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Mary Del Priore ENTRE DOIDOS E BESTIALIZADOS STy_-~_ O BAILE DA ILHA FISCAL MARY DEL PRIORE Entre “doidos” e “bestializados”: o baile da Ilha Fiscal “O sol diverte-se como um grande olho, arregalando sobre nos as pestanas louras, olhando de cima o quadro dramatico dos nossos desgostos e as nossas festas, admirando profundamente o dramaturgo de tao curiosos enredos e tao vivas situagdes. O recrutamento ea febre. Nao comeca bem o ano de 89.” Ovaticinio foilangado,em janeiro, por Raul Pompéia(|)- © ano de 1889 nie comecava bem aqui, mas, Id fora, Levasseur terminava 0 extenso ensaio que publicaria na Grande Encyclopédie sobre oimpério. eo pais participara da Grande Exposi¢o Universal, em Paris, com um pavilhio decorado com ramos de café, vitsrias-régias e frutas tropi- cais (2). © fatidico ano foi, também, préprio para paginas do que alguns, de nariztorcido, chamam “petite histoire”. Ela se passa no Rio de Janeiro, entao capital do Império. Mais precisamente nos ultimos meses desse ano. Teve vez, al uma série de acontecimentos que preencheram a crénica mundana. Eles culminaram no histérico evento que ocorreu numa ilha. Uma das muitas disseminadas nos 412 quiléme- tros quadrados de superficie da Bafa de Guanabara. Uma dessas “pedras soltas no colar da cidade”, como jé um cronista (3). Na imediata vizinhanga da llha das Cobras existia um parcel rochoso e elevado mais conhecido como Ilha dos Ratos. Foi arrasado e cercadd de cais de atracacao para servir de depésito de materiais e armazém aduaneiro. Nos ltimos anos da monarquia, © governo mandou construirali um ediffcio em estilo manuelino, destinando-o a servir de sede da Guardamoria e quartel dos guardas da Alfandega. Encomendado 0 projeto a Adolfo Del Vecchio, o futuro palco da hist6ria que vamos narrar passou, entaio, a ser conhecido como liha Fiscal. Diante dela, estendia-se 0 Rio de Janeiro comercial, como queria Raul Pompéia. Na Rua do Ouvidor, 0 negécio fino das jéias e das idéias, estas viltimas distribuidas em livrarias e cafés, Nas confeitarias, segundo ele; também comércio inocente do namoro. Alfaiatarias populares, como a Baliza, se acomodavam na Rua do Hospicio, enquanto as sapata- rias exibiam seus produtos na Rua do Carmo. Tipografias € 1 ncn acts © 17/1/ amCrneas coo Bode Lint Biblobee Comes/ ‘cou Mo doCahe 13 196 p65) 2 Wo Note, Sore, As ota: do Ineo = Fado en Mere rs i eas, Sa Corsortio Eosan 2002, 9 415, 4 onde Conny, Monon 43 Cidade oo de or, Fabia boa, 1957 Heemenpesoosiicna: (Bet oseut ° ed font. ct 19/5/ 80 pp ao SéajoPecrenn enti, “AbdrraUivoasseuhos 10, Ngons Coosa Fepetocrhoemiaot> iis fee! ro Vins 40 Seb intse Bose de Hii, 518 4, 138, So Pele, 0/1088, cbr? 1985, een Mom Bano anos, Of on Mer nes -Gvobes Necks Fisio e dren Frc 8 OmalioCa. 2001 Expt omg lonosios deShot Donaso, Revco Si do ie ce fret 90 Vi kes hoe ete 10, U0/0E, 1996.59. 1Z0 asin Vb oom Foe Cor ‘dologe Moron ire Obi ae ia ie Roda ‘9/0 Po, Fanesca he, 1/8 (Oech eto Mov Tom ps fo de vera. Irpasa Recon, 1028, 2 sclone ones pct. 68 OSigisBarpa dates. Bra Meng = do nd i epble wL He (Gel do Crane Sesie fa S80 Poio Die, 197 cervejarias concentravam-se na Rua Nova do Ouvidor, rua impregnada de um “che ro” de Leipzig, deduzido das emanagées combinadas da tinta de impressfo e do Ii- pulo, A came verde preferia as Russ da Assembiéia ¢ da Uruguaiana, Ché, cera © rapé formavam o cli mereantil da Rua da Candeliria. Ferragens, na Rua Direita. Café, “o grande café em sacas,orei catéem grio, com sua entrada de simbolo na propria bandeira nacional”, tinha seu enderego na cruz dasruas Municipaledos Beneditinos. © comércio da came seca estend mantas pela Ruado Rosério abaixo, “acen- tuando-s6 em apuro seboso com a puajante variedade de toucinho e queijos, aldeada, além da roa Direita, por todas os arredores da igreja da Lapa dos Mercadores” (4). A cidade era conhecida por sua insalu- bridadee sujeira. Tinhaentranhas feitasde ruas estreitase sinuosas e prédios colades esuperpovoados. Surtosepidémicos fusti- gavam a populaglo indefesa, As qucstocs de higione © salubridade ram ignoradas pelas autoridades, assim como os proble- mas ligados a transportes, abastecimentoe esgotos. As vésperas da Proclamagio da Repibliea ~ quem informa é Sylvia Da- mazio 2 abertura das ruas se fa7 “sem a menor atengao ao futuro estado hi- gignico. Qualquerindivfduo, porexemplo, ocaixeiro, doleilocire encarregadode ven deroterreno riscavaas séries de lotes sepa~ rados pelas ruas de diregdo que ele imagi nou. Tirava-se a planta impressa, fazi antincio e vendia-se tudo; as construgées comegavam imediatamente, sem prepara- ¢Soprévia doterreno nem estabelecimento dos encanamentos necessarios as habita- (e0es das grandes cidades” (5). Nadhimadécada do séeulo a populagao carioca aumentaraexpress tude da imigragdo estrangeira ¢ nacional, predominantementeconstitulda poradultos. Mesmo considerando a expansiio do tetor manufatureiro, da construgio civil e dos servigosem geral. o aumento acelerado tor- nava invidvel a absorgdio de toda essa mio- de-obra. A solugdo de sobrevivencia signi- amente em vir- ficava improvisar com trabalho autonome. Multiplicavam-se os vendedores ambulan- tes,empalhadores,amoladores, lustradores, pequenas oficinas de reparagio, além da ‘enorme gamade ocupagdes que Josio do Rio arrolou como profissSesignoradas”:tatua- dores, trapeiros, apanha-r6tulos, selistas, ledores debuena-dicha.ratociros (6). Além das oficinas artesanais e de pequenos con- sertos,a feiturade comestiveis para vendae © pequeno comércio f1xo, as pessoas luta- vam pela sobrevivéncia no imenso espago de trabalho que cram as ruas do Rio. “Apa- rentemente confuso, esse espago possula uma organizagio prépriae uma articulagao com o sistema capitalista que se afiemava.” Os vendedoresambulantes, licenciados ou no, tinham uma drea de atuagio determi nada, onde se tornavam conhecidos € cons- titufam freguesia. As fotos de Mare Ferrez € JoX0 Goston revelam seus rostos (7). Seus gritose pregoes que enchiam osares foram repertoriados por Lufs Edmundo (8). Trabalhadores auténomos ¢ assalaria~ dos representavam maisde 2/3da popula- do que contava, em 1890, com cerca de 1.230 professores, 266 jornalistas, perto de seis mil funcionérios pablicos e cerca de onze mil militares entre Exército, ar- mada e policia (9). Enquantoacidade formigava sobo"ca- lor senegdlico” ~ como queria Raul Pom- pei dois grupos guesia comercial. Eserevendo sobre 0 as- sunto no fatidieo ano, ¢ as vésperas da Re- pliblica, Rui Barbosa observara que data- vam do lusco-fusco do Segundo Reinadoas comogdes capazes de abalar a autoridade moral da monarquia no espirito do soldado brasileiro (10). As"junturas do areabougo”, diz, jf imeriormente corroido “pelos vicios do poder pessoal” quando o pafs deixara de saber quem era.o ‘nacena politica moviam-se atoresde stintos: os militares © a bur- " comegavam a estalar chefe de Estado, Nio eram contradit6rias suas afirmagées de que o poder pessoal des- gastarao edificio monfirquica. Rui simples- mente resumia a idéia de que 0 poder do imperador, embora exercido com brandura © moderacao, preservara o pais dos riscos a que poderia estar submetido. “Enquanto D. Pedro II governou este pats, nunca houve 0 menor estremecimentoen- treo governo ¢ a forga militar. Sua Majes- tade soube alimentar sempre e com extre: ma delicadeza, se nfo o entusiasmo pelo a0 menos essa trangulilidade nas fil stares, a observaciio austomitica des- ina que faz das organizagoes ar- madas a base da paz ambicionada pelos ‘governosliberais e confundida porelescom ‘a verdadeira seguranc: sa dise' Tudo isto signi como fora exercido, © poder pessoal per- mitiraescondera deterioragio existente no aparelho militar. A ausSneia ou pretenga deumchefe de Estado normalmente atuan- te no teria sido bastante para animar ou deter a ago destruidora que jé comecara. ‘Tanto o pafs quanto o regime ainda deram mostras de pujancasob 0 ministériode Rio Branco, Masacrise mundial de 1875 colo- icava que, da maneira cou tudo a perder. Dois anos mais tarde, seguit-se a grande seca de 1877-80 impon. do nagao sacrificios superiores aos ordi nérios e produzindo devastag comparé. vel nas finangas paibl am uma guerra externa. Em 1888, resol- veu-se a questiio do “elemento servil” sem pensar em estratégias de integracao dos cativos. Nos nove anos que antecederam 0 fim da monarquia sucederam-se dez go- vernos diferentes, representando pontos de \versos¢ opostos.O cambio despen- indo de 27 as, a8 quai cara a partir da grande see: ‘pence por mil réis a22 dinheirose manten. doa queda. “As finangas pablicas prosse- _guiram no seucaminho para o desconhe do”, escrevinhava um poli lado, 0 mercado de funds publicos desen- volvia extraordindria atividade; organiza- -vam-se companhias industriais e comer: ais todos os dias € os bancos elevavam © capital, esperando poder converter-se em estabelecimentosemissores, nos termos do decreto de 6 de julho de 1889. Na Bolsa do Rio de Janeiro, os titulos de empresas re- ‘cém-fundadas eram imediatamente nego- ciados a prémio. O viseonde de Figueiredo era um dos novos milionarios, Raul Pom- péia 0 tinha na conta de “rei de ouro do -0. Por outro baralho finan com feéricas festascomo a queofereceu no cassino Fluminense,na qual reuniu “a aris- tocracia da Corte, todo 0 orgulho dos cra- chisdanossa sociedade,todaa colegio mar- mérea de belas espéduas nuas do high-life feminino” (11). Buarque de Holanda que. ona atualidade™. Recebia “vista a distincia, a queda do regime nio Pode surpreender muito. E nao seria este 0 primeiro caso na hist6ria, e nem o tnico, a mostrar como um surto répido de progres- somaterial, seguindo-se auma protongada era de prostrago, longede sustar,pode, a0 contririo, apressar mudangas de caréter revolucionsrio. Por outro lado, arecupera- ‘Jo mostrada pelo pafs encobria um fundo falso. A situagdo nao deixava de oferecer aspectos curiosos. O valor total das expor- tages nao aumentara muito e as importa- ‘s0es Subiram um pouco. As fontesde renda continuavam a provir da alfindega e nada prometiaaumentoderenda, Aconteceuque © governo conseguira trés anos antes um cempréstimo de seis milhées de libras. Em 1888, outro de mais seis milhdes. O impé- rio era bom pagador e tinha crédito: fazia dividas novas para pagar dividas velhas com isso melhorava a situzgao cambial”. ‘Ao quadro financeiro ¢ econdmico so- mava-se outro, Este, politico, Em margo, 0 imperadorcafra gravemente doente. Agra- vara-se seu quadro de diabetes e imediata- mente entraram acorrer boatos alarmantes sobre seu estado de said duquez imperial”, “jé nfo regula”, “espiri- to obscurecido. gotejavam nas paginas dos jornais, impreg- pavam as salas dascamaras. Aumentava. sensagao de desgoverno. Em Junho, a fim de fazer umn tratamento,embarcou o impe- rador para a Europa c a princesa Isabel as- sumiu, pela terceira vez, a regénciado Im- pério. Era 0 prentineio, ainda que longin- quo, de um Terceiro Reinado. Comesse aviso, acampanharepublica- na comecou a ganhar musculatura. Cafa 0 ministério do conservador Cotegipe,assu- mindo outro conservador, instigado, con- iden, biden. 2. len, iden, 9. Gite Fey, Oden « Po (grin, bodeloeto, tod Tove Se acorepectncade cen dedty ocean de fora 12 abel Todt] omen, Clie Epecr 0. Pet od he Making of Bro) 162541 epecorer ‘wocapideaendoton, 1887-1889" pp. 325 € posi Of eqeimae en owibo ‘udu dokolde Conte lepecBomon pc. 14t Veer oasancei No Cana, OsBoselas “Ono dela eaten ea.qm Nio fo, Soo Pos, Comptia dss. 1997 ‘Genero qe ne pe: ‘a.coeine © Goode Ne (geogoundsprksh cote Fecnociupoblnasoecor Fens, tudo, pelaa Aboligtio.© 13 de Maio, decre- tado sob ogabinete Jozo Alfredo,estabele- ceu um armisticio entre os que se bi contra “o emperro” do regime. Passada a cuforia diante do ato, medo tomou conta dos que no queriam um reinado de Isabel Te seu consorte, 0 conde d’Eu. Sem ter parte direta no governo, 0 real cOnjuge pre- enchiaas condicdes previstas na Constitui- do pararecebero titulo de imperador. E jd setinha certeza deque seria um reinado de A22deagostode 1888, voltouD. Pedro, que recebeu acoll chegada, Raul Pompéia deixou um emo- fa triunfal. Sobre sua cionado relato: “Ao eais Pharoux, vimos em todo o.correr da amarragio uma considerdvel massa de ovo que comegava a afluir para esperara entrada do vapor francés. No altodo paode Agticar, alunos da Escola Militar estende~ ram comainscrig0Salve.emetrasencar- nadas de seis metros, uma toalha como um bithote de snudagio ao monsren de volta, Os passageiros do amurada, desempenhando-se ascomissdes de entusiasmo que vinham a bordo, por conta denio sei quantas corporacdes ofici- ais,com toda aefusio de sinceridade acla- ‘atria [...[.No Arsenal formavam a Es- cola da Marinha, a Escola Militar, muitos colégios, as escolas municipais fardados de branco como pequeninos soldados, le polainas, patrona aos rins e eomblain em deacanao, No Arsenal ainda pela ria Di reita, formava a tropa em grande gala. Por todo 0 itinerério determinado dos impe- rantes, perfilava-se a ornamentaciio de colunatas de escudos e galhardetes. ssa cadas flamejavam colchas abertas € api- nhadas as senhoras ao sol com a coragem feminina dacuriosidade [...]@entusiasmo popular no foioque sechama yerdadcira- ‘mente um delirio, maa foi evidentee since 10, A porta do Arsenal, viuma pobre velha emxugando ifgrimasmnascostas damio, Por todo otrajetodo coche do monarca mante- ve-se constante 0 fervor dos vivas e no tinham conta os lengos agiotados das jane las, como um escrutinio de eambraia, as moré correram a Familias brasileiras, votando paze felicida- de ao velho esposo da imperatriz” (12). Nio havia lembranga de tio calorosa acolhida & pessoa do monarca. Nessa ale- gria publica residicia,explica Sérgio Buar- que de Holanda, 20 menos odesejo de pro- var o espirite de constante fidelidade de seus stiditos. Havia, também. quem julgas- se que apenas a pessoa do imperador, e 86 ela, podia assegurar a adesao popular a0 regime. Entrementes, houve lumindrias € Fogo no Engenho Novo, Botafogo ¢ Sio Cristévao. E conelui Pompéia: “eompre- ende-se bem como radeou a cidade, sébia de lealdade e cortes, a espiral ardente do regozijo piiblico, coleando ceriménias de muito longe até centralizar-se eacabar nos Jardins da imper a3). Ementrevistas publicadasem Ordeme Progresso, Gilberto Freyre (14) confirma © apreco no qual transitaya © imperador, aprego que se prolongou mesmo depois de scuexilio. Houve quem guardasse moedas ce sclos com sua effgic, quem considerasse que “moralidade, s6 na monarquia”, quem lembrasse as alusdes lisonjeiras 3 sua figu- ra, Um imenso saudosismo dos tempos do Império se prolongou por muito tempo depois da Proclamagio da Repablica Com o imperial casal voltava, também, D. Pedro Augusto, filho de D. Leopoldinae Augusto de Saxe-Coburg-Gotha, bigSes em relagie ao tron nso eram disfargadas, fazendo até parte dacorrespon- déneiatrocada entre membros dafamflia real I residénci sujas am- (15). Ao noticiar 0 retomo do monarca, imprensa internacional mencionava no s6 este detalhe, mas outro: a recente organiza- 40 do partido republicano (16). Nocampo das idéias,assistia-se ascon- feréncias de Silva Jardim no teatro Lucinda ou na Sociedade Gindstica Francesa, Fala- va-semuitona “revolugio adorada’”—a fran- em soberania e em vontade popular (17). Os hotSis, conta-nos Freyre, come- garam a ser pontos de reuniio, Nas suas salas nobres e nos restaurantes, juntavam- se tanto os principes do comércio quanto da Javoura, das indUstrias, das finangas, da politica, das letras, do magistério. A nova ‘ordem economicaencontrou nosrestauran- tes dos hotéis seus principais centros de rendez-vous ‘Centros por vezes luxuosos € até nababescos que se pompa na decoragiio. Refletida em seus espelhos, aclitedegustava sopas esorvetes (Ge pitanga, de caju, de.caja),combinagbes desenvolvidas pelo itali “maior importador de gelo do Brasil”. Nos terrassesagente importante encontrava-se para saborear ufsque Dewar’s ¢ cerveja, muitoao gosto d jinguiam pela no Francio. jomia. Esses, segundo Freyre, “gente sem- pre de sobrecasaca preta ¢ chapéu alto”. Célebre por sua cozinha e seu salio era 0 Globo, que reunia para banquetes os mem- bros do Parlamento e publicava seu antin- cioem francés: “Ce magnifique restaurant offre aux étrangers arrivant @ Rio, toutes les commodités pour Lunch, Diners...”. Membros da elite, todos ali passavam. Do conservador € radicalmente abolicionista Jodo Alfredo, ao escravocrata bardo de Cotegipe que af encontrava cocottes, a Quintin Bocayuva, Aristides Lobo ou tros “denodados propagané blica que discutiam os meios de empregar para © advento do novo regime” (18). Ossiffes Prana Sparkletsse encarrega- vamde prometer gua gasosamineral igual ‘em agao terapeutica as de Vichy. A mania das 4guas minerais servia paraa burguesia lutar contra disenterias ¢ febres tifSides.O 19 nfo podie deixar de corresponder psicologicamente a tum estado de Animo que se tornou, nessas vérias expresses da vida republieana, ca- racteristica de uma nova época, marcada pela ascensiio repentina de indivfduos po- bres a situagio de ricos ¢ até de nababos (19). Eram os filhos do Encilhamento. Na segunda metade do ano, 0s fatos se aceleraram. A correspondéncia da famtflia imperial jd apontava os limites impostos pela saiide do imperador, alheio as nott- cias, Sua morte era aguardada e vislumbra. dacomo momento de transigio politica. A apatiado monarca contaminara oshomens pablicos e havia que se implorar para que politicos ocupassem as pastas do governo, sempre dispontveis. Em julho cafaominis- tas da Reps rococé como estilo decorat tério Joao Alfredo afogedo nos nimeros de transagdes inescrupulosas. Ninguém que- ria substitui-lo; nem Paulino de Souza, chefe dos “ultras” do partido, numa tenta- tiva de salvar a Coroa pela indenizagioaos antigos senhores de eseravos. Nem o libe: ral Saraiva. O partide conservador mostra- va assim sua fragi conde de Ouro Preto, estadista mineiro conhecido porinabalavel intransigéncia. A leitura do programa de governo, feita a 11 de junho, jf se passou entre vaias ¢ apupos © gritos de “Viva a Repiblica”, Em julho festejaram-se as comemoragdes do 14 de julho ea queda da Bastilhae pelas ruas da cidade chocaram-se os que cantavam a ‘Marselhess" com os membros da Guarda Negra formada por antigos escravos figis A princesa Isabel, alguns deles capociristas armados de cacetes — os Petropolis—e na- valhas que revidaram a cantilena com truculencia, Um tirode revéiverdisparado contra 0 imperador por um jovem estudan- te portugués adepto do republicanismo na saida do teatro, nodia 15 de jutho,reacendeu asimpatia pelo velho e combalido monar. lade. Aceitou-a 0 vis- ca, Incidentes com militares na forma de prisdes. ouindicagdes recusadas, infragies disciplinares bem comoodeslocamento de Deodoro da Fonseca, que deixava seu exi- oem Mato Grosso, aumentaram a tensao. Um boato, contudo, fazia ferver os quar~ Gis. O deque asremessas de batalhSes para as provincias tinham por escopo deixar cespago de manobra para a Guarda Nacio- nal, que garantiria sem maiores problemas alassungio do Terceiro Reinado. Crescia a indignago dos militares que, como Deo- doro. ameagavam levar ministros a julga- ‘mento em praga publica, assestara artilha- ria eculpar 0 governo imperial por falta de patriotismo. No més de outubro comegaram as arti culagées entre oficias descontentes e civis republicanos. O ineidente em torno da de- misstio do tenente-coronel Medeiros Mallet pelo ministro da Guerra, somado aos boa- tos de que 0 governopretendiadar um gol- pe no Exército, facilitou a aproximacio. Outrora, durante a Questo Militar, ainicia- tiva dos contatos partira dos republicanos; Bhp op oh p42!) be orp ch ncothe ale fom ‘enans ds pose Ine onadbeoneComgpe pe Caso aim 19Gibew Hope, ep, op 2188, 20Ve Servos. “0 npindas FosoocaFetn do lpi i Atotes oipweso, oh, pp 25894 agora, so 0s oficiais os que tomam a dian- teira, a comegar pelo major Sélon de Sampaio Ribeiro © pelo capitio Mena Barreto. A exaltagio militarnio tinha limi- te, nem conheeia conveniéneia, expandin- do-se mesmo unte do comandante e dos oficiais do eruzador chileno Almirante Cochrane, entio fundeados no Rio de Ia- neiroeque iriam participardos festejos das bodas de prata dos principesimperiais. Em baile organizado no entaio Cassino Flumi- nense, onde se achavam os oficiais da ma- sinha chil cipes receberam as maiores manifestagdes de simpatia, Em compensagio, uma semana mais tarde, houve banquete na Escola, Vermelha em homenagem aos oficiais do navio chileno. Benjamim Constant tomoua palavra para saudi-los © aproveitow a oca- sido paradefender 0 Exército das acusagoes de indisciplina que the faziam os amigosdo governo, achando-se presente o ministroda Guerra, Os alunos saudaram 0 oradorestre~ tarda Praia pitosamente aos gritos de “Viva a Repibli- a... do Chile”, forgando a pausa para mar- ntengio. A impunidade em que fica- ram osresponsiveis por essa eoutras mani- festagdes que tina com freqligncia por alvo o tenente-coronel Benjamim Constant parece indicar que o governo comegava a temer uma ineompatibilidade sem remédio a classe militar, Enquanto ferviam nos bastidores poli- ticosas tensdes, em cenac entre os grupos identificados com novas politicas, nunca co se conjugou tanto o verbo festejar. Se 0 império de Pedro II fora grandemente mar- cado por celebragdes festivas que mistura- vam datas religiosas. populares ¢ oficiais, nataliciosde monareas e princesas. pro ses, entrudos e camavais (20), seu final prometia um desfecho singular, ele, tam- bém,emtorno de um motivo festive. Se por décadas.a monarquia transformara suasapa- rigdes em espeticulos, ds vésperas da Rept blicaa agenda social se excedeu. A atengio estava focada na visita a0 Rio de um na chileno e o gabinete ministerial usou a cca- sido para organizar uma série de eventos, cujo fim era demonstrar a satide da nagaoe © prestigio do regime. A cereja do bolo, no centanto, foi o baile da Tha Fiscal Na cronica urbana, nao se falava em outra coisa que no os preparatives para o evento. E Pompéia registra: “Ainda vibravam, no dnimo da familia imperial, asimpresssesdo grandebaileque, nos saldes do cassino Fluminense, ofere- ceu 0 comércio, em comemoragio das bo- das de prata da serenfssima princesaimpe- rial e seu augusto consorte, gratas impres- ses, como devia produzir a homenagem dos representantes iddneos das classes po- derosas da nagio, que se andava imaginar distanciadado trono, em represilia dedes- peitocontra excelsaconsumadora do gran- de golpe de maio do outro ano; ainda vi amrecentesas recordacdesda festa, deuma festaefusivae sincera comoniio é muitode liso na monarquia brasileira, consagra-se aos principes quando velo a noticia do passamento de el-rel d. Lufs I abafar brus- camente toda aalegria, O momento nacio- nal, caracterizado por uma precipitagio inosa de festas, paralisou-se repenti: namente em respeito ao luto da Imperial Casae, ao mesmo tempo, a imensa migoa que veio contristar a nagio portuguesa, Todas as festas projetadas em honra dos marinheiros chilenos foram declaradas sus- pensas. Nas ruas, onde, ha pouco tremula va 0 pano largo das bandeiras arvoradas pela chegada dos ilustres viajantes despi ram as meias hastes do funcral. Todas as repartigdes pUblicas bras nhando 0 Consulado portugués, todas as associagSes portuguesas, as imimeras que hénaCorte, muitas nacionai particulares decoraram-se com essa de- fas, acompa- muitascasas monstraco de condoléncia, Os negocian- es portugueses cerraram as portas de seus estabelecimentos. As associagdes portugue- sas vestiram de crepe as inserigdes de suas Fachadas. O edificio de granito retalhadoe mérmore do Gabinete Portugués de Leitu- ra, na rua Luis de CamBes, desfraldou das altas sacadas sobre as rendas do pértico manuelino panejamentos negros [...] fo~ ram proibidos espeticulosde toda espécie. (Os bailes dealgumas sociedades jé anuncia- dasparasabado, diaimediato ao falecimen- to do monarca foram adiados, tal qual © famoso do governo aos chilenos, no ediff- cio da ilha Fiscal que, falhando, rendeu @ algumas insti cinesperada distribuigio de manjares, tudo que se po 4 ios da festanca tinham mandado preparar para 0 grande banquete” (21). igdes de caridade umalaute deteriorar, do que os co: A imprensa, contudo, foi o mais efici- ente termometro para captar os signos des- se “fim de festa” do Império, As vésperas da Aboligdo contaya o Rio de Janeiro com 70 jornai jidos em lingua francesa, inglesa,alema italiana. O maisimportan- red te, 0 Jornal do Commercio, comtava mais de 66 anos de existéneia “dando de seis a ito paginas por dia a oito colunas e com tiragem de 16 a 18.000 exemplares”: se seguem 0 Didrio Oficial, Gazeta de Nott- clas, Pats, Didrio de Noticias, todos matu- Uinos. Vespertinos eram a Gazera da Tar- de, Gazetado Rioe Novidades 22). Prag- mentos de jornais de época demonstram a ‘agenda cheia que empurrava os Visitantes cchilenos entre grupos militares & os da so. ciedade «i ‘thos do historiador. € que. para além de retratar a pirimide social, se 18 nas entreli- nnhas das noticias a imbricagao de lacos, mais ou menos oficiais, suturando grupos locais. Oestatuto desses grupos geradores, deidentidades comuns ia desde o reconhe fil. © que chama a atengio, aos cimento publico offei res Aclandestinidade—casode jornali que preferiam se manter annimos. Mas ele se apoiava também na exibigiio de nos de vestusrios— caso da Guarda Nacio- nal criada para esvaziar o Exército durante a Regéncia devido a instabilidade politica ‘que os militares, de oficio, como 0s joma- listas e cronistas, que permitiam 0 reco- nhecimento matuo, a0 mesmo tempo em ‘que definiam objetivos comuns—apoiar ou criticar o sistema. Nido se deve perder de vista, na leitura da agenda que envolveu o baile da tha de segmentacio social, as identidades par- tilhadas podiam agir umas contra asoutras, ‘quando 0 jogo de interesses ¢ as tensoes as colocavam em concorréncia (23). sal, que, como toda forma Destaca-se nas notas da imprensa, reu- nidas na Colegio Festas Chilenas do Ar- quivo Nacional, o papel das comunidades de interesse envolvidas com a Proclama- So da RepSblica, Atuandocome“corpos™ constitufdos por cooptagio, portadores de normas ¢ regras de conduta, possuidores de pri blicanos sdo as figuras mais evidentes. No ‘mesmo nivel, mas agindo de maneira flui- a ¢ funcionando como Orgao de defes coletiva contra mudangas, yé-se um seg- ys comuns, os militares repu- mento misto, solidério a um tipo de vida ‘em comum, aos ensinamentes reeebidos sobre a monarquia, marcados, aparente- mente, pela protegio miitua, c6digose jar- .26es proprios, uma concepcio hierarqui: zada das relagdessociais,adefesade priv Iégios € a vontade de resolver problemas inerentesao grupo em seu interior. Ambos

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