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DOCENTE E FORMAÇÃO REFLEXIVA
Hamilton de Godoy Wielewicki
UFSM / PPGEduUFRGS / Bolsista CAPESPICDT
Resumo
A despeito da pretensa importância que se tem atribuído à educação no processo de
efetiva dos profissionais que têm ao seu encargo a condução do projeto educativo da
nação, quer pela carência de medidas de estímulo à carreira, ou pela insuficiência de
políticas de desenvolvimento e valorização docente. Partindo desse cenário, o presente
trabalho busca discutir o desenvolvimento profissional docente e a formação reflexiva a
partir de algumas dimensões conceituais. Ao longo do texto se busca argumentar sobre
docente que – partindo dos contextos efetivos de docência – possibilitem a emancipação
intelectual – solidariamente construída – dos professores. A discussão e os argumentos
levantados terão como pano de fundo a suposição da necessidade de um conjunto de
iniciativas de desenvolvimento profissional docente coadunado com tal perspectiva.
palavraschave: docência – formação – reflexão
Introdução
Podese dizer que há um senso comum quanto ao papel essencial que a educação
desempenha na construção das bases sobre as quais se sustenta o desenvolvimento de
uma nação. Podese entender, também, por extensão, que aos profissionais da educação
se delega um papel de igual magnitude, independentemente da matiz do projeto político
Hargreaves (2002) denomina de “nova ortodoxia oficial”, um movimento que atende a
sistema de avaliação indissociável desse currículo padronizado e centralizado.
fortemente influenciadas pelo relatório do Banco Mundial e que podem ser vistas como
fazendo parte de uma visão neoliberal de Estado e que, além disso, decorrem desse
movimento, a questão da profissionalização docente passa a ocupar espaço significativo
da agenda educacional, através de um debate intenso que – não raramente – elege o
professor (e sua formação) como principal responsável pela situação de crise da
educação.
educação, emerge um cenário que freqüentemente se apresenta sobrecarregado, tanto
para a formação, quanto para a atuação docente. Se pensarmos, por exemplo, nas
demandas que se colocam para a formação de professores reflexivos, conforme, expõe
Pimenta (2005), essa sobrecarga é ainda mais visível, uma vez que atribui ao professor e
serviço, que passa a ser vista cada vez mais como um processo contínuo a presente ao
longo de toda a vida profissional do professor.
apontando para a compreensão da complexidade da função docente e para a necessidade
de incentivos mais concretos a um modelo de formação continuada mais sensível a tal
complexidade.
Docência: uma profissão complexa
Embora ainda tenha muito espaço no âmbito do senso comum a idéia de que
para ser professor, basta querer sêlo, é cada vez mais aceito entendimento de que a
docência é tarefa que implica um conjunto articulado de competências e saberes que,
por sua própria natureza, a caracterizam como profissão de alta complexidade. Lidase,
num contexto de docência, conforme argumentam Tardif e Lessard (2005: p. 63), com a
necessidade de ensinar – num espaço coletivo – a alguém (alunos), cuja presença é
obrigatória, conteúdos estipulados socialmente, com muitas das decisões sendo tomadas
em face das circunstâncias que se moldam no próprio desenrolar dos eventos na sala de
aula. Tais características vão implicar que os professores vivam numa contínua busca de
equilíbrio entre a natureza solitária do trabalho desenvolvido e as necessidades coletivas
(e individuais, também) do espaço educativo; entre a força centrípeta da padronização
atendimento daquilo que é singular aos contextos e aos sujeitos do processo educativo; e
entre a premissa da importância da educação e da nem sempre presente valorização do
exigente de espaços de reflexão, imprimindo à formação, uma perspectiva dinâmica e
continuada. Seguindo essa linha de raciocínio, do ponto de vista da ação comunicativa
que se desenvolve na sala de aula, a tarefa dos professores ocorreria, na perspectiva
manifestada por Tardif & Lessard (op.cit.), em três níveis: o da interpretação daquilo
que acontece em aula, da imposição de sentido e direção aos eventos, com o objetivo de
orientar as ações em função das ações privilegiadas e no nível da comunicação
multidirecional, polissêmica e relativamente improvisada.
Desenvolvimento profissional docente
Frente à complexidade da tarefa enfrentada no diaadia pelos professores, tem
se enfatizado, de uma forma geral, a importância de garantir aos professores amplas
existente entre tal constatação e seu desdobramento em ações concretas, ainda merece
análise. Apesar de previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) o
direito ao aperfeiçoamento profissional continuado (nos termos do inciso II, artigo 67,
da LDB) tem se configurado mais nitidamente como uma necessidade percebida pelos
aperfeiçoamento.
necessidades formativas, reiterando o entendimento de Zeichner (2003: p. 5) de que as
reformas educacionais que nos têm sido impostas têm relegado um papel secundário aos
professores, seja pela rigidez dos currículos, ou pela lógica avaliativa que confina o
professor a uma posição notadamente passiva na definição curricular. Assim, Zeichner
(idem) conclui que uma lição que pode ser tirada das reformas que ocorreram nos
últimos 30 anos é que “mudanças qualitativas na prática de sala de aula só ocorrerão
quando os professores as entenderem e aceitalas como sendo suas próprias” (original
equalização ilusória, aludida por Popkewitz (1997), de que toda reforma gera progresso
e melhoras, sendo, por extensão, boa para todos.
Antes que o professor possa empreender mudanças como sendo suas, entretanto
Zeichner (2003) aponta quatro problemas que podem explicar a dificuldade que a
com a conotação de auxiliar o professor a replicar em sua prática aquilo que a pesquisa
acadêmica contempla como válido ou adequado. Em segundo lugar, a limitação do
professor. Em terceiro lugar, a falta de consideração dos aspectos ou condições sociais
ênfase no discurso da prática reflexiva que tipifique a reflexão como prática social.
Além disso, conforme argumenta Zeichner,
“uma falha comum na formação docente (no mundo todo) é que
as ferramentas usadas para desenvolver a capacidade reflexiva
dos professores – pesquisaação, diários, estudos de caso,
portfolios de ensino, entre outros – são vistas como um fim em
si mesmas, ao invés de um meio para se atingir propósitos que
possam ser defendidos em bases morais e educacionais” (2003:
p. 14).
Em relação a isso, talvez seja possível aventar a falta de uma ligação mais
explícita (ou quiçá efetiva) entre os processos investigativos ou reflexivos e os espaços
de ação docente, o que pode derivar, entre inúmeras possíveis razões, da dificuldade de
se estabelecer conexões entre a pesquisa voltada para a escola (mas que muitas vezes
prescinde de considerala, de fato, como um ente em relação) e o contexto socialmente
complexo da escola, que, na condição de organismo social altamente complexo, não
parece evidenciar o entendimento sobre a necessidade de processos investigativos.
Essa situação, por sua vez, freqüentemente se sustenta com as máximas de que
“na teoria a prática é distinta da realidade” e que “na prática, a teoria não se sustenta”. A
alusão que faço a esses tipos de comentário, muito ouvidos tanto nos cursos de
formação inicial, quanto em interação com escolas, tem o propósito de mostrar que –
apesar de suas evidentes debilidades – são representativos de um modo de pensar e agir
que parece postular uma preparação meramente instrumental ou empirista para a
docência.
indiscutivelmente complexa da educação, mas tão somente invocar a possibilidade de
universidades, entre outras), um diálogo de difícil inteligibilidade.
profissionalização docente em termos da posição de Crandall , que postula
“que a docência seja vista como uma profissão (como medicina
ou direito) com respeito pelo papel dos professores ao
desenvolver teoria e direcionar seu próprio desenvolvimento
profissional através da observação colaborativa, da pesquisa e da
investigação docente, e de programas permanentes de formação
em serviço, ao invés das típicas oficinas e cursos de treinamento
de curta duração”. (2000: p. 36)
Essa visão de formação ‘tópica’ ou episódica, além de ter relativa dificuldade de
se comunicar de maneira efetiva com as demandas e necessidades das escolas e das
comunidades escolares, incorre ainda no equívoco de presumirse como a principal ou
professor. Nesse sentido, há que se levar em conta ainda, conforme sustenta Zeichner
(2003: p. 9), que muitas iniciativas de educação continuada têm criado “uma ilusão de
desenvolvimento docente [...] que tem mantido de formas mais sutis a posição
cuidar atentamente para que a formação docente não ponha em risco o desejo de
emancipação dos professores.
Nesse aspecto, em particular, apesar de diferenças conceituais em relação ao que
defende Kincheloe, pelo menos nisso parece haver uma consonância entre esses dois
autores, quando este último argumenta que o conhecimento científico é o mecanismo
pelo qual muitas vezes “os professores são destituídos de poder porque são efetivamente
unidirecional, tanto no que se refere ao fluxo formativo (das instituições de educação
superior para as de educação básica), quanto ao que diz respeito à orientação formativa
(da teoria para a prática).
Desenvolvimento profissional docente emancipatório
Para fazer frente a esse cenário de destituição e, ao mesmo tempo à percepção de
uma necessidade formativa que tem o contexto social como referência fundamental, é
formulação das propostas de educação continuada, buscando, na medida do possível,
confluência entre a posição de Charlot (2005), aludido por Pimenta & Guedin (2005, p.
10), de que “os professores estão se formando mais com os outros professores dentro
das escolas do que nas aulas das universidades”, e o argumento que é referendado em
parte pela pesquisa de Carvalho (2005). A contundência de tais argumentos, no entanto,
colide com a caracterização dos processos formativos que visam ao desenvolvimento
profissional docente não como prerrogativa de instituições formadoras ou de sujeitos em
formação, mas como resultante de um processo no qual esforços tanto de um quanto de
outro são envidados para que ambos, de igual forma, sejam impactados pelas ações
formativas. Dito de outra forma, a formação de professores genuinamente reflexivos
exige pensar uma dinâmica de reflexão sintonizada com a caracterização da docência
demandará, em igual medida, uma forma complexa de estruturação.
Em relação a essa questão, no prefácio à obra de Giroux, MacLaren (1997: p.
xviii) reitera o entendimento de que
“o professor como intelectual deve estar comprometido com o
seguinte: ensino como prática emancipadora; criação de escolas
como esferas públicas democráticas; restauração de uma
comunidade de valores progressistas compartilhados; e
fomentação de um discurso público comum ligados aos
imperativos democráticos de igualdade e justiça social.”
Além disso, McLaren sustenta que para Giroux “uma pedagogia da possibilidade
realmente é possível, pois se o mundo do eu e dos outros foi socialmente construído, ele
pode da mesma maneira ser desmantelado, desfeito e criticamente refeito”. Essa idéia
conforme o próprio Giroux (1997: p. 145) reconhece, ao afirmar que Freire combina
uma “linguagem da crítica” com a “linguagem da possibilidade”. É dessa relação entre a
contextos educativos. Isso, por sua vez, presume compreender os profundos embates
que ocorrem na âmbito das escolas, que são, no entender de Giroux (1997: p. 162)
“lugares que representam formas de conhecimento, práticas de
linguagem, relações e valores sociais que são seleções e
exclusões particulares da cultura mais ampla. Como tal, as
escolas servem para introduzir e legitimar formas particulares
de vida social. Mais do que instituições objetivas separadas da
dinâmica da política e poder, as escolas são, de fato, esferas
controversas que incorporam e expressam uma disputa acerca de
que formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de
regulação moral e versões do passado e futuro devem ser
legitimadas e transmitidas aos estudantes”,
ou seja, pressupõe romper com a idéia de uma pretensa neutralidade da ação educativa e
incorpora a posição de Pimenta (2005: p. 38) de que “ a educação retrata e reproduz a
sociedade, mas também projeta a sociedade que se quer”. Nessa perspectiva Giroux
pondera que
“uma das maiores ameaças aos professores existentes e futuros
nas escolas públicas é o desenvolvimento crescente de
ideologias instrumentais que enfatizam uma abordagem
tecnocrática para a preparação de professores e também para a
pedagogia de sala de aula”. (1997: p. 158)
profissional docente têm sido direcionados.
Uma outra questão que cabe levantar diz respeito ao caráter freqüentemente
solitário do ofício docente (cf. exposto, por exemplo, por Tardif e Lessard, 2005), e a
busca de uma dimensão mais solidária nos processos de educação continuada. Entendo,
nesse sentido que, para além da dimensão da interação intraescola, já é possível pensar
buscando construir um quadro de referência que considere as questões da escola a partir
de suas características, necessidades e, sobretudo, seus potenciais.
Isso permitiria cogitar, por exemplo, uma relação presumível e desejavelmente
(2000) reportase à posição de Carl Rogers, argumentando que não se pode ensinar
outra pessoa a ensinar, embora se possa partir da suposição de que a natureza da
experiência vivenciada pelos estudantes ao longo do processo reflexivo possa fomentar
simetria invertida, que permeia os referenciais conceituais das Diretrizes Nacionais para
a Formação de Professores.
Esse desenvolvimento, por sua vez tem relação com a tentativa de entender
como a experiência é sentida e percebida por outras pessoas e como nos deixamos tocar
por nossas incertezas e pelos significados potenciais de nossa experiência. Não se trata,
conforme alerta Schön (op. cit.: p. 82) de uma posição de desencanto com o ensino, mas
da recolocação da centralidade do papel do aprendiz em tal processo.
Cabe reforçar ainda, que muitas vezes a noção de reflexividade é pensada apenas
em sua dimensão intrasubjetiva e, quanto a isso, Ovens (2002: p. 505) argumenta que
discursivas que permitem entender a reflexão tanto como processo quanto como
resultado”, da mesma forma que:
Isso equivale a dizer que “falar dos educadores em seus processos de formação
continuada é, primeiramente, falar de sua identidade e profissionalidade, individual e
coletiva” (Carvalho, 2005: p. 97), ou seja, implica reconhecer que a noção de
referenciais, estruturas e práticas discursivas e, nesse particular há que se pensar tanto
nas forças que dão à área profissional a sensação de unidade, quanto àquelas que
conferem à área a necessária diversidade que propicia o incremento do debate e, quiçá,
o avanço da discussão e conseqüente evolução da capacidade reflexiva da área.
Algumas considerações finais
Em face dos argumentos trazidos até o momento, espero ter evidenciado que,
embora a formação docente tenha como um de seus pressupostos a instrumentalização
técnica do professor para enfrentar os desafios da profissão, é importante que o processo
formativo não se restrinja a estes aspectos. Candau (2001), por exemplo, postula, na
compromisso político se exigem mutuamente e se interpenetram”. Enfatiza, portanto, a
contextualização da prática pedagógica como uma preocupação constante do educador.
profissional dos sujeitos (e da área), permite (ou talvez exija) cogitar, consoantemente
com Tardif & Lessard (2005), a docência como um trabalho de natureza interativa e
significante e, em relação a tal perspectiva, talvez seja sensato acolher a sugestão de
Pimenta (2005: p. 47) de que se supere a identidade necessária dos professores de
“reflexivos” para a de “intelectuais críticos e reflexivos”, aceitandose, com isso, que “o
cerne da reflexividade está na relação entre o pensar e o fazer, entre o conhecer e o agir”
docente, aquele autor defende que
Pondero, portanto, que o avanço das percepções dos professores sobre seu status
profissional passa, em grande medida, pela busca de uma crescente solidarização com
os elementos mobilizadores dos sujeitos frente ao projeto educativo em construção. Isso
significa, entre outras coisas, acreditar que a busca da relevância daquilo que se faz
através da docência tem potencial para ajudar a suprimir distâncias entre os projetos de
professores, de estudantes, de pais, de funcionários, enfim, da comunidade e merece,
universidades.
Se, por um lado, há alguma evidência de que as condições objetivas para a
construção reflexiva não são as mesmas na universidade e na escola, também há alguma
universidades. Tal situação nos obriga a questionar, por exemplo, a forma, o teor e as
lógicas de interação nos processos reflexivos nos quais tanto universidade quanto
escolas e professores estão envolvidos e, dessa forma, reforçar a idéia de que o processo
de desenvolvimento profissional docente deve ser capaz tanto de prover condições para
entendimento da universidade sobre seu próprio fazer. Implica, portanto, reconhecer o
universidades) com seus egressos.
Nesse particular, postulo aqui uma visão (expressa em políticas e ações) de
educação continuada que esteja em sintonia com os espaços de formação inicial e que
permita, de um lado, vislumbrar que o desenvolvimento profissional docente – quer
como construção teórica, quer como vivência experiencial – possa ser um elemento de
como sua marca identitária. Por outro lado, há que se reconhecer que tal marca
identitária seja compatível com o atendimento de demandas que são, por sua vez ,
educativos.
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Observação: As traduções de excertos de textos não disponíveis em português são da
responsabilidade do autor deste artigo.