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Centro Universitário de Brasília - UniCEUB

Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais

5 de março

DIREITO DE VIGIAR E RAZÃO DE PUNIR: UMA ANÁLISE DA PENA EM MICHEL


FOUCAULT E LUIGI FERRAJOLI

Monografia apresentada como


requisito para a aprovação na
disciplina Monografia III.

Orientador: Dilnei Lorenzi

Aluno: Pedro Ribeiro Mendes

RA: 2030444-5

Brasília, 4 de março de 2009


2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................3

1. O VIGIAR E PUNIR EM MICHEL FOUCAULT..............................................5

1.1. A razão de vigiar...........................................................................7


1.2. Delinqüência.................................................................................9
1.3. A prisão como controle social..................................................12

2. O DIREITO E A RAZÃO EM LUIGI FERRAJOLI........................................14

2.1. O Garantismo Jurídico...............................................................17


2.2. Aplicação da pena......................................................................19
2.3. Garantismo versus Lei e Ordem...............................................21

3. UMA APROXIMAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ENTRE FOUCAULT E


FERRAJOLI.................................................................................................23

4. CONCLUSÃO..............................................................................................26

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................28
3

INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste na busca de subsídios teóricos para uma


análise crítica da função do sistema penitenciário. Para tanto, conduziu-se uma
aproximação entre os fundamentos da atividade punitiva em Michel Foucault e
o positivismo jurídico, na teoria do garantismo de Luigi Ferrajoli.

A discussão se inicia sob o enfoque foucaultiano. Abordando


inicialmente a razão de vigiar e o poder de punir no Estado moderno, o primeiro
capítulo se subdivide em três tópicos. O primeiro traça uma genealogia da
punição, mormente no que tange à evolução das regras de direito e do sistema
punitivo. O segundo trata da delinqüência como fator relevante para o estudo
científico e social da punição. O terceiro trata da prisão como controle social,
da disciplina à idéia de ressocialização.

O segundo capítulo abordará o Direito e a razão na obra de Luigi


Ferrajoli. Para um melhor estudo, esse capítulo também foi dividido em três
tópicos. O primeiro abordará os aspectos conceituais da teoria do garantismo,
uma nova epistemologia proposta pelo autor. O segundo tópico trata da
aplicação da pena frente às garantias constitucionais de limitação do poder
punitivo. O último tópico busca o exame das novas teorias de lei e ordem,
analisando seu alcance e seus fundamentos, de modo a os contrapor ao
modelo garantista.

O terceiro capítulo busca uma aproximação epistemológica entre os dois


autores, trazendo os pressupostos teóricos e filosóficos para formar um
conjunto coerente e unitário.

As propostas dos dois autores nos atraíram pela crise do Direito Penal,
na medida em que apresentam novas idéias e soluções, principalmente no que
tange ao garantismo. A tutela das garantias individuais, mesmo após as
4

reformas relatadas por Foucault, não é aplicada mesmo com toda a retórica
constitucional garantista.

Os aspectos mencionados no decorrer do trabalho nos levam a


empreender uma crítica esquematizada de modo a delinear uma revisão
teórica dos elementos constitutivos do sistema punitivo. O alcance da pesquisa
reside na concepção empírica do Direito Penal, concatenando as idéias dos
autores.

Capítulo 1 – O VIGIAR E PUNIR EM FOUCAULT

O presente capítulo tem por finalidade analisar o sistema punitivo na


dinâmica proposta por Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir. Partiremos
da premissa de um contrato social, cujas bases não serão objeto central de
pesquisa, mas nos servirão de referência secundária para a análise da
legitimidade do Estado em vigiar e punir.

A dinâmica da punição é apresentada inicialmente pelo autor por meio


de paralelos traçados entre os antigos suplícios1 (castigo corporal) e o novo
modelo disciplinar2 (castigo da alma), em que a vingança do soberano foi
deslocada para a justificativa de defesa da sociedade.

Nessa transição, em que o “castigo passou de uma arte das sensações


insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos”3, se percebe a

1
O autor se atém ao desaparecimento destes espetáculos, onde o corpo era o alvo principal da repressão
penal. O fecho negativo do crime levava a conclusão de que sua intensidade visível não era fator
preponderante na consciência do criminoso, mas tão-somente a certeza da punição.
2
Com o surgimento de movimentos humanistas com base no Iluminismo, veio a necessidade de punir
disciplinarmente pela justificativa da defesa social. Não era mais necessário punir muito, mas sim punir
melhor.
3
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. (Tradução
Raquel Ramalhete). p.14.
5

“figuração do garantismo ilustrado com um ritual de passagem entre os


suplícios do modelo inquisitorial e as disciplinas da criminologia etiológica”4.

O nascimento de uma sobriedade punitiva ocorre com a mudança do


objeto da punição. O corpo não é mais o alvo principal da repressão penal.
Agora se faz necessário então não punir mais, mas punir melhor. E
obviamente, a melhor forma que se encontrou como mecanismo disciplinar, foi
a prisão, pena privativa de liberdade, que atingia a todos de forma justa, sem
espetáculos cruéis.

Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por


todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixa-los e
distribuí-los espacialmente, classifica-los, tirar deles o máximo de
tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu
comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna,
formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e
notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se
centraliza.5

Esse processo se deu naturalmente com os ideais da Revolução


Francesa sob o trinômio: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O espetáculo
passou a ter cunho negativo e seu fecho não era mais sinônimo de glorificação
da pena. Continuou sendo indecoroso ser passível de punição, mas tornou-se
pouco glorioso punir6.

1.1 – A razão de vigiar

A sobriedade punitiva surgida após o suplício traz consigo um ideário


contratualista, cuja justificativa “permite conceber o criminoso como um ser
juridicamente paradoxal, pois violou o contrato por ele mesmo firmado, ou seja,
participa ele próprio da sua punição.”7

4
CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2003. p. 260
5
FOUCAULT, p. 195
6
Idem, p. 13.
7
Idem. P. 259.
6

Com o advento das ideologias humanistas, de base burguesa, nasceu a


idéia de defesa social como fundamento punitivo, contrapondo-se ao poder do
soberano. Elas carregavam consigo um magnífico direito de punir, uma vez que
o infrator tornou-se um inimigo em comum. “Até mesmo pior que um inimigo, é
um traidor, pois ele desfere seus golpes dentro da sociedade. Um “monstro”.
Sobre ele, como não teria a sociedade um direito absoluto? ”8.

Com a transição dos suplícios para a disciplina, o sistema punitivo tem a


necessidade de adequação. O olhar passou a ser o meio de adestramento para
apropriação do poder, invadindo as formas maiores, modificando os
mecanismos e impondo seus procedimentos. O exercício da disciplina se dá de
modo simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação
num procedimento que lhe é específico, o exame. 9

Os discursos atuais dissimulam uma forma de manutenção de poder,


sob uma falsa premissa de proteção social ligando a punição ao sistema
vigente de produção. O sistema capitalista se incumbiu de gerenciar uma
engrenagem que inclui não só o trabalho como forma de mercadoria, mas do
homem como objeto de troca, baseada na exploração e no adestramento do
indivíduo. Até mesmo o Direito passa a ser bem de consumo, mas essa
manipulação é complexa, sendo o controle jurídico um instrumento
imperceptível aos olhos do leigo.

[O mais forte não é nunca assaz forte para ser sempre o senhor, se não
transforma essa força em direito e a obediência em dever.]
Os observatórios, por meio da disciplina, fabricam indivíduos, tornando-
se ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Seu
modelo quase ideal é o acampamento militar, onde o poder de vigilância é
hierarquizado e atua numa microfísica muito bem regulada.

Para uma perfeita observação, é citado por Foucault o Panóptico de


Bentham. Este modelo induz o detento a um estado consciente e permanente
de visibilidade, assegurando o funcionamento automático e sendo uma espécie
8
FOUCAULT, p. 76.
9
Idem, p. 143
7

de laboratório do poder. “É uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no


anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se
tudo, sem nunca ser visto”10

A aplicação desse modelo permite um aperfeiçoamento do exercício de


poder, primeiro reduzindo o número dos que o exercem e depois multiplicando
o número daqueles sobre os quais é exercido.

1.2 – DELINQÜÊNCIA

Como conseqüência lógica de um sistema de dominação e controle


social, fundado num aparato de punição destinado a neutralizar o desvio, o
criminoso se submete à força do Direito Penal, uma vez que assumiu o ideal
contratualista da sociedade.

A análise de Foucault é centrada nos modos de subjetivação, ocultos


nos fatores de legitimação da ordem excludente e dominadora que se
sedimentou nos Estados contemporâneos.

Sua concepção de pena se distingue da tradicional idéia de relação de


poder sob o prisma de seus efeitos institucionais, ela assume um viés político,
na medida em que seleciona sua clientela, dando impressão de assincronia
plena frente aos ideais constitucionais.

O controle da criminalidade orientado pelas ideologias de controle social,


esconde uma luta de classes, que se especializa cada vez mais na justificação
da exclusão. “Por trás do infrator a quem o inquérito dos fatos pode atribuir a
responsabilidade de um delito, revela-se o caráter delinqüente cuja lenta
formação transparece na investigação biográfica.”11
10
Idem, p. 167
11
Idem, p. 211
8

O Estado como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a


criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de
instâncias oficiais de controle. Estas interpretam a legítima reação da
sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do
comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas
sociais.

Para Foucault, a idéia de delinqüência, surgida com a introdução da


biografia do criminoso é um importante marco na história da penalidade.
“Entramos então no dédalo “criminológico” de que estamos bem longe de ter
saído hoje em dia.”12 Nasce então o estigma: o delinqüente é identificado pelo
sistema e passa a ser visto com olhos diferentes.

À medida que a biografia do criminoso acompanha na prática penal a


análise das circunstâncias, quando se trata de medir o crime, vemos os
discursos penal e psiquiátrico confundirem suas fronteiras; e aí, em seu
ponto de junção, forma-se aquela noção de indivíduo “perigoso” que permite
estabelecer uma rede de causalidade na escala de uma biografia inteira e
estabelecer um veredicto de punição-correção. 13
.

O respaldo moral do sistema de controle vigente adere ao infrator um


rótulo de criminalidade, que estigmatiza de modo mais intenso do que a própria
pena ou ato praticado. “A delinqüência, desvio patológico da espécie humana,
pode ser analisada como síndromes mórbidas ou como grandes formas
teratológicas”14.

Para Baratta15,
A função psicossocial que atribuem à reação punitiva permite
interpretar como mistificação racionalizante as pretensas funções
preventivas, defensivas e éticas, sobre as quais se baseia a ideologia
da defesa social (princípio da legitimidade) e em geral toda ideologia
penal. Segundo as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva a
reação penal ao comportamento delituoso não tem a função de eliminar
ou circunscrever a criminalidade, mas corresponde a mecanismos
psicológicos em face dos quais o desvio criminalizado aparece como
necessário e ineliminável da sociedade.

12
Ibidem.
13
Ibidem.
14
FOUCAULT, p. 212.
15
Op. Cit. BARATTA, p. 50
9

O novo saber científico, ao qual bem atenta Foucault, guiou toda essa
metodologia de controle social pacificada nos Estados modernos e fez surgir a
possibilidade de uma criminologia16 como ciência autônoma, empírica e
interdisciplinar, cujo intuito é o estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima
e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma
informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais
do crime 17.

Liszt afirma que

Mendigos e vagabundos, indivíduos de ambos os sexos inclinados à


prostituição e alcoolizados, trapaceiros, e sujeitos de vida equivocada,
degenerados no físico e no espírito – todos estes concorrem para
formar o exército dos inimigos capitais da ordem social, exército cujo
estado maior aparece formado mesmo da habitual delinqüência como
tal. 18

É um jogo posto. É a realidade a ser a ser delatada que hoje é o objeto


da criminologia crítica, cujo principal expoente na atualidade é Alessandro
Baratta.

1.3 – A prisão como controle social

As aparentes funções da pena mascaram uma idéia de prevenção, que


carece de substrato empírico e é legitimada na retórica constitucional de bem
estar comum.

É oportuno desde já lembrar Liszt:

A pena, tão intensa como a retribuição, é a conseqüência logicamente


necessária do crime, ou, ela é, como a manifestação do bem jurídico, a
criação conscientemente justificada e a função conhecidamente
finalística da sociedade estatal? Ela encontra suficiente fundamento na
expiação do passado – quia peccatum est – excludente de todas as
posteriores justificações, ou ela apóia sobre sua própria eficácia vista

16
Idem, p.213.
17
PABLOS, Garcia, p. 37
18
LISZT, p.. 47
10

em relação ao futuro – ne peccetur – sem a necessidade de outra


motivação?19

Essa função de zelo do dos interesses individuais pelo Estado


contemporâneo, passa a ser a premissa básica e justificativa fundamental para
um sistema carcerário implacável, que absorve o sujeito que se desvia dos
padrões sociais desejados pelo Estado.

Esse bem comum deve ser tutelado pelo Direito Penal, que assume um
papel normalizador, extrapolando à aplicação da lei num caráter seletivo e
diferenciado, sujeitando os dominados e excluindo os dominantes.

Para Foucault, este mecanismo de manutenção da ordem é acordado


conforme a conveniência dos produtores da norma e ancorados em “saberes
científicos” que agem em um nível microfísico, de articulações quase
imperceptíveis.

A manutenção da ordem (poder) não se dá por meio de harmonia. A


prisão é meio de domínio e local perfeito para execução do controle social,
onde o anormal passa a ser adestrado e subjugado frente ao interesse do
Estado. Esse interesse é manifestado não só em seus aparelhos repressores,
a ideologia de normalização esconde uma idéia de dominação, que remonta
aos antigos suplícios, onde era feita a vontade do soberano.

Mas “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é


perigosa, quando não inútil. E, entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar.
Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão. ” 20 A prisão acaba
por excluir e estigmatizar o preso com uma força desmedida e pouco
questionada.

19
LISZT, Franz von. A teoria finalista no Direito Penal. Campinas: LZN Editora, 2005.P. 47
20
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.
(Tradução Raquel Ramalhete). p. 196.
11

Capítulo 2 – O DIREITO E A RAZÃO EM LUIGI FERRAJOLI

Com base na doutrina garantista de Luigi Ferrajoli, esse capítulo


abordará um sistema ideal, proposto pelo autor no livro Direito e Razão. A
problemática abordada se encerra na discussão da pena privativa de liberdade
frente aos ideais constitucionais, fundamentada num falso discurso
humanístico, dissimulado pela idéia de ressocialização.

O ideal de Ferrajoli tem como vigas a certeza e a razão na intervenção


do Estado, representando o máximo de bem-estar possível para os cidadãos.
Nessa perspectiva, o autor confere ao direito penal uma função duplamente
preventiva: prevenção de futuros delitos e de reações arbitrárias que partam do
particular ou do próprio Estado. Para tanto, propõe uma revisão dos
fundamentos epistemológicos através da criação de critérios de garantia no
processo, tais quais: o convencionalismo penal, legalidade estrita, cognitivismo
processual e estrita jurisdicionariedade.

Para o trabalho, após a breve exposição do pensamento de Michel


Foucault, é oportuno estabelecer o objeto e os limites do direito penal numa
sociedade que anseia democracia. O estudo do modelo garantista de Ferrajoli
se faz necessário para adoção de uma perspectiva civilizada da punição,
concatenando assim o estudo da punição contemporânea frente à sociologia
de Foucault e ao positivismo jurídico de Ferrajoli.

Na primeira parte do livro, Ferrajoli descreve seu modelo, contrapondo


dois momentos: o primeiro da legislação, que se consubstancia no
convencionalismo, exigindo o caráter formal do critério de definição do desvio e
o caráter empírico das hipóteses de desvio legalmente definidas; e o segundo,
da jurisdição, exigindo a verificabilidade ou refutabilidade das hipóteses
acusatórias, em virtude de seu caráter assertivo, e sua comprovação empírica,
em virtude de procedimentos que permitem tanto a verificação como a
refutação.
12

O Direito Penal está repleto de arbitrariedades. Ferrajoli propõe a


elaboração de um sistema geral de garantismo, dentro do Estado democrático
de direito, que tem por fundamento e escopo a tutela da liberdade e das
garantias do indivíduo contra as várias formas de exercício arbitrário do poder.

2.1 O Garantismo Jurídico e a limitação do poder

Tendo como parâmetros a racionalidade e legitimidade na intervenção


punitiva, Ferrajoli propõe a elaboração de um sistema geral de garantismo,
reconstruindo as vigas mestras do Estado de direito, cujo fundamento e escopo
é a tutela da liberdade do individuo contra as formas de exercício arbitrário do
poder.

O garantismo nasceu voltado para o Direito Penal como resposta às


diferenças entre diploma legal e aplicação. Ferrajoli diz ser o garantismo ainda
um modelo ideal e em grande parte ideológico. Sua formalidade depende do
fato de que os princípios garantistas se configurem como um esquema
epistemológico de identificação do desvio, do máximo grau de racionalidade e
confiabilidade do juízo, para, conseqüentemente sobrevir a limitação do poder
punitivo e a tutela da pessoa contra a arbitrariedade.

O professor Sérgio Candermotori elenca algumas características do


garantismo:

Em nível epistemológico, esta teoria embasa-se no conceito de


centralidade da pessoa, em nome de quem o poder deve constituir-se e
a quem deve o mesmo servir. [...] Como modelo explicativo do Estado
13

de Direito, a teoria garantista consegue dar conta desse aparato de


dominação com extrema competência, eis que o apresenta como uma
estrutura hierarquizada de normas que se imbricam por conteúdos
limitativos ao exercício do poder político. Propõe-se assim um modelo
ideal de Estado de Direito, ao qual os diversos Estados Reais de
Direito devem aproximar-se, sob pena de deslegitimação. Tem-se aqui
então o aspecto propositivo da teoria, ao postular valores que
necessariamente devem estar presentes enquanto finalidades a serem
perseguidas pelo Estado de Direito, quais sejam a dignidade humana,
a paz, a liberdade plena e a igualdade substancial.21

2.2 Aplicação da pena

2.3 Garantismo versus lei e ordem

3. UMA APROXIMAÇÃO EPISTEMOLÓGICA ENTRE FOUCAULT E


FERRAJOLI

A temática insiste na aproximação de Michel Foucault e Luigi Ferrajoli,


dado ao destaque da teoria do garantismo jurídico dentre as novas teorias do
Direito. A segunda parte do trabalho aborda essa teoria do escritor italiano, cuja
notoriedade é de grande preponderância, frente à crise de efetividade do
modelo constitucional vigente.

Para Ferrajoli, seria possível uma busca de racionalidade e legitimidade


na intervenção punitiva, destituindo esse discurso constitucional de função
meramente ideológica. Para tanto, o garantismo se volta à essa divergência de
ordem prática, em que a aplicação dos direitos fundamentais resguardados
como premissa básica de ideário democrático sejam efetivamente aplicadas
nos Estados modernos.

21
CADEMARTORI, Sérgio. Estado, Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1999. P.72
14

A aplicação da pena, a legitimidade do Estado na punição e seus efeitos


na sociedade precisam ser revistos. O discurso jurídico-penal e o próprio
sistema não conseguem provar sua racionalidade. O contexto de um código
penal e de processo penal obsoletos, frente a uma Constituição democrática,
com a aplicação de penas que, em si, não vem trazendo resultados, ora
piorando o estado do criminoso e não prevenindo delitos.

Historicamente, o sistema penal direcionou-se à interioridade do agente,


punindo a pessoa por sua condição diversa. A diferença dos modelos
apresentados pendem entre o desviante pecador e o desviante enfermo.
Entretanto, a transição entre a expiação do passado e o adestramento psíquico
deve ser observada de forma mais atenta, pois Foucault afirma que as luzes
que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas.

Configurando uma teoria limitadora do poder estatal na esfera penal, o


garantismo sustenta grande ordem de importância para prover ao máximo a
sociedade no âmbito social.
15

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio de


Janeiro: Editora Renavan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. (Tradução
Juarez Cirino dos Santos);

BATISTA, N. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro:


Revan, 1999.

CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris,
2003.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado, Direito e Legitimidade: uma abordagem


garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais, 2006. (vários tradutores).

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora


Vozes, 2007. (Tradução Raquel Ramalhete)

LISZT, Franz von. A teoria finalista no Direito Penal. Campinas: LZN Editora,
2005.

LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da


instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005

NÓBREGA, J. Flósculo da. Introdução ao direito. São Paulo: Editora Saraiva,


1987.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Editora
Saraiva, 2006.
16

QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal: deslegitimação versus


legitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001.

ZAFARONI, Raúl, Nilo Batista, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar. Direito Penal
Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. Ed. Revan, 2003.

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