enormemente no trabalho, era tudo muito
profissional, trabalhavam até muito tarde todas as noites.”
(LISBOA, 29)

Warhol, além de promover a banda com seu festival itinerante que


inicialmente chama-se “Warhol’s Up Tight”, reservou um espaço na Factory
para que a banda ensaiasse, além de financiar alguns equipamentos melhores,
reforçando assim a opinião da banda em pertencer ao seu séqüito, como
comprova a declaração de Morrison:

“Depois de nos arrumar um canto para tocar, começamos a


prever o que iríamos fazer com o Andy. A primeira coisa foi
tocar numa festa de gala beneficente para a Cinemateca na
Rua 41. Foi ai que compreendemos que poderíamos fazer
qualquer coisa. Tocamos pela primeira vez diante de um
publico numeroso, e desta vez, sem ser por trás do ecrã.
Tivemos boas reações e boas criticas, ainda que algumas
pessoas se mostrassem inquietas pela estranheza da musica.”
(LISBOA, 30)

Na verdade, o que contou muito foi a notória personalidade criativa e


provocativa de Warhol, para que mantivesse a banda consigo. Assim que
começaram as digressões, Warhol foi muito solicitado pelos jornalistas e
encontrava sempre uma maneira de deixar a situação um tanto quanto
desconfortável, como deitar no chão ao ser entrevistado obrigando o jornalista
se ajoelhar para lhe fazer as perguntas. Compreendo que este misto de
ingenuidade com esperteza influenciaram muito a personalidade de Lou Reed
que passou a enxergar uma figura paterna e parceira em Warhol, este por sua
vez, ganhava cada vez mais respeito do grupo, pois sempre conseguia reverter
as situações em proveito próprio.

Nesta fase da banda na Factory, as canções evoluíram rapidamente


comparadas aos demos realizados no loft de Cale na Ludlow Street, e com isso
a necessidade de um disco se fazia necessária. Neste momento chega a ser
impressionante a declaração dada por Lou Reed ao ser entrevistado por

47
Christian Fevret e ser abordada a questão da efetividade da atuação de
Warhol em relação ao grupo, realmente considero este comentário, algo de
extrema importância para a conceituação desta tese:

“Éramos feitos um para o outro. Os assuntos das canções escritas antes de nosso
encontro encaixavam-se perfeitamente com a temática de seus filmes. Depois da semana na
Cinemateca, propôs para ficarmos com ele na Factory e ser nosso manager: ‘Podíamos ir
juntos aqueles festivais de arte para onde sou regularmente convidado e, em vez de só mostrar
meus filmes, apresentarei por sobre vocês tocando’. Era muito excitante. Andy nos deu a
oportunidade de sermos o Velvet Underground. Concretamente nós não éramos nada, zero,
ninguém nos conhecia, ninguém se interessava por nós. E graças a Andy, nos deixavam em
paz, deixavam fazer o que quiséssemos. Quando fizemos o disco, ninguém ousou modificar
nada. Andy andava por ali, ele era o produtor. As pessoas me perguntavam como ele
poderia ser o produtor se não conhecia absolutamente nada de técnica e nós respondíamos
sempre que aquilo não interessava para a gente, o que importava era que ele se contentava
em concordar com o que fazíamos. E o disco saiu sem que ninguém alterasse fosse o que
fosse, simplesmente porque Andy tinha dito que tudo estava Ok. Hilariante. De tempos em
tempos, ele dizia também: ‘Acima de tudo não se esqueçam de tocar aquela canção com um
texto repugnante, não modifiquem as palavras e, sobretudo, escolham a versão longa! ’ ou
então: ‘Porque é que não escrevem uma canção sobre Edie Sedgwick?’ e eu perguntava como
devia ser essa canção e ele respondia: ‘Bem... ela não lhe parece uma mulher fatal?’. Então
escrevi Femme Fatalle, mais tarde disse: ‘Você deveria escrever uma canção que se
chamasse Vicious’. E eu perguntava novamente o que ele queria dizer com aquilo, que
respondia: ‘Oh vicious, i hit you with a flower’. Ele fazia frequentemente esse tipo de sugestão
das quais eu me punha a realizar.” (LISBOA, 32)

Porém apesar da afirmação de Lou Reed a respeito de Warhol ser o


produtor musical do primeiro disco, existiram outras variantes e personagens a
serem analisadas, porém neste ponto pretendo esclarecer melhor quem foram
os Velvet Underground.

2) The Velvet Underground

O grupo era formado pelos músicos Lou Reed (guitarrista e vocalista),


John Cale (baixista, pianista, violinista e, eventualmente, vocalista),

48
Sterling Morrison (guitarrista e baixista) e Maureen “Moe” Tucker
(percussionista).
Após alguns nomes como o já citado Velvet Hermaphrodite Jug Band,
passaram por outros como, The Warlocks ou The Falling Spikes, até
encontrarem a perfeição para seus propósitos através de um livreto pornô
de segunda linha, com uma capa cheia de chicotes, botas e couro, além da
palavra “underground”, que estava numa situação de pleno uso por
cineastas experimentais. O nome do livro apadrinhou a banda: The Velvet
Underground.
Antes disso, seus integrantes já seguiam caminhos tortuosos pelo
mundo das artes.
Louis Allan Reed, nascido a 2 de março de 1942 no Brooklyn, vinha de
uma família judia sem dificuldades econômicas. Desde muito cedo Lou
demonstrou afinidade com a música e seus pais o incentivam a estudar
piano aos cinco anos de idade. Mas o garoto já se identificava com o que
chamavam na época de música transgressora, o rock´n roll.
Aos quinze anos monta seu primeiro grupo – The Shades – que lançou
um primeiro single de nome So Blue.
Lou mostra-se um rapaz quieto e arredio a práticas esportivas, seus pais
entendem como suas atitudes como uma espécie de homossexualismo latente
e o encaminham a um psiquiatra que preconiza um tratamento por eletro
choques.
No ano de 1960 entra para a universidade de Syracuse, onde estuda
Literatura com seu professor e mentor Delmore Schwartz que era um poeta
americano nascido em 1913, morreu de etilismo em 1966. É neste ambiente
que conhece seu futuro amigo e companheiro de banda Sterling Morrison e
tempos depois passam a tocar juntos. Nessa época Lou compõe alguns temas
estranhos como Heroin, isso no ano de 63.
Pouco tempo depois encontra emprego na Pickwick Records, que era
uma gravadora americana que fale em 1982. Era especializada em lançar
discos de baixa qualidade e extremamente baratos. Explorava as tendências
musicais da moda, publicando álbuns simulacros, tentando assemelhar-se aos
originais tanto pelas capas quanto pelas músicas.

49
Reed nessa época tinha seus 22 anos e a descrição de seu trabalho é
feita pelo próprio:
“Nós éramos quatro, trancafiados numa sala escrevendo
canções. Eles diziam-nos ‘Escrevam dez canções
californianas, dez canções de Detroit...’ era o comércio pop no
que ele tem de mais fútil, mais assustador, mais sórdido e
menos gratificante.” (LISBOA, 142)

Então, após compor uma música com o estranho nome “The Ostrich”,
Lou é informado que teria de formar um grupo para tocar as canções durante
meia dúzia de aparições em Nova York e arredores, o grupo se chamava The
Primitives, composto por Lou Reed, John Cale, Tony Conrad e Walter de
Maria.
Tony Conrad era um música que encontra John Cale através de La
Monte Young e fez parte do Dream Syndicate. No inicio dos anos 60 partilhou
um apartamento com Cale que diz ter descoberto Hank Williams por
intermédio de Conrad.
A importância de Conrad para o nascimento dos Velvets aumenta
consideravelmente ao apresentar para Reed e Cale o livro de Michael Leigh,
de nome “The Velvet Underground”.
Leigh era um professor de Dublin que morava em Pensacola na Flórida. O
livro em questão se tratava de uma edição de bolso de 192 páginas e foi
publicado em 1963 pela MacFadden Books ao preço irrisório de 60 pence.
O livro é um inquérito jornalístico sobre os “bas-fonds” da sexualidade (troca
de casais, sado masoquismo, escravidão sexual, dentre outros), que o autor,
simbólicamente, chama de “subterrâneo de veludo”. Foi prefaciado por um
“freudiano” doutor Berg e tinha ambições intelectuais, apesar de surgir de um
engano, pois Leigh certo dia responde a um anuncio de um clube de encontros
e para sua surpresa se vê envolvido no meio de uma rede de trocas de casais.
Imediatamente segue a pista, enviando cartas, realizando entrevistas e, assim,
descobrindo todos os circuitos paralelos através dos quais respeitáveis
cidadãos se entregavam para fantasias eróticas enrustidas.
O galês Cale, por outro lado, aproximou-se do rock devido ao ruído.
Com pouco mais de 20 anos, já havia experimentado alguns extremos

50
musicais: foi um dos músicos que ajudou Cage a executar sua mais longa
obra, uma peça de piano com 18 horas de duração e com o Dream
Syndicate, esticava notas inteiras por horas, criando efeitos que remetiam
à música oriental de meditação.
Nascido a 5 de Dezembro de 1940, no País de Gales. Aprendeu piano
muito jovem e em 1948 da um concerto para a BBC. Já em 1960 estuda na
Royal Academy de Londres, onde inicia suas correspondências com John
Cage. No ano de 1963 dirige-se para Nova York para estudar com o
compositor Aaron Copland no Eastman Conservatory.
Sobre Copland, Cale dizia ser “o maior compositor americano vivo”.
Copland nasceu em 1903 e foi aluno, durantes 20 anos, da pianista Nadia
Boulanger, compositora francesa de música erudita e renomada educadora
musical. Copland ao retornar para a América compõe um concerto para
piano de inspiração jazzística, que por ser uma convergência muito
inovadora para a época, desencadeia uma enorme polêmica.
Cale no ano de 64 participa do Dream Syndicate de La Monte Young
com Angus MacLise, para somente então no ano de 65 conhecer Lou
Reed e monatr os The Primitives, base para o surgimento do Velvet
Underground.
Reed demonstra sua admiração por Cale, quando diz com um tom
levemente irônico:

“Só espero que um belo dia John seja reconhecido como


Beethoven ou um compositor desse gênero. Ele sabe muito de
música apesar de ser completamente louco. Mas isso é por ser
Galês.” (LISBOA, 80)

Outro integrante dos Velvets foi Sterling Morrison, nascido a 29 de


agosto de 1942 em East Meadow, Long Island.
Dos sete aos catorze anos estudou trompete, dedicando-se em seuiga a
guitarra, fascinado por sons de Bo Didley e Chuck Berry.
Entra no curso de Letras na Universidade de Syracuse com o irmão de
Maureen Tucker. E foi envolvendo-se com a cena musical da universidade

51
que conhece Lou Reed. Montam grupos como os Pashas and The
Prophets ou Moses & His Brothers.
Após o término dos estudos, perde contato com Lou Reed cerca de um
ano, voltando a se encontrarem com Reed na companhia de John Cale.
Já Maureen Tucker, também conhecida por Moe, começa sua vida
musical com a guitarra, somente depois passando para a percussão e
apaixonando-se pela bateria.
Conhece Lou Reed e Sterling Morrison, quando estes iam a sua casa
fazer trabalhos de faculdade com seu irmão.
Fez história na música por seu estilo econômico de tocar o instrumento e
por tocar de pé como faziam os percussionistas da música clássica.
Como diz Y. Bigot, historiador dos Velvets:

“A única baterista do mundo que, tecnicamente, era pior do


que Ringo Starr. E, no entanto, como Ringo Starr, com um dos
sons mais identificáveis. Logo, um dos melhores.” (LISBOA,
170)

Assim os shows do Velvet, como mencionado anteriormente,


transformou-se nas mãos de Warhol num espetáculo multimídia intitulado Andy
Warhol Uptight!, e posteriormente Exploding Plastic Inevitable, ou
simplesmente para alguns, Plastic Inevitable, ou até mesmo – E.P.I.

3) E. P. I.

“Os Velvets emergiram de um dos vários empreendimentos de


Andy Warhol, que conseguiu realizar mais coisas nessa cultura
enquanto atuava (em público, pelo menos) como um completo
autista nulo do que praticamente qualquer outra figura dos
anos 60. Lou aprendeu muito com Andy, principalmente como
se tornar uma personalidade pública de sucesso vendendo sua
próprias manias privadas para uma audiência faminta por mais
e mais esquisitices.” (BANGS, Lester, 76)

52
Ao iniciarem as digressões pelos Estados Unidos em 66 e 67, sob o nome
de Exploding Plastic Inevitable, nome que havia sido escolhido por Paul
Morrisey após escolher aleatoriamente algumas palavras presentes na
contracapa do disco Bringing It All Back Home de Dylan que foi citado
anteriormente.
Com este projeto Warhol transformou os shows da banda em verdadeiros
espetáculos multimídia, onde música, literatura, cinema, dança misturavam-se
causando estranhas sensações em seus espectadores que também
participavam do show sem perceberem.
No dia 7 de Abril, Warhol pagou uma pagina de publicidade no “Village
Voice”, convidando o público para vir “divertir-se e dançar com o Exploding
Plastic inevitable”.
Nos cartazes feitos por Warhol, se anunciavam artistas, dentre eles:
Warhol, os Velvet Underground, Nico, Gerard Malanga, Ingrid Superstar, Edie
Sedgwick e Mary Woronov.
Warhol convocou sua principal musa cinematográfica Edie Sedgwick para
fazer dupla com Gerard Malanga em danças sincronizadas com músicas da
banda.
Gerard Malanga, que era pintor, fotógrafo e poeta, se encontrou com
Warhol 1963, foi considerado secretário particular de Warhol e pode ser visto
em diversos filmes de Warhol como “Kiss” e “Chelsea Girls”. Com um físico
bonito atraia toda espécie de garotas e garotos bonitos para a Factory. Sua
importância no E.P.I. deve-se a sua criação da “dança do chicote”, dança
criada especificamente para a canção Venus in Furs do Velvet. Onde Malanga
e Sedgwick dançavam sensualmente e insinuante com estaladas do chicote no
chão do palco uma relação sadomasoquista, acompanhando perfeitamente ao
ritmo e tema da música.
Malanga retrata essa fase como:

“Eu era o responsável pelas coreografias no EPI, justificava


assim a minha notoriedade de superstar, adquirida graças a
Andy. Fazia a ‘dança do chicote’ em Venus in Furs, mas criei
também outras danças com feixes luminosos em Wainting For

53
The Man ou com uma esferográfica que todas pessoas
pensavam ser uma seringa em Heroin.” (LISBOA, 93)

Sobre a banda rolavam efeitos luminosos projetados por Danny Williams,


mas rolavam principalmente projeções dos filmes de Warhol como: “Sleep”,
“Kiss”, “Eat”, “Vinyl”, “Faces”.
Fotografias dos espectadores eram tiradas por Nat Finkelstein, sem que
soubessem, enquanto eram filmados por Bárbara Rubin que fazia perguntas
constrangedoras, a fim de registrar as reações das pessoas.
O que acontecia em Nova York encontrava paralelos em São Francisco
com festas organizadas pelo escrito Ken Kesey (notório pelo romance “O
Estranho no Ninho”). Chamadas de Teste do Refresco do Ácido Elétrico, ao
som de bandas como Greateful Dead e que depois foi devidamente
documentado no livro do jornalista Tom Wolfe, com um livro que levava o
mesmo nome do festival.
Um aspecto importante de ressaltar sobre as diferenças entre os dois
projetos multimídias fundamenta-se na discrepância que residia na trupe nova-
iorquina em relação as pessoas da Costa Oeste. Os integrantes do E.P.I. eram
em sua maioria considerados uns junkies branquelos e gays do mundo da
moda e das artes plásticas. Inevitavelmente estas digressões resultaram em
brigas históricas do Velvet Underground com pessoas como Frank Zappa e
bandas como o Greateful Dead.
É interessante ressaltar que Marshall MacLuhan, após travar
conhecimento do E.P.I. colocou uma fotografia do Velvet Underground tocando
no Trip em Los Angeles, em seu livro “The Medium Is The Message”, onde
faz uma descrição do concerto:

“O tempo cessou, o espaço desapareceu. Vivemos agora


numa aldeia global, um acontecimento simultâneo. Movemo-
nos outra vez num espaço acústico. Temos que começar a
estruturar de novo os sentimentos primordiais, as emoções
tribais, de que alguns séculos de alfabetização nos
divorciaram. Tomamos agora consciência da possibilidade de
encarar a globalidade do ambiente humano como uma obra de
arte”. (LISBOA, 125)

54
O nome de Warhol atraia um outro tipo de público para os shows, e ele
mesmo absorvia diversas críticas que eventualmente poderiam ser
direcionadas ao Velvet.
Como observa, Sterling Morrison:

“O espetáculo atraia muita atenção da mídia devido ao


nome de Warhol, mas muito pouco se concentrava no Velvet.
O E.P.I. era considerado como um acontecimento artístico
comparável aos outros happenings dos anos 60 mas com uma
música de fundo esquisita. Quanto ao Velvet, nós nunca nos
esforçamos para sermos bem vistos pela mídia, mais por
desinteresse do que por arrogância. Eu estava convencido que
se alguma coisa tivesse de acontecer, acabaria por acontecer.
Desprezávamos o ‘Hype’.” (LISBOA, 125)

4) & Nico

“É claro que Lou Reed quase teve uma síncope quando eu


disse que precisávamos de uma garota cantando com o grupo
para obter mais publicidade. Não quis dizer que precisavam de
alguém que tivesse algum tipo de talento, mas era exatamente
isso que eu tinha em mente.” Paul Morrisey (McNEIL, 20)

Apesar de podermos considerar o E.P.I. como um dos principais fatores


favoráveis ao status de produtor do Velvet Underground, ainda podemos
relacionar Warhol e os Velvets neste caso como um associação Artista e
Manager.
Quando pensamos no termo Produção Musical, que é o ponto chave
para esta analise, Warhol demonstrou associar toda sua experiência nas
artes visuais e aplicar musical, ou melhor, visualmente.
A questão reside no fato de quando o Velvet Underground começou, o
grupo optou por um visual sorumbático em oposição as cores vibrantes e
coloridas dos anos do Flower Power, do qual eram notoriamente contrários,

55
portanto todos os integrantes apresentavam-se de roupas pretas e de
óculos escuros.
Em algumas apresentações eles testavam os limites da aceitação,
tocando de costas para o público, e Warhol enxergava uma ótima
identidade visual para o grupo, mas faltava um toque da plasticidade de
Warhol a partir da sua associação com os Velvets.
Warhol imaginou uma contradição perfeita para os Velvets e idealizou na
forma de uma mulher maravilhosa, de cabelos loiros, traços europeus, alta
e vistosa e vestida de branco a colocou para cantar no grupo com sua voz
era grave e profunda.
Seu nome era Christa Päffgen, nascida no dia 16 de outubro de 1938, na
cidade de Cologne na Alemanha de Hitler nesta época.
Como sua vida foi repleta de histórias mal contadas, a de seu nome
artístico não poderia ser diferente, após terminar um namoro com o cineasta
Nico Papatakis fica mundialmente conhecida apenas como Nico.
Nico começou sua vida artística como modelo em Berlin, incentivada por
sua mãe. Após terminar seu, suposto, namoro com Papatakis, viajou para
Paris e passou a trabalhar em revistas de moda como Vogue, Tempo, Vie
Nuove, Mascotte Spettaculo, Câmera, Elle, dentre outras.
Na época que Warhol se envolveu com os Velvets, Nico já rodeava sua
Factory e já havia feito algumas pontas em alguns dos filmes de Warhol.
O currículo que acompanhava Nico também era algo de causar inveja no
meio daquela classe artística underground de nova-iorquina.
Nico já havia participado de um filme de Fellini, o clássico “La Dolce
Vita”, jurava para todos que seu filho, que se chamava Ari, era filho de Alain
Delon, que negou a paternidade, o próprio Bob Dylan havia composto uma
canção para a sedutora mulher que Nico era e se chamava “I’ll Keep It With
Mine. Na música ela tinha uma participação em uma gravação de Serge
Gainsbourg e havia lançado um compacto através da gravadora do
empresário dos Rolling Stones, Andrew Loogham.
Além de bela e sedutora, muitos consideravam Nico estranha e fria,
como o próprio Warhol descreve:

56
“Nico era um outro gênero de ‘superstar’ feminina. Baby Jane
Holzer e edie Sedgwick eram ambas comunicativas,
tipicamente americanas, sociáveis, inteligentes, entusiastas,
conservadoras, enquanto Nico era estranha e de poucas falas.
Se alguém lhe perguntava alguma coisa, era capaz de
responder só cinco minutos depois. Quando as pessoas a
descreviam, usavam expressões como ‘memento mori’ e
‘macabra’. Ela não era do gênero de se por em cima de uma
mesa para dançar, como Edie ou Jane; na verdade, preferia
esconder-se debaixo da mesa.era misteriosa e do tipo europeu:
uma verdadeira deusa da lua.”

Porém a reação da banda foi contrária ao pensamento de Warhol,


apesar de não saberem se estavam corretos em não ouvir Warhol, como
evidencia a declaração de Sterling Morrison:

“Não era fácil trabalhar com ela. Sempre pensei que o inglês
era a língua que pior dominava. A nossa despreocupação e
negligencia contrariavam-na. Nico queria ter sucesso, com os
filmes de Warhol, com os Velvet Underground, fosse como
fosse. Era empurrada por Paul Morrisey que qeuria que ela
assumisse um papel mais importante no grupo, que cantasse
todas as canções. O que nós não queríamos. Havia as
canções dela e depois aquelas que não podia cantar. O
problema era: o que fazer com ela quando não cantava?”

Por fim Nico canta no primeiro disco três temas que serão esmiuçados
no capitulo 6 desta tese, mas foram eles a canção Femme Fatale, que como
descrevi anteriormente, surgiu por indicação de Warhol, outra canção na qual
sua voz encaixou-se perfeitamente foi na faixa All Tomorrow Parties, onde
entrega para a música um tom solene. Por ultimo Nico canta uma das mais
belas canções já escritas por Lou Reed, I’ll Be Your Mirror, onde podemos
notar pelo teor da letra que Reed também estava cedendo as pressões afetivas
que a figura de Nico provocava no seio do grupo, tal qual acontecia com John
Cale, novamente é Sterling Morrison quem nos descreve perfeitamente o estilo
de atuação de Nico com o grupo:

57
“O seu comportamento com cada um de nós dependia daquele
que ela pensava ser o mais importante naquele dia ou naquela
semana. E romances no meio do grupo não era uma boa idéia.
Não sei exatamente o que aconteceu, mas havia umas trocas
de olhares no palco... antes de Nico não havia qualquer razão
para lutarmos, não podíamos sequer brigar por questões de
dinheiro pois nem isso tínhamos.” (LISBOA, 40)

Mas o que chama bastante atenção é que a banda soube reconhecer


que Nico poderia ser de grande valia para o grupo e novamente eles poderiam
contar com as idéias de produtor, Warhol. Porém é curioso notar que a banda
manteve-se firme em certo sentido colocando o nome do disco como “The
Velvet Underground & Nico” excluindo ela de certa forma do grupo, como
pondera Morrison:

“Éramos, de fato, os Velvet Underground e Nico. Ela não podia


roubar-nos o primeiro plano. Pediram para a aceitarmos,
pensamos ‘porque não?’ e, dentro de certos limites, correu
bem. Vimos nisso, sem duvida, algumas vantagens para o
grupo, tinha presença de palco, trouxe um elemento
espetacular que nós não tínhamos. Nos tornamos um pouco
mais teatrais. Mas podia ser. Nico queria um papel mais
importante que nós não podíamos dar. E, quando tinha um
contrato como modelo ou uma sessão de fotografia, punha-se
a andar. Por isso, muitas vezes éramos The Velvet
Underground & Nico, sem Nico.” (LISBOA, 40)

5) Banana Album e seus Produtores

“Enquanto a gente estava em L. A. foi ao estúdio e gravou o


primeiro álbum. O primeiro álbum foi feito em duas noites e
custou uns três mil dólares, o que na época era um monte de
dinheiro. Andy nunca tinha gasto tanto dinheiro assim em nada.
Os filmes de Warhol custavam apenas uma centena de dólares
cada um. Então, pra eu arrancar aquele monte de dinheiro de
Andy...” Paul Morrisey (McNeil, 32)

58
Em abril de 1966, a banda entrou em estúdio para gravar seu primeiro
álbum e a partir daqui, as informações se cruzam e a história se complica.
A sonoridade peculiar deste disco se deve em parte pelas gravações
que se realizaram em diferentes estúdios, com técnicos de gravação
movimentando os faders cada um a sua maneira, e consequentemente,
pelo aparecimento de diversos Produtores Musicais, reclamando o título de
Warhol.
Os estúdios onde todo o processo foi realizado, em ordem cronológica
da pré-produção até a finalização, são:

a) Ludlow Street Loft


b) Scepter Studios
c) T.T.G. Studios
d) Mayfair Sound Studios

A inclusão do Loft na Ludlow Street onde John Cale morava dá-se pelo
fato de que ali realizaram-se as primeiras gravações das músicas compostas
por Lou Reed e que depois vieram a integrar o primeiro álbum do grupo.
As gravações se realizaram em Julho de 1965 e chega a ser
impressionante como alguns temas evoluíram, a exemplo da canção All
Tomorrow Partie’s, que na concepção original não passava de uma canção
folk, próxima das canções de Bob Dylan, com direito a backing vocals de John
Cale no refrão acentuando a conotação “country” inicial.
Outras canções presentes no primeiro álbum já aparecem nesta
gravação demo, como: Venus in Furs, Heroin e I’m Waiting for the Man.
A ordem das faixas neste acetato ficou assim:

1. Venus in Furs
2. Prominent Men
3. Heroin
4. I’m Waiting for the Man
5. Wrap Your Troubles in Dreams

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6. All Tomorrow Partie’s

Ouvindo as faixas em comparação com as versões que foram para o


álbum nota-se uma evolução de caráter predominantemente estético e
conceitual.
A começar por Venus in Furs que na versão demo, era cantada por John
Cale com seu sotaque galês e com um violão dedilhando os acordes dando
ares de música celta para a canção, em contra senso com os versos da letra
que foram inspirados no livro de mesmo nome do escritor Marquês de Sade.
A segunda faixa “Prominent Men” a exemplo de All Tomorrow Partie’s
também seguia uma estrutura “Dylanesca”, com direito a inclusão de gaita e
vocal fanhoso cantado por Reed. Esta faixa ficou de fora para o álbum, mas
não se sabe os motivos exatos, mas provavelmente a música não evoluiu como
as outras para entrar no conceito do disco.
Já a terceira faixa “Heroin” era a que mais se aproximava da versão
definitiva, sua estrutura com dois acordes somados a viola hipnótica de Cale já
procuravam reproduzir o efeito de entorpecimento por heroína conforme canta
Reed nesta letra.
A quarta faixa I’m Waiting for the Man, era praticamente um “Blues” com
um violão dedilhando as duas notas da base com um “Slide Bottleneck”,
pontuando as notas e algumas variações no refrão.
Wrap Your Troubles in Dreams, a quinta faixa, como Prominent Men,
não foi inclusa no disco de estréia.
Esta canção tinha uma estrutura mais carregada, com Cale cantando
mais sereno e com uma percussão que apenas marcava o tempo, conceito de
percussão extremamente utilizado posteriormente nas canções do álbum.
Estas gravações iniciais e o processo evolutivo das canções para o
primeiro álbum despertaram em Cale noções profundas de produção musical,
ficando evidente em sua frase:

“Quando formamos o Velvet desejávamos articular o


grupo em torno da guitarra, do baixo, da bateria e da minha
viola de arco. Queríamos que o conjunto tivesse uma certa
dimensão sinfônica, qualquer coisa muito dinâmica. A idéia era

60
conjugar as qualidades melódicas e vocais de Lou Reed com
as minhas idéias musicais a fim de nunca nos repetirmos.”
John Cale (LISBOA, 91)

Porém, como foi demonstrado na primeira etapa desta pesquisa o


processo de produção musical passa pela conceituação da obra, mas
prossegue pelo conhecimento técnico e musical para a realização da obra.
Então que surgem diversos nomes concorrentes ao cargo de produtor
musical deste álbum: John Cale, Norman Dolph, John Licata, Paul Morrisey,
Tom Wilson, Omi Haden, Gary Kellgren e o próprio Andy Warhol.
A inclusão do nome de Paul Morrisey a lista de produtores responsáveis
pelo disco se da por alguns comentários em entrevistas posteriores ao álbum,
onde dizia:

“Eu sabia que tinha encontrado o grupo certo, falei com os


Velvets aquela noite e perguntei: ‘Vocês tem empresário?’ e o
matreiro Lou Reed respondeu: ‘Bem, hum, mais ou menos,
talvez, hum, não exatamente, mas, hum, sim, não’. Sabe como
é, as duas respostas. Eu disse: ‘Bem, estou a fim de
empresariar alguém e produzir uns álbuns. Vocês terão
emprego certo num nightclub e o nome de Andy Warhol vai
aparecer como sendo o empresário de vocês.” Paul Morrisey
(McNeil, 17)

Nesta declaração, Paul Morrisey aparece como sendo o verdadeiro


idealizador da produção inteira, vale ressaltar que o nome Exploding Plastic
Inevitable foi criado por ele também. Percebe-se que ele sabia aproveitar-se da
exploração da mídia em cima da figura de Warhol e propôs a negociata com os
Velvets sem o conhecimento de Warhol, como esclarece em outra declaração:

“Então eu disse pra Andy que tinha encontrado o grupo que


iríamos empresariar. Andy disse: ‘Ohuu-uu-uuuu
ohouuuuuuuuuuu!’. Andy sempre tinha medo de fazer o que
quer que fosse, mas ao sentir que alguém tinha confiança no
que estava fazendo, especialmente no meu caso, ele apenas
dizia: ‘Oh, oh, oh, oh, oh... ok.’” Paul Morrisey (McNEIL, 19)

61
Mas alguns fatores impulsionaram o Velvet Underground para o coração
de Warhol, principalmente pelo ponto de vista artístico. Warhol enxergou na
música deles um paralelo com sua arte pop. Warhol encontrou no Velvet um
ponto de apoio para ultrapassar a difusão tradicional da arte para o que o disco
permite, ao que a música permite: fazer nascer uma imagem ao público.
O conceito Warholiano de multiplicação das imagens, funcionou
perfeitamente com o Rock e associado com os temas das canções de Reed,
com o experimentalismo estético musical de Cale, as dissonâncias e pouco
utilizadas feedbacks de guitarra executados por Morrison e a percussão
hipnótica de Tucker, Warhol pode dar prosseguimento ao que ele considerava,
ser sua arte: a dessacralização do quadro, a dessacralização do cinema, e
enfim, a dessacralização da arte.
Se abordarmos novamente o conceito de repetição desenvolvido em
suas pinturas e que é retomado em seus filmes, podemos fazer um paralelo
com a música repetitiva do Velvet Underground.
Na verdade, para o grupo é legada, ao lado dos The Stooges de Iggy
Pop, a paternidade do movimento Punk que se tornou conhecido para o
mundo no ano de 1977, com o lançamento do álbum Nevermind The Bollocks
dos Sex Pistols.
É interessante notar o paralelo que se abre neste momento com a figura
de Malcom MacLaren, empresário e produtor dos Sex Pistols. MacLaren
surgiu como uma espécie de herdeiro espiritual de Warhol na forma como
manipulavam a mídia.
Lou Reed, em uma declaração defende como se relacionavam os
conceitos artísticos de Warhol com o dos Velvets:

“Andy disse-me que aquilo que ele fazia com a arte,


nós fazíamos com a música: nada de andar com rodeios, mas
sim ir direto ao assunto. Ninguém nessa altura, no mundo da
música era sequer remotamente assim. A primeira coisa que
gostei acerca de Andy é que ele era completamente ‘real’”.
(McNEIL, 202)

62
Pensando por esta ótica, podemos dizer que a Pop Art proporcionou
uma libertação eufórica para os novos artistas. O lixo, que era um elemento
diversificado na paisagem moderna, passou a ser reconhecido por sua beleza.
Toda a educação que foi imposta aos jovens naquela época, no sentido
de que os “filmes lado B”, as “Histórias em Quadrinhos”, a “Pop Music” eram
feitos sem durabilidade e valor artístico, foi derrubada com a Pop Art, fazendo
com que os artistas pudessem confessar seu amor secreto por estas rejeitadas
formas de arte.
Paul Morrisey, por mais que tenha contribuído com a produção do disco,
não pode ser considerado um mentor para o Velvet Underground, ele participou
mais ativamente de algumas questões burocráticas como fechar o contrato de
gravação com o Scepter Studios e depois, vender o álbum para a MGM
Records.
O Scepter Studios, se localizava em Manhattan, na 254 West 54th Street
e seu proprietário era Norman Dolph, um produtor musical que havia montão
seu estúdio de gravação que estava numa situação bem precária em
comparação com os grandes estúdios de Los Angeles.
Quando o grupo apareceu para fazer a gravação do álbum, o técnico de
gravação John Licata percebeu que ninguém tinha noção alguma de como se
realizava um processo de gravação como aquele.
A banda era inexperiente e os produtores Warhol e Morrisey sabiam
menos ainda sobre este processo, ficando então nas mãos de Norman Dolph e
John Licata fazer com que a sonoridade ficasse como ficou.
Foi em abril de 1966 que aconteceu este registro, e durou cerca de 10
horas a gravação do álbum inteiro.
Mas desde julho de 65 até o momento da gravação em abril de 66, quem
mais se inteirava da sonoridade que o grupo precisava era o próprio John Cale,
que além de ser um músico de formação erudita, já havia participado de grupos
musicais de vanguarda como o Dream Syndicate.
Nessa primeira gravação foram registrados um total de dez músicas
dispostas na seguinte ordem:

1. European Son
2. Black Angel of Death

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3. All Tomorrow Partie’s
4. I´ll Be Your Mirror
5. Heroin
6. Femme Fatale
7. Venus In Furs
8. Waiting For The Man
9. Run Run Run
10. There She Goes Again

Após esta gravação, Paul Morrisey atuou com um verdadeiro empresário


para o Velvet Underground, levando o acetato para a MGM Records, que foi
contratado pelo selo Verve, uma divisão de jazz da MGM, que buscava novos
rumos, lançando no mesmo de 66 o primeiro disco de Frank Zappa e os
Mothers of Invention: o Freak Out.
O Mothers of Invention foi produzido por um produtor de jazz, negro,
americano, que estava revolucionando o cenário musical, sendo responsável
por conduzir a mudança do folk tradicional para o folk elétrico de Bob Dylan em
Bringing It All Back Home.
Posteriormente, produziu a faixa mais famosa de Dylan em todos os
tempos, “Like A Rolling Stone” do disco Highway 61 Revisited, seu nome:
Tom Wilson.
E foi ele que foi chamado para terminar a produção do que viria a ser o
famoso disco da banana. Como o próprio Paul Morrisey descreve:

“A Verve/MGM não sabia o que fazer com o álbum The


Velvet Underground & Nico porque ele era muito peculiar. Não
o lançaram por quase um ano, e acho que, durante esse
tempo, criou-se na cabeça de Lou Reed a idéia de que o álbum
seria lançado e talvez rendesse um monte de dinheiro. ‘Então
vamos largar esse contrato de empresariado que temos com
Andy e Paul’. Tom Wilson, da Verve/MGM, só comprou o
álbum de mim por causa de Nico. Ele não viu talento nenhum
em Reed.” Paul Morrisey (McNEIL, 33)

64
A primeira providência que Tom Wilson tomou foi a de levar o Velvet
para regravar algumas canções num estúdio mais profissional em Hollywood
na Califórnia, era o T.T.G. Studios, com o técnico de gravação Omi Haden.
Foram apenas algumas canções pelo fato de Wilson ter gasto imensas
quantias de dinheiro com o primeiro álbum de Zappa, não sobrando muito para
o primeiro do Velvet.

As músicas escolhidas para a regravação foram:

1. Heroin
2. Venus in Furs
3. Waiting For The Man

Outra providência que foi tomada por Wilson foi a de solicitar um “hit”
para o grupo, uma canção que pudesse tocar facilmente nas rádios.
Para isso foram em outro estúdio em Nova York, o Mayfair Sound
Studios, para gravar a canção com o técnico de gravação Gary Kellgren.
A música surgiu sob o nome de Sunday Morning e seria a abertura do
disco. Isso provocou uma grande tensão no seio do grupo, pois a canção foi
escrita originalmente para Nico cantar como sugeriu o próprio Wilson, porém
Reed não conseguia imaginar seu disco começando com outra voz, senão a
dele. O que restou para Nico foi a inclusão de alguns backing vocals no final da
faixa, que soam distantes por conta de reverberações introduzidas por Wilson,
na intenção de acentuar o clima macabro da letra, em oposição a sonoridade
infantil da música.
Reed já demonstrava sinais de que queria ter mais controle sobre seu
grupo, ainda mais se levarmos em conta o grande número de pessoas
envolvidas no processo de produção do disco.
Novamente é Paul Morrisey quem descreve:

“Quando estávamos prestes a vender o primeiro álbum


para a MGM, Lou, que sempre se mostrara conflituoso,
declarou que o negocio só iria para a frente de realizado sob

65
seu nome. Disse que nos daria, a mim e a Andy, a nossa
porcentagem mas teria de ser ele o titular, o único artífice de
todo o invento. Era muito egoísta.” Paul Morrisey (LISBOA,
126)

O álbum foi finalmente lançado em março de 1967 e algumas alterações


foram feitas na ordem das músicas, apresentando-se, de forma definitiva,
assim:

1. Sunday Morning
2. I’m Waiting For The Man
3. Femme Fatale
4. Venus In Furs
5. Run Run Run
6. All Tomorrow Parties
7. Heroin
8. There She Goes Again
9. I’ll Be Your Mirror
10. The Black Angel´s Death Song
11. European Son

A arte da capa foi realizada por Warhol, que pintou uma banana, nada mais
do que um fruto vitaminado, porém que era carregado de conotações sexuais
que dialogavam com o restante do conteúdo das letras do disco.
Warhol também não se esqueceu de colocar sua assinatura na capa do
disco, como se assinasse outro de seus quadros.
Na versão original do disco, era possível destacar a banana, deixando
aparecer a carne do fruto, que hoje é considerado item de colecionadores.
Esta primeira tiragem foi recolhida pela Verve/MGM por conta de Eric
Emmerson, que era um bailarino membro da Factory.
A sua fotografia figurava a contracapa do álbum e como descreve Sterling
Morrison:

66
“Naquela altura o tipo tinha necessidade de dinheiro. Como
ninguém tinha lhe pedido autorização, exigiu uma quantidade
de dinheiro a gravadora quando se viu na contracapa do disco.
Eles preferiram retocar a fotografia”. (LISBOA, 99)

Todas as capas seguintes ostentarão um sombreado que escondia o


rosto de Emmerson.
O disco foi um fracasso em vendas, não passando do 103º posição nas
tabelas do Cashbox. Isso se deve em grande parte ao teor das letras escritas
por Reed, que reclama:

“Imagine que ainda hoje me perguntam se não era imoral


escrever uma canção como Heroin, é ridículo. Os livros e os
filmes falam de tudo isso e ninguém se escandalizava. Mas
experimentem fazer o mesmo num disco e logo nos virão
atacar e acusar de estarmos glorificando a droga. Eu não
glorifico coisa nenhuma, escrevo a seu respeito, é tudo.”
(LISBOA, 43)

A ficha técnica do álbum ficou com a seguinte descrição:

The Velvet Underground & Nico


(Verve 5008; USA, Março 1967)

Lou Reed – Lead Guitar, Ostrich Guitar, Vocal


John Cale – Eletric Viola, Piano, Bass Guitar
Sterling Morrison – Rhythm Guitar, Bass Guitar
Maureen Tucker – Percussion
Nico – Chanteuse

Lado A: Sunday Morning (2:53) (Reed/Cale); I’m Waiting For The Man (4:37); Femme
Fatale (2:35); Venus In Furs (5:07); Run, Run, Run (4:18); All Tomorrow’s Parties (5:55).
Lado B: Heroin (7:05); There She Goes Again(2:30); I’ll Be Your Mirror (2:01); Black
Angel’s Death Song (3:10) (Reed/Cale); European Son (7:40) (Reed/ Cale/ Morrison/ Tucker).
Todos os temas exceto os indicados foram escritos por Lou Reed.
Produzido por Andy Warhol, exceto o tema “Sunday Morning” produzido por Tom
Wilson.

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Editado e remixado sob a supervisão de Tom Wilson para Gene Radice & David
Greene.
Engenheiro de gravação: Omi Haden no T.T.G. Hollywood.
Todos os arranjos por The Velvet Underground.
Design de capa: Acy R. Lehman
Diretor de engenharia: Val Valentim
Fotos internas por: Nat Finkelstein & Billy Linich
Foto do Show por: Hugo
Retratos por: Paul Morrisey
Capa pintura Banana por: Andy Warhol

É necessário neste momento, para esclarecer alguns fatos


mencionados, uma analise faixa a faixa das canções presentes neste disco.

6) Faixa a faixa

a) Sunday Morning

“Sunday Morning” pode ser considerada a raiz da árvore genealógica de


músicas como “Every Breath you take “ e “Satellite of Love”, onde bonitas e
doces melodias mascaram suas verdadeiras temáticas sombrias. Sting e Lou
Reed admitiram que suas melodias doces e de auras bonitas mascaram a
expressão feia de uma emoção: o ciúme obsessivo, tão poderoso que na
verdade evoca o desejo de vigilância constante do amante. “Sunday Morning”
evoca à mente um domingo calmo e tedioso que você pode ouvir a canção
repetidas vezes antes de perceber do que a música fala realmente: paranóia e
deslocamento.
A música veio quase junto, em um domingo de manhã, não muito depois
do raiar do dia, com o arranjo de piano que Cale e Reed fizeram antes, no
apartamento de um amigo. Mas a atmosfera relaxante da canção não muda o
fato de que “Sunday Morning” foi escrita com um objetivo: a banda precisava
da música para completar o álbum The Velvet Underground and Nico.

68
O produtor Tom Wilson havia decidido, depois de ouvir as duas
primeiras sessões, que o álbum necessitava de uma música (single) de
presença, forte. Wilson pediu a Reed que escrevesse uma música
especificamente para a voz de Nico, a qual ele achou mais comercializável do
que a do Lou. Ele não estava sozinho nisso: foram os receios de Paul
Morrissey sobre as habilidades de Lou Reed frente a uma banda que haviam
levado à Nico, formando assim um grupo. Reed concordou em providenciar
uma música cantada por Nico adequada para ser realizada como um single e
uma sessão que estavam marcados para definir isso.
Quando Andy Warhol ouviu uma versão mais nova da música, sugeriu a
Reed que a fizesse sobre o tema paranóia, que naquele tempo Reed adicionou
à sessão “Watch out, the World’s behind you”. Reed chamou essa sensação de
que alguém está sempre observando você de “o último estado de paranóia em
que o mundo nem se importa o suficiente para te observar.”
Reed, através de uma atuação furtiva, esperou a banda chegar ao
estúdio de gravação antes de anunciar que ele, não Nico, iria cantar a nova
música. Ele se mostrava inflexível, explicando: “Eu vou cantá-la porque vai ser
o single”. A assessoria representada por Paul Morrissey não ficou contente: “Eu
tive uma briga com ele. Eu disse ‘Mas o Nico já a cantou, e Reed replicaria,
‘Bem, é minha música’, como se ela fosse parte da família dele. Ele estava tão
intolerante... o pequeno animalzinho nojento... Tom Wilson não podia lidar com
Lou, então aceitou”.
Victor Bockris acrescentou: “Lou então começou a cantar em uma voz
tão cheia de qualidades femininas que a primeira vez que você ouvisse a
música você parava e pensava quem diabos estava cantando aquilo”.
Realçando a performance vocal está a doce cadência, o tom parecido
com uma canção de ninar e um titilar celestial.
Usada pela primeira vez em público no lançamento mundial do Ballet “O
Quebra-Nozes” de Tchaikovsky, em 1892, a celesta é uma espécie de xilofone
acionado por um teclado, cujo som lembra uma caixinha de música.
Havia uma no Mayfair Studios, o som encaixou-se tão perfeitamente na
música que você pensaria que isso seria fundamental para a concepção da
canção original; mas Cale, sendo o inovador musical, adicionou o instrumento à
gravação irrefletidamente.

69
b) I´m Waiting For The Man

Escrita mais ou menos por volta da mesma época que “Heroin”, “I’m
waiting for the man” é a obra prima da habilidade composicional da banda.
Sua composição finalizou-se por volta de 1965, no pico da
experimentação de Reed com opiáceos (antes ele havia se envolvido
seriamente em uma década de pesados usos de anfetamina).
Nesse momento Reed está no topo de seus poderes, ainda afetado pela
decisão consciente que ele admite ter feito depois do primeiro álbum para “dar
um pequeno empurrãozinho, uma pequena quantidade de teatro de rua”.
Você obtém uma sensação de que ele não está tentando chocar em vão,
mas apresentar como que um acurado quadro de eventos quanto for possível –
quer isso choque ou não. Os eventos em questão seriam uma viagem pela
“Avenida Lexington, 1-2-5, ou a esquina dessa mesma avenida, e a rua 125 no
Harlem, nos dias em que o máximo de heroína permaneceu por trás da cor da
pele.”
I’m waiting for the man foi uma das canções Velvets que sofreu drásticas
mudanças entre o tempo que Reed a trouxe para a banda e a versão gravada
para o primeiro álbum. A versão Ludlow, deve compartilhar letras e um arranjo
geral com a versão finalizada da mesma, mas é completamente diferente.
David Fricke descreve-a como um “áspero naco de country blues de
uma cidade quente” – a combinação da voz ácida de Reed e da guitarra
“modorrenta” que lembra Hank Willians procurando por drogas na 125 e
Lexington- até que Cale explode em um grito forte, cheio de emoção da viola,
que parece um trem de metrô sendo acionado para parar emergencialmente.
Um certo tipo de observação objetiva, como se uma criança estivesse
observando, pode ser o que Reed começou a perder depois do “The velvet
Underground and Nico”, substituindo-a com uma provocativa vinheta do White
Light, White Hea t- um álbum com uma espontaneidade vulcânica de letras
quase inseparáveis quando cantadas.
Com a divergência de John Cale, um bom acordo da inovação estilística
do Velvet foi substituída com profissionalismo, uma transformação que estava
quase completa por volta do mesmo tempo que o LP Loaded.

70
Foram esses elementos primeiros que os críticos deixaram escapar nos
primeiros álbuns solos do Reed. Ele recobrou seu repertório inicial claramente
com decisiva sagacidade quando começou a escrever as canções para o
álbum “New York” de 1988.
De qualquer modo, “I’m Waiting for the man” mostrou Reed em um alto
ponto estético, e a banda em uma criatividade especial desenvolvida no pico de
seu desenvolvimento.

c) Femme Fatale

Uma das mais completas, baladas realizadas pelo The Velvet


Underground. “Femme Fatale” foi produto do papel de Reed como uma espécie
de Fábrica Antropológica - ela foi escrita por volta da Garota de Fábrica do Ano
de 1966. “Andy disse que eu deveria escrever uma canção sobre Edie
Sedgwick. Eu disse ‘Como assim?’, e ele disse: ‘Você não acha que ela é uma
femme fatale, Lou?’ Então eu escrevi ‘Femme Fatale’ e nós demos a música
para Nico”
Deixá-la cantar a canção foi ótimo negócio. A voz dela trouxe uma
sofisticação continental para a música que igualou seu tema, enquanto os
sétimos acordes de Reed impõem um sabor cosmopolita para a canção,
apropriada para Edie e para os outros ingênuos, ricos e que, além disso,
orbitavam pela Fábrica.
Femme Fatale soa como “A Garota de Ipanema” concluída na
melancólica Manhattan; exceto no voyeurism de depois, a obra prima de Reed
conta a história do narcisismo. É fácil imaginar a femme em questão tentando
ver sua própria imagem discretamente enquanto ela vai de encontro aos
negócios destruidores do coração.
Sterling Morrison contou uma história divertida do descontentamento de
Nico com o esquecimento do título quando ele e Lou cantaram durante o
refrão:
“Femme fatale” – she always hated that. (nasal voice)
A língua nativa de Nico é essencialmente francesa, que o levaria a dizer,
“O nome dessa canção é ‘Fahm Fahtahl’.” Lou e eu cantaremos do nosso jeito.

71
Nico detestou isso. “Eu disse: Nico, é meu título para a música, vou pronunciar
do meu jeito.”
Apesar das objeções e correções dela, Morrison sempre cantou “fem
fay- tal”.
O pronunciamento do “meu título” implica um papel mais proeminente na
criação da canção do que é conhecido, mas ele falhou ao elaborar isso.
A história de Edie Sedgwick é triste. Ela tinha dinheiro. Durante seu
tempo passado com Warhol, sua carreira de modelo alcançou o topo e ela teve
uma espécie de beleza endiabrada, com um tipo de corte de cabelo de garoto
em um estilo andrógino dos anos sessenta. Fotos dela vestindo uma mini-saia,
com maquiagem prateada, são características emblemáticas da era em que ela
apareceu.
Os primeiros dos shows multimídias para os quais Warhol inscreveu os
Velvets foi Uptight, uma restropectiva dos filmes curta metragens que ele havia
feito com Edie como sua estrela. Andy and Edie eram o casal “ultra hype” de
Nova York alguns anos depois disso. Ela era a rainha entre as outras garotas
de fábricas como Ultraviolet e Viva, mas seus dias estavam contados.
Na mesma época da associação dos Velvets com Warhol, Edie estava
nos seus segundos finais dos “seus quinze minutos de fama”. Ela dançou no
palco com os Velvets no Cinemateque, e de acordo com Nico até tentou cantar,
mas a música não era bem seu forte. Ela nunca mais apareceu com a banda
de novo e logo depois deixou a fama.
Nunca realmente conseguiu ajustar sua vida com os holofotes, e logo
depois morreu de overdose, sem surpreender ninguém. Será que era uma
“femme fatale” mimada ou outra garota rica e infeliz se escondendo atrás de
uma “pessoa pública”, mascarando seu desejo por amor verdadeiro?
Pode ser que sim, Edie era um pouco dos dois. Mas sua beleza e
energia definiram aquele tempo, e Edie conseguiu essa proeza, que poucas
outras conseguiram depois.

d) Venus in Furs

Apesar de não ser a primeira música que Lou Reed escreveu para o
grupo, “Venurs in Furs” se contabiliza como uma das primeiras propostas das

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carreiras deles. A música fez com que o grupo aparecesse pela primeira vez
como parte de um documentário underground de Piero Heliczer em Nova York;
e foi a primeira canção que Gerard Malanga dançou na primeira performance
da banda no Café Bizarre.
Victor Bockris argumentou que “Venus in Furs” foi o primeiro “sucesso
em termos de arranjo”, escrevendo em Transformer que quando Cale
inicialmente adicionou a viola, pressionando-a contra a guitarra de Reed,
ilogicamente e sem trepidação, um relance de premonição acertou suas
espinhas. Eles conseguiram achar um som próprio deles, e era forte.
Cale disse: “Descobri naquele momento que eu havia descoberto um
estilo muito original, um estilo grave”.
O produtor Norman Dolph diz: “A mim me parece que “Venus in Furs” é
o que eles começaram nas sessões, e fizeram o som que eles queriam, depois
voltaram e a mistura dos sons na música não estava muito bem planejada,
estruturada durante as sessões de gravação”.
Um artigo escrito por Ignácio Julia chama a atenção de que “Venus in
Furs” era a música favorita de Sterling Morrison: Ele costumava dizer que o
grupo havia alcançado nela, como em nenhuma outra faixa, o som que eles
tinham em mente.
“Venus in Furs” é feita do romance do século 19 de mesmo nome de
Leopold Von Sacher-Masoch. O escravo Severin e a Senhora em casaco de
pele são dois dos três personagens principais do livro. A música omite Alexis
Popadopolis, membro do calvário grego e amante da Senhora, mais para que
ela pudesse ocultar seu ciúme do escravo.
Masoch baseou esse romance em um incidente que aconteceu na vida
dele. Em 1869 ele assinou um contrato com a escritora Fanny Pistor em que
ele seria seu escravo por seis meses, com a condição de que quando ela
estivesse disciplinando deveria, sempre que possível, usar casaco de pele.
O diretor Joel Schlemowitz, que fez um filme baseado no romance,
escreveu que a imaginação de Sacher–Masoch era sempre tomada com
romanticidade, não somente nos seus personagens dos livros, mas também na
sua própria vida.

73
Através dos acontecimentos da vida real ele criou acontecimentos nos
seus romances e, além disso, nesse romance, ele usa sua própria vida e a
retoma, em um exemplo sublime de criação de um mito autobiográfico.
Nessas últimas frases, Schlemowitz deveria estar descrevendo Lou
Reed como um Sacher-Masoch. “Venus in Furs” é uma música composta por
um escritor que baseou a maioria de sua produção na sua vida pessoal.
Em outras palavras, “Venus in Furs” é uma arte mimética, é uma das
músicas que ajudou a delinear a impressão pública do que era os Velvets como
“atormentados”, assim como “Heroin” conseguiu.
O grito agudo da viola e o zumbido da viola elétrica, a história narrativa,
o uso da fonte literária, e arranjos instrumentais e tons a serviço da letra: tudo
estava posto mostrando até onde o grupo estava determinado a ir.
Diferentemente de “Heroin”, “Venus in Furs” suportou uma
transformação significante nos anos entre a gravação da Ludlow demo e a
versão do álbum de estréia. As múltiplas versões Ludlow começam com um
tempo singularmente distribuído, mas dentro de um arranjo instrumental
estranho, o qual David Fricke descreve como um “puro, um velho folk
americano de lamento”.

e) Run, Run, Run

Essa música foi escrita a caminho do Café Bizarre, quando a banda


percebeu que mesmo com os covers como “Carol”, “Bright Lights, Big City” and
“Little Queenie,”, eles ainda precisariam de mais material. Lou Reed começou
rasbicando a música a caminho da apresentação e no final do percurso já havia
terminado. Possivelmente estava tocando aqueles ótimos covers que dá a
“Run, Run, Run” a sensação de um rock clássico, ou talvez de harmonias
“apertadas”.
A canção trata sobre uma descida para a Union Square, um dos pontos
comerciais de droga da baixa Manhattan dos anos 60. Os protagonistas são
quatro habitantes do submundo das drogas. Cada personagem tem uma
versão, e cada um é uma breve vinheta: a adolescente Mary, Margarita
Passion, Seasick Sarah (o que sobe pelo seu “nariz de ouro” não está
especificado, mas penso que seja heroína, assim como ficamos sabendo que

74
ela adquire “uma aparência azul”, uma referência a uma cor escura que a
vítima de overdose de heroína obtém), e Beardless Harry.
Harry está na pior situação do bando em “Run, Run, Run”, ele não
poderia nem mesmo sentir um pouco do “gosto da cidade”, uma terminologia
de rua para uma pequena quantidade de narcótico.
Deveria ser acrescentado que “run” tem um pouco de conotação da
linguagem dos narcóticos. Como um substantivo, “on a run” indica alguém que
está envolvido em um uso contínuo de heroína, apreciando a posição de ter o
dinheiro e o suprimento necessário para continuar usando a droga
continuamente. Como um verbo, alude mais à frenética caça para achar
dinheiro e/ou droga para comprar. Fanáticos que falaram sobre o movimento
“ripping and running” (algo como “rompendo-se e correndo”) dizem que
significa roubar, empenhar-se em uma causa, não importa quão nefasta seja,
para que você se sinta bem.
O trabalho de um guitarrista é conduzir a canção. Por isso, a importância
do Sterling Morrison para o grupo é evidente, algo que é difícil detectar. Ele foi
de um centro flutuante, nas canções e nas questões políticas do grupo; de um
modo distinto ele era capaz de influenciar as decisões do grupo sem participar
dos argumentos; ficando de fora, ainda que em alguma parte do processo,
guiava sua energia política e musical nos riffs de guitarra e nas palavras como
aikido, afetando cada aspecto da música.
Sua personalidade, como parece ser, deve ter muito a ver com seu jeito
de tocar. Dolph o chamou de “volante da banda”.

f) All Tomorrow Parties

“All Tomorrow´s Parties” foi realizada pela MGM em duas versões: um


single, junto com a canção “I’ll Be Your Mirror”, com mais proeminentes vocais
de faixas-duplas feitos para o rádio, sendo a mais tranquila versão do álbum.
Foi uma escolha apropriada para o lado ‘A’ do primeiro single do grupo,
como também permaneceu sendo a canção dos Velvets favorita de Andy
Warhol. Isso não é surpresa considerando que Lou Reed drenou 100% da
substância da canção dos estudos do sucesso comercial de Warhol.

75
Reed chamou a melodia de “uma descrição muito perspicaz de certas
pessoas da fábrica daquele tempo”. Ele ficou experiente de tanto observar
Warhol em suas sutilezas comportamentais e nas suas interações com os
frequentadores de seu mundo: “Eu observei o Andy. Eu observei o Andy
observando todo mundo. Eu ouvi as pessoas comentarem as coisas mais
malucas, as coisas mais engraçadas, extravagantes e tristes”.
David Fricke cita “a visão aberta imortal do the go-go Cinderella,”, e há
um conjuramento de imagens que Reed realizou nessa canção; ele conseguiu
zombar da trivialidade da questão “garota pobre” enquanto simultaneamente
fez com que a gente gostasse da personagem. Isso também teve participação
de Cale.
Fricke chama atenção para aquela “batida pneumática” da música,
sendo a melhor gravação da banda com a participação de Nico.
John Cale brilha nessa música. Encontrando simples três ou dois
acordes que poderiam ser repetidos ciclicamente apesar das mudanças na
progressão dos mesmos, uma marca registrada que as bandas posteriores
copiariam.
Bem depois da banda se desprender de Warhol e desapontá-lo quando
despediram Nico, Andy alfinetou Lou Reed quando disse a um entrevistador
que sua canção favorita era de Lou, “All Tomorrow’s Parties, feita por Nico. Ele
a escreveu, eu acho”, disse Warhol.
A melodia baixa e contínua é tocada com a guitarra, que providencia o
ribombar abundante e rica, beneficiando a canção inteira. Não há dúvida que
Reed tem grande experiência com a sua técnica de criar aquele barulho baixo
e contínuo nas suas canções, além disso, ele classificou “All Tomorrow’s
Parties” e “Rock and Roll” como músicas que se beneficiaram dessa “melodia
Ostrich”.
Cale descreveu como em 1968, pouco antes de Reed força-lo a sair da
banda, seus estilos estavam se chocando: “Eu estava tentando fazer alguma
coisa grande e Lou estava brigando que queria fazer canções bonitas.” Eu
disse: “Vamos fazer canções bonitas e grandes, então”.
Dois anos antes a parceria deles havia produzido canções brilhantes
através de suas tensões criativas, e se houve uma grande e bonita canção foi
sem dúvida “All Tomorrow’s Parties”.

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Como descreve o próprio Warhol:

“As pessoas estavam continuamente a se preparar


para se vestirem para as festas. All Tomorrow’s Parties era o
nome de uma canção que os Velvets tocavam no Dom, quando
o Lower East Side começava a abandonar a sua conotação de
zona de imigrantes e a ficar na moda” (LISBOA, 74)

g) Heroin

É o melhor single da banda em termos de estrutura. Sterling Morrison a


chamou de “a mais verdadeira canção de Reed”. Há muitas poucas canções no
Rock que conseguem passar essa experiência física e uma detalhada
paisagem da alma.
Havia muitas bandas querendo falar sobre a heroína na época em que
“Heroin” foi escrita, mas a canção dos Velvets tem uma descrição em tempo
real do estado de indução do opiato. “Heroin” é a primeira canção sobre droga
que não foi “disfarçada”.
Uma das razões para o enaltecimento crítico da música é que ela foi
única em sua categoria. Seria um erro pensar que “Heroin” e “I’m waiting for the
man” são mera precursoras para outras canções sobre drogas.
Elas são isso e muito mais que isso. Em vez de escrever sobre
situações extremas da vida, Reed fez com que o tema heroína ficasse
acessível para o rock que quiseram incorporar as duas terminações do
espectro e entre outras coisas sobre esse assunto.
Musicalmente, David Fricke é o mais eloqüente em descrever o porquê
“Heroin” é a canção mais importante da carreira dos Velvets. Ele diz que a
música é uma essência microscópica de tudo que aconteceu em termos
musicais no álbum The Velvets Underground and Nico - o esmagamento da
guitarra e o grito penetrante da viola, as melodias doces, as mudanças rítmicas
no tempo. A canção faz com que você se sinta na pele de um viciado de
heroína na sua frenética corrida e depois no seu prazer com o uso do opiato.
“Heroin” foi a primeira canção da banda que demoliu a parede dos
letristas do rock – e conseguiu isso usando dois acordes: o D e o G.

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A economia dos acordes que os Velvets usariam acabaria por influenciar
bandas punks mais tarde, e se tornou a marca registrada das técnicas de John
Cale, assim também como a criação da repetição, que se tornaria complexa, de
partes relativamente simples. Reed deu uma declaração de que a canção são
somente duas cordas, e que quando você começa a tocá-la, a tendência é ir
mais rápido, é inevitável. É natural você querer acelerar. A quantidade de
drama e movimento que os Velvets usaram na música é fantástica.
Na versão Ludlow, apesar de um volume baixo, da performance
acústica, a canção soa bastante parecida com a que foi colocada no álbum. A
segunda versão da canção mostra o outro lado da performance Ludlow: uma
tomada ao vivo instrumental sem letras feita para os créditos especiais finais da
televisão pública WNET.
Andy Warhol apresenta The Velvet Underground foi parte das séries
“Artistas Americanos” filmada em sete de fevereiro de 1966 em Nova York.
Aquela noite Warhol apresentou a banda dizendo: “Estou patrocinando
uma nova banda. O nome dela é ‘The Velvet Underground’”.
Para o diário do Rock de Lou Reed (1978), a RCA mandou um
comunicado bem escrito referindo-se a “Heroin” como uma “saga de um
homem a caminho de sua morte espiritual, agarrando-se e lutando contra isso
ao mesmo tempo”, e chamando-a de “a canção mais perturbadora jamais
escrita antes”.
Ao chamá-la de “música da droga”, acabou-se diminuindo sua
importância, pois não se trata somente de uma espécie de descrição
jornalística sobre a vivência com as drogas, mas também a claridade que a
canção passa mostrando a necessidade individual dos viciados em heroína.
A mesma RCA descreveu o trabalho de Nico e do “The Velvet
Underground” como uma revelação do “horror e da falsa transcendência da
dependência da droga”. Mas não parece que Reed quisesse induzir alguém à
droga com essa música. A transcendência de que ele fala na música pode ser
considerada a mesma transcendência, a mesma “desintegração” do eu de
pessoas que usam as mais variadas drogas para alcançar Deus em rituais
religiosos; ou mesmo poesias místicas que tratam o tema do álcool e da
intoxicação por haxixe como uma metáfora para a transcendência espiritual.

78
Sterling Morrison chega a dizer que “Heroin” trata sobre uma morte
espiritual, e que Reed faz de tudo nessa música, menos defender o uso da
droga. Ele dá uma declaração dizendo que o uso de heroína começa devagar,
mas que depois é inevitável e você acaba querendo usar cada vez mais,
levando-o à dependência química. A canção mostra isso.
Mas, infelizmente, os críticos não estavam preparados para entender
que uma canção chamada “Heroin” não poderia ser mais nada do que uma
indução ao uso da droga. Reed condenou aqueles que tomaram a canção
como tal e inverteram suas palavras, mas também admitiu que não percebeu,
na época o abalo que esse título iria causar nas pessoas, em uma entrevista de
1989. Ele diz que não entende o porquê todos ficaram tão chocados com o
título da canção, já que já se tratava naquela época e em anos anteriores sobre
o uso de opiatos na literatura, por exemplo, mas ao mesmo tempo confessa
que agiu errado, estupidamente ao usar esse título para a música, e se
arrepende.
Os Velvets foram na contra partida de outras bandas de Rock ao se
esconderem atrás de seu trabalho e falar dos elementos decadentes da
sociedade nas letras de suas músicas. O título que lhes deram “Os malucos
drogados”, como um entrevistador um dia falou, por causa da música “Heroin”.
Reed lamenta que a banda tenha sido vista dessa forma; confessa que
sim, ele procurou por drogas na Lexington e que fez coisas insanas por droga,
mas que a banda não deveria ser lembrada por isso. Reconheceu também a
responsabilidade pelo seu pioneirismo ao trazer o realismo literário para suas
letras de música. No entanto, Reed não mudou de idéia quanto a isso. Reiterou
seu pensamento de que se todo mundo estava tratando do tema das drogas na
literatura que costumava ler, por que não trazer esse tema para o mundo da
música?

h) There She Goes Again

Tem seus pontos positivos, mas com certeza é a música mais fraca do
disco. No entanto é passível de ser reconhecida como uma parte brilhante da
coordenação musical do grupo. Os backing vocals (com suas harmonias

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rígidas criando um grande efeito) são muito bons. Nas palavras de Sterling
Morrison, em questão de precisão rítmica, a banda era bastante acurada.
No solo de “There She Goes Again”, a banda desacelerava cada vez
mais e depois voltava a acelerar com o dobro do tempo original. O grupo
sempre estava querendo aperfeiçoar essa técnica.
É aborrecedor que Reed tenha assumido uma posição neutra quando na
canção fala “she’s down on her nees”, e “you better hit her”. Isso te faz pensar:
do que será que a canção trata? Prostituição, violência doméstica, ou uma
mulher querendo se livrar de uma opressão machista? Talvez Lou não tenha
sido claro propositalmente.
É bom recordar que Reed foi um liricista educado como jornalista e
treinado, em parte, como um poeta. O jornalista dentro dele o encoraja a expor
os fatos. O poeta dentro dele o encoraja a evocar os fatos em uma montagem
evocativa de imagens que são belas e ao mesmo tempo cruéis. Essa qualidade
parece estar ausente na canção “There She Goes Again”. Reed não poderia
ser descrito como um inocente, mas havia uma inocência maior nas suas
primeiras canções do que havia depois com a sua “entrada no mundo de Andy
Warhol e da Fábrica”. Com essa canção ele soa prematuramente entediante.
Reed, o liricista, é inseparável do Reed repórter; no entanto parece ser
mais um jornalista da virada para o século XX, o jornalismo popular. Como
Reed, escritores como Jacob Riis, Lincoln Steffens e Ida M. Tarbell eram
jovens jornalistas que reinventaram suas profissões cobrindo assuntos
considerados tabus. O que Jacob Riis trouxe para o jornalismo, Reed trouxe
para o rock e para a música popular.
Mas Reed tem mais a ver com o jornalista Lincoln Steffens que fez
Shame of the Cities em 1902. Ambos tinham criado seus primeiros temas e
fizeram seus melhores trabalhos sob a influência de Nova York. Cada deles era
representante da liberação artística, sexual e intelectual que Greenwich Village
presenciou em seu tempo.
Enquanto Lou estava presenciando seu sucesso pós Velvets e a fome
de audiência por temas tabus nos anos 70, aquele elemento sensacionalista
acabou corrompendo a pureza das primeiras canções dele. Nem havia ainda
chegado os anos 80 quando Reed retornaria ao trabalho que ofereceu a ele
tanta clareza. Talvez tenha sido sua sobriedade depois de tantos anos de uso

80
de drogas. Muitos ex-usuários de longa data descrevem sua sobriedade como
um renascimento, principalmente nos primeiros dias em que tudo parece
novidade.

i) I´ll Be Your Mirror

“Andy tinha uma idéia extraordinária para I’ll Be Your Mirror;


queria que se fizesse qualquer coisa na espira do disco no final
da canção para que ele nunca parasse de girar, repetindo sem
fim o último refrão: ‘quero ser seu espelho, quero ser seu
espelho’. Lou Reed (LISBOA, 113)

Nos primeiros tempos de sua permanência com os Velvets, Nico e Lou


se tornaram amantes em uma relação descrita por John Cale como “ambos
consumados e constipados”. Como era de se esperar, com tantos egos e
tantas drogas, a atmosfera tensa e rarefeita em volta da comitiva de Warhol,
que não era muito ideal para um romance, o caso dos dois estava prestes a
terminar. O gelo que se estabeleceu entre os dois desde o fim do
relacionamento culminaria na saída de Nico do grupo.
Apesar de ter sido dito que Lou escreveu essa canção para seu maior
amor, Shelly Albin, não há dúvida de que a letra impetuosa era para Nico. Ela
teria dito, certa noite, no final do ano de 1965: “Oh, Lou, serei seu espelho.”
Intrigado pela frase, Lou compôs a música especialmente para ela cantar.
Durante as sessões de estúdio para o álbum, Nico insistiu em usar o que
Sterling Morrison chamou de “gotterdammering voice”, em vez da voz
sussurrante da qual ele gostava. Ele disse que Nico permaneceria cantando “I’ll
be your mirror” em uma voz estridente, e que o grupo não estava gostando.
Fizeram-na cantar repetidas vezes, até que ela não cantou mais e rompeu em
lágrimas, naquela hora o grupo disse: “Oh, tente isso mais uma vez e depois
dane-se - se não funcionar dessa vez nós não faremos essa música”.
Nico entendeu e cantou a música exatamente como planejado.
Nico foi capaz de encaixar-se em uma banda já formada; qualquer
canção assinada por ela era uma combinação de inteligência e empatia pelas

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letras de Lou Reed. Este uma vez disse: “Ela tinha uma mente maravilhosa”,
descrevendo o trabalho dela como “fantástico… Quando dava uma canção
minha para ele cantar, entendia perfeitamente o que estava sendo dito e a
interpretava daquela perspectiva que eu tinha.”
Esta canção é ainda considerada uma das melhores baladas de Lou
Reed – é a canção favorita de Norman Dolph, e a que Reed claramente
preferia: “Quando as pessoas pensam em The Velvet Underground lembram de
“Heroin”. Eu sempre fui mais fascinado por ‘I´ll Be Your Mirror’”.

j) The Black Angel´s Death Song

“The Black Angels Death Song” é uma das canções da banda que não
perdeu nenhum de seu peso passados os trinta e cinco anos. Em 1965, Lou
Reed e o percussionista Angus Maclise descreveram a banda como “O oeste
equivalente para a dança cósmica de Shiva”. Eles disseram que seria fácil
imaginar essa canção como trilha sonora para uma Babilônia se consumindo
em chamas.
“The Black Angel’s Death Song” é uma das várias músicas em que as
guitarras estão afinadas e menos tensas, criando assim um som mais pesado
que Cale chamou de “sexy”. Ao contrário de outras coisas consideradas
“sexys”, afinar as guitarras era mais prático também, já que assim se
emparelhava com a melodia da viola de Cale. Em vez de tripa ou nylon, John
estava usando uma combinação de cordas de violão e bandolim em seu
instrumento, já que tentar ajustá-lo para dar suporte à intensidade da viola iria
envergar o braço dela.
A contribuição de Cale para o som do “The Velvet Underground” era
notoriamente vanguardista. Ele chega a contar de onde tudo começou, dizendo
que o som dos Velvets veio do trabalho que foi feito com La Monte Young.
A banda achou ótimo o barulho orquestral que poderiam conseguir ao
arquear a guitarra. Aplicaram isso à viola a ao violino, e depois ajustaram o
cavalete da viola para baixo e tocaram em três cordas; o som tinha saído
ótimo.

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Estilisticamente, esta deve ser a canção que contem os elementos mais
fortes da poesia Beat que influenciou Lou Reed e Sterling Morrison, assim
como o envolvimento de John Cale com o movimento Fluxus e John Cage.
A melhor história contada que se tem sobre a canção é de como esta
conseguiu fazer com que os Velvets fossem despedidos duas noites depois de
Andy Warhol ter ido vê-los pela primeira vez. A banda tinha sido contratada por
cinco dólares por noite, através do contato com Al Aronowitz; para tocar várias
vezes, todos os dias. Era o melhor que eles podiam conseguir na época, mas
não estavam muito contentes com o compromisso firmado com o Café Bizarre.
Eles haviam adicionado alguns covers para o repertório deles, e até mesmo
tinham concordado com Moe Tucker ao abandonar a bateria por um tamborim-
uma concessão necessária, já que o espaço era muito pequeno para a
intensidade do barulho que a bateria poderia fazer. Depois de terem sido
forçados a trabalharem no Natal, a banda estava menos do que entusiasmada
em continuar a tocar ali. Então, Sterling Morrison diz que eles tocaram “ The
Black Angel’s Death Song”, e o dono subiu no palco no intervalo e disse: “ se
vocês tocarem essa música mais uma vez, vocês estão despedidos”. E foi isso
que eles fizeram quando acabou o intervalo. Tocaram a melhor versão da
música jamais tocada antes.

k) European Son

“European Son” é dedicada ao amigo de Lou Reed de Syracuse e


mentor literário, Delmore Schwartz. O renomado poeta desdenhava de letras
de rock, tanto que Reed manteve segredo sobre o “The Velvet Underground” e
seu envolvimento com atividades musicais; isso certamente desapontaria seu
professor. Os Velvets queriam dedicar uma canção a Schwartz, por isso eles
escolheram cortar o maior número de palavras possíveis na música. A
escassez lírica deu à canção uma profusão de espaços para que John Cale
aplicasse algumas técnicas do movimento avant-garde Fluxus que o havia
levado a Nova York, e assim Reed e Morrison aproveitaram a ocasião para
aplicar “um caos inspirados na guitarra”.

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Como Sterling Morrison refletiu disse uma certa vez que “European Son”
é muito dócil, mas dócil não é bem a palavra com a qual a música possa ser
descrita. Para os ouvintes em 1966/67, a canção é uma caixa de surpresas.
Embora dedicada a Schwartz, a canção poderia passar como um tributo
a Andy Warhol. A progressão da música proveniente de um pedaço de música
pop dançante em uma sombria explosão cacofônica parece uma metáfora
perfeita para o EPI, cujos shows transformaram discotecas em sintetizantes e
frenéticos laboratórios, em catársis psico-sociais. Talvez por causa da
escassez de palavras, a canção encoraje os ouvintes a fechar seus olhos e
deixar que a música providencie para eles uma história em imagens.
Em suas apresentações ao vivo, a banda chamava essa canção de
“Hooker”, por causa do riff principal, que soava como uma canção de Hooker, o
homem do blues com uma voz gutural.
Um som irritante como se alguém estivesse estilhaçando um copo contra
um metal anuncia que eles controlam o horizontal e o vertical.
Um filho europeu parecido com o deus Janus, com a cara de Warhol na
frente de seu rosto e com Lou Reed na parte de trás. Bob Diddley monta em
suas costas, mas é tarde demais para que ele salve o rock and roll. O Filho
Europeu tem uma cabeça de metal, com um cabelo branco de vinil, e abre a
boca cheia de lâminas. O que vem depois é silêncio.
“European Son” é a prova cabal da mais óbvia integração do Fluxus que
John Cale trouxe para o grupo. Entre as idéias desse movimento, estava a do
barulho espontâneo, como um carro passando, que representa um componente
natural da experiência que temos como ouvintes de sons cotidianos. O barulho
irritante foi feito por uma cadeira de metal sendo friccionado no chão por Cale,
que depois a jogou em uma pilha de pratos de alumínio. Mas ainda esse som é
mais parecido como um quadro sendo tragado pela descarga do banheiro.

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7) Ruptura

“Nunca tinha visto o Andy furioso, mas nesse dia ele ficou
mesmo. Completamente louco. Me chamou de Rato. Nunca
encontrava insulto pior.” Lou Reed. (LISBOA, 155)

De acordo com Paul Morrisey, Lou Reed desfez o grupo antes mesmo
do álbum Velvet Underground & Nico ser lançado e anunciou que queria sair do
contrato. Suas motivações se davam por acreditar precisar de empresários
melhores.
Na verdade, já existiam rumores acerca de um novo empresário sondar
os Velvets e foi esta figura que catalisou uma gama enorme de rupturas, para
além de Warhol, Morrisey, Factory e etc.
O nome dele é Steve Sesnick, que após assediar o grupo várias vezes,
se tornou manager do Velvet Underground em Julho de 67. No começo era
qualificado como “quinto membro” da banda, foi amigo intimo de Reed, porém
possuía planos ambiciosos demais para o grupo.
Posteriormente foi acusado por Reed de ser o causador de todos os
males que surgiram na carreira da banda, pois teria impedido o Velvet de tocar
na Europa e, por conseqüência, de conseguirem um sucesso evidente.
Foi ele que estimulou a rivalidade no interior da banda, contaminando as
relações pessoais e influenciando, até mesmo, nas direções musicais que
foram com o tempo saindo da proposta vanguardista inicial.
As primeiras baixas com a entrada de Sesnick, foram Andy Warhol e,
conseqüentemente, Nico, que lamenta:

“Puseram-me na rua tal como depois fizeram com John


Cale. Lou Reed tinha-se tornado ciumento porque eu tinha
mais apreço pelo talento de John do que pelo dele. Penso que
eu também estava ganhando demasiada importância no grupo.
Por fim me deixaram cantar o mínimo de canções possível.
Três canções é pouco. Mas a experiência foi muito importante
para mim.” (LISBOA, 155)

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Os fatos ficam mais divergentes em relação a Warhol, quando Reed
explica-se :

“Andy sentou-se ao meu lado para me falar: ‘Tem de decidir o


que quer fazer. Vai continuar satisfeito por tocar em museus e
festivais de arte? Ou quer evoluir em outras esferas? Não acha
que devis pensar nisso Lou?’; então eu pensei mesmo e o
mandei andar” (LISBOA, 155)

Outras posições aparecem para confundir um pouco mais a situação


quando John Cale relata sua visão da situação, relatando o fim do Exploding
Plastic Inevitable:

“Andy não voltou a encontrar interessados. Já tínhamos tocado


em todas as cidades principais. Nos outros lugares não
estavam dispostos a desembolsar o dinheiro suficiente para
fazer Andy, a quem já não interessava muito a idéia.”

(LISBOA, 48)

O que podemos concluir desta investida de Reed para o Velvet, reside


simplesmente na necessidade de todos mudarem de rumo artístico.
Warhol sempre teve esse tipo de atitude em relação aos seus propósitos
artísticos e não foi diferente com o E.P.I. e conseqüentemente com o Velvet
Underground. A sugestão de Warhol, sugerindo a Reed a escolher entre tocar
nos museus e galerias de arte, faz total sentido quando ele mesmo já não se
interessava pelo projeto como antes.
As outras razões que sugerem uma discordância entre os envolvidos
não fazem jus ao que foi precedido e realizado por todos.

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8) Considerações Finais

“Andy deu uma dentro ao tentar garantir que nosso primeiro


álbum a linguagem permanecesse intacta. Acho que Andy
estava a fim de chocar, de dar uma sacudida nas pessoas e de
não deixar que nos convencessem a fazer concessões.” Lou
Reed. (MacNEIL, 32)

Em comparação com a primeira etapa desta tese, podemos supor que


enquadrar em algumas das divisões correspondentes a estilos de atuação dos
produtores musicais, proposta por Richard Burguess é uma tarefa fadada ao
erro.
Compreendo que a figura de Warhol como produtor musical não se
enquadra perfeitamente em nenhuma das categorias, mas dizer que Warhol
não possa ser considerado um produtor musical, também não é a melhor
alternativa.
Se compararmos sua suposta produção com o modo de atuação de
profissionais do mercado como os citados Phil Ramone ou Brian Eno, fica
evidente o quanto Warhol esta longe de ser considerado um produtor musical.
Mas se compararmos com os objetivos de uma produção revelados nos
aspectos cognitivos desta tese, evidencia-se paralelos que justificam o titulo de
produtor musical a Warhol.
Basta observar outra declaração de Reed:

“Andy dizia: ‘Quantas canções você escreveu hoje?


Não faz nada, esta parado ai, porque é que não trabalha?’ Eu
respondia que havia escrito cinco canções. E ele dizia: ‘Porque
não dez? Cinco não é muita coisa. Não pensa o quanto é
preguiçoso. Não compreende que meu trabalho é
absolutamente importante.’” (LISBOA, 169)

Warhol encarava o processo de produção musical, tal qual fazia em sua


Factory. Delegava funções às pessoas, acreditando que somente poderia
extrair o melhor de cada um criando ambientes criativos e competitivos. Por
isso sugeria temas para canções e incentivava que a banda trabalhasse suas

87
músicas da maneira que entendiam como melhor. Não pensava em sucesso
comercial apenas, mas sabia que tinha um projeto de vanguarda pela frente e
soube administrá-lo de uma maneira competente o bastante para dar forma a
um conteúdo que poderia não vir à tona nas mãos de outro produtor.
Sabia que o álbum dos Velvets chocaria o mundo e tinha plena
convicção de que o trabalho desenvolvido por Reed, Cale, Morrison e Tucker,
associados com sua chanteuse Nico, iam de encontro ao que o próprio Warhol
fazia com sua arte, desde a pintura, cinema e suas incursões nos espetáculos
multimídia.
Mas, principalmente, soube parar, sabia de seu tempo e de como
poderia influenciar outras gerações com o simples ato de sair de cena. Assim o
fez na pintura, no cinema e, consequentemente, na produção musical.
Como Walter de Maria esboçou suas impressões sobre a época:

“Havia um tom sério na música, nos filmes, nas


pessoas, tanto quanto havia loucura e “speed”. Havia também
um sentido de viver desesperado, de caminhar sobre um fio. O
presente era alucinante, cada dia era incrível e sabíamos que
não poderia ser sempre assim” (LISBOA, 201)

Warhol era um verdadeiro artista de seu tempo, podemos considerá-lo


como um observador frio de seu tempo. Possuía um sentido sismográfico
exacerbado e captava mais cedo do que a maior parte dos outros artistas as
correntes sociais e as aspirações da sociedade.
Nem visionário, nem gênio, nem uma pessoa que sofre com a vida,
Warhol encarava um tipo de artista profissional, com características de
manager, que sabia utilizar impecavelmente todos os meios e não recuava
diante de trivialidades, são suas as palavras:

“A business-art é a etapa que se segue à arte. Eu comecei


como artista comercial e gostaria de terminar com Business-
artist”. (HONNEF, 74)

Sua associação com o Velvet Underground foi consistente ao ponto de


provar que os Velvets foram o primeiro grupo de rock essencialmente de

88
vanguarda. Foram vanguardistas no verdadeiro sentido de exploração de
territórios desconhecidos. Suas canções não só tinham um som diferente como
exprimiam atitudes, sensações e experiências nunca trazidas ao rock.
Fundaram as bases para uma nova geração de rock’n roll, influenciaram
gerações seguintes, mas não a sua. Bandas como Sonic Youth, Jesus and
Mary Chain, U2, Echo and the Bunnymen, R.E.M., Pixies, dentre dezenas de
bandas geniais, tiveram na sua essência o estilo Velvet Underground.
Desde 2000, o departamento National Recording Preservation,
escolhe para seus arquivos gravações de áudio com significado histórico ou
que tenham importância cultural profunda. As indicações vêm do público e da
própria organização. Valem músicas, discursos importantes, programas de
rádio ou declamações de obras literárias. Em 2007, entraram na lista a música
"Satisfaction" (1965), dos Rolling Stones e o álbum Velvet Underground and
Nico (1967).
Como foi citado anteriormente, em 2003 a revista americana Rolling
Stone fez uma eleição dos 500 maiores Álbuns da história em ordem de
influência, colocando o álbum “The Velvet Underground & Nico” em 13º lugar.
Já a revista britânica Uncut, elegeu em lista semelhante - os 100 maiores
discos de estréia - o mesmo álbum em 1º lugar, isso no ano de 2006 (Vide o
anexo 3 com a listagem completa).
Enquanto o movimento Hippie declarava sua visão libertadora sobre as
drogas, os Velvets mostraram o quanto elas não são boas, o quanto um sonho
pode se tornar um pesadelo. E sabiam que se um dia o sonho acabaria,
sabiam que o mesmo aconteceria com os pesadelos. Eram urbanos por
excelência, nunca buscaram a harmonia do campo, mas lutaram bravamente
no caos da cidade, preferiram ficar em Nova York e tornaram-se reflexos de
suas ruas e de sua gente. Enquanto a costa oeste brilhava com todas suas
roupas coloridas, estes preferiram o preto, tal qual Warhol e sua inseparável
“mochila”.
Warhol, ao deixar, a banda livre para desenvolver suas idéias, criou o
ambiente perfeito para que uma grande obra viesse à tona. Não se deve
entender a palavra, “perfeito”; como um ambiente de paz, mas, no caso desse
disco, soube criar situações de conflito que favoreceram o nascimento de
músicas de extremos opostos como Femme Fatale e European Son.

89
Esse tipo de trabalho desenvolvido por Warhol, a sua maneira, e seu
satisfatório resultado posterior remete perfeitamente ao ofício do produtor
musical, vale relembrar as palavras de Phil Ramone, produtor musical de
grande sucesso e vencedor de 14 Grammys, ao descrever sucintamente
seu trabalho:

“Como produtor, minhas metas principais são criar um


ambiente estimulante, ajudar o artista a desenvolver suas
idéias e garantir que a interpretação do cantor seja gravada e
mixada da maneira devida” (RAMONE, 16).

Warhol, definitivamente, criou ambientes estimulantes, ajudou o Velvet


Underground a desenvolver suas idéias e quando surgiram as dificuldades
técnicas ou áreas onde não tinha competência ou mesmo não queria exercer,
soube deixar o grupo sob orientação de outros profissionais que merecem o
título de co-produção nesta obra, sendo eles: John Cale, Norman Dolph, John
Licata, Paul Morrisey, Tom Wilson, Omi Haden e Gary Kellgren.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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92
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. Acesso em 14 de julho de 2008.

MACEDO, Frederico Alberto Barbosa. Revista eletrônica de musicologia.


Volume XI, Setembro de 2007. Disponível em:
http://www.rem.ufpr.br/REMv11/12/12-macedo-gravacao.html acesso em
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VIEIRA, André Gustavo Nicoluzzi. “Roxy Music” in: Biografias. Disponível em:
http://whiplash.net/materias/biografias/050984-roxymusic.html acesso em
23 de setembro de 2008.

94
ANEXOS

Anexo 1 – Brian Eno e o Roxy Music.

Como uma evolução do movimento art-rock dos últimos anos da década


de 60, o Roxy Music chamou a atenção pela moda, glamour, pop art, e o avant-
garde, no qual separou a banda de seus contemporâneos. Vestidos de maneira
bizarra e agressiva, o grupo realizou uma definitiva variação do artrock que
pendia para o avant-rock e para as raízes sedosas do pop.

Durante o começo dos anos 70, o grupo foi conduzido por uma tensão
muito criativa e produtiva entre Bryan Ferry e Brian Eno, nos quais cada um
puxava a banda para direções diferentes: Ferry tinha um gosto especial pelo
soul norte-americano e o art-pop dos Beatles, enquanto Eno estava ligado a
revolução do rock com o amadorismo e experimentalismo inspirado pelo Velvet
Underground.

Esta deliciosa tensão entre os respectivos membros da banda gravou


apenas dois álbuns, mas inspirou uma grande legião de imitadores – não
apenas os glam-rockers do começo dos anos 70, mas também os art-rockers e
os grupos de pop e new wave do final da mesma década. Seguindo a saída de
Eno, o Roxy Music continuou sua concepção artística por alguns álbuns antes
de, gradativamente, trabalhar com elementos de disco e soul. Dentro de pouco
tempo, o grupo desenvolveu um soul-pop sofisticado e interessante,
demonstrando uma dependência do estilo romântico e elegante de Bryan Ferry.
Pelos anos 80, o grupo se tornou um veículo para Ferry, e então não foi uma
surpresa quando este dissolveu o grupo no seu ponto comercial mais alto, no
começo dos anos 80, para iniciar uma carreira solo.

95
Filho de um mineiro de carvão, Bryan Ferry (Vocais, teclados) estudou
arte com Richard Hamilton na Universidade de Newcastle antes de formar o
Roxy Music em 1971. Na Universidade, ele cantou em bandas de rock, se
juntando ao grupo de R&B The Gás Board, no qual também participava o
baixista Graham Simpson. Ferry e Simpson decidiram formar sua própria
banda quando se aproximavam os anos 70.

Eventualmente recrutaram a saxofonista Andy Mackay, que participara


anteriormente da Orquestra Sinfônica de Londres. Através de Mackay, Brian
Eno se juntou à banda. No verão de 1971, a banda – originalmente chamada
de Roxy, mas o nome foi trocado após a descoberta de uma banda norte-
americana que já possuía este nome – recrutou o percursionista clássico
Dexter Lloyd e o guitarrista Roger Bunn, através de um anúncio na Melody
Maker. Ambos os músicos deixaram a banda após um mês de permanência,
mas ainda assim gravaram alguns materiais demos da banda. Um outro
anúncio foi postado na mesma Melody Maker e desta vez, o grupo conseguiu o
baterista Paul Thompson e o guitarrista Davy O’List, os quais tocavam
anteriormente com o The Nice. O’List deixou a banda no começo de 1972 e foi
reposto com Phil Manzanera, um membro formador do Quiet Sun.

Antes de gravar o primeiro álbum, Simpson deixou a banda. O Roxy


Music jamais preencheu o seu lugar de maneira permanente. Ao invés de optar
pela reposição, o grupo contratava novos baixistas para cada turnê ou disco a
ser gravado, começando por Rik Kenton, no qual participa do auto-intitulado
álbum de estréia da Island Records. O álbum traz uma estranha combinação
de músicas dos anos 50, 60 e o funk dos anos 70, além de barulhos de naves
espaciais.

Produzido por Peter Sinfield do King Crimson, o primeiro trabalho (Roxy


Music) alcançou o Top Ten britânico (álbum pop), no verão de 1972. Pouco
tempo depois, o single "Virginia Plain" também atingiu o top ten britânico,
seguido pelo single "Pyjamarama" no começo de 1973 (Essas duas faixas não
foram lançadas em nenhum álbum oficial até então). Enquanto o Roxy Music
se tornava uma sensação na Inglaterra e no resto da Europa devido a sua
fusão da cultura de alta sociedade com a arte brega e bizarra, eles

96
encontravam problemas para colocar os pés em território norte-americano
(Apesar de já ter tocado nos EUA em turnês com Jethro Tull, Humble Pie e
Steve Miller, entre outros).

Ambos os álbuns Roxy Music (1972) e For Your Pleasure (1973 –


gravado com o baixista John Porter) eram aceitos com um enorme entusiasmo
pelos britânicos, entretanto eram virtualmente ignorados pelos Estados Unidos
da América.

Ao voltar dos EUA, a figura de Eno era cada vez mais misteriosa e
intrigante, e este também apresentava uma evolução muito grande com a mídia
e a audiência da banda. Ele se tornara responsável pelos efeitos no som da
banda, e em determinadas entrevistas à mídia, já era inevitável ver algo
estranho entre Eno e Ferry. Exatamente nesta época se iniciam os atritos entre
Ferry e Eno dentro da banda. Além das diferenças musicais, Eno se sentiu
extremamente frustrado após Ferry ter se recusado inúmeras vezes de gravar
suas composições nos álbuns. Eno deixou a banda logo após a gravação de
For your Pleasure, o que é talvez o melhor disco do Roxy Music.

Este segundo álbum se mostra mais enérgico e mais puxado ao rock


britânico da época. A primeira faixa, "Do the Strand", é rápida e dançante assim
como "Editions of you". Destaque também para as composições ultra-
alternativas de Ferry, onde, por exemplo, em "In Every dream a heartache", ele
declara o seu amor por uma boneca inflável: "I blew up your body, but you blew
my mind".

Antes de iniciar as gravações do terceiro álbum, Ferry lança o seu


primeiro disco solo, These Foolish Things, no qual é constituído de covers de
rock e pop (inclusive uma versão de "Simpathy for the Devil", dos Stones).

Stranded foi lançado em 1973 e logo de cara se tornou o primeiro álbum


da banda a atingir o número um nas paradas britânicas. Stranded foi gravado
com um novo membro do Roxy Music, Eddie Jobson, um multi-instrumentalista
no qual trabalhou anteriormente com o Curved Air. Este álbum também é o
primeiro a dar créditos musicais a alguém da banda que não fosse Bryan Ferry,

97
nesse caso, Manzanera e Mackay. Ouvindo o disco, é possível perceber que
sem Brian Eno, o Roxy Music ficou menos experimental. O mestre dos efeitos
já não fazia mais parte da banda, entretanto o grupo se mostrava mais
aventureiro. Agora sem os banhos de sintetizadores de Eno, o Roxy Music
apresenta camadas de piano e guitarras pesadas. É possível ouvir no disco os
clássicos "Street Life" e "A Song for Europe".

Finalmente o álbum recebeu uma recepção mais calorosa do que seus


dois antecessores nos Estados Unidos, apenas arrumando o palco para abrir
caminho ao álbum de 1974, Country Life. O álbum trazia em sua capa duas
modelos vestidas com lingerie semitransparentes – a capa foi banida em
diversos mercados e foi prontamente trocada por uma foto de uma floresta dos
Estados Unidos.

Country Life foi o quarto álbum da banda a atingir o top ten britânico e
também atingiu o top 40 nos Estados Unidos. Muitos o consideram o melhor
álbum da banda, que não foge do estilo de Stranded. Sempre mesclando
estilos opostos de diferentes segmentos musicais assim como no álbum de
1973.

Logo após seguirem em uma turnê com seu novo baixista, John Wetton,
o grupo gravou Siren. O álbum tinha a participação de seu primeiro top 40 hit, o
clássico estilo disco "Love is the Drug". O álbum atingiu novamente o top ten
britânico e nos Estados Unidos não foi além do top 50. Neste disco a banda
abandona a mistura de art-rock e glam-pop e começa a se concentrar na figura
suave, romântica e elegante de Ferry. Também merecem destaques as faixas
"Sentimental Fool", "Both Ends Burning" e "Just another High".

Seguindo em turnê do álbum Siren, os membros da banda iniciaram


trabalhos solo. Manzanera formou um grupo de prog-rock chamado 801,
Mackay e Ferry continuaram a gravar álbuns solo. No verão de 1976 a banda
anuncia que esta temporariamente fora de operações. Logo após o anuncio do
hiato do grupo, é lançado o disco ao vivo Viva Roxy Music!.

98
O Roxy Music se reagrupou no outono de 1978 depois de gastar 18
meses em projetos solo. Ferry, Manzanera, Mackay e Thompson se juntaram a
Paul Carrack (tecladista membro formador do Ace) e contrataram Gary Tibbs
(formador do Vibrators) e Alan Spenner (ex Kokomo) como baixistas de
estúdio.

Jobson e Wetton, que foram descartados para esta nova reunião,


formaram o UK. No esforço da volta do Roxy Music, Manifesto foi lançado na
primavera de 1979. É possível ouvir neste álbum muitas pitadas de disco e
soul-pop, estilos estes que eram comercialmente diferentes e mais acessíveis
do que os estilos trazidos nos discos anteriores. Desta forma, Manifesto
confirmou a grande popularidade da banda mais uma vez alcançando o top ten
britânico e a mais alta colocação nos Estados Unidos até então, atingindo o
número 23 nas paradas com o single "Dance Away".

Mais do que nunca, o Roxy Music soou como uma banda de fundo de
Bryan Ferry, abandonando seu estilo marcante inicial e se aprofundando na
disco music que invadia as rádios nos anos 70. Destaque também para a faixa
"Angel Eyes".

O Roxy Music realizou uma turnê mundial contando com Carrack e Tibs.
Antes de a turnê começar, Thompson deixou a banda após quebrar o dedo
num acidente de moto. O disco seguinte, Flesh + Blood, foi gravado apenas por
Ferry, Manzanera e Mackay, e uma grande folha de músicos de estúdio. Foi
lançado no verão de 1980 e se tornou o segundo álbum do Roxy Music a
alcançar o topo das paradas na Inglaterra com a força do single "Over You".
Nos Estados Unidos, o álbum alcançou o top 40.

Talvez seja este o pior disco do Roxy Music, é mais manhoso do que o
seu antecessor. Bastante soulpop, apresenta faixas boas como "Over You" e
"Oh Yeah". Entretanto, o álbum traz também faixas fracas e demonstra uma
falta de imaginação e criatividade da banda, sugerindo que Flesh + Blood é
apenas um esforço menor da carreira solo de Bryan Ferry.

99
Em 1981, a banda realizou um cover de "Jealous Guy" como um tributo
a John Lennon, e se tornou o único single a atingir o topo das paradas na
Inglaterra.

O Roxy Music retornou cerca de dois anos após o lançamento de Flesh


+ Blood, no verão de 1982 com o álbum Avalon. O álbum marca um novo
padrão de produção e uma grande sofisticação musical. O seu antecessor,
Flesh + Blood havia sugerido que o Roxy Music estava fora de si, porém com o
admirável disco Avalon o Roxy Music recuperava o prestígio. Musicalmente ele
é muito distante do estilo dos discos primários, trazendo marés românticas de
sintetizadores de Bryan Ferry. O álbum soa como um new romantic e também
como um synth pop em sua maturidade, uma vez que Ferry jamais tinha
aparecido tão romântico, seja em sua carreira solo ou com o Roxy Music.
"More Than This" foi o hit de maior sucesso, sendo gravado posteriormente por
diversos artistas como Norah Jones e 10,000 Maniacs.

Avalon é o maior álbum do Roxy Music, em termos de sucesso e talvez


de vendagem. Ele permaneceu três semanas no topo das paradas britânicas e
atingiu a colocação 27 nas paradas norteamericanas, gerando os grandes hits
"While my heart still beating" e "Take a Chance with me". Tornou-se o único
álbum a ganhar o disco de ouro nos Estados Unidos, e com o tempo, ganhou
também um disco de platina. Seguindo uma turnê de enorme sucesso do disco
Avalon, o grupo lançou o EP Musique/The High Road na primavera de 1983. A
turnê de Avalon colocou um fim nas atividades do Roxy Music como uma
banda. Ferry começou a se concentrar apenas em sua carreira solo, iniciando-
se em 1985 com o disco Boys and Girls. Manzanera e Mackay formaram uma
banda chamada The Explorers, em 1985, além de patrocinar diversas carreiras
pelos próximos anos que se passaram. Uma compilação foi lançada, chamada
Street Life: 20 Great Hits, na qual também apresenta músicas da carreira solo
de Ferry, em 1989. Um ano depois, Heart Still Beating, gravado na França, um
álbum ao vivo documentando um concerto de 1982, foi lançado.

Dez anos depois é lançado em compacto o disco Valentine, gravado em


um show para a TV alemã nos anos 70 chamado MusikLaden. Apesar de
conter apenas 6 músicas, o disco é uma ótima opção, pois apresenta boas

100
versões ao vivo para "Do the Strand", "Street Life" e "In Every dream home a
heartache". Um ano depois, em 2001, é lançado mais um compacto ao vivo.
Desta vez duplo, Concerto traz um show gravado em 1979 em Denver.

Uma reunião da banda, cerca de 30 anos depois de seu início,


proporcionou o disco Live (2003). Também duplo, o disco contém o material
gravado durante a turnê, e o material gravado é de grande qualidade.

Não cansados de lançar discos ao vivo, Viva Roxy Music! The Live Roxy
Music Album foi lançado com os rumores de que a banda terminaria
novamente. Este álbum traz gravações de concertos em Glasgow (1973),
Newcastle (1974) e Wembley (1975) – nenhuma delas, claro, conta com a
participação de Brian Eno. Hoje a banda planeja um novo álbum mesmo depois
de tanto tempo.

Ferry e Eno chegaram a se tolerar e trabalharam juntos durante os anos


80. Hoje até mesmo Ferry diz que seria interessante uma participação de
alguma forma do músico Brian Eno neste disco que ainda nem está sendo
produzido. Fato já consumado em um novo disco de Ferry, onde Brian Eno
participa na composição de uma música e toca em uma outra.Eno tem diversos
trabalhos lançados no mercado, assim como Ferry. E dentre as inúmeras
produções de Eno, estão, por exemplo, os álbuns mais respeitados do U2 e do
Talking Heads.

In: http://whiplash.net/materias/biografias/050984-roxymusic.html, 2008.

Anexo 2 – Etapas no processo de produção.

Pré-produção

É a primeira fase da produção. Nela se desenvolvem todos os processos


prévios para a execução do projeto artístico, que o transformarão, enfim, em
um produto fonográfico. É uma etapa fundamental para o bom andamento de
um projeto, pois é aí que o trabalho começa a tomar forma. Fazem parte dela:

101
A escolha do local de ensaio. Encontros com compositores. Audição e
seleção de repertório. Concepção, criação e desenvolvimento dos arranjos,
escolha do(s) estúdio(s) e do(s) técnico(s). Levantamento das técnicas ou
tecnologias a serem empregadas no projeto. Estimativa mais realista de custos.
Esboço da estratégia e do projeto de marketing para o produto (BAHIA, 1988b,
p. 80).

Basicamente, um estúdio precisa ter os equipamentos, o ambiente e o


técnico adequados à realização do projeto ou de uma de suas fases. Projetos
de música eletrônica, de música pop, de rock, de jazz ou de música erudita
necessitam de equipamentos e salas diferenciadas. Além disso, para um
mesmo projeto podem ser utilizados vários estúdios diferentes.

A pré-produção deve considerar os recursos orçamentários disponíveis para


o, bem como definir os prazos de realização, lançamento, distribuição,
divulgação e vendas. O mercado trabalha a partir de uma coordenação de
diversos setores e profissionais, e para que tudo funcione bem, este
planejamento deve ser feito e seguido de forma mais precisa e objetiva
possível.

Gravação

Nessa fase a execução musical será transferida para a máquina de


gravação. O mais importante é fazer uma captação do som com a melhor
qualidade técnica e musical possível. Bons equipamentos, ambiente adequado
e um bom técnico são essenciais. Também é fundamental conseguir que os
músicos tenham uma boa performance, o que se consegue realizando um bom
trabalho de pré-produção, a escolha adequada dos músicos e a criação de um
ambiente favorável.

A fase da gravação pode ser realizada, hoje, de três maneiras diferentes: ao


vivo, em overdub e através de computadores ou seqüenciadores. Diversos
fatores devem ser levados em consideração ao se optar por uma delas, entre
eles a instrumentação e os arranjos, a qualidade dos ambientes de gravação, a
disponibilidade dos músicos e a própria concepção musical do projeto.

102
Gravação ao vivo

É a forma mais antiga. Nela, os músicos tocam juntos ao vivo e grava-se a


performance do grupo. De acordo com Monteiro (1999, p. 89), “existem muitas
formas de se gravar ao vivo no estúdio, e é importante compreendermos que o
termo ao vivo diz respeito a um grupo de músicos tocando juntos ao mesmo
tempo e, preferencialmente, avistando-se uns aos outros”.

Inicialmente, esse tipo de gravação era realizado com um único microfone


captando todo o conjunto. Com o surgimento dos primeiros mixers e da
tecnologia estereofônica tornou-se possível utilizar vários microfones ao
mesmo tempo, mas, ainda com os músicos tocando juntos e com o registro
sonoro sendo feito do conjunto. Com o surgimento dos gravadores multipistas,
tornou-se possível a gravação do conjunto ao vivo, com cada um dos
instrumentos utilizando diferentes pistas de gravação. Monteiro (1999, p. 90)
considera como vantagem desta técnica o fato de que ela preserva “toda a
mágica e espontaneidade, além de oferecer durante a mixagem toda a
flexibilidade de que o produtor e o engenheiro necessitarão para tratar
individual-mente a voz e os instrumentos musicais”. Mas mesmo com a
microfonação múltipla, e utilizando-se gravadores multipistas as possibilidades
de edição ainda eram bastante limitadas, especialmente devido aos
vazamentos. Este limite foi superado com o surgimento do overdub e das
gravações ao vivo realizadas em salas isoladas acusticamente.

A vantagem da gravação ao vivo é que ela mantém a interação entre os


músicos, o que dá à música uma atmosfera mais convincente e mais natural.
“Quando tocam juntos no estúdio, mesmo sem se verem, os músicos da banda
sentem, por empatia, as oscilações dinâmicas e de tempo que acontecem de

103
forma orgânica”, afirma (2002, p. 87). Também Martin (2002, p. 340-1) observa
que “engenheiros e músicos mais jovens estão chegando à conclusão de que a
qualidade de uma gravação “ao vivo”, com vários instrumentos juntos,
acrescenta tensão e emoção ao som, ainda que seja mais difícil lidar com ela”.

Gravação em Overdub

Surgiu como uma conseqüência da possibilidade de se realizar gravações


adicionais sobre um material já gravado. A técnica – criada por Les Paul, em
torno de 1950 – revolucionou o processo de produção em estúdio, definindo
suas diversas fases. Agora, não era mais necessário que os músicos
estivessem juntos em um mesmo ambiente para que a música fosse gravada.
“Agora era possível captar múltiplos takes tocados pelos mesmos músicos.
Músicos e instrumentos podiam ser gravados separadamente, em momentos
diferentes e em ambientes sonoros diferentes.” (BURGESS, 2002, p. 3).

O controle individual sobre cada uma das partes gravadas é muito maior e
podem-se realizar edições, processamentos e adição de efeitos para cada
trilha considerada individualmente, bem como substituir partes já gravadas ou
adicionar novas partes ao arranjo. Atualmente, a gravação em overdub é a
mais utilizada na indústria fonográfica, especialmente em música pop, rock e
música popular em geral.

Embora ao término da gravação muitas decisões referentes ao resultado


final já tenham sido tomadas, é comum se gravar várias versões de um mesmo
instrumento ou voz, ou mesmo versões alternativas de partes instrumentais e
vocais específicas, que poderão estar ou não presentes na edição final.

Edição

A fase de edição consiste na seleção dos melhores trechos de cada uma


das partes gravadas e na montagem desses trechos em uma versão final.
Pode ser feita após a gravação de cada uma das partes, de um certo número
delas ou de todas. Nesse processo podem ser realizados também outros

104
procedimentos técnicos, como eliminação de ruídos e vazamentos, pequenas
correções de ritmos fora do tempo, eliminação de trechos de silêncio e
utilização de afinadores eletrônicos. Martin (2002, p. 342) descreve os
benefícios da edição em multipistas:

“Procuro guardar todas as execuções que puder. Às vezes,


uma única frase maravilhosa surgirá de uma interpretação sem
graça [...]. Se eu colocar cinco execuções lado a lado no
multipista, poderei então selecionar a melhor parte de cada
execução [...]. Dessa maneira, uma execução completa poderá
ser montada como o produto de vários takes.”

Com o surgimento do áudio digital, foram desenvolvidas várias ferramentas


que ampliaram muito as possibilidades de edição do material gravado. Ao final
da edição, têm-se as trilhas definitivas que serão utilizadas na versão final,
prontas para serem mixadas.

Mixagem

Segundo Vidal (1999, p. 54), “é o processo pelo qual se busca o equilíbrio


correto e a melhor combinação de timbres entre as diferentes fontes sonoras já
gravadas”. Na mixagem se realiza o equilíbrio de volume entre os vários sons,
juntamente com o tratamento e processamento individual de cada uma das
trilhas, bem como o posicionamento de cada som no campo estéreo. Muitos
dos recursos utilizados nesta etapa podem ser empregados na gravação, mas
seu uso na mixagem permite um maior controle – e que se teste várias opções
– antes de se chegar ao resultado definitivo.

O trabalho de mixagem envolve um nível considerável de conhecimento


técnico e domínio no uso de vários equipamentos, processadores, efeitos, bem
como um treinamento auditivo que possibilite perceber bem os resultados
destes procedimentos sobre o som. Envolve também uma boa dose de
sensibilidade artística e de conhecimento musical, influenciando não apenas o
aspecto técnico da música como também seus aspectos artísticos. Por isso a
mixagem deve ser acompanhada pelos responsáveis pelas tomadas de

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decisões referentes ao projeto, de modo a imprimir nele a concepção que se
tem em mente.

Muitas vezes, o que se pretende em uma mixagem é uma clareza maior na


gravação e um alto nível de fidelidade em relação ao som original. Em outros
casos, busca-se alterar intencionalmente este som para que possa se adequar
a alguma proposta estética os idealiza-dores têm em mente. Na mixagem, é
importante que todos os elementos estejam a serviço de uma linguagem
expressiva. Comparando a música com a pintura, Bahia (1988c, p. 34-35)
observa que:

“Expressão [...] artística depende muito mais da


composição como um todo do que do traço ou do realismo
objetivo dos detalhes. Assim como encontramos a genialidade
na perfeição matemática de Da Vinci, que retrata as imagens
com perfeição e fidelidade, também a encontramos nos borrões
e no movimento dos traços nervosos e rítmicos de Van Gogh
[...] a genialidade também está presente nas imagens lisérgicas
e não lineares de Salvador Dali.”

A mixagem envolve uma grande dose de criatividade e pressupõe uma


coerência com a proposta estética do artista. Mixar uma música pop,
romântica, punk ou eletrônica envolve conceitos e procedimentos diferentes.
Ao final da mixagem, a gravação multipistas é reduzida para o formato final no
qual será comercializado, geralmente em dois canais (estéreo) que é, desde os
anos 60, o padrão da indústria fonográfica.

Masterização

A última fase do processo é a masterização, também chamada de pós-


produção. É uma das etapas mais técnicas da produção em estúdio, e consiste
na preparação das matrizes que serão enviadas à fábrica. A masterização deve
levar em consideração a mídia final na qual a gravação será comercializada –
disco de vinil, fita magnética, fita digital, CD, DVD –, pois cada uma delas
possui características específicas.

106
Na masterização é definida a ordem das músicas, os fade in e fade out e o
intervalo entre as faixas. São utilizados os mesmos recursos da mixagem, só
que, agora, ao invés de se trabalhar sobre as trilhas consideradas
individualmente, trabalha-se sobre a gravação como um todo. Assim, busca-se
uma homogeneidade de timbre, volume e sonoridade para todas as faixas.

A masterização é também um processo de finalização artística do trabalho


realizado nas fases anteriores, e pode alterar radicalmente o resultado final.
Por isso deve ser acompanhada pelos responsáveis pelo projeto. Ao final, tem-
se a matriz, que será enviada para a fábrica para que seja reproduzida em
série.

In: http://www.rem.ufpr.br/REMv11/12/12-macedo-gravacao.html, 2008.

Anexo 3 – Revista Uncut – Os 100 Maiores Discos de Estréia

100. The Arcade Fire - Funeral


99. Suede - Suede
98. Foo Fighters - Foo Fighters
97. Vashti Bunyan - Just Another Diamond Day
96. PJ Harvey - Dry
95. The White Stripes - The White Stripes
94. Mercury Rev - Yerself Is Steam
93. The Birthday Party - Prayers On Fire
92. Spiritualized - Lazer Guided Melodies
91. Throwing Muses - Throwing Muses
90. Franz Ferdinand - Franz Ferdinand
89. Elastica - Elastica
88. Tom Petty & The Heartbreakers - Tom Petty & The Heartbreakers
87. Dr Feelgood - Down By The Jetty
86. The Undertones - The Undertones

107
85. Elvis Presley - Elvis Presley
84. Tricky - Maxinquaye
83. Little Feat - Little Feat
82. The Pop Group - Y
81. Pearl Jam - Ten
80. Cheap Trick - Cheap Trick
79. Jackson Brown - Jackson Brown
78. The Libertines - Up The Bracket
77. Eminem - The Slim Shady LP
76. Guns N' Roses - Appetite For Destruction
75. The LA's - The LA's
74. Kate Bush - The Kick Inside
73. Pavement - Slanted And Enchanted
72. The Strokes - Is This It
71. Scritti Politti - Songs To Remember
70. Judee Sill - Judee Sill
69. Echo & The Bunnymen - Crocodiles
68. Buzzcocks - Another Music In A Different Kitchen
67. Suicide - Suicide
66. Beastie Boys - Licensed To Ill
65. Dexys Midnight Runners - Searching For The Young Soul Rebels
64. Neu! - Neu!
63. Pere Ubu - The Modern Dance
62. The Associates - The Affectionate Punch
61. Leonard Coen - The Songs Of Leonard Coen
60. Richard Hell & The Voidoids - Blank Generation
59. U2 - Boy
58. The Hardin - Tim Hardin 1
57. Pixies - Come On Pilgrim
56. Bob Dylan - Bob Dylan
55. Ian Dury - New Boots & Panties!!
54. Randy Newman - Randy Newman
53. De La Soul - 3 Feet High & Rising

108
52. ABC - The Lexican Of Love
51. Moby Grape - Moby Grape

50. The Jesus & Mary Chain - Psychocandy


49. Talking Heads - 77
48. The Pretenders - The Pretenders
47. NWA - Straight Outta Compton
46. The Slits - Cut
45. Jeff Buckley - Grace
44. Orange Juice - You Can't Hide Your Love Forever
43. Siouxsie & The Banshees - The Scream
42. The Modern Lovers - The Modern Lovers
41. Public Enemy - Yo! Bum Rush The Show
40. Wire - Pink Flag
39. Bruce Springsteen - Greetings From Asbury Park, NJ
38. Captain Beefheart - Safe As Milk
37. Magazine - Real Life
36. Arctic Monkeys - Whatever People Say I Am...
35. Black Sabbath - Black Sabbath
34. Steely Dan - Can't Buy A Thrill
33. Gang Of 4 - Entertainment!
32. MC5 - Kick Out The Jams
31. Elvis Costello - My Aim Is True
30. Oasis - Definitely Maybe
29. Nick Drake - 5 Leaves Left
28. The Doors - The Doors
27. My Bloody Valentine - Isn't Anything
26. Buffalo Springfield - Buffalo Springfield
25. The Mothers Of Invention - Freak Out!
24. Big Star - #1 Record
23. The Flying Burrito Brothers - The Gilded Palace Of Sin
22. R.E.M. - Murmur
21. The Smiths - The Smiths
20. The Specials - The Specials

109
19. The Sex Pistols - Never Mind The Bollocks...
18. Patti Smith - Horses
17. The Beatles - Please Please Me
16. New York Dolls - New York Dolls
15. The Rolling Stones - The Rolling Stones
14. Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn
13. The Byrds - Mr Tambourine Man
12. Ramones - Ramones
11. The Who - My Generation
10. The Stooges - The Stooges
9. Roxy Music - Roxy Music
8. Joy Division - Unknown Pleasures
7. Led Zeppelin - Led Zeppelin
6. The Clash - The Clash
5. The Band - Music From Big Pink
4. The Stone Roses - The Stone Roses
3. The Jimi Hendrix Experience - Are You Experienced
2. Television - Marquee Moon
1. The Velvet Underground & Nico - The Velvet Underground & Nico

Anexo 4 – Álbuns de referência

Na contracapa desta iniciação foram incluídos 03 CD’S para eventuais


comparações a respeito dos diferentes tipos de registro existentes durante o
processo de produção do Álbum – The Velvet Underground & Nico.
No CD 1 - DEMO - John Cale's Ludlow Street Loft – estão as primeiras
gravações das músicas realizadas no Loft onde John Cale morava. As faixas
encontram-se nesta ordem:

1. Venus in Furs
2. Prominent Men
3. Heroin
4. I’m Waiting for the Man

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5. Wrap Your Troubles in Dreams
6. All Tomorrow Partie’s

No CD 2 - Norman Dolph – Scepter Studios – estão presentes as


gravações do que seria o primeiro álbum da banda sem a intervenção do
produtor Tom Wilson. As faixas encontram-se nesta ordem:
1. European Son
2. Black Angel of Death
3. All Tomorrow Partie’s
4. I´ll Be Your Mirror
5. Heroin
6. Femme Fatale
7. Venus In Furs
8. Waiting For The Man
9. Run Run Run

No CD 3 - The Velvet Underground & Nico – estão presentes as


gravações finais do primeiro álbum da banda após a intervenção do produtor
Tom Wilson. As faixas encontram-se nesta ordem:

1. Sunday Morning
2. I’m Waiting For The Man
3. Femme Fatale
4. Venus In Furs
5. Run Run Run
6. All Tomorrow Parties
7. Heroin
8. There She Goes Again
9. I’ll Be Your Mirror
10. The Black Angel´s Death Song
11. European Son

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