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Pacificagao e de estabelecimento de confianga, estes acabaram por se instalar nos limites do PN.X., aceitando renunciar a0 seu hostil modo de vida. Assim, os Jurina instalam-se perto de Diauaram (1950); os Txukahamae (subgrupo Kayapo) abandonam a pritica dos raides (1953); 05 Kajabi, pactficos, mas com a populagéo dizima- da ¢ tiranizada, a0 longo do Teles Pires, accitam voltar & bacia do Xingu (1955, 1966); 05 Suyé, muito reduzidos na sequéncia de ata ques dos Txukahamie, procuram a proteccio da pax xinguana (1960). Em 1967, por fim, os Txicéo renunciam aos ataques contra as tribos vizinhas ¢ so acolhidos entre eles. Nos nossos dias, porém, © sucesso evidente da politica que levou & criagio do PN.X. e a c tinuidade de uma acgéo que desenvolveu na pritica o essencial da hreranga humanista de Rondon estio seriamente ameagados. Mais do que as incoeréncias da politica indigenista oficial (cf, Paul Crime, in De VEdhmacide, op. vit. pp. 39-49), serd.o avango agressivo da «fren: te» econdmica capitalista que pode absorver o Alto Xingu e a sua populagao. Os irmaos Villas Boas jé nao tém capacidade de impedir 08 Xinguano de visitar os estabelecimentos, quintas ou campos mineiros que existem & volta do PN.X. (¢, recentemente, avangam pelo Parque dentro), ¢ mais dificuldades terdo em travar a progressi- va usurpacio levada a cabo pelos grandes proprictérios vizinhos, poderosos e bem organizados. Um processo como este s6 & «natural se houver vontade para o deixar desenvolver-se, ¢ podemos duvidar que no Brasil actual haja a vontade politica de fazer respeitar os direi- tos de uma minoria que € numericamente insignificante face as empresas especulativas de interesses ecoxiémicos mascarados com a magia do desenvolvimento, AS SOCIEDADES DO ALTO XINGU Os XINGUANO E OS OUTROS A etnografia do Alto Xingu ¢ organizada por uma divisio fun mental, que constitui também um critério eémodo para a clas- sificagZo destas sociedades. A um conjunto de tribos coligadas, que mantém entre si relagdes miiltiplas ¢ complexas, além de partilha rem um certo ntimero de costumes e crengas, opde-se uma colec- fo heterogénea e dispersa de tribos isoladas, que em comum apenas tém a posicio periférica em relagio ao primeiro grupo € a hostilidade com que por ele sio permanentemente tratados. Esta oposigio, correcta nos seus principios, deverd ser esbatida exami- nandos mecanismos de solidariedade dos Xinguano}e analisando (0 processos histéricos de formagio do conjunto intertsibal. J4 os , tinham notado a primeitos observadores, em finais do século XIX, existéncia deste sistema poliéenico € multilingue, presente ao longo dos trés principais formadores do Xingu (de leste para oeste, 0, Kuluene, o Kulisehu ¢ 0 Batovy), apontando a sua preponderincia de facto nesta regido. H. Meyer fala de uma «provincia cultural» nica, opondo-a a outras tribos hostis, hipoteticamente pertencen- tes a provincias vizinhas (Meyer 1897, 1900). A acessibilidade das aldeias xinguanas por via fluvial, a frequéncia ¢ a densidade das comu- niicagbes e trocas entre clas mantidas fizeram com que tenhamos muito mais conhecimentos sobre os Xinguano do que sobre os seus inimigos, & excepgao dos Suyd e dos Jurtina, visitados por Von den Steinen, no Médio Xingu, em 1884. Todos os trabalhos, recentes ¢ menos recentes, reconhecem a muito provéyel antiguidade da presenga humana no Alto Xingu; mas s6 desde ha uma dezena de anos se reuniram condig6es para afirmar algo sobre a pré-histéria desta regio. As investigagées arqueolégicas, até aqui mais explorarérias do que intensivas, tém revelado que a regido estd cravejada por antigos sitios de habitagio, onde se encon tram residuos (cerimicos, sobretudo) acumulados em pilhas que podem chegar a mais de um metro, ¢ que podemas distinguir com grande nitidez duas tradigdes cerimicas distintas (Dole 1961/1962; Sim@es 1967 ¢ 1971). A primeira destas tradigdes ¢ relativamente antiga, pois poder datar dos séculos XIL-XIII (Simées ref. cit.) ¢ evoca, em determinados aspectos, certas tradigdes amazénicas (tradi- fo dita dos «bordos riscados»). A segunda relaciona-se directamente om a ceriimica fabricada nos nossos dias pelos indios Arawak. ¢ per- fence manifestamente & cultura xinguana actual; néo poderd ter sur- sido antes do século XVIII. Os actuais habitantes do Alto Xingu conseguem indicar, com grande precisio, dezenas de sitios de aldeias ‘ocupadas por eles, antigamente, muitas das vezes reconheciveis pela Yegetagio florestal secundiria ¢ pelos pequenos bosques de piqui (Caryocar brasiliensis Camb) vizinhos; de facto, nesta regio, estas rvores ge origem humana. E prematuro especular quanto as ‘eventuais relagdes de filiagao entre estas duas tradiges arqueolégicas. zoomérficos, certos motivos abstractos ou hierdticos utilizados em ceriménias nos nossos dias, e ceras formas de olaia, nomeadamente 4s pegas maiores, Para Mirio F. Simoes, esta ocupacao antiga é clara- mente de grupos agricultores, aos quais atribui curiosamente uma forma de agriculrura primitiva (sincipientes), grupos «sedentétios Semipermanentes» que praticam a navegagio fluvial (pois vivem 44 + ParRtoK Manors todos na proximidade de ribeiros ou lagos) € que associam a cerimi- ca decorada ¢ ornamentada & sua vida cerimonial (Simées, 1967, p. 140). © arquedlogo brasileiro acrescenta que estes grupos so pro- vavelmente oriundos da Amaz6nia, e que conseguiram seguir 0 curso do Xingu de jusante a montante, & semelhanga do que tinham feito 6s Juriina, entre os séculos XVII e XX. Aparentemente, as tradigées orais de algumas tribos, como por exemplo os Yawalapiti, confirmam este movimento. Seja como for, parece certo que os Xinguano tém um longo passado em comum e que o sistema intertribal nao é uma ctiagao recente, Actualmente, 0 conjunto das tribos! do Alto Xingu reparte-se por dois grupos de vizinhanga. O primeiro, situado a volta do Posto Leonardo Villas Boas, corresponde s aldeias do sistema xin- A terminloga dos agrupuments humsnos do Alto Xing prs a alum A lea & lugar de habit tradicional de'um grupo hamano, rodeada de ra situa a pouca diac de um curso de gua ou de um Iago. Os habits de uma lela Sieramse paras (e que costutna coresponder& realidad) fla mesmo dialer, agem Aldcis~ ea mes sig mas frequent na épocs de Vou den Seinen — cos habcantes, falam o mesmo dialsto. Ena aldit consiuem uma ribo, mais vex desigada por um mo, mar io anomas ent si. A conics de pertenga uma rib, coincident, por fant, com um grape dict € muito do que nde peta th gr tanto as alder de ma mesma tbo mantém rele prvleiadas (poses de Fst Ae aclhimeno individual de acai cde mpage de eer te). Acualmente, com tua tnca excep, ada rib espsentada por um propo Tea, ov ade, apenas. Edifeence { siuago dos grupos qu habitam a pate norte do RN.X: hi vio grupo lois Kaji eduas ales Teakabamse queso sbgrapos da rib Kayapo, Ax designagbes que 0 wo tem cons o, Cada aa (ow trib) desig (ao dee 1946 ulm ano de imprecinn como de ete nim do sa de fads ou pelo seu ertnime (por empl, Kemapue ov Want) 04 p ang. Asim, ox Kar soos habitants de uma aldia de a Tingua, Lara, O Kaira designam se a mesos poe aca trina sil on de um puch cao i ch Taher reserva oxo Kbr pa se ceria wade asia trina anos, ea um gripe de pareneda nacido news ales ou sido d sim rccbidas, ape da sua ambigudade e do seu guano; € 0 segundo, Diauarum, situado em redor de um posto secundério, a cerca de 120 km a norte do Leonardo Villas Boas, compreende uma colec¢ao pouco homogénea de antigos ¢ recentes inimigos dos Xinguano. O grupo norte, com cerca de 600 pessoas, € constitufdo por uma aldeia Juriina, por uma aldeia Suyé, por wés ou quatro aldeias Kajabi e por duas aldeias Txukahamae, uma das dquais se encontra fora dos limites do PIN.X. Os Kajabi e os Txuka- hamie praticamente nunca mantiveram relagdes com os Xinguano, pois sio ambos recém-chegados a regio. Os Jurtina, actualmente reduzidos a cerca de 60 pessoas, foram encontrados no inicio do século XVII, na foz do Xingu, e escaparam, a0 longo do Xingu, a0 avango da civilizagao, fugindo as investidas dos jesuitas ¢ comba tendo, com dificuldade, os seringalistas. Na época de Von den Steinen, estavam na regido da cachoeira Von Martius: depois, at vessaram tempos dificcis, particularmente por causa das relages com os Kamayura, os Trumai ¢ os Suyé. E toda uma longa erénica de ataques surpresa, de represilias, de visitas cordiais, de tomada de prisioncitos muituos, em que esforgos amigaveis alternam erratica- mente com hostilidade aberta. Quanto aos Suyé, a simples evoc so do scu nome provocava, entre os Xinguano, ha escassos vinte anos, verdadero panico. Povo de lingua Jé (ver quadto 1), é recen- temente o que surge na regio. Cerca de 1830-1850, 0 grupo Suyé dividiu-se em dois; uma das partes desceu o Ronuro, estabelecen- do-se pouco a jusante do confluente Ronuro-Batovy-Kuluene; a outra permaneceu até 1970 na regiéo do rio Arinos localmente conhecida como Beico de Pau. «Pacificados» em 1970, os Beigos de Pau foram expostos por negligencia as doengas dos povos civiliza- dos, ¢ a minoria sobrevivente foi transportada para junto dos seus irmaos desavindos, no interior do PN.X. (1970-1971). Os Suya 46 * Pernice Mens arrasaram a maior parte das aldeias do Alto Xingu, roubando pecas de cerimica e criangas, capturando as mulheres. A tribo Waura, por ser especializada na olaria, era uma das suas adversiias preferi- das, Com o correr dos anos ¢ dos ataques, foram assimilando cle- ‘mentos da tecnologia e dos costumes dos Xinguano (a cerimica; a forma das casas da aldeia; alguns cantos € mesmo algumas ceri- ménias), embora a sua cultura se tenha mantido essencialmente do ) tipo Jé. Além das relagdes hostis com os Xinguano, os Suyé foram, A indubitavelmente, os principais responsiveis pelo desaparecimento dos Manitsawa (que habitavam junto de um afluente Oeste do 7 Xingu, a sul do confluente originétio), absorveram os sobreviventes da aldcia Yaruma e dificultaram em muito a vida aos Juruna. Nos liltimos trinta anos, contudo, a sua supremacia sofreu um abalo com a chegada dos grupos Txukahamae (0s «sem-arco», na lingua Junina), subgrupo Kayapo oriundo do Rio Fresco (afluente do Médio Xingu). Com maior mobilidade do que os Suy4, os Txukahamae forcaram a sua aproximacio aos Xinguano, expulsando-os da parte setentrional da sua zona de influéncia. Simultaneamente, as tribos do Alto Xingu, de represilias em contra-represilias, acabaram por se sobrepor aos Suyé, simplesmente gragas as suas dimensbes espe- cificas. © estabelecimento de contactos com a equipa de pacifica- sao dos Villas Boas (1960) pds termo 20 processo de exterminio dos Suyéi A tantas vezes confusa histéria das hostilidades incermi- tentes entre Xinguano, Jurtina e Suyé revela-nos apenas a capacida de adaptativa do sistema xinguano. De facto, as tribos do Alto Xingu conseguiram resistir com sucesso a outros grupos agressivos ‘e melhor preparados para a guerrilha, embora vulneriveis pelo seu isolamento, contando apenas com a inércia do ntimero de efectivos da massa desorganizada. As tribos do Alto Xingu nao dispoem de qualquer instituigao pancribal que consiga mobilizar combatentes; as redes de parentela e de amizade formal’, que se estendem para além dos limites do grupo local, sé excepcionalmente podem contribuir para a formagio de equipas de combatentes solidi. As primeiras observagées € os trabalhos recentes coincidem 20 afirmar que os Xinguano sio pouco dados a exaltagao das virtu- des ¢ ideologia bélicas, e se preocupam mais com as retiradas ¢ a protec¢éo do que com ataques e conquistas. Estas caracteristicas, naturalmente, foram reforcadas pela existéncia ‘de relagoes geral- mente pacificas (ver mais adiante) entre cribos xinguanas, con- trastando, apatentemente, com as incertezas das relagées hostis com os nao-xinguano. O facto dominante da politica externa do conjunto xinguano é pois a auséncia de politica de conjunto, assim como a superioridade shistérica» deste bloco desunido perante os seus diversos inimigos. A medida que as tribos atacan- tes, adoptando certas técnicas e certos Xinguano (no cativeiro), vo perdendo a mobilidade que as caracterizava, cornam-se cada vez mais susceptiveis de represilias, ¢ 0 desequilfbrio a seu desfavor acentua-se, Nas relagbes equivocas entre povos em luta e que ainda no sio aliados (através de casamentos reconhecidos), os Xingiia- nos, antigos mestres da estratégia da alianga, levam a melhor. E, portanto, a combinagéo da massa numérica territorial dos Xinguano e da sua prética institucional do jogo da troca que Ihe garante uma vantagem que a forga das armas nao teria podido garancit, * Aludimos aqui «uma importance insiugso do Alto Xingu (do Bras inden), qu nos tabalhosemogrfcos recente tem sie sitemaicamentenegliencada (vet, no extant LéveStaws, 1943), Tae daguilo a que a terminoloia ingle designs muiasvxes come oral iendchip, Entre este grupo norte, que actualmente se concentra & volta de Diauarum, e o grupo xinguano mais ao sul, vivia uma constela- io de tribos pouco conhecidas. A leste, as margens do Suyé-Missu edo Paranajuba, seu afluente principal, terao sido, aparentemente, povoadas por aldeias de filiagdo incerta. H. Meyer refere-se vaga- mente outra drea cultural (1897) ¢ Dyott, viajante apressado pouco preocupado pelo rigor, relata uma observagao dos Kalapélo segundo a qual as tribos do Leste do Kuluene se reuniam uma vex. por ano para celebrar uma ceriménia intertribal (Dyott, 1930, p. 130 segs.) Sabemos alguma coisa de uma destas tribos, os Yaruma, através das notas recolhidas por Meyer junto de indivi- duos Yaruma prisioneiros dos Kalapélo (in Krause, 1936). Com a ajuda de informantes Kalapilo e Suy4, pudemos reconstituir parte da hist6ria desta tribo de lingua caribe, essencialmente o seu fim, que ilustra bem a complexa dialéetica das relagies entre os Xinguano e os seus vizinhos e inimigos. Os Yaruma habitam no eurso médio do Suyé-Missu, guerreiam com os Suyé, a norte, € mantém relagdes ambiguas com os Kalapélo ¢ os Kuikuru, a oeste € ao sul. Segundo Carneiro (s.d., manuscrito), os Kuikuru terio morto quatro ou cinco Yaruma, por volta de 1924 € té-los-do comido; segundo os Kalapélo, entre eles havia prisioneiros Yaruma € na aldeia Yaruma viviam alguns Kalapélo. Entre os Kalapdlo € os Yaruma, portanto, existiam trocas de visita.) No decorrer de uma ddessas visitas, em que a maior parte dos homens Yaruma fora con vidada a dancar, todos eles, sem excep¢io, sio traigoeiramente mas- sacrados. Os Suyi recolheram entéo 0 resto da tribo — alguns velhos, mulheres ¢ criangas, cerca de trinta pessoas; actualmente, ‘5 seus descendentes so Suyé de pleno direito, e um deles ainda conhece dois cantos Yaruma. Além dos Yaruma, refere-se, por “49 vvezes, a presenca de grupos Xavante € Kayapo a leste do Alto Kuluene, ainda que aparentemente estes nunca tenham estabeleci- do quaisquer relagdes mais duradouras com os Xinguano, nem ‘mesmo relagées bélicas; as suas presencas constitufam simplesmen- te uma zona de inacessibilidade, A oeste do Batovy, nao seriam tio numerosos os inimigos, pelo menos até & chegada dos Txicéo. Os primeiros viajantes evocam outras tribos, de carécter mais mitico, ¢ ‘os Kamayura contam que fizeram aos Arupatsi (comprovadamente de lingua tupi), do Baixo Ronuro, © mesmo que 0s Kalapélo tinham feito aos Yaruma. Desde hé quarenta anos, porém, os Txicéo sio a preocupacio dominante ¢ uma ameaga constante nesta regido (infia, Cap. Il). Por iiltimo, © grupo mais ocidental dos Xavante instalou-se hd cerca de trinta anos na zona do Alto Batovy. Nao eve ainda ocasiio de inquietar os Xinguano, uma vez que foi neutralizado © conquistado espititualmente por uma missi0 norte-americana, precisamente a mesma que fracassara na sua ten- tativa junto dos Xinguano, © conjunto das tribos xinguanas manifesta uma unidade cul- tural clara, e uma vatiedade linguistica igualmente evidente. Actual- mente, em redor do posto Leonardo Villas Boas, falam-se pelo menos seis Iinguas diferentes (excluindo 0 Txicéo, de introdugéo recente e origem estrangeira). Os locutores destas linguas, que em certos casos apresentam variagdes dialectais, repartem-se por oito aldeias e um grupo familiar reduzido — os Trumaf ~, que vive junto do posto de assisténcia (vd. quadro 1),A situagio linguistica, porém, em nada se assemelha a uma torre de Babel, pois a taxa de multi- linguismo € elevada, as influéncias linguisticas sio miiltiplas e fre- quentemente complexas e, principalmente, a linguagem altamente formalizada das trocas é de ordem metalinguistica. © portugues, $0 + \Becnreiademert , Lingua dos contactos com os brasileiros, fornecendo muitos termos 36 raramence é utilizado entre interlocucores de tribos diferentes, € nunca é indispensivel (sobre estas questdes, ver Monod, 1970; Becker, 1973). Referindo um exemplo apenas, fomos testemunhas de um convite formal para uma ceriménia intertribal. © arauto, incapaz de se exprimir na lingua daqueles que convidava para a sua aldcia, apresenta-lhes no seu idioma um convite cantado que nin- guém foi capaz de perceber. Os convidados responderam da ‘mesma forma, também na sua lingua, ¢ o arauto entrega entdo a0 cchefe da aldcia uma simples corda com nés, um quipt® elementar, apenas para indicar a data da festa. Contrapor-se~d que os convida- dos poderiam ter recusado 0 convite; mas essa opgo nao esté pre- vista nas convengoes duma transacgio destas. A multiplicidade de cédigos linguisticos néo é mais do que um aspecto de um sistema gencralizado de comunicagio cm que os cédigos néo-lingulsticos partilhados por todos se sobrepdem claramente aos idiomas tribais. Ainda assim, ¢ inesperado o facto de a contracgio demogréfica que se verificou entre 1884 ¢ 1954 nao ter sido acompanhada de uma reducio linguistica proporcional. Veremos que € a prépria estrutu- ta do conjunto social que reforga os elementos de particularizagio 05 grupos locais. © declinio demogrifico do Alto Xingu suscitou um processo de concentragio geogrifica dos estabelecimentos humanos, acclera- do pelas recentes ameagas exteriores ¢ a pela politica indigenista de proteccio. Sobre a importincia numérica exacta da populagio do ‘Alto Xingu no fim do século XIX apenas podemos especular; no INA: Quip € um sistema de noc cdo tina por Incas conse em cord de Klien cores, disposes atadas de vias formas, Eu Nous nos Ovrees * ST entanto, é provavel que se concentrasse entre as 2500 © 4000 pes- soas.7 Entre 1948 © 1963, esta populagéo decresce para um mini- mo de 620-650 (Simées e Galvio, 1966), voltando a subir para cerca de 750 individuos, em 1972 (recenseamento da Escola Paulista de Medicina, in Barruzi, 1970; ¢ dados recolhidos pelo autor), excluindo deste célculo 0 grupo Txicéo. Verificou-se, pois, uma redugio na ordem dos 75 a 85% da populaco xinguana e, paralelamente, uma diminuigao comparivel do niimero dos grupos locais. Por volta de 1890, existiam entre 30 a 40 aldeias distintas (Von den Steinen, 1894; H. Meyer, 1900); nos anos de 1920, uma quinzena; hoje, sio oto, mais © grupo familiar Trumai. Cada um. dos grupos locais tende a manter, dentro de certos limites, o dom{- nio territorial de outrora. De facto, distinguiam-se quatro subgra- os nesta «provincia cultural», caracterizados pela preponderincia cde uinta eunia pela intensidade particular da rede de relagoes inter- nas. Cada subgrupo ter mantido relagoes privilegiadas entre os seus membros, a nivel matrimonial, econémico ¢ cerimonial, sem ‘que a existéncia destes lagos seja necessariamente resultado de uma otigem comum, De sul a norte: 1) O subconjunto Bakatti, siuuado nos cursos superiores do Batovy edo Kulisehu, hoje desaparecido, porque os scus iltimos sobre- viventes se juntaram, pouco depois de 1920, & nova aldeia do Alto Paranatinga, sob algada do posto indigena Simées Lopes (Noronha, 1952). Apesar da escassez dos dados sobre as suas * Von de Scien ema entre 2500 «3000 pesou (1894, p 200), mas provavlmene subavaia © mimeo de adi Caribe de Kuluene, que nio ter do oportnidade de vitae, Kaa Ranke, membro da expeisio H. Meyer, em 1896, que reensou 15 ada de ling et be ofrece uma etimatia muito superior ete or 3000 os 4000 abicnes Ranke, 1898). 52 + Pavmice Manoer relagdes com os outros Xinguano, as similaridades culturais observadas ¢ a existéncia de casamentos Bakairi-Nahukua Bakairi-Mehindku mostram, sem margem para diividas, que pertencem & entente xinguana. Os oito grupos locais recensea- dos por Von den Steinen falam todos a mesma lingua. 2) © subconjunto Caribe, ou seja, «Akuku» e «Yanumakapir, de acordo com a disting’o proposta por Meyer (1897). Trata-se de dois dialectos de uma mesma lingua, distinguindo-se pela acentuagio fonética ¢ entoagio da frase. Cerca de quinze gru- pos locais estavam situados ao longo do Kuluene (em ambas as margens) € no interflivio Kuluene-Kulischu. Hoje em dia existem trés aldeias, todas a menos de uma hora do Kuluene meio dia de viagem do posto de assistencia (ver fig. 1a). Apesar da filiagio caribe comum, a sua lingua e 0 Bakafri nfo sio mutuamente inteligiveis 3) Entre o Kulischu e o Batovy, ¢ nas duas margens do Batovy, con- finando com os dois grupos precedentes, encontrava-se um subconjunto predominantemente Arawak, que seria especiali- zado no fabrico de cerimica. Compreendia, além das «ribos Mehindku, Waura, Kutenabu, uma tribo de lingua Tupi, os Aweti, Cujo papel principal advinha da sua posigao intermédia entre as aldeias de Iingua Caribe e as aldeias de lingua Arawak. (Raldeia Aweti era um porto comercial privilegiado, particular- ‘mente para a troca das grandes bacias em ceramica necessérias para a preparagio culindria da mandioca, ¢ nela se costumavam realizar os «acontecimentos» intertribais (ceriménias, jogos desportivos, como 0 jogo de bola, ceriménia «da trocar...) Actualmente, os Waura ¢ os Mchindku continuam a fabricar cerimica, mas aproximaram-se da confluéncia Kulischu-Kuluene, Exe Nous vos Ovrnos * 53 enquanto os Aweti permanecem isolados ¢ sio 0 mais meridio nal dos grupos Xinguano, 4) O tikimo subconjunto, que linguisticamente é © menos homo- .géneo, compreende os Kamayura (Tupi), os Yawalapiti (Arawak) ¢ 0s Trumai (isolado), na parte inferior do interflivio Batovy- Kiulisehu, marcado pela presenga de varios lagos importantes. Os Kamayura mantiveram a sua preponderincia, pois os Yawalapiti ¢ os Trumat (imigrantes recentes na regio) envolve- ram-se com tribos hostis em muitas disputas, custosas em vidas humanas. Os Trumaf asseguraram durante muito tempo © monopélio de uma tecnologia ~ ou, pelo menos, do acesso a uma fonte de matétia-prima rara no Alto Xingu, a pedra para machados. Esta pedra era obtida no leito do Xingu, a algumas horas de canoa do triplo confluente: mas, entre 1850 e 1920, os ‘Truma‘ foram progressivamente expulsos da regio pelos Suya. Hoje, os Kamayura ainda cultivam as margens do mesmo lago, © os Yawalapiti regressaram ao seu antigo territétio (depois de terem desaparecido enquanto grupo local auténomo, entre 1940 ¢ 1950), onde em 1956 se instalou Posto de assiscéncia brasileira (Leonardo Villas Boas). Cada subconjunto, portanto, tinha um certo grau depoerén. cia, constituindo provavelmente uma zona privilegiada (mas nfo exclusiva) de intercasamentos, e distinguindo-se do subconjunto vizinho por uma especialidade econdmica ou, eventualmente, por tum cerimonialismo ¢ uma linguagem préprios. Os fenémenos his- téricos de. reuniso © de despovoamento, cujas causas evocmos, conduziram ao deslocamento da maior parte das aldeias. A ameaca externa que a politica agressiva dos Txicéo representara nos tiltimos 54 * Parton Mencer quarenta anos, ¢ a certeza de que a proximidade do posto brasileiro constituia um factor de seguranga, foram a causa das tiltimas migra- {goes (Nahukua, em 1948-1950; depois, Mehinsku, Yawalapiti e mesmo Aweti, temporariamente). Mantiveram-se, no entanto, as antigas disting6es linguisticas, econémicas e, em menor grau, ceri- Imoniais. Pode mesmo supor-se que a intensidade das relagées no interior de cada subgrupo foi gradualmente transferida para o nfvel do conjunto; mas esta suposi¢io exige uma reflexio_mais global sobre a nacureza do sistema social xinguano. Até 20 presente, a literatura etnogeéfica e etnolégica sobre 0 ‘Alto Xingu tem seguido duas grandes tendéncias’na interpretagao dlestas sociedades. Alguns limitam-se a afirmar que as semelhancas s, culturais e econémicas prevalecem, em grande medida, f a6 diferencas encre rrihos (on grupos locais), permitindo assim defi nnir uma «drea cultural» (ver especialmente Galvdo, 1949, 1953, 1960; Galvao ¢ Simées, 1967). O Alto Xingu ¢ a «drea do wluriv, nome do mintisculo triangulo de liber, adorno pibico obrigatério para as mulheres da regio. Este tipo de andlise procede & luz da experimentada técnica da escola difusionista norte-americana, esta- belecendo listas de tragos culturais cuja soma e configuragio totais desenham um conjunto singular, distinto de outras unidades vizi- nihas da mesma ordem. Outros investigadores partiram da hipétese de que o Alto Xingu constitufa uma sociedade ¢ recorreram a0 método do estudo monogeifico de um grupo local ou tribal (ver fm particular B. Quain, org. Murphy, 1955; Becker, 1970). A orien- tagao culcuralista dos primeiros nao permite aprender os mecanis- mos sociais constitutives do conjunto, uma vex que se limita a ‘Organiza catélogos de semelhangas ¢ diferencas, ignorando, por definicao, seu principio gerador; reduz-se por isso a uma especu- Eu Nox nar Ournos * 55, lagio para-histérica, ou a uma pseudo-hist6ria circunstancialmente baptizada chistéria cultural» para dar conta da constituigéo do sis- tema, Foi assim que, durante muito tempo, se tentou explicar as sociedades de metades pela hipotética sucessio de duas populagdes diferentes. A perspectiva sociolégica dos segundos levanta outro tipo de problemas. Afirmar o primado tedrico da totalidade social em relagéo aos seus componentes parece-nos corresponder & evi- déncia revelada pelo funcionamento destes grupos sociais, eviden- cia que também € assinalada pelos culturalistas. Jf 0 método monogrifico conduz a uma aporia. Nao é possivel afitmar por um lado que o sistema social xinguano é uma totalidade, constituindo, por outro lado, um grupo especifico como totalidade social. Devemos a Radcliffe-Brown e 4 escola inglesa em geral uma espécie de culto da monografia sincrénica. Quaisquer que tenham sido as excelentes razdes que possam ter tido Radcliffe-Brown © M: nowski para erguer como dever imperioso 0 método monogréfico, € certo que os resultados foram decepcionantes. Como afirma Louis Dumont (1964, p. 92), «as sociedades estudadas monografi- ‘camente, com um cuidado e uma precisio inigualiveis, acabam por ser apresentadas como conjuntos especificos nao compari ». E 0 paradoxo supremo de uma escola que levou aos pincaros © trabalho comparativo. No Alto Xingu, considerar um grupo local, seja este qual for, como representante adequado da toralidade social é de certa forma, pressupor a resposta do. problema. Bfectivamente, 0 método monogrifico privilegia, a maior parte das vvewes, de forma técita, os factores internos de solidariedade social, invertendo assim 0 primado tedrico da totalidade que se comegou por afirmar. E patente a contradigio entre uma totalidade pluriée- nica, multilingue e culturalmente compésita ¢ uma entidade social 56 * version Mencer monolingue, co-residente € consciente da sua unidade, entidade esta que descjariamos que representasse ou exprimisse numa escala Treduzida a totalidade que inclui. Retorquir-se-4 que determinadas inecessidades priticas — os famosos constrangimentos de terreno ~ “jmpoem ao investigador a escolha de um grupo local, que ¢ ilusé- fio pretender saber mais de uma lingua, em suma, que as vahtagens do cstudo intensivo superam em muito os riscos te6ricos detal ‘emprcendimento e que qualquer investigador consciente das parti- Teularidades do seu terreno local «cortiges as observagées e generali- “ragbes que faz. Estes argumentos tém, por certo, uma boa dose de tenticidade, mas o exemplo de Radcliffe-Brown ensina-nos que tas vezes € ficil cransformar constrangimentos empiticos em upostos tedricos ou, numa palavra, fazer da necessidade uma de, As investigagSes de inspiragio «sociolégica» sobre a socie- lade xinguana nao conseguiram, até 4 dara, superar a contradicio. Podemos entio perguntar se esta questio € superivel. A resposta de estudar o interior de um grupo local no terreno, mesmo que 8 de forma temporiria, sem que isso nos autorize a endeusar todas Insticuigées sociais a nivel local. Limirar-nos-emos aqui a esbogar ins elementos para a resolucao do problema: 1, As tribos do Alto Xingu constituem uma totalidade (uma "Seciedade)? Questao prévia, que deve ser colocada, apesar das evi- “Aéncias no sentido da premissa «holista». Empiricamente, verificé- Mos que se a densidade e qualidade particulares da interacgio Social levam a afirmar 0 postulado de uma sociedade global, os Poucos elementos histéricos conhecidos nao s40 de modo algum i aut Ouveee ag conclusivos. Trata-se, em suma, de uma opsio tedrica. Evocimos as dificuldades © © impasse getados pelo método monogrifico da escola britinica tradicional, ao qual se aplica, digamos assim, a lei dos rendimentos decrescentes. De igual modo, a oportunidade da posicéo «holista» dependerd, em ultima andlise, do conjunto de factos que permitir explicar. 2. Qual é 0 principio constitutivo desta toralidade? © nosso objectivo é revelar a estrutura (a prudéncia epistemoldgica aconse- Iharia, sem divida, a que faldssemos antes de «uma estrutura pos- sivel») deste sistema social total, e nao de especular sobre as «causaso que possam tet originado esta sociedadé xinguana. Seria initil reto- mar esta distingo, clissica, desde as Regras do Método Socioldgico (Durkheim, 1895), se a interpretagéo culturalista néo confundisse ‘causas antecedentes com fungées. Alguns autores sugeriram que a especializagao econdmica dos grupos locais (tribais) do Alto Xingu ra algo'de-firndamental. Estarfamos perante um sistema de troca ‘com uma légica econémica. FE um facto que cada grupo local fabri- cava ¢, frequentemente, continua a fabricar, determinado bem, pro- curado por outros grupos, seja porque estes outros grupos no tém. aacesso & matéria-prima indispensivel (pedra de machado, madeira para arcos, etc.), seja porque nao possuem a arte ¢ 0 oficio necessé- tis. No entanto, o factor territorial é claramente mais determinante do que'o factor tecnoldgico, porque 0 saber cientifico é partilhado por todos os grupos, € 0 savoir-faire pode facilmente ser ensinado (G, Dole, somando os resultados da sua pesquisa emnogréfica e de virias recolhas ¢ sondagens arqueoldgicas, encontrou bons motivos para afirmar que certos grupos de lingua catibe fabricavam, em tempos, a sua prépria cerimica. Cf. 1961/1962). Ora, as regras de 58 + Pernice Manca osse ¢ usufruto afectadas a um territério tribal ou local nfo pare- em excluir dos membros dos grupos locais ou tribais exteriores a se territério; deve garantir-se a permissio explicita do «proprieté- fio» (termo pouco adequado, que visa simplificar um situagio jurt- fica imbricada ¢ que tem sido muito pouco analisada) de um sitio ude um jazigo, mas esta permissio nunca € recusada. Em resumo, “ ta especializacéo diz respeito a bens que cada grupo rem meios ma fabricar, desde que tenha também os materiais necessérios: souber polir um machado de pedra rombo, seri capaz de os ricar com scixos, ¢ todos os utilizadores de machados tém que 0 ir, depois de usado, para o afiar. Trata-se, portanto, de um siste- de trocas econémicas que exprime esta toralidade cambista, sem que, no entanto, a institua. Se néo é econémica, a razio de set do sma tio pouco ¢ politica. Nao existe qualquer mecanismo insti- al de alianca politica\os diversos grupos locais nao esto uubordinados a uma auroridade superioy « «chefiar uma classe de \ saruto particular, sem autoridade politica e cujo prestigio & exerci- o principalmente no interior da aldeia. Neste sistema acéfalo, néo punitivas contra tribos vizinhas hostis que, nos casos em que nvolyem mais de uma aldeia, nfo sio mais do que reunies ocasio- de parentes e aliados, em que a solidariedade de interesses dura ‘apenas o tempo da aventura, ou ainda menos. (A uniformidade do sma de parentesco de todos estes grupos, em contrapartida, & Jmpressionante, e rem sido por diversas vezes assinalada: nido exis- “Tem grupos. de unifiliasio, o. principio cogndtico & generalizado, « Werifica-se 0 evitamento pronunciado de sogros e cunhados, em " todas as linguas as categorias de parentesco apresentam uma homo- " geneidade notsria, Estes tragos no chegam, ¢ certo, para dar conta Eu Nowe vos Ovrsos + 59 da natureza ¢ funcionamento do sistema xinguano; mas devemos realcar algumas particularidades deste sistema bilateral. O universo social xinguano exibe, com grande intensidade, as propriedades gerais dos sistemas cogndticos: 4) As categorias de parentesco nao geram grupos de parentes de forma biuntvoca. Isto ¢, os grupos efectivos s6 parcialmente sao determinados pela aplicagio da regra da filiaga0, porque so tam- bbém delimitados pela regra de residéncia e pelos acontecimentos do jogo faccional. Uma categoria social designa, conforme o contexto, um grupo de extensio variéve. b) Os grupos de parentela, centrados em ego, nao sio delimitados (bounded); 0 grau de proximidade social (e nio sé genealégica) € mais pertinente do que as oposigies discretas entre grupos. Em contextos sociais distintos, um mesmo grupo de pessoas tanto poderao ser aliados como consanguineos (ver, por exem- plo; abo andlise du wero vsomo feita por Becker, 1970b). Esta flexibilidade do sistema cognético teanscende, por exem- plo, as distingdes de «nacionalidade» (neste caso, grupos locais ou «tribais»). ©) A composigao dos grupos efectivos de parentes é varidvel histori- camente. Para compreender a estrutura das relagbes no interior de um grupo num dado momento, devem ser tidos em conta 08 alinhamentos (divisGes, fuses) entre facgbes. A histéria dos grupos locais ¢ tribais no Alto Xingu, tal como a conhecemos, revela flutuagées importantes. Foi j4 demonstrado, de forma convincente (Carneiro, 1956; 1961).que as deslocagoes de aldeias podiam ser devidas a causas puramente ecoldgicas, 4) Tal sistema social dificilmente é compativel com «estruturas ele- ‘mentares» de troca matrimonial, As razdes sio bem conhecidas 60 + Parnex Mawerr (Lévi-Strauss, 1969, p. 105), mas subsiste o problema geral da funglo ¢ do lugar das prescrigdes matrimoniais (caso existam) nos sistemas bilacerais. O tiltimo ponto merece a nossa atengao, uma vez que no Alto gu existe, por um lado, uma prescrigéo matrimonial (prima cru- bilateral) c, por outro, uma bipartigio do universo categorial relagbes sociais em duas secg6es (ver Needham, 1960a; 1964). E um facto que esta prescrigio matrimonial & como que sobredetermi- da por um grande mimero de preferéncias negativas e positivas, quais resulta que um noivo raramente seja 0 tipo de parente sprimo cruzado patri- ou matrlateral. Este facto € secundatio, uma ez que(a prescricio visa uma categoria de parente, endo um tipo ehealégico,/Na pritica social, a terminologia do tipo «fusio bifurea- (bifurcate merging) permive distinguir os filhos de germanos de “sexo oposto do dos pais (wios» e wtias») e filhos de pais asics os, ainda que a nomenclacura dos primos tenha alguma complexi- de pela qual nao avangaremos por agora. Os casamentos fazem-se, “portanto, com filhos de «tos etias»,€ nunca com irméos germanos; sem que nesta medida, o sistema com duas secgdes & operat “estas seoges tenham que se materializar em classes matrimoniais. Mfirmaremos aqui que esta oposicao entre ucruzados» ¢ «paralelos» € operador estrutural fundamental do sistema xinguano, que a opo- Siggo consanguincos-aliados Ihe é subordinada e que, nesta socieda- de, tem uma funcio simultancamente conceptual e sociolégica. A © titulo de exemplof, a andlise das duas principais ceriménias intertti- © kuarup (Fanerais secundérios e comemoracéo dos mortos do *Va 007. Rie Nansiais Cav ied ~ 160 ano) ¢ 0 jawari (celebragéo de mortos de estatuto elevado, realiza-se depois da primeira) — permite afirmar que, no kuarup, toda a sequéncia cerimonial se organiza de acordo com o principio do anta- gonismo entre coveires ¢ parentes enlutados, e que os primeiros se encontram, com os segundos, na relagéo de «primo-cruzado»$ e no jawari, 0s parceitos do duelo de dardo (com propulsor), momento supremo dbo ritual, s40 escolhidos exclusivamente dentro de «primos

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