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Essência

Poética

Florbela Ribeiro
#
Dedilho as letras
Dedilho com o negrume das letras
O sentimento que me vai na alma
Desfolho pétala por pétala
As flores de rosmaninho
Que se disseminam no peito
São a essência natural
Recolhida de madrugada
Por entre as pedras
Duma calçada marcada
Por um rude destino

Florbela Ribeiro

#
Compasso no passo
Há um compasso no passo
Que aguarda outro passo
A sequência imediata
No equilíbrio latente
Quer do corpo
Quer da mente.
Mas entre o passo dado
E o passo a dar
Há um compasso,
E uma espera
Um destino a venerar
Florbela Ribeiro

#
13 de Janeiro de 1992
Era a manhã fria e nebulosa,
Do segundo dia da semana.
Do minúsculo quarto hospitalar
Saía um contorcido gemido que,
Com a fronte afundada no travesseiro
Tentava abafar.
Estás a portar-te bem,
Disse-me a parteira com ternura
Mas o tempo passava e tu não surgias.
A agonia que me acompanhava de véspera
Não me dava tréguas.
É preciso acelerar se não desfalece
Disse a doutora por fim
Não reagi.
Não me encontrava ali.
Diante do Pai buscava o auxílio
Que chegou com a melodia balsâmica do teu choro.
O presente de Deus chegara por fim.
E foi nesse momento que,
Com o olhar transbordante de gratidão
E amor te doei o meu primeiro sorriso.

Florbela Ribeiro

#
A voz do poeta
Exprime
Imprime
Ilustra
Recalcitra
Exemplifica
Jamais explica
Jamais responde
Não deve fazê-lo.

Florbela Ribeiro

#
Abriste-me a porta da vida
Abriste-me a porta da vida
E sacaste-me
De uma encruzilhada
Indefinida
Onde me aquietei.
Esperava-te
Pacientemente
Porque sabia,
Sem saber
Que Tu estavas
Para lá da entrada,
Onde creio que
Inconscientemente
Te aguardei.

Florbela Ribeiro

#
FERIMENTOS PARTILHADOS
Por que o coração do homem
Pode ser casa de maldade?
Pelas extensas barras de ferro
Segue a dureza de uma morte
Cega
Que se diz justiça
Na viagem há um inocente
Que dorme no seio de uma mãe despedaçada
Pobre menino, sonha que é feliz
Inocente menino de um país
Mortificado

Florbela Ribeiro

#
Salmo 23
Porque o Senhor é o meu Pastor, de nada sinto falta.
Ele me conduz
aos seus campos verdes de descanso, o meu sorriso
se vê no espelho plácido das suas águas.
A minha alma se conforta, e por sua graça
me conduz pelas veredas da justiça.
Nada recearei, ainda que sobre mim
se abatam densas trevas,
a tua presença e o teu auxílio me consolam
Entre mim e meus inimigos, a mesa
da abundância, abrigo diante da cara fechada
dos adversários, sobre mim derramas o teu perfume
como ave de muitas cores
Bandeiras de misericórdia e perdão
hão-de escoltar a minha existência,
sempre Contigo.

Florbela Ribeiro
(com a colaboração de JTP)

#
Nas entre linhas
Escrevo claro, por entre as linhas,
nas entrelinhas.

Escrevo pública e secretamente.

Registo em folhas brancas de papel,


a ânsia e a dor,
que sobrevoa a alma deste povo
aventureiro e lutador.

Mas dos sentimentos


que me povoam a mente,
não escrevo.
Omito-os discretamente.

Florbela Ribeiro

#
Socalcos da memória
Foram-se os anos
e o vigor da juventude.
As encostas transportam as marcas
que o tempo cavou.
Por entre vincos e socalcos,
surge um lampejar enevoado.
Cerram-se as portas atrás das sebes.
Tenta-se olvidar a ausência de quem parte,
sem chorar de abandono.
Abrem-se as janelas da memória,
entram as alegrias de outrora,
e a solidão relê, uma e outra vez, a mesma história.

Florbela Ribeiro

#
No encalço de um sonho
Percorro a essência da vida
Como quem percorre uma estrada,
Um caminho,
Ou uma calçada,
Toda ladeada de flores de rosmaninho.

Danço como as folhas


Sopradas pelo vento.

Dou largas à imaginação,


E ao pensamento.

Viajo nas asas de um sonho


Pleno de realidade
E vou-me daqui,
Para perto de Ti.

Florbela Ribeiro

#
Refúgio
Menina que tens o olhar
distante do chão,
o que vês lá em cima?
O que te desperta tamanha atenção?
É uma ave de rapina que passa,
uma andorinha,
uma garça,
ou um avião?
Ou será que vês no alto
um refúgio oculto
para escapar deste mundo sem graça,
carcereiro das mentes,
e dos sonhos,
vendedores de ilusões?
Se é isso menina segue,
segue então com o olhar
distante do chão.
Mas segue sempre
porque essa é
a direcção!

Florbela Ribeiro

#
O viajante
A natureza é
divinamente
despojada da
sua veste real.
Ouvem-se no silêncio
os ecos esvoaçantes
que as pinceladas
definidas pela estação
conseguem acobertar.
E o viajante passa,
e repassa
carregando sem graça
a desgraça,
a desilusão,
e a dor
por não querer
erguer o olhar
preso ao chão.

Florbela Ribeiro

#
Sustentável Amor
Renascida sou das
cinzas da tribulação.
Desci ás profundezas
dos vales desertos,
mergulhei nos mares
revoltos da ansiedade
e banhei-me na
lagoa da incerteza.
A angústia astuta
cirandava divertida
ao de redor da
minha alma abatida.
Tranquei de imediato
portas e janelas
e lancei-me livremente
nos braços do firmamento
nas asas de um sonho
com nuvens de esperança
e estrelas de contentamento.
Regressei por fim
despojada de mim
renovada pelo fogo da dor,
e restaurada pelas mãos
do Amor que me sustenta
e devolve a paz!

Florbela Ribeiro

#
Reflexo ausente
Vivo e passeio
Por entre espelhos
Miro-me neles
E não me revejo
Busco traços
Busco sombras
Ou silhuetas
Mas nada encontro
Por fim desperto
E reparo que há muito
Me fui daqui

Florbela Ribeiro
#
Rua da Ausência
Os olhares desprovidos
De afectos e compaixão
Vagueiam perdidos
Por entre a multidão.
A fragrância da vida
Passou a habitar
Na Rua da Ausência
Paralela á Travessa
Da Saudade, dentro
De um coração vazio.
Dizem as pedras
Vizinhas em surdina
Que o amor partiu
sem avisar, dizem
que ele se foi
para lado nenhum
E ninguém mais
O poderá achar
Mas não terão sido
Esses olhares perdidos
Que de tão endurecidos
O expulsaram daqui?

Florbela Ribeiro

#
Partidas…
Enquanto o sol se
despedia da areia,
sua grande amiga,
e abandonava
à beira-mar
as traquinices
daquela que fora
uma tarde de brincadeira
o vento aproximou-se.
Chegou determinado
a sacudir de forma
discreta e suavemente
o meu manto de memórias
bordado com fios de prata
que eu distraidamente
lavei com a brisa fresca
perfumada pela maresia.

Florbela Ribeiro

#
Alma azul
Refresco a minha alma
No silêncio calmo
Do entardecer perfumado
E enfeito-a com
Pinceladas de azul
E andorinhas de papel.
Enquanto Tu
Que do alto me miras
E olhas por mim,
Vens e restauras
Suavemente
Aquela doce paz
Que por breves instantes
Me abandonou.

Florbela Ribeiro

#
Indagar
Não estou presente
Nem ausente
Apenas quieta
Para indagar a voz
Que ecoa por entre
Os silêncios.
E assim perceber
Claramente
O que Ele
Pretende de mim

Florbela Ribeiro

#
AMOR DE PAI
O amor de pai é visível:
na mão calejada,
na camisa suada,
no corre-corre constante
do dia-a-dia agitado
na entrega da vida
e na doação…
O amor de pai é visível:
nos joelhos dobrados
em reverente oração,
e nos braços abertos
repletos de afecto,
de amor e perdão.
O amor de pai é sentido:
no olhar de ternura
no colo protector
e no coração emoldurado
pela voz tranquila
de um imenso amor.

Florbela Ribeiro

#
Percebi
que sinto a falta, de mim mesma.
É um sentimento estranho de se sentir, mas é verdade...
Apercebo-me desta falta,
sou honesta comigo.
Mas… dizer a verdade é simples.
O difícil é fazer algo para reverter a situação.
Somos responsáveis pelo que fazemos,
pelo que não fazemos
e por tudo aquilo que impedimos que se faça...
Olho á minha volta, e vejo a minha vida estagnada.
Tal qual uma sobrevivente á deriva, eu espero por algum sinal
no horizonte.
Uma embarcação que me resgate e conduza noutra direcção.
Seja como for, o meu tempo está a esgotar-se.
O Ano Novo está prestes a chegar….
E a sua aproximação traz todo o tipo de expectativas
possíveis e inimagináveis…
é inevitável.
Mas cabe-me a mim, a ninguém mais, mergulhar nesse mar
com vagas imprevisíveis e começar a nadar na direcção certa.
Nadar em busca de um porto seguro... e não de uma miragem.
Nadar em busca de mim mesma, da minha essência.
E... esteja eu onde estiver,
Eu sei que vou encontrar-TE...

Florbela Ribeiro

#
Mar revolto
Há um mar revolto de dúvidas
que me invadem.
Ondas gigantes onde a incerteza,
o medo e a ansiedade habitam.
Faço projectos para um amanhã
que não sei se virá.
Luto por sonhos impossíveis,
objectivos inatingíveis…
Saberei eu definir o quero?
Sim!
Só não sei como o atingir.
E é neste balanço da vida
constante e agonizante
que permaneço.
Dói-me o desgaste físico
muito mais o da alma.
Inicia-se um novo dia.
Permaneço aqui, em silêncio,
Escuto a canção do mar,
e respiro a sua fragrância
apenas com o olhar.
Sabes que sou mais pequena
que um grão de areia,
mais transparente
que a gota de orvalho,
e mais frágil que o cristal.
Mas é em ti Senhor,
que busco refúgio, força e paz
a cada novo amanhecer
na procura de respostas
que o amanhã, quem sabe trará!

Florbela Ribeiro

#
ALÉM-DOR
Os meus olhos magoados
Lêem no teu silêncio
A dor do inevitável.
Sofro por ambos
Ambos sofremos.
Ah mas porque dói
Tanto o amor?
Reconheço, não estou só
Deus fortalece-me
Mas ainda assim
Sinto-me frágil.

Florbela Ribeiro

#
Coração ausente
Disparaste nos gestos
as palavras que o teu
olhar não silenciou.
Destruíste-me a esperança,
aniquilaste-me os sonhos
amarrando-me no medo
dos teus silêncios.
Meu coração amargurado
envolto em lamentos
partiu, e tu nem vês

Florbela Ribeiro

#
Passos em volta da solidão
Caminhas sobre a solidão
Marcando o compasso
Triste de uma melodia
Que soa dos teus lábios
Como uma leve carícia.
Das tuas mãos o gesto do amor
Suaviza no rosto os sinais
Profundos de dores vividas
Em paralelo a sonhos perdidos
Selados com passos vazios
Pelas veredas de uma estrada
Repleta de ilusões

Florbela Ribeiro

#
Genuíno Amor
Lanças-me no olhar a ternura
Do genuíno amor
E da boca favos de mel
Em forma de poesia
Mas no aconchego do teu abraço
Invade-me a nostalgia

Florbela Ribeiro

#
Amar
é doar-me viva em vida
renunciando ao mundo.
Amar
é encarar o olhar indiferente
que me estilhaça a alma
Amar
é banhar-me sorrindo na chuva
salgada que teima em cair.
Amar
é esperar com fé o raiar de um
novo dia que tarda surgir.

Florbela Ribeiro

#
Perante mim
Destemidamente mirei-me
No espelho um sorriso
Passou no meu rosto
Despertava
Encarei de frente o futuro
Renovei-me nos conceitos Divinos
Todos repletos de excelsos valores
Vasculhei minhas gavetas do passado
E perfumei-as de novo.

Florbela Ribeiro

#
O silêncio que dói
Mergulho no silêncio da alma
Até às profundezas do coração
Busco respostas para o
Sofrimento que me fere
As entranhas por dentro
As palavras que o vento levou
Deixaram-me seca, vazia…
E as duvidas e as incertezas
Desaguaram na mente ferida
Mas… o silêncio que me dói
Também me ajuda a ouvir
Melhor a voz de Deus…

Florbela Ribeiro

#
Meu coração soluça
Meu coração soluça, não bate
É um solitário caminhante
Que em compassos de dor
Procura no amor a inocência
Enxuga seu pranto
Num lenço molhado.
Viajante sofrido
Num trajecto falhado
Por alguém traçado
Com sonhos perdidos segue
Sorrindo, levando no peito
O coração magoado.

Florbela Ribeiro

#
Soltei a voz do coração…
É difícil reinventar ideais
E reverter expectativas…
Soltei a voz do coração
Fiz do amor uma canção
Mas não ouvi o eco
Sentimentos perdidos
Silenciaram o meu canto
Criei castelos em sonhos
Em promessas acreditei
Mas o tempo passou
E dos sonhos fiquei refém
Fui sonhadora, ingénua
Deixei-me enganar?
Talvez… Não sei…
Mas o vazio ficou
E nada mais será como antes

Florbela Ribeiro

#
AO TEU CORAÇÃO INTACTO
Para a minha Mãe

Mãe…Das janelas da tua alma


Vejo o azul do mar imenso
Onde marés vivas de mágoas
Das traições sofridas
A praia vão alagar…
Mas tens repleto de amor
O teu coração intacto
Sem rancor, sem azedume…
Tens sabedoria no trato
E nos gestos tens perfume

Florbela Ribeiro

#
Pássaro sem voo
Podias voar mas tens medo
Vives oprimido sem liberdade
No refúgio do teu ninho
Ecoa o teu canto solitário
Porque não te atiras
No ar, com o voo passarinho
O que temes afinal?
O frio, o vento, o sol
Erguendo o calor
Temes o homem pardal?
O medo não te pode magoar
Nem o azul entre as nuvens
O que observas do mundo ao redor
Tem que dar ânsias de voar
Às tuas asas
Toma o teu voo passarinho.
(…)
Florbela Ribeiro

#
Cantar de Amigo com um abraço
Entro pela porta frontal
Sorriso nos lábios
Olhar cintilante
Meu coração a pulsar
Trago novas, novas trago
Para quem as quiser escutar
Se a luz do vosso semblante
Desejais de novo espalhar
Abram com ousadia
As janelas do vosso ser
Para em vós, Cristo morar
E depois das novas dadas
Com modéstia me retiro
Um abraço até amanhã.

Florbela Ribeiro

#
Mãos
Mãos
Aveludadas
Acariciam
Cuidam
Mãos no extremo
De um abraço
Mãos que exprimem
No gesto, no trato
A doçura do amor
Somente as Tuas
Me seguram
Protegem
E sustentam
Sou
Moldada em Tuas mãos.

Florbela Ribeiro

#
Um dia destes vou voar…
Nas asas do vento voar
Vou planar como uma águia
Na brisa suave da manhã…
Abrirei os olhos para a Natureza
Voarei e sentirei os olhos livres…
Observarei o Mar imenso
em contraste com o azul do Céu
sentirei do Sol, calor.
Uma saudação aos arbustos verdejantes, do alto…
Verei flores de mil tamanhos e cores…
Sorverei doces fragrâncias
Subirei ao monte mais alto
E lá em cima, no topo
Descansarei…
A contemplar tão majestosa criação…
E ao meu Senhor exprimirei
O quão grata Lhe sou por existir!

Florbela Ribeiro

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