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sBcCAO I A RELATIVIDADE E A EFICACIA PERANTE TERCEIROS §26° A RELATIVIDADE ESTRUTURAL 108. Acepsdes de relatividade I. As obrigag6es mais habituais derivam de acordos livremente cele- brados. Compreende-se, a essa luz. © como uin dado apodictico, que elas apenas possam vincular as pessoas que as tenham conclutdo. Ulpiano con- sagrou essa ideia numa méxima célebre!'66: alte stipular nemo potest. Pela evidéncia, nem haveria muito a explicar. A regra fei acolhida no artigo 1119.° do Cédigo Napoledo!!®, constando, por exemplo, do artigo 406."/2, do Cédigo Vaz Serra: ‘Em relaglo a terceiros,o contrato 86 produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na Ii Havia que passar, dos contratos, &s obrigagSes em geral. E af tor- now-se decisiva a contraposigo com 0s direitos reais: na 16gica romana, a obligatio nfo era rlativa, assim como a actio in rem também no era abso~ Auta, IL. A contraposigao entre os direitos de crédito e os direitos reais € moderna, ainda que tenha rafzes no Direito comum e, mais longe, no ‘08 45,138.17; em portugues: ninguém pode estipular para outem, 108 On ne peut, en général, s'engager, ni stipuler en son propre nom, que pow soi-méne. 1190, Ratr MicHAELs, HKK-BGB, I (2007), prot. § 241, Ne. 44 (48). 348 Caractertatcas das obrigagbes Direito romano!!9!, Parecia natural, assim se mantendo em autores como Savigny, que reportam os direitos reais 20 dominio (da vontade) sobre uma coisa ¢ os créditos a um dominio parcial do devedor!!82, No desenvolvi- mento pandectistico, 0 predominio das concepgées cléssicas de direitos reais levou a acentuar a mediaco, como caracteristica das obrigagoes. A passagem 8s concepgdes modemnas que, no direito real, viam um poder absoluto, erga omnes ou adversus omnes, projectaram, nas obrigagdes, uma caracterfstica inversa: a da relatividade. A relatividade das obrigagées era implicitamente afirmada desde ‘Savigny: com o sentido de implicar uma relagdo jurfdica entre duas pes- ‘soas determinadas!!®, relacdo essa que nao era apontada em direitos reais. Enquanto construgto dogmatica, a relatividade ficou a dever-se & tentativa de implantac2o, nos reais, da técnica da relagSo jurfdica!!%, “Aquando da preparacao do BGB, essa orientacio ficou consignada: 0 proprio livro I intitula-se “Direito das relagdes obrigacionais”, por oposi- 0 a0 livro Il, “Direito das coisas"95, IIL. Hoje, preceitos como 0 § 241, I, do BGB ou o artigo 397°, do Cédigo Vaz Serra, logo ao iniciar a matéria das obrigagées, deixam claro que, pelo respectivo vinculo, 0 devedor esté adstrito, a prestagao, perante © credor!t96. E isso por contraposigao 0s direitos reais que, podendo fazer-se valer contra todos, teriam a caracteristica de absolutidade!!®”, 191 Comte, Ewopaisches Privatrech cit, 1, 271s. 1u92 Saviony, Obligationenreckt eit 1,5, 10 passim. 119% Jounaet Abn SEUFTERT, Praktaches PundeKienrecht I, 42 ed (1867). 1 1194 Waeoscusb/Kire, Pandekvenrech cit I,§ 38 (166-167) € § 145 (720), jefe. Fidos. NBS ExwaRD StOcKER, Dinglicheit und Absoluheit / Eine Untersuchung mit ‘besondererBertcsichigung der Kritk am Enovurf des Burgerlichen Gesetebuchs (1965), 23 38, 32.8. passim. 1196 Kaaveer, no Minchener Kommentar cit,2, 7 ed. Inte. Nr. 15 (10) considera ‘que © BGB apenas contém indicios de “relatividade”, 20 contritio do Cdigo Napoleso que, no artigo 1165", dspte: Les conventions n'ont effet qu'entre Jes parties contractantes; elle ne nisent point au terse elles ne lui profitent que dans le cae prévu par l'article 1121 Este prectto ta como ojécitado artigo 1119:° do mesmo Céigo NapoleSo, acaba, pprém, por ser mais um indfio: repora-se a contratose no As obrigag Ses. Kant LaRexz/Maweneo WoLr, Allgemeiner Teil des Birgerlichen Rechts,9° ed, (2004), 250 ss. 259. $26. A relaividade estratural 9 Podemos prosseguir, aprofundando essa ideia: —no direito de crédito, haveria uma verdadeira relagao juridica entre ‘duas pessoas determinadas: 0 credor ¢ 0 devedor; pelo contrério, no direito real, surgiria ou uma “relagdo” de aproveitamento da coisa ‘ou uma “relagao” universal: em qualquer das leituras, seria abso- Ito; no direito de crédito, o credor esté legitimado, pelo Direito, para cexigir 0 cumprimento a0 devedor e apenas a0 devedor!'96; pelo contrério, em dzeitos reais, o titular pode obter a restituigéo da coisa de qualquer terceiro (1311.°/1), assim como, também de qual- ‘quer terceito, pode exigir o respeito pela sua propria posic&o; — no direito de crédito, apenas o devedor pode faltar 20 cumprimento incorrendo, quendo o faga, em responsabilidade obrigacional (798.° e 85.); nos direitos reais, qualquer pessoa pode atingir a coisa, sujeitando-se, quando isso suceda, a responsabilidade aqui- Tiana (483° ss_)!"99, IV.A partida, a matéria parece clara, logica e justa. A clivagem exis- tente entre 0s direitos de crédito € os direitos reais pode adequadamente ser figurada como a reletividade dos primeiros ¢ a absolutidade dos segun- dos. E certo que a con:raposigao alicergou-se na concepsio moderna de ™, a responsabilidade pelo governo da casa: quem o tenha deve asse- urar-se que, dal, nfo resultam danos; 0 pai de familia responde pelos danos causados pela mulher ou pelo filho maior, atingidos ‘por doenga psiquidtrical°!, 1296 OLG Jena 22-Jul-1997, VersR 1998, 903-505 (504) (0 propriettio deve asse- ‘purar-se de que o colaborador tem experincia para a tarefe de que € incumbido) © OLG ‘Koln 23-Jun-1997, VersR 1998, 252-254 (a empresa de transports pdblicos deve assegu- arse da compettncia do condutor) 1297 LG Flensburg 16-Jun.-1966, VersR 1966, 1091, relativamente a um cemitéri, 1298 OLG Celle 29-Abr-1992, VersR 1993,725-T26 (726) (responssbiidade deli- tual no kmbito do free) 1299 A matéria€ construida como um dover delitual de cuidado, a cargo do produ- tor; vide Jonannes Hacex, no Staudinger, I, §§ 823-825 cit. § §23,F 2 (614-615). 100 Jost PistzcKeR, Rechtsprechungsberickt zur Stoatshaftung, ABR 2007, 393-472 (416 ss).A Lein’ 6712007, de 3 de Dezembio, relativa&responsabilidade civil ‘extracontratual do Estado e demaisentidades piblics, contém vitios preceitos que podem ser analisados a essa lz. BOI RG 23-Nov. 1908, RGZ. 70 (1909), 48-55 (S1) (a muther) ¢ RG 31-Jan-1918, OZ 92 (1918), 125-128 (127) (¢ 0 filho, deficentes mena 316 Caracerstcas das obrigag bes TV. 0 contesido dos deveres do tréfego € multifacetado, dependendo do caso concreto. Assim, temos como exemplos!302: = deveres de aviso € de proibigdo de acesso ao local do perigo; — deveres de instrugao das pessoas sujeitas @ fonte do perigo; — deveres de controlo do perigo, tomando medidas fisicas para a sua confinagao; ~ deveres de escolha citeriosa de colaboradores e de organizagio; ~ deveres de formagio profissional; = deveres de avisar € pedir auxflio, em tempo til, as autoridades piblicas competentes; ~ deveres de assisténcia e de cuidado reportados a pessoas: nfo ser- vir vinho a um convidado excitével, que reaja agressivamente 20 ‘Alcool; no convidar, em simulténeo, pessoas que estejam travadas de razdes; évitar levar um activista descontrolado a uma acgo de protesto, quando seja de esperar incidentes; néo entregar uma arma de fogo a um apaixonado ciumento, ete. V. A doutrina dos deveres do tréfego integra-se perfeitamente ma 6gica da responsabilidade aquiliana do Cédigo Vaz Serral%3. A inexis- {encia, na nossa literatura, de reconstrugdes globais da matéria das obriga- g6es © a propria fraqueza da nossa doutrina sobre responsabilidade ci tém atrasado 0 aproveitamento dogmético desta matéria!2, Veremos até onde se poderd avancar. No que agora releva: néo é possfvel afirmar uma (mera) tutela aqui- liana erga omnes dos direitos absolutos quando, afinal, merc8 dos deveres 4o téfego, eles disper, também, de uma tutela “relativa”. Tais deveres constituem-se em relacZo a condutas concretas, que podem ter natureza “relativa”. Assim, nfo se pode, em abstracto, afirmar o tipo de protecsio dispensada a um direito absoluto, designadamente: a um direito real ou a uum direito de personalidade. Depende de muitas circunstincias. Tanto basta para que se possa falar numa “tutela relativa dos direitos absolutos”. 4992 CamusTan YON Ban, Verkelrspfichien eft, 83-100. 1303 Vide Averunas VanELA, anctagio a STJ 28-Mar-1980, (OctAvio Dias Ga- (14), RLY 114 (1981), 40-41 e 72-79 (77) ¢ 0 noss0 Da boa fé cit, 835-836. "20+ Todavia e com todo © mévtg: MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Contrato ¢ deve- res de proveegdo (1994), 162s. Teoria da confianpa cit, 233 § 28. A relatividade na responsabilidad civit an 116. Tatela absoluta dos direitos relativos I. Encontréimos, ao Jongo do deseavolvimento anterior, vérias abor- dagens relativas & tutela dos créditos perante terceiros. Foi sublinhada a especial clivagem entre 08 Direitos anglo-sax6nico ¢ 0 francés, por um, lado e 0 Direito alemao, por outro, com 0 Direito italiano a passar deste. segundo sector para 0 primeiro: 0s Diteitos anglo-sax6nico e o francés, assentes em concepgdes genéricas da responsabilidade aquiliana, acolhem, nesta, os direitos de crédito; o Direito alemao, portador de “pequenas cléu- sulas” de responsabilidade civil, ndo ten, para tanto, margem suficiente, recorrendo a outras técnicas. Pela importincia que teve na prepara¢ao do Cédigo:Vaz Serra e na exegese subsequente, dedicaremos adiante, ao Direito alemao, um pequeno desenvolvimento. IL, Coloquemos agora a questo em termos materiais: 0s direitos de crédito podem ser atingidos por terceios e, sendo-o, contemporizars 0 Direito moderno com tal eventualidade? Enguanto vinculo abstracto, a obrigagéo néo pode ser atingida por terceiros: € uma pura criago do espirito. Apenas 0 devedor poder, aquando do cumprimento, no o levar a cabo. Sé que a obrigagao no é— ‘04 pode ndo ser ~ apenas uma criago do espitito. Por vezes, ela exigiré suportes materiais (p.ex.,0 miisico tem de dispor do seu saxofone; se Iho partirem ou Iho furtarem & entrada do espectéculo, ele nfo poderd tocar), condig6es ambientais(p. ex.,o actor nlc poderé actuar se houver um batu- que ou uma algazarra no local da representaco) e agentes humanos (p-ex.,0 futebolista vitima de um acidente de viacdo nao iré jogar). Quem atingir esses elementos circundantes estaré, automaticamente, a impedir 0 credor de alcangar as vantagens que a Crdem Juridica the destinou. IIL. Poder-se-ia contrapor que, em iodas essas eventualidades, o exé- dito nao é directamente atingido. Caberia a0 devedor “lesado” ressar- cir-se e, depois, ressarcir 0 seu credor. Supomos que tal artificialismo ‘no honra o Direito: a vox populi nfo o entenderia e os cientistas do Direito teriam muita dificuldade em explicé-lo. Em todos esses casos ¢, sobretudo, quando se mostre que 0 agente pretendeu, com as “manobras circundantes”, atingir a obrigagto, prejudicando 0 credor, nao hé como evitar responsabilizé-lo. E justo € adequado €, sobretudo: é reclamado por uma Ciéncia do Direito que tenh minimamente em conta o sea 378 Caractertticas das obrigagbes papel de, com adequacao ¢ previsibilidade, resolver os problemas que se The deparem. TV. Poderfamos admitir que razdes hist6rico-culturais levem a que a tutela absoluta desejével seja conseguida ndo pela via mais directa (a apli- cago do artigo 483.°/1, a todos os direitos, incluindo os créditos) mes por outros caminhos, como 0 dos deveres acessérios, 0 dos deveres do trifego cu 0 do abuso do direito. Mas, de facto, teré de haver, em certas circuns- tfincias, uma via de responsabilizar o terceiro que atinja o direito de crédito, 5s diteitos ditos relativos terdo, no plano da responsabilidad e veri ficados os pressupostos da Ordem Juridica onde o problema se ponha, de dispor de uma tutela absolute. 117. Exeurso: a experiéncia alema 1.0 Diteito alemao teve, como foi dito, um peso especial na preperagdo do Cédigo Vaz Serra. Depois da aprovagso deste, ele manteve urn especial fascinio nos autores que procederam ao estudo exegético dos novos textos. Afigura-s, als, que no foi tido em conta o sistema alemio, no seu conjunto: apenas se Valoraram alguns autores, mais divulgados, entre n6s. Esse estado ‘de coisas teve consequéncias decisivas: boa parte da (extrema) resttividade revelada por alguma doutrina e pela jurisprudéncia nacionais, relativamente { denominada eficécia externa das obrigagées, tem a ver com uma recspe80 pparcelar de elementos germfnicos. Assim se jusifica a presente rubrica. No dominio da pandectistca,o problema da defesa das obrigasbes perante teceiros, quando se punka, era resolvido em sentido positive: tr- fava-se de ume evidéncia. Qualquer relagdo, mesmo a obrigacional, devia se respeitada por todos, como explicou o proprio Windscheid!™5, 1995 Bannan Wuvoscisio, Die Actio des romischen Civirechts, vom Standpunkie des hewtigen Rechts (1856), 19: Windscheid polemizava, a, com Savigny, que equiparara ‘os direitos de fama aos dtetos sobre coisas; xpi im nto 4, visto eportaem-se Es vespflichtet Jeden zur Aneckennung; das tht jedes andere Rechtsverilt- nis ebenfalls, auch das obligatorische (ele 9 dieito familiar - obriga cada um 20 so faz, de resto, qualquer outa relao jricae, igualmente, a ‘A oponibiidade geral dos créditos foi especialmente defendida por Georc KAR. Neunn, Wesen und Arien der Privatrechusverhiltnsee (1866), 70-72, 148 8. ¢ passim. § 28. A relatividade na responsabildade civil 39 1D. Aquando da preparagio final do BOB, substitui-se uma cléusula eral de responsabilidade civil iniialmente pensade, de tipo napoleénico, por tés “pequenas cléusulas” de responsailidade!20% as dos §§ 82311, 8231 e 8261, A primeira obriga # indemnizar aquele que, com dolo ou negligénci vile dicitamente celos direitos; @ segunda comporta as nor- sas de protocgo; 2 teceir, os danos dolosamente causados contra os bons costunes. ocando o § §23/1: que direitos? Pela sua letra, esto em causa a vida, © compo, a sade, aliberdade, a propriedade ou “outro diversodizeito” (ein ssonstiges Recht). O que entender portal expresso? Inch os direitos de cré- ito? ‘Logo apés « aprovacio do BGB, Frinz von Liszt, apés cuidada exegese do preceito, vem dizer!9%, (..) 36 possorepetir o que jé disse em 1889. A violaptoilfcta cal posa (4, dolesa ou negligent) de um dreito de crédito 6, de um ponto de vista impacial, nos seus pressupostosjurdicos como nos ses efei- tos, idémtica 8 violagdo culposaeilicita de um dreto rel ‘Otto Christin Fischer, que reconstitui a matéria desde 0 Direito romano!310, submete o § 823/1 a uma cuidada andlise lingofstica!3"!, des- cobrindo argumentos desencontrados, mas favordveis & incluso dos eré- 1206 Cxaus- Wanita CaNARIS, Grandsrulturen des deutschen Deliesrechss, Ver. 2005, 577-584 (S81/D ¢ ALEXANDER PEUKEET, Giterzuordnung als Rechesprinzip (2008), ‘243: esta obra monumental,em XXU + 984 pp, macgas, representa, neste momento, a mais recente produgto da escola de Munique. "307 Quanto & nica! e projectada “grande cléusula” (§ 704 do project), Entwuf eines birgerlchen Gesetehuches fur das Deutsche Reich | Erste Lesung (1888), 156-157, iia ela: ‘Quando alguén, através de um acto ileito cometido com dolo ou negligéncia = por acpi ov omisifo — provoque um dano a outrem, cuja ocorténca tvessepre- visto ou tvesse pot prever, fica obrigado, perante el, &indemmnizagto dos danos ‘causados pelo acto, sim diferencias seo tbito do dano era, ou nfo, de prever. Vide, sinds, os Motive 2u dem Bnnwurf eines Bargerlichen Gesetebuches fir das Deutsche Reich I~ Reckt der Schuldverkatnisse, Amiiche Ausgabe, 2 ed. (1896), Mss ‘308 Grande penalisy; também escreveu, como se vé,em temas civis. 1909 Fran voN Lise, Die Deliasbligation im System des Burgerlichen Geserz- ‘buchs (1898), 10-11, 1310 Oro CanssTian FISCHER, Die Verletung des Glaubigersrechts als unerlaubte Handling nach dem Birgerlichen Gesetabuche fr das Deutsche Reich (1905), 3 3. 131 Idem, 68s. 380 Caracteritcas das obvigagbes ", Inocéncio Galvo Telles!37”, nés pré- _prios!978, Manuel Gomes da Silva, no seu ensino oral e Santos Jénior!>”9 “Também Henrique Mesquita, embora sem tomar posigo, manifesta sim- ‘patia clara por uma orientago mais aberta!3#0, Uma referéncia apreciativa ‘€ devida & cuidadosa andlise de Pinto Oliveiral™#!. 1368 Cantos Mota Paro, Direto das obrigagSes (1973), 16 es (15988). 1509 Joko ANTUNES VARELA, Das obrigagder em geral cit, 1, 10% ed., 175 3. 071178). 1570 Rut ALARCKO, Drelo das obrigagdes (1983), 74 1311 MAnso Joo ALeiDa Costa, A efiedcia exerna das obrigarbes ! Entend- ‘mem da doutrina eldssica, RL 135 (2006), 130-136 e Direito das obrigagées, 1" ed ‘it, 91 se 1372 Yona RipeIRo DF FaRta, Dirlto das obrigagées cit, 1,41 ss. (46). 3313 Jonas Sw0e MowTERo, Responsabilidade por conselhos, recomendagdes € Informagbes cit, 185-181. 130 Luts Menzzes Lemrao, Direto das obrigagdes cit, 1,72 ed, 100-101, 1575 Axo Penae Conketn, Da responsabildade do tercero que coopera com .@ devedor na violazao de um pacto de preferéncia, RLJ 98 (1965), 355-360 e 369-374. 1376 Fanmanbo PessoA Jonow, Lipses de Direto das obrigagdes cit, 1,599 ss. 1377 YwocsNci0 GaLvAO TaLLéS, Direlto das obrigardes 1° ed. cit, 20, 137 Direto das obrigagbes 1, 251-283. Vide sinda, os nossos Da boa fé, 647-648 6 Bficsia exerna dos crédios ¢ abuso do direito, O Diseto 2009, 29-108, onde ensismpos ‘uma va diversa que, hoje, acabamos porno subscrever interamente ¢ Efledcia externa: nova: raflexbes, O Direito, 2008, no plo 13 EpuaRDo SaNTos Jomion, Da responsabilidade civil de terceiro por lesto do iretio de erédto (2003), 446s, 510 5,553 8. € 572 ss. a obra lideante sobre o tema, ‘a dautrina portuguesa, cuj orientagéo merece atengHo e acolhimento. 130 Manu HenmiQue Mesqurra, ObrigagBes e dnus reais (1990), 69-70. 1381 Nuvo ManuaL Pnvro OLA, Direlto das obrigagées | (2005), 251-279. § 29. A relouvidade na experiencia portuguesa (eficcla externa) __ 393 Houve, ainda, um ciclo de publicagGes, de um modo geral relaciona- das com as pés-graduapbes regidas pelo Prof. Manuel Gomes da Silva: ten- Por exemplo:celebrando um conzato incompative! com primero, quando tal cvorséncia posse merecer 0 epieto de “injusta”. $29.° A relatividede na experiéncia pormguesa (eficcia externa) 403 Seria totalmente inexpectAvel que esta proficiéncia levasse a um blo- queio: a boa fé nao funciona porque ha responsabilidade e esta ndo opera para abrir 25 portas & boa £6, Teremos, pois, de estar atentos. II_Na gfria nacional, a “eficécia externa” traduz tudo aquilo que, nas obrigagbes, transcenda o cfrculo estreito entre credor e devedor, ox seja: tudo 0 que questione a relatividade pura. Mas € evidente que, nesses ter- mos, ela abarca questies diversas, com solugGes préprias. Simplificando, iremos distinguir: eficécia extema lato sensu: corresponde a todos os elementes que superem a relatividade e, designadamente, o que temos chamado acficdcia forte ¢ média; questdes como os deveres acessérios efi- cazes perante terceitos ou a formagao de vinculos semelhantes 03 contratuais, que respeitem a terceiros, tém solugdo & luz dos respectivos institutos nfo devem, aqui, interferir; ceficécia extema stricto sensu ou prépria: tem a ver com a tutela aqui- liana dos créditos; € esta a questio em aberto. IIL. Como sempre temos defendido, nfo hé nenhuma razHo, intexpre- tativa, dogmética, hist6rica ou comparatfstica, para negar a aplicabilidade, 0s exéditos, do artigo 483.°/1. Na origem, quanto sabemos, esteve um dis- ‘senso pessoal entre os professores Ferrer Correia, por um lado, ¢ Vaz Serra Antunes Varela, por outro, centrado no caso decidido (bem) pelo Sugremo, em 16-Jun-1964 ¢ que levou os dois iltimos, civilistas influentes, a uma cruzada contra a eficdcia externa, com efeitos que jé vdo na terceira geragao. ‘Todavia, nfo podemos ignorar a doutrina maioritéria, relativista ¢ arcaica, mas que, na base de aportagdes alemas truncadas, pretende aps- reotar modemismo, e a jurisprudéncia. Esta itima, que modela a revela- ¢40 das normas juridicas, é uma fonte do Direito que devemos levar em conta, numa dogmética realista. Teremos, pois, de a incluir, na solvgao a ‘que se chegue. IV..0 artigo 483.°/1 aplica-se aos créditos, quando tomados pelo prisma da titularidade. Ou seja: quando, no universo amplo que traduz a Obrigagdo, 0 terceiro interfira na ligagio credor/crédito, hé responsabili- dade, Seré o caso: do terceiro que se faga passar por credor, para actparar a prestagio; do terveiro que destrua as condigées materiais para o credor 404 Caractertticos das obvigapses ‘exercer 0 seu direito!s"#; do terceiro que impega materialmente a percep- ‘go do débitol*l5, Seria surrealista vir dar cobertura as saidas que se impem, descobrindo “abusos do direito”. A doutrina da defesa aquiliana da titularidade, fortemente radicada nos proprios sectores relativistas ale- mées!4!6 tem, aqui, aplicagao. De resto: € esse 0 entendimento do proprio “Antunes Varela!*1’, defensor ilustre € enérgico da ndo-eficécia extema, “Temos esta questo por arrumada. \V. Fica em aberto 0 saber se o artigo 483.°/1 permite reagir perante o terceiro que, com o devedor, contrate em termos incompatfveis com 0 cré- dito preexistente, forgando ou incentivando ao incumprimento. Este € 0 grande tema que tem ocupado a nossa jurisprudéncia e que a tem levado, ainda que apenas meioritariamente, & resposta negativa acima apontada. Contratar, $6 por si, nfo poderia levar a0 483.°/1: os pressupostes de res- ‘ponsabilidade civil seriam suficientes para o evitar: basta ver que nio hé ilicitude ... O dever geral de respeito nao tem, pois, este alcance!18, ‘Alinda terfamos de lidar, neste ponto, com o subsistema da concorréncia, fectivamente, por razies de harmonia sistemtica,teremos de susentar que © artigo 483°/1, lex generalis, nfo tem aplicagao, nas éreas em que o legisla- dor tena decidido submeter os particulaes a eGdigos de conduta especificos. [No émbito destes surgiram novas adstrigBes e novas permissGes. Umas € ‘outras, como lex specialis, io prevalecer sobre o tecido civil comum, legisiadar portugués define, com algoma minscia, as préticas con- ccorrenciais que tem por inndmissfveis. A contrario, as restantes condutas ‘io Kites, nfo fazendo sentido proibi-las com recurso ao artigo 433.°/1, do ‘Cédigo Civil: 0 sistema perderia alguma coeréncia, além de se postergar a clementarrelagio de prevaléncia da lex specialis sobre a lex generalis. (© Cédigo da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei ne 1695, de 24 de Janeiro, fixava, no seu artigo 260.°, 0 que entender por M6 Assim: oterceroincendeia, com coahecimento de causa, a casa do cedor,des- truindo documentos ¢ afetando eobrangas: tudo isso 6 computado no cfleulo di indemni- zaglo, revelando, assim, 2 tela squiiane ‘Mts sim: 0 tecelto snquesra 0 maestro, no momento do espectéculo: deve reem- bolsar os espectadores que compraram bilhete 106 Supra, 382-383, 107 Anerunes VARELA, Das obrigagées em geral cit, 1, 10*e4., 174-175. 8 Completamos, deste modo, 0 matiza enssiado wo nosso Bficdcia euerna, jé cited $29. A reltividade na experiéncia portuguesa (eficdcia externa) 405 concorténcia desleal. Outro tanto sucede com o artigo 317.° do actual (Cédigo da Propriedade Industrial, adoptado pelo Decreto-Lei n 36/2003, de 5 de Margo. ‘A possibilidade de contratar com terceiros é uma das portas abertas pela concorténcia. As regras desta prevalecem. ‘Assim sendo, a lictude/ilicitude das condatas concomrentes teré de ser aferida nio apenas perante o regime geral do artigo 483.°/1, do Cédigo ‘Civil, mas também em face do subsistema especialmente vocacionado para reger 0 dominio em causa: o das leis da concerréncia, Tais leis, a mostra- sem-se violadas, teriam imediato contesédo sancionat6rio. Além disso, clas poderiam operar como leis de protecgio, para efeitos da segunda parte do artigo 483."/1, do Codigo Civil, ‘Admitir que ninguém pudesse contratar com certos devedores poderia ‘gerar uma estranha “ghetizagio”- essa, sim, claramente contrria 8s“... or- ‘mas e usos honestos de qualquer ramo de actividade ois bem: o acto de concorréncia que seja julgado admisstvel, perante 1s leis da concoréncia, no pode ser vitimedo pelo artigo 483.%71, do ‘Cédigo Civil. De outro modo, terfamos de considerar ifcito o préprio mer- ‘eado: pois 6 perante ele que os devedores podem, eventualmente, pretender ‘melhores solugdes. © problema teré, em definitivo, de ser equacionado em face dos con- ‘tratos em jogo ¢ das concretas partes que os hajam celebrado. ‘VI. Justamente neste ponto intervém a dovtrina do abuso do direito, repetidamente invocada, neste domfnio, pela nossa jurisprudéncia, reto- ‘mando uma intuig4o de Manuel de Andrade. O terceiro poderia sempre contratar com 0 devedor: quando o faca, exerce a sua liberdade contratual. Mesmo quando atinja direitos alheios, rio hi a ilicitude, explicitamente exigida pelo artigo 483."/1. Repare-se: para que o artigo 483.°/1 funcione, nfo baste que se atinjam direitos alheios: € necessério que isso suceda ilicitamente e, ainda, com culpa. abuso do direito retira a “licitude” de quem exerga a sua liberdade con- tratual. Recorde-se que 0 abuso do direito € uma locugao tradicional para exprimir os valores fundamentais do ordenamento, veiculados, em cada caso conereto, pelo principio da boa fé. Se o terceiro age defrontando @ confianga, ou em venire contra factum proprium ou, ainda, s6 para preju- dicar 0 credor,em desequilfbrio no exercicio, comete abuso, Cessa a liber- dade contratual: 0 seu acto passa a ser ilicito, Verificados os demais pres- supostos, entre 0s quais a culpa, temos responsebilidade civil. 406 Caracteristcas das obrigasdes VIL. Ainda algumas precis6es. Relativamente ao abuso do direito, como instrumento capaz de enquadrar a eficécia extema, surgem dois “des- 0 de equiparar 0 abuso do direito a uma “terotira cléusula” de res- onsabilidade, a somar & do artigo 483.*/L, * parte (viola iicita- mente ¢ com culpa o dieito alheio) ¢ & do artigo 483.°/1, 2* parte (violar normas de protecso)!439, — ade recusar a aplicagio do abuso do direi:o peranteliberdades gené- ricas!, © abuso do direito € reconhecidamente objectivo: ndlo exige culpa, para se concretizar. Teoricamente, ele (apenas) fez cessar uma permissdo de. agir, em nome do sistema. Outros institutos, verificados os pressupastos, dirdo se hé responsabilidade pela confianga, responsabilidade civil ou, até, tum dever de abstengo, para o futuro. Havendo abuso, em situagSes aqui- lianas, teremos de, a posteriori verificar se ocorrem os pressupostos do 4832/1 ‘Quanto a liberdades genérices: no podem ser usadas contra o sistema, \Nfo vemos como limitar a dogmatizagdo deste as permisstes espectficas ue, de resto, teriam mais “resistencia” do que as genéricas. VIIL. A aplicacio do abuso do direito, tado visto, no domtnio da efi cécia extema das obrigagbes, funcionaré da forme seguinte: existe um contrato entre duas pessoas; por exemplo, um con- trato-promessa entre A e B; =C, terceiro, € livre de contratar com A, o que implicaré, por parte deste, o incumprimento da promessa; —C nio é responsavel porque, embora teaha violado um direito alheio (A nfo agiu sozinho!) no o fez ilicitamente: agiu dentro de uma permissdo geral de contratar, 1499 Ideia que remonta a Siwoe Monrixo, Responsabilidade por consethos,reco- ‘mendag Bet ow informagdes ci, 545 ss. ‘a0 Ns propos jo fizemos. anes de termos aprofundado a matria do abuso do irit; est no tem a ver com “direitos”, sendo (apenas) uma situagéo juridicamente rle- vante contsia 208 valores do sistema. Pela mesma linba nfo podemos scolher as reati- {8s que amethor doutrna, com HORSTER, A parte gerat ct, 287 ss. (vide PRTO OLVERA, Direito ds obrigogSes cit, 270 ss) e Manvel CaRasno Da Peaba, Teoria da covfianga cit, 164 ss, nota 12), colocam 2 aplicabildade do 334. & autonomiaprivada, $29." A relusividade na experténcia portuguesa (fila externa) 407 todavia, se C penetrou no cfrculo de A/B, se af obteve informagbes privilegiadas, se induzin A a ndo cumprir, cobrindo, designada~ ‘mente, cléusulas penais ou outras consequéncias, hd abuso: esto a set violados os valores fundamentais da confianga ¢ da tutela da materialidade subjacente (boa f6); —havendo abuso, cessa a permissio: revela-se, entio, em toda a ple- nitude, a tutela aquiliana do crédito de B (483.°/1); ~provada a culpa, hd dever de indemnizar. dbvio que 6 em casos especiais o terceiro pode ser responsebili- zado pelo que fez. Normalmente, ele nem saberd do erédite do terceiro (ot isso no se poderd provar). Mas deve ficar claro que, pelo Direito portu- gués, nenbum construtivismo afasta a aplicabilidade do artigo 483.‘/1, aos exéditos. er tna ran Yee: ole ye a:

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