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67. . Idem, ibidem. 69. 70. 2 Luizzetto, Flavio. “Cult educacaa i ‘i ultura © educagao libertdria no Brasil no inicio do século XX’’ in Educagio e Sociedade. Sdo Paulo, Cor. tez, 4(12):63, set. 1982. Hardman, Francisco F. Nem pétria, nem patréo — vida operitia ¢ cultura anarquista no Brasil. Sdo Paulo, Brasiliense, 1982, p.7: Idem. p.73. Bene Ghiraldelli, Paulo. Educagio © movimento operério, Sao Paulo, Cortez, 1987, p.134. pee i Trecho citado no trabalho de Flévio Luizzeto jd citado anterior. mente, p.40. a “ CEE REPENSANDO A NOCAO DE TEMPO HISTORICO NO ENSINO Elza Nadai Circe Maria Fernandes Bittencourt “(..) mas ele gosta, principalmente, daquilo que no se pode pe- gar € que, no entanto, existe: 0 tempo. Fala muito no tempo, diz ‘muita tolice a respeito do tempo. Nunca existe mais tempo do que aquele que vai do nascer ao por do sol ¢, no entanto, isto nunca & suficiente para o Papalagui.”” Comentério de Tuidvi, chefe da tribo tiavéa, nos mares do sul. ‘A nogéo de tempo, para quem se dedica a ensinar histéria nas es- colas de 12 ¢ 2° graus, é wma das questées mais complexas e proble- miticas. ‘As diversas propostas curriculares do ensino de histéria de vérias secretarias da educasdo apresentam o problema da nogio de tempo com énfase, indicando por este tema a articulacao com a concepgo de histéria que se pretende veicular nas escolas. Tem sido consenso, a nf- vel das propostas curriculares, como em encontros de professores de histéria realizados pelas diversas instituicdes educacionais ¢ cientificas, de que a preocupacéo do historiador ou do professor relaciona-se com © “esforgo em compreender nosso universo social pelas suas forgas de mudanga e resisténcia & mudanca, suas rupturas e suas continuidades””). © cotidiano escolar demonstra, entretanto, uma “resisténcia” as “mudancas” de parcela considersvel de docentes, sobretudo os de his- t6ria, que enfrenta junto aos alunos ¢ A prépria comunidade escolar um desprestigio frente as disciplinas de cardter “‘cientifico”. Repensar a histéria como disciplina escolar requer dos professores um momento de B reflexio que envolve consideragées que vao além dos contetidos, me- todologias de ensino e recursos didéticos. Trata-se de refletir sobre a existéncia da disciplina histérica e seu sentido politico e social. Dai a concepgio da nogdo de tempo tomar-se fundamental. E possivel, para um aluno de 1° 2? graus, a compreensio do tempo hist6rico? A faixa ctéria € determinante neste proceso? Tem sido comum encontrarmos afirmagées de professores bem ‘como na propria literatura educacional, quanto a inviabilidade de se ensinar histéria nos anos iniciais do 12 grau, dada a impossibilidade do aluno, nesta fase, compreender a complexa e abstrata nogdo de tempo. Estas posturas indicam que s6 seria possivel estudar hist6ria nos anos finais do 1° grau (7? e 8's séries) ou apenas nos cursos de 2° grau, quando o aluno teria atingido amadurecimento suficiente para constmuir a nogao de tempo, ou seja, a partir do estigio das operagées intelectuais abstratas?. Esses pressupostos tém servido, em parte, como fundamentos para © estabelecimento de curriculos que nortearam o ensino de hist6ria, nos uiltimos anos®, para as séries iniciais do ensino fundamental. O estudo da hist6ria néo tem sido explicitado tradicionalmente nos programas de integragio social; criou-se um estudo introdutério do social, baseado nos circulos concéntricos pelo qual as criangas estudam 0 tempo 0 es- aco mais préximos (a escola, a familia, o bairro, a cidade), seguindo- se para o estado e finalmente para a naco. Permeando esta seqiéncia dos estudos sociais, os contatos com 0 passado da nagdo se faz pelas figuras herdicas, pelos eventos histéricos das festas cfvicas. Os herdis nacionais sio apresentados, de maneira geral, isolados do contexto hist6rico em que viveram, dos movimentos de que participaram. A imprecisio do momento em que ocorre a aco dos personagens € um dado significativo para a reflexdo desse cardter “atemporal” com que so revestidos. A transmissio da idéia dem passado separado do viver social articula-se com o sentido de um tia- po imutével, dogmético, porque impossibilita questionamentos sobre 0 sentido heréico da ago. © contetido curricular inicial ampliado a partir das séries termi- nais do 12 grau, seguindo-se o mesmo principio enunciado ~ do mais préximo ao mais distante — no que se refere ao espaco € nio exata- ‘mente quanto 20 tempo. 14 Esta breve reflexao sobre a nocdo de tempo contida nas propostas curriculares oficiais ainda presentes na pritica escolar, serve apenas para indicar que hé 0 predominio de uma concepgao de histéria como disciplina possivel a partir da adolescéncia, constituindo-se o saber hist6rico, nos anos iniciais da escolaridade, como meramente introduté- rios e sem vinculagdo com as séries seqienciais que constitufam o anti- 80 gindsio. A formulacdo curricular associada & nocdo de tempo consi- dera que alunos de 7 a 11 anos, no estégio das operagées intelectuais concretas, nao estio em condigées de uma aprendizagem do conheci- mento histérico. HA um ponto, entretanto, que € preciso frisar: ao se transmitir a idéia de nagio, da ago dos heréis na construgao dos eventos, hé impli- citamente nesse contetido uma concepcdo de histéria e portanto de tempo. Cabe ao professor explicitar e indagar qual nogo de tempo tem sido (ou sera) objeto do trabalho na sala de aula, & medida que se su- poe, a nivel teérico, ser a histéria a disciplina encarregada de situar 0 aluno diante das permanéncias e das rupturas das sociedades e de sua atuagio enquanto agente histérico. Quando 0 professor informa a respeito do domfnio que seus alu- nos tém sobre a nogo de tempo, refere-se fundamentalmente & apren- dizagem relativa 4 cronologia’. As nogdes de ano, década, século milénio do calendério cristo, ou seja, a contagem do tempo de maneira uniforme, regular e sucessiva é, em geral, referenciada como sendo a nogio de tempo histérico. H4, portanto, uma tendéncia acentuada em se identificar 0 tempo cronolégico como a tinica nocao de tempo histérico. Hé ainda entre os professores, a preocupago quanto a periodiza- ‘sao, a relacio presente-passado, sendo comum obter respostas de alu- nos, quando indagados sobre a definicao de histéria, de que esta é “‘a ciéncia que estuda o pasado para compreender o presente © preparat tum futuro melhor”. Definigdes iguais ou semelhantes esto contidas nos manuais, didéticos que, em sua maioria, possuem um capitulo intro- dutério o qual define a historia, estabelecendo a relacdo temporal pre- sente-passado ¢ informa sobre o tempo cronolégico ¢ as divisées da historia. Estes conceitos acabam, entretanto, diluindo-se no decorrer do curso, sem articulagdo concreta com 0 contetido transmitido, ocorrendo na prética em geral e, para os alunos em particular, que ensinar histéria 15 6, em principio, € quase exclusivamente, comunicar um conhecimento factual do passado. ‘A complexidade em examinar este tema encontra-se também no fato de que a prética docente tem expressado, via de regra, a incorpo- ragdo de um referencial eclético e por vezes contraditério da leitura critica que se £82 sobre 0 positivismo e sua concepgio de tempo linear, uniforme e evolutivo. Isto se verifica notadamente na produco didéti- ca, principal alicerce da atuac3o do professor. Igual destino encontrou a critica realizada pelos historiadores dos “Annales”, em especial Braudel, com relacdo & histéria politica com “seu tempo curto - 0 acontecimento breve”, resultado da inclusio dos “ritmos”, segundo a concepgio braudeliana de tempo, tem sido, em varios trabalhos didaticos, incoe- rente, misturando-se conceitos como feudalismo e colonialismo, intro- duzindo-se a conjuntura econémica em determinados capitulos e pre- valecendo em outros, na mesma obra, 0 arcabougo da curta duracio, onde predomina exclusivamente © politico. Esta situacéo pode ser exemplificada com o estudo do Império brasileiro, geralmente dividido em Primeiro Reinado, Regéncia, Segundo Império e Proclamagio da Repdblica, mesmo para autores que se propéem a trabalhar, por exem- plo, com conjuntura econémica ou com modos de produgao. © esbogo apresentado sobre alguns dos problemas do ensino da nogio de tempo nas escolas tem sido o inicio de uma série de indaga- ges sobre as possibilidades de uma acdo mais concreta modificar o que comumente tem sido denominado de “histéria tradicional”, O pre- sente trabalho é parte das reflexdes feitas junto aos alunos de prética de ensino da Faculdade de Educacéo e pretende abrir discussées no senti- do de se rever a concepcao de tempo que se desenvolve no cotidiano escolar, no momento em que se constréi novos curriculos para a escola de I2¢ 22 graus. A ORGANIZACAO DA PESQUISA SOBRE A NOCAO DE TEMPO O trabalho realizado no curso de prética de ensino de historia na FEUSP, ao levantar, com os alunos estagifrios, os problemas que en- 6 volver a nogdo de tempo, no ambito escolar, tinha como preocupacao ir além das constatagGes das deficiéncias do chamado “ensino tradicio- nal”. Importava (e importa) envolver os alunos na busca de solugées alternativas para superar a situacZo vigente. Mas tem sido uma constante em nosso trabalho, situar uma outra questo que envolve a formulacao de “‘solugdes alternativas”. Refere- se A necessidade de desenvolver, junto aos futuros professores, refle- x0es sobre as possibilidades de superar, a nivel pedagégico, parte do empirismo que fundamenta as novas priticas de ensino de histéria, acarretando equfvocos considerdveis. Significa, assim, envolvermo-nos com 0 desenvolvimento de pesquisas na area de ensino de histéria, na luta por ampliar as possibilidades de trabalho do professor. Preocupa-nos, portanto, no trabalho de formacao de professores, além de proporcionar contato com a realidade escolar, momento em que se constata toda uma série de problemas educacionais que evidente- mente ultrapassam as questdes pedagégicas do ensino, encaminhar dis- cusses no sentido de aprofundar a reflexao tedrica do conhecimento histérico e associé-lo as-pesquisas educacionais. A pratica do professor deve contar com elementos de pesquisa também do, proprio campo do trabalho, ou seja, da hist6ria enquanto disciplina escolar porque como ‘afirma Furet “a hist6ria, para existir como disciplina escolar, teve de sofrer varias mutagées, de modo a constituir um campo do saber a0 mesmo tempo intelectualmertte auténomo, socialmente necessério € tecnicamente ensindvel”®. No primeiro semestre de 1986, realizamos, com os alunos de pré- tica de ensino, uma experiéncia de trabalho em que se buscava a alian- a dos dois momentos considerados: o conhecimento sobre a nogéo de tempo histérico e uma pesquisa educacional no estdgio realizado em escolas de 1? ¢ 2° graus. Os alunos estagisrios de histéria, apds a ob- setvacao inicial junto aos professores da classe, registro e discussdes em sala de aula, passaram a problematizar as questées que envolvem a nogdo de tempo. As informagées iniciais obtidas pelos estagidrios e descritas na introdugéo deste trabalho possibilitaram os critérios de selego das lei- turas, iniciando por Piaget. As discusses se fizeram em torno da exis- téncia de “um tempo operatério que consiste em relagdes de sucesso € de duragio, fundadas em operagdes andlogas as operacées l6gicas” e 1 ainda do fato de “o préprio tempo operatério poder ser qualitativo ou métrico’’?. Trabalhar, portanto, com o tempo cronolégico é construir 0 tempo operatério métrico, inerente para se formar a nogéo de tempo, mas no exclusivo para se construir a nogdo de tempo histérico. Nesta fase das discussdes indagava-se se as dificuldades dos alu- nos na compreenso do tempo cronolégico nao esto portanto identifi- cadas com as das formulagGes matemticas e fisicas. Dentro desta pers- pectiva, por que nao se questiona o nfvel de abstragao da matemstica ensinada aos alunos a partir das séries iniciais do 12 grau? A nogio de tempo histérico constitui nivel de abstragao mais complexo ou a difi- culdade maior encontra-se exatamente na formulagdo do tempo opera- trio ou seja da medida do tempo? Seguiram-se os textos de Braudel, de Chesnaux e de Le Gof. A leitura desses autores indicava possibilidade de se construir outros refe- renciais para a compreensio do tempo. Ao se propor, por exemplo, 0 estudo do cotidiano, como se coloca a noglo de tempo histérico? Como superar 0 acontecimento breve, as curtas duragdes contidas no cotidia- no? Como construir a nogo de totalidade histérica, como expresses de infinitos niveis ¢ ritmos diferenciados? Indagava-se ainda como estabelecer a relacdo do presente-passa- do enfatizada por Chesnaux ¢ a problematizacdo como suporte do co- nhecimento histérico. A problematizacdo em si indicaria os contetidos e a periodizagao a serem trabalhados com os alunos? AAs discussGes realizadas, se por um lado indicavam encaminha- mentos a nivel tedrico, por outro colocavam novas indagacGes que se referiam ao aluno, ou seja, quais as possibilidades concretas dos alunos para a compreenso do tempo histérico. Um primeiro passo a ser dado no sentido de se propor uma outra relagdo do aluno com o tempo e 0 cespaco, seria a de nos informarmos sobre como o aluno pensa o tempo. ‘As diferengas scio-econémicas interferem fundamentalmente nesse conhecimento? Alunos com experiéncias de trabalho, migrates, pensam diferentemente a nogdo de tempo? A idade cronol6gica é a tii aa interferir? Como a escola tem contribufdo para ampliar esta nogo? Iniciamos, entio, a segunda fase do trabalho do curso de prética de ensino. Os estagiérios cuidariam de realizar um levantamento junto as classes em que, em principio, faziam seus registros e observagées, acompanhando 0 trabalho do professor. 8 Pela impossibilidade de se trabalhar com todos os alunos das es- colas onde se realizavam os estdgios supervisionados, optou-se por obter uma amostra com alunos de 5% séries, de diferentes condigées sécio-econémicas e de classes terminais do 1° grau (8? séries) e do 2° grau (32° séries). Houve também um levantamento com alunos de 42 sé- Tie, o que nos levou a propor a incluso de uma série do curso do Ma- gistério de 2° grau?. Tratava-se de estudar um grupo de alunos bastante heterogéneo, dificultando a escolha de um texto tinico para leitura e aplicacao de questionério. A diversidade da populagéo pesquisada nos indicou a leitura de imagem, decidindo-se por duas gravuras relacionadas a0 te- ma trabalho. A opcao por um questionério baseado em leitura de ima- gens trouxe novos problemas referentes & maneira de se proceder frente a documento de signos nao escritos. A escolha das ilustragdes foi difi- cil, além de se procurar reproduzi-las com 0 méximo de elaboragio técnica para que permanecessem todos os detalhes possiveis para todos 8 alunos igualmente (ver anexo 1). © questionério produzido teve uma primeira parte referente aos dados gerais sobre os alunos e a segunda parte tratou da leitura das duas gravuras (anexo 2). O resultado das tabulagées iniciais mostrou uma série de dificuldades para andlise, uma vez que envolvia dados qualitativos ¢ a leitura de imagens fotogréficas requeria um tratamento diferenciado, conforme indica 0 texto de Miriam Moreira Leite: “Em todos 08 casos (da Sociologia, como da Antropologia e da Histéria) 0 emprego da fotografia como recurso de pesquisa vai sd estabelecer ao nfvel da descricao e da narrativa de aspectos vi- sualizéveis. Como a descrico € feita em termos de alguns para- metros ou linhas que determinam a ordem e a estrutura do con- tetido, fornecendo um comentério analitico dos fatos sociais con- tidos, ela © a fotografia séo fases iniciais e parciais do processo de pesquisa, © proceso de conhecimento que vai gerar € uma questio de meios de comunicagéo, ou seja, de sistemas de signos ou simbo- los que transmitem significado do testemunho ao leitor, ou da fo- tografia aos Srgaos visuais do pesquisador, criando textos inter- medidrios orais/verbais, seja das diferentes personagens fotogra- fadas ou contemporineas a fotografia, seja dos grupos descritos, ow ainda do pesquisador. A fotografia deixa entio de ser uma descrigdo, para ser uma narrativa interrompida, imobilizada num quadro tinico"!0, 19 Houve ainda uma série de varidveis para a andlise dos questiond- rios, indicando possibilidades de intimeros estudos comparativos: a 4 série e os alunos do curso do Magistério, a 5? série e as classes termi- nais da 3* série do 22 grau ou com a 8? série, alunos do noturno com experiéncia de trabalho e alunos do diumo em cursos regulares, entre outros. Para o presente trabalho, optamos pela andlise das 5*s séries, con- sideradas das mais complexas pela maioria dos educadores e que cor- responde, em principio, ao inicio dos “estudos sistematizados de histé- tia” © j& sob a responsabilidade de docentes formados em curso espe- cializado superior. ANOCAO DE TEMPO NAS 5"* SERIES Foram escolhidas duas escolas para a andlise das 58 séries, em quatro classes, num total de 104 alunos. O critério de selegao se fez baseando-se nas condicées sociais econémicas ¢ culturais diferentes dos alunos em que se pudesse verificar experiéncias de vida contras- tantes, incluindo-se alunos do curso noturno. A deciséo recaiu sobre os alunos da Escola de Aplicagdo da USP que funciona na Cidade Uni- versitéria ¢ na E.E.P.G, “Octalles Marcondes Ferreira” no bairro do ‘Campo Limpo, zona sul da cidade de Sao Paulo. Os questionérios foram aplicados em duas séries da Escola de Aplicagéo, sendo que os alunos nio apresentam diferencas fundamen- tais entre si, freqiientando 0 perfodo da manha. Na escola Octalles, foi escolhida ao acaso uma 5* série do perfodo da tarde e uma do periodo noturno. O quadro a seguir caracteriza a populacdo pesquisada, A Ieitura das respostas da primeira parte do questionério demons- trou que muitos alunos do Octalles néo responderam a todas as per- ‘guntas, notadamente quanto as informagGes sobre os pais, a0 contrério dos alunos da Escola de Aplicagao. Deixar sem respostas foi para nés também considerado como ponto importante a ser destacado. Respostas em branco podem sugerir falta de informagio sobre o que se solicita, ‘mas pode também ser uma recusa sobre as razées da informagio, pelo preconceito social inculcado relativo A concepgio de familia e de tra- balho predominante na nossa sociedade. 80 QUADRO A TT Escola de Aplicagao | E.E.P.G. Octalles M. Ferreiral Cd Total: 53 Total: 51 Periodo Matutino Diurno (36) | Noturno (15) 10 3 " 8 10 12 " 16 Idade 13 3 8 dos 14 2 1 7 Alunos 18 1 1 16 4 7 1 18 1 Alunos que trabaiham 1 5 3 Local de Nascimento ‘Sao Paulo (Capital) 50 20 6 ‘So Paulo {interior) a 1 1 Outros Estados 1 13 5 Estrangeiros 2 - - Escolaridade dos Pais 1° Grau 4% 92% 92% 2 Grau 80% 1% 1% (Os dados oferecidos no quadro anterior, em que pese as conside- ragées acima que podem ser respons4veis por possiveis “invengdes” nas respostas dos alunos, indicam-nos algumas quest6es. Acompanhan- do a idade dos alunos, percebe-se uma diferenca importante a ser con- siderada: a da escolaridade regular € como esta afeta 0 aprendizado. Neste sentido ¢ importante a comparacéo entre os grupos de alunos si- tuados na faixa etéria “correta” entre 10 ¢ 12 anos para as 5 séries (81%) e as “excegdes” dos 14 aos 16 (14%) para os alunos do curso notumo. O mimero de alunos no curso notumo que trabaiham — apenas 81 trés - poderia indicar que parte desses alunos sio os repetentes exclui- dos do perfodo da tarde, em busca de trabalhos ou que ja vivem de prestacdo de servigo esporddico. Assim, mesmo considerando as dife- Tengas s6cio-econémicas entre os alunos do perfodo diumo das duas escolas, 0 ponto de maior confronto encontra-se entre o grupo de alu- nos do diumo e os do perfodo notuno!!. Estes dados iniciais relacionam-se com as respostas da segunda parte do questionério, evidentemente, mas so dificeis de detectar pelo tipo de pesquisa realizado, ou seja, o aluno deveria fomecer informa- Ges da leitura da imagem e responder as questées, fato este que envol- ve outra Jeitura, a do texto e o dominio da escrita. Percebemos, por exemplo, que seria interessante obter respostas apenas orais dos alunos € comparar posteriormente com esta fase escrita, mas tendo em vista as limitagées do trabalho, pudemos, com maior cuidado, analisar as res- postas dos alunos, partindo dos pressupostos que fundamentaram as questdes a serem respondidas diante das suas gravuras. ‘A questio referente & nogéo de tempo cronolégico (questio 13) foi respondida com maior niimero de acerto pelos alunos da Escola de Aplicagdo: 41 fizeram a leitura correta, enquanto do Octalles apenas 1 aluno respondeu acertadamente, sendo que a maioria deixou a questo em branco (80%). O resultado demonstra que a faixa etéria nao é 0 im- pedimento maior da aprendizagem sobre a localizagao do tempo, im- portando, porém, fundamentalmente, o trabalho da escola, ‘As questées 7 e 8 que retomam a nocio de localizaco dos perso- hagens no tempo e que nao requerem o conhecimento de algarismos arébicos ¢ de século, tiveram uma porcentagem maior de acertos pelos alunos do Octalles, tanto do diurno quanto do curso noturno. Verifica- se que os alunos tém a nogéo da medida do tempo localizando os fatos com critérios corretos, faltando introduzir os signos utilizados pela lin- guagem erudita o que néo serd assimilado com apenas uma aula de hist6ria dada no inicio do ano letivo, quando o livro didético introduz 0 tema, Piaget afirmou que o tempo constitui com 0 espago um todo in- dissocidvel e este dado serviu para a elaboracao da questo n? 5. Em- bora a gravura de Debret reproduzisse uma cena de venda de garapa na cidade, a maioria dos alunos associou cana e moenda com a érea nu- rall2, A indtistria metalirgica foi localizada pela totalidade dos alunos 82 na cidade, demonstrando que eles estabelecem a relagéo industrializa- gio e urbanizacio. Nas questdes 9 10, dois alunos do Octalles do pe- riodo diumo associaram espaco e tempo para justificarem a resposta. Um deles escreveu “quando meus pais eram jovens moravam no campo e 14 ndo existia esse trabalho”. Na questio 14 houve também seis alu- nos que justificaram a impossibilidade dos personagens das duas gravu- ras se conhecerem “por viverem em espacos diferentes”. ‘As questées 1 e 2 ocasionaram 0 que Miriam Moreira Leite afir- mara. O pedido feito para que descrevessem a cena, transformou-se pa- ra alguns alunos em narrativa, reforcando a idéia de John Berger a0 afirmar que “‘nunca olhamos apenas uma coisa, estamos sempre olhan- do para as relagdes entre as coisas € nés mesmos”!3, Na descricéo da figura 2, todos os alunos identificaram 0 trabalho como sendo de es- cravos. Para os alunos das duas escolas a atencfo maior concentrou-se nas méquinas e no processo tecnolégico. Entretanto, cinco alunos do Cctalles, do periodo diurno, ao descreverem o trabalho dos escravos, relacionaram a escravidio a sofrimentos € injusticas, afirmando que embora os negros trabalhassem, eram castigados, nao recebiam salé- rios, “‘sofriam muito”. Para a maioria dos alunos, ‘“o tempo da escravi- dao” exigia um trabalho mais exaustivo, e destacaram que o perfodo da “escravidio” foi anterior ao da “industrializagio”, mesmo quando consideraram 0 trabalho com a moenda como um processo de indus- trializagéo. A anterioridade € determinada pela utilizagéo ou néo da “forca humana” e alunos filhos de migrantes das zonas rurais lembra- ram a permanéncia do “trabalho duro” da “roca”, semelhante, portan- to, ao dos escravos, ‘As respostas A questio 3 indicam com varios elementos como os alunos percebem as mudangas e permanéncias. Os alunos da Escola de Aplicacdo tiveram maior facilidade em responder sobre as diferencas semelhangas, sendo que dos 51 alunos do Octalles, 19 deixaram em branco ou escreveram “ndo sei”. As dificuldades maiores dos alunos do periodo da tarde do Octalles situaram-se na questio das semelhan- as, com uma porcentagem maior de respostas em branco. As mudangas verificadas ocorreram quanto ao trabalho, para ambas as escolas, desta- cando-se as diferencas quanto ao uso da forga humana, escravos ¢ ope- rarios, trabalho escravo x trabalho livre, trabalho manual ¢ trabalho com méquinas. Poucos colocaram as diferencas apenas nos aspectos 83 tecnolégicos sem que destacassem a figura humana. As permanéncias observadas referiram-se as necessidades do homem quanto ao trabalho, Os ritmos e nfveis braudelianos que englobam a nogdo de duragéo — as longas duragdes em seus ritmos lentos e a curta duracdo — ritmos répidos dos acontecimentos, foram a preocupagao da questo mimero 4, pedindo-se aos alunos que dessem um titulo para cada gravura, Embora em outras respostas aparecessem informagGes sobre as concepgées dos alunos quanto & durago, os titulos foram importantes como fonte de andlise desse problema, A Escola de Aplicacio, tendo em média alunos na faixa etéria de 10 a 12 anos, revelou que poucos alunos se prenderam ao tempo curto da aco da gravura, tendendo para uma concepcio do acontecimento de conjuntura, conforme indicam vé- rios titulos. Para a gravura 1, vejamos alguns exemplos: — Homem evoluindo cada vez mais — A tecnologia avangada ~ A industrializagao — Ohomem e a tecnologia ~ Idade Contempordnea A gravura 2 sugeriu uma relagéo maior com “‘o tempo antigo”, como Antigamente e Idade Média e em niimero maior surgiram titulos como - A escraviddo, Os escravos, A escravatura. O tempo evolutivo aparece também junto aos alunos da EEPG como As evolucées da md- quina e dos homens para a figura 1 e para a figura 2 Os escravos que choram de dor. Para os alunos de faixa etéria semelhante aos do Colé- gio de Aplicaco, foi significativo 0 ntimero de titulos identificando a ago com um tempo mais longo, perdurando-se um sistema de trabalho, notadamente na figura 2, com a criagao de titulos predominantes como escravidio ou escravos com uma conotagéo da injustiga: O trabalho escravo ofendido. Quanto aos nfveis de duragdo ou a simultaneidade de fatos politi- cos, econdmicos, sociais e culturais, a questio 12 possui a intengio de perceber esta nogdo junto aos alunos. Esta questio, que depende de maior nimero de informagGes, no caso politicas e mesmo de histéria, mostrou que 0s alunos com escolaridade mais constante e regular além da origem social conseguiram resultados quase semelhantes aos demai Percentualmente, os alunos do notumo conseguiram resultados mais corretos quanto a figura 1 que associaram, majoritariamente, com 0 84 golpe de 64 ¢ com a campanha das Diretas-jé (resposta de 10 alunos). As demais relac6es foram semelhantes para os demais casos, demons- trando ainda que as 5% séries do periodo da tarde das duas escolas, as- sociaram a figura 1 & fundacdo de Sao Paulo, evidenciando que rela- cionaram com o espago onde provavelmente ocorreu 0 acontecimento E. Aplicago ~ 16 alunos e Octalles ~ 14 alunos). Um outro aspecto que procuramos avaliar foi o atual papel da es- cola enquanto instituicdo encarregada de veicular uma cultura hist6rica € quais seriam os limites dessa atuacao frente as informacées divulga- das pelos demais meios de comunicagio de massa. Os dados obtidos pelas respostas do quesito 11 estio demonstrados no Quadro B. (Os meios de comunicacao de massa, especialmente a televisao € 0 cinema, sao importantes instrumentos de ensino da hist6ria pelo que se deduz do predominio da TV (novela e filmes) como fonte de conheci- mento sobre a escravidio. A escola, mesmo com a utilizagio de livros didéticos repletos de ilustragGes, aparece en segundo lugar. Entretanto, na Escola de Aplicagao, onde se supe maior contato com acervos di- diticos, além de facilidades de estudo oferecidas pelas familias dos alunos, constatou-se que a producao didética é um veiculo significativo para a aquisi¢ao do conhecimento dos alunos. CONCLUSOES Um aspecto fundamental que se obtém da leitura do levantamento realizado & que 0 tempo histérico ensinado nas escolas ndo se limita a0 cronolégico, & localizagao nos séculos e & periodizacao. O professor, mesmo sem uma reflexao sistemética e mais cuidadosa, desenvolve na escola uma determinada nogdo de tempo cualitativo, Predomina, nessa transmissdo, o tempo linear e evolutivo, segundo os dados apresentados pelos alunos das 5® séries e a escola nao é a tinica responsdvel por esta transmissio de valor ou seja 0 mito dos avangos tecnolégicos. Esta percepgio, embora predominante no grupo de alunos referido, nao é, entretanto, homogénea e apresenta contradi¢des face ao tema exposto. O problema do racismo, implicitamente denunciado nas respostas de varios alunos, demonstra a impossibilidade da técnica solucionar questdes desse alcance. 85 QUADRO B Escola de aa Octalles Diumo Noturno |Grav.t| Grav.2 Grav.1|Grav.2|Grav.1|Grav.2iTotall Televisdo (novelas, 7/4] ] 8] 3 | 6 |as filmes, propaganda) Livros didéticos a{/s5s]-|2]1]2] Revistas jornais 2f2]/1]/e2]-|-]7 Sala de aula (slides) -[-]fartay-] - ‘Ao vivo 2}-;a}]a4]-]4 A nogio de tempo cronolégico, segundo se verificou, tem possi- bilidades reais de ser transmitida a alunos com 10 11 anos, como ocorreu na Escola de Aplicacao. Resulta que esta informagio deve ser acrescida de sua relatividade histérica, distinguindo que o tempo cro- nolégico, a contagem do tempo, é um acontecimento hist6rico, ou seja, ¢ fruto de uma determinada cultura. O valor do tempo na cultura atual mede-se pela produtividade e otimizacao do trabalho — tempo é dinhei- ro ~ € esta construcao de nogdo de tempo cronolégica deve ser mostra- da aos alunos. Nao basta destacar que existiram outros calendérios em outras culturas. Importa localizar 0 aluno no seu tempo e espaco, ctiando condigdes de reflexo sobre a criagdo histérica desse mesmo tempo e espaco!4, A pesquisa realizada 6 limitada quanto as varidveis com que tra- balhou, mas reforga a convicgao das possibilidades do ensino de hist6- ria a partir das séries iniciais do 12 grau. Os alunos percebem as dura- ¢6es, a simultaneidade, a sucesso, assim como as permanéncias e mu- dangas, independentemente de saber, com exatidio, a localizacdo nos séculos. 86 © trabalho apresentado, produzido em conjunto com os alunos de graduacao de pratica de ensino, nfo cuidou em realizar uma pesquisa sistematizada, com resultados inovadores, mas pretendeu empreender duas tarefas: de um lado possibilitar aos futuros professores uma ini- ciagdo & pesquisa educacional, mostrando a necessidade de dominar es- sa Grea de conhecimento para avangar nas experiéncias em sala de aula € de outro abrir a discussio sobre 0 ensino da nogdo de tempo histéri- Co, nogéo esta inerente a0 nosso trabalho. Notas 1. Segal, André. ‘‘Pour une didactique de la durée’’. in Moniot, Henry (org.) Enseigneur Vhistoire des manuels a la mémoire. Ber- ne, Peter Long, Editions, 1984, p.94. 2. Of. Piaget, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro, Fo- rense Universitéria, 1973. 3. Ver, por exemplo, Subsidios para implementagéo do Guia Curri- cular de Estudos Sociais para o 1° grau. Estado de Sao Paulo, SEICENP, 1980. 4. No curso de pritica de ensino de histéria na FEUSP, no estégio realizado pelos alunos de histéria, foram feitas algumas entrevis- tas com professores sobre 0 problema referente d nogdo de tempo € as respostas sempre se remediam ao conhecimento ou néo do aluno sobre século, geragéo, a.C.e d.C. 5. Cf. Braudel, Fernand. Hist6ria ¢ Ciencias Sociais. Lisboa, Edito- Tial Presenca ,s.d. 6. Furet, Francois. A oficina da Hist6ria. Lisboa, Gradiva, s.d., p.134. 7. Piaget, Jean. A nogéo de tempo na crianga. Rio de Janeiro, Edi- tora Record, $.d., p.12. 8. Os alunos discutiram varios textos da obra jd citada de Braudel, de Chesnau, Jean. Hacemos tabla rasa del pasado? México, Siglo XXI, 1977, (cap. 5 e 8); Le Goff, Jacques. A hist6ria do quotidia- no. Duby, George e outros. Hist6ria e Nova Hist6ria, Lisboa, Ed. Teorema, 1986. 9. Foram selecionadas no total, quatro 5# séries, duas 8%, wma 3? série do 2? grau, duas 28 séries do 22 grau (curso do Magistério) € wna 4 série do 1? grau de diferentes escolas piblicas da rede estadual e wna escola municipal de Sao Paulo. 10. Leite, Miriam Moreira L. “'A imagem através das palavras"" in Ciéncia e Cultura, Sao Paulo, SBPC, 38(9): 83-95, set. 1986. 87 nu. 2. 43. i, 88 ase en eeinela ecaeenae rae om, problema da idade cronolégica dos alunos. Como os alunos da ertencam ana fiz era seme- thante, a diferenca predominante primeira momento Ea dsois Crome areata oes mee ein on F inert door ge a somes ndo apresentavam qual- encontravam:se na obra Tapia Ghee haste ao Brasil. Belo Horizonte, Ed. lta- Males Sb Paulo, EDUSE: 1978. p.272 ¢ 275 ~ quando Jean De- bret, 0 autor, especifica as Ee trecho de Berger estd na obra i citada de Miriam Moreira ay mares do sul. Rio de Janeiro, Marco Zero, s.di, p50. ANEXO 2 EACULDADE De EDUCAGAO DA UNIVERSIDADEDE shO PAULO DEPARTAMENTO DEME! ‘DO ENSINO E EDUCAGADCOMPARADA Bei de Ein iin Ses Frat Bis Nada

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