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Histéria e desnaturalizacao do amor e do desejo como falta: Platao, Shopenhauer e Nietzsche. Peter Pal Pelbart! Nada falta ao desejo, nfo lhe falta 0 seu objeto. E 0 sujeito, sobretudo, que falta ao desejo, ou & a0 desejo que falta sujeito fixo; s6 ba sujeito fixo pela repressio. (0 Anti-éd A falta no € constitutiva. A falta é produzida, O desejo é positivo e nao negative (falta). O desejo tem a ver com a poténcia, com a produgo com a criagaio, com a conexio, Percurso que comeca em Platao (emergéncia do negativo) vai a Schopenhauer (radicaliza 0 negativo) e termina em Nietzsche lendo tudo isso de outra maneira. Plato que é do sée. IV a.C., ou seja, 2500 anos atrés, Platiio para quem no sabe foi discipulo de Sécrates, Sécrates falava ¢ Platéo de algum jeito transcrevia. E Platio teve esta generosidade de deixar por escrito os dilogos de Socrates. Ent&io quando eu falar de Sécrates ou de Plato é a mesma coisa, porque um falou ¢ o outro esereveu, mas & num certo sentido para nés aqui um mesmo personagem. E 0 didlogo que me interessa é um didlogo Socritico de Socrates, chama-se: “O BANQUETE” que alguns de voces certamente jé tiveram a curiosidade de freqiientar. Eu vou situar brevemente este didlogo para a gente poder introduzir a questo, olha, eu estou falando de 2500 anos atris, mas eu estou falando de hoje, entio néo é histéria, néo é arqueologia, depois até eu vou, no final, tentar mostrar 0 quanto eu estou falando de hoje. Entéo a cena do Banquete é a seguinte: tem um jantar comemorativo na casa de um poeta que acaba de ganhar um prémio num concurso de tragédias. E um jantar € neste jantar estéo todos os convidados comemorando e eles resolvem instituir ali outro concurso no meio do jentar ¢ entdo no € mais um concurso de tragédia, mas sim um. concurso de oratéria, cada um deles entéo faria um discurso a0 amor, quem fizer o discurso mais belo venceré este concurso. ‘Um dos convivas presentes neste jantar conta tudo o que aconteceu neste banquete a outra pessoa (depois que ele jé aconteceu), que conta a outra pessoa, um amigo, ¢ este amigo depois de alguns dias conta o que ele ouviu a um grupo de amigos ¢ isso que esta transcrito no banquete ¢ um relato indireto de terceira mao. Entéo nés nao temos acesso diretamente ao banquete, mas ao relato que um amigo esta fazendo a um grupo de amigos e neste relato ele conta os varios discursos feitos a0 amor durante este jantar e que sio em mimero de 7, eu vou falar s6 de 2 entre cles que a meu ver so os mais significativos para os meus propésitos aqui, um deles € de Arist6fanes e 0 outro do préprio ‘Socrates. Entéo Aristéfanes é um autor de comédias ¢ de sétiras politicas muito conhecido na época ¢ o Arist6fanes conta um mito ancestral para falar do amor, diz ele o seguinte: “No inicio havia trés géneros, um masculino, um femninino e um terceiro andrégeno, cada individuo, no infcio, era uma espécie de duplo, ow seja, ele tinha o dobro do nosso tamanho, ele era constituido como que pér duas pessoas acopladas de costas, digamos que eu ¢ Margarete fossemos, estivéssemos de costas assim ¢ coldssemos um ao outro, esse seria um individuo. Entio o individu masculino era constitufdo por duas partes masculinas, 0 feminino pdr duas partes femininas e o individuo andrégeno é constituida por metade masculina e metade feminina, Entio imaginem cada individuo com 4 pernas, 4 maos, 4 olhos, 4 orelhas, 2 bocas, etc. E também com 2 sexos, obviamente ¢ esses individuos eram muito grandes ¢ muito fortes, e diz Aristéfanes - aqui eu vou ler um trechinho s6 para voc8s sentirem um pouquinho a sonoridade mitica do texto: “..E quanto ao seu andar era também ereto como & agora em qualquer das duas diregdes que quisesse, mas quando se langavam a uma répida corrida como os que ‘cambalhotando ¢ virando as pemnas para cima, fazem uma roda, do mesmo-modo apoiando-se nos seus 8 membros de entio, rapidamente eles se locomoviam em cfrculo eram pér conseguinte de uma forga e um vigor terriveis e uma grande presuncio eles tinham”. E entdo vooés imaginem 2 palhagos que se juntam pelas costas ¢ vao girando, eles tem uma mobilidade muito grande porque eles podem virar de qualquer lado, é uma roda, e diz Aristéfanes, que se atribuia a estes individuos tamanha presungdo que eles tentaram fazer uma escalada ao céu, ¢ obviamente isso encheu os deuses de iraentio depois de muita reflexio Zeus que é 0 rei dos deuses resolve o seguinte, tendo em vista a Presun¢o destes seres que querem subir aos céus diz ele ¢ ai também eu Icio um trechinho: “Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperanea, tornando-os mais fracos, agora EU (Zeus) 08 cortarei a cada um em dois, ao mesmo tempo eles sero mais fracos e também mais diteis para nés pelo fato ‘Transcrigao integral nao revisada do mini Curso Desejo, ministrado na I Jomada de Psicologia da UFSM, 1997. de terem se tomado mais mumerosos e eles andarfio eretos sobre 2 pemnas ¢ se ai, ainda pensarem em arrogancia ¢ no quiserem acomodar-se de novo eu os cortarei em 2 e assim sobre uma perna $6 eles andarao saltitando”. Olha que ameaga terrivel transformar todo mundo em Saci-pereré para ndo terem a presungdo de quererem tomar de assalto 0 eéu que ¢ dominio exclusivo dos deuses. E Aristofanes continua 0 seu relato dizendo que a cada um que Zeus cortava ele mandava Apolo (que & outro deus) voliar-Ihe o rosto e a banda do pescogo para o lado do corte, afim de que contemplando a propria mutilapao fosse mais moderado o homem. Apolo toreia-thes 0 rosto, é como se no comeso, digamos o individuo seria 2 acoplados 1 de costas para 0 outro, mas com a cabesa virada para o lado, entio cortou ali, um pouco tem de imaginar que a cabega vira para o lado do corte, endo nem é de costas na verdade seria de frente ¢ iz Arist6fanes que virando a cabesa para o corte cada um se tomaria mais moderado ¢ Apolo repuxaria a pele de todos os lados no corte pra que o que agora se chama “ventre” ali se faga uma amarraco da pele como se fosse uma ‘rouxa e nesta ligagdo da pele toda cortada que se amarra surge o umbigo. Ele da uns otttros exemplos um pouco mais macabros de como Apolo lixou 0 peito de cada um, que estava em came viva, como faz um sapateiro, etc. Muitos exemplos curiosos um pouco anedéticos, mais o que me interessa deste mito do Aristéfanes € 0 desfecho. Diz Arist6fanes, por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou por 2, ansiava por sua propria metade e a cla se unia envolvendo-se com as mios e enlagando-se um ao outro num ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia, em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. Entio vooés vejam que é uma espécie de teoria sobre a fusdo e seus efeitos mortiferos, corta-se um ser em 2 e cada metade anseia por inatividade. E ai & que Zeus tomado de compaixo por esse destino dessa espécie que iria fatalmente acabar, resolve entao mudar 0 sexo deles para frente (até entio tinham 0 sexo virado pro lado) ¢ ai eles se reproduziriam um ao outro quando se juntassem. Endo mais como faziam os seres anteriores, aqueles outros redondos e duplos que tinham uma relagio erética com a terra e nao ‘entre si, Tem um livro para quem.. ‘A antiga natureza una, o amor é a tentativa de reencomtrar 0 complemento perdido, o amor é a tentava de curar a ferida do corte, curar a ferida do corte. Nisso consiste o amor, nesta procurar pela restituigio de uma inteireza origindria, de uma completude, o que moveria os seres sezundo AristOfanes seria esta busca de um estado primitivo. Esta nostalgia pela integridade primeira, esta saudade daquela unidade origindria daquela totalidade que foi rompida, © mito € tanto mais curioso quanto nés, por mais que o achamos meio grotescos nés de alguma maneira nos reconhecemos plenamente nele, vejam 0 amor instaurando a partir do corte, a0 mesmo tempo o amor, uma nostalgia dessa inteireza primeira, mas também a impossibilidade dessa restauragdo integral, essa incompletude constitutiva, quem ndo sente a.que ponto nossas teorias modemas sobre o desejo giram entomo desta temitica, o corte, a nostalgia Pela integridade a impossibilidade de restaurar essa inteireza primeira, a incompletude constitutiva, sto definigdes completamente contempordneas sobre 0 desejo, sao elementos que queiramos ou no compde 0 nosso imaginario do desejo. Tem um outro elemento nesse mito que me interessa muito, esse de que esta tal completude originéria dos seres Guplos geravam uma grande forga, isso esté no texto do Aristéfanes, né? Eles eram muito fortes, eles tinham uma poténcia extraordinéria, eles tinham uma arrogancia até, uma soberbia, uma presunedo que culminou na tentativa dlesses seres, de tomarem de assalto 0 proprio eu. Olha s6, € diante dessa forga, dessa poténcia e dessa presungio que a estratégia de Zeus é extraordinariamente simples: enfraquecer os insurretos humanos, quebrar-Ihes 0 orgulho, olha 59 vou até carregar nas tintas: 0 propésito de Zeus é tornar os humanos impotentes, feridos, mutilados, doentios, cada uum carregando a sua ferida, torné-los carentes (cada um carente de sua metade), e nada melhor do que o desejo para realizar tal projeto; Zeus instaurou ai um corte que deu lugar a este desejo e que toma os humanos fracos, entiio voces ‘Yejam que curioso isso mereceria uma reflexio muito mais detida, eu vou passar aqui supersonicamente sobre este tema, mas voeés vejam que tem aqui articulada uma certa ideia sobre a fraqueza politica que Zeus quer introduzir nos homens, uma fraqueza politica, uma idéia sobre a incompletude do homem, essa incompletude intrinseca a0 desejo e em suma uma relagao entre desejo ¢ docilidade, porque o desejo é uma incompletude e a incompletude € uma fraqueza por que tora os homens mais servis ¢ mais enfraquecidos. Entéo eu nfo quero forgar muito este texto do Banquete para além da conta, embora eu nao tenha nada contra usar mitos e viajar através deles para poder penser, mas ¢ evidente que tenha aqui um misto de uma determinagto politica por parte dos deuses, de prolongarem sua dominagio sobre os homens ¢ ao mesmo tempo de produzir nos kumanos uma insuficiéncia, uma faqueza, uma debilidade chamada desejo. Disso n6s poderiamos ao menos extrair uma ligdo muito geral que nés aprendemos também com Michel Foucault, que © poder nos quer fracos, jé nfo estou mais falando de Zeus, é de hoje, © poder nos quer fracos, impotentes, Goentios, 0 poder nos que insuficientes, incompletos, inquietos com esta incompletade ¢ esta estratégia do poder passa pelo desejo. © poder nos quer fracos e usa o desejo para conseguir esta impoténcia. O que eu quero dizer com este mito do Aristéfimes é que nele fica claro a que ponto a fundago do desejo e a constituigso de uma insuficiéneia vio de par com a manutensao de um poderio. Em outras palavras para ser muito mais simples eu diria: a questo do desejo e a questio do poder sto indissociaveis, este mito mostra isso 2500 anos antes de Foucault ter formulado isso a0 seu modo de que a questdo do desejo e a questo do poder so indissociaveis. Aj acabou esse discurso de Aristéfanes que é divertido que ¢ estranho ¢ entra o de Séerates, voces vio ver 0 que é que ele aporta de novo ou de diferente disso que nds vimos com Aristéfanes. Nao é bem um discurso que Sécrates faz na sua maneira, ele faz assim um didlogo, para quem jé leu um didlogo Socritico, é um género muito curioso, cle vai fazendo perguntas a um interlocutor ¢ ele extrai desse interlocutor uma espécie de sabedoria, de revelagéo, ou por exemplo ele pergunta ao interlocutor 0 que vocé acha que é a justiga, e ai o interlocutor vai falando e Sécrates vai mostrando como tudo o que ele diz entra em contradigtio com ele mesmo, 0 cara comega a fazer um discurso pomposo ¢ Sécrates vai minando esse discurso pomposo, Sécrates finge uma espécie de ignordincia de no saber e devagarzinho vai levando o interlocutor a um beco sem saida a um impasse até desmonté-lo inteiramente e faze-lo ver a que ponto ele nao dizia coisa com coisa, Entdo tem em Sécrates uma fineza, uma ironia ¢ ao mesmo tempo um rigor, mas tudo assim num zig-zag curioso em que ele vira e mexe interrompe o raciocinio para introduzir um mito que vai ilustrar ¢ fazer saltar 0 pensamento para outro nivel e isso eu vou ter que mostrar um pouquinho agora, nio é dificil & mais estranho para nés, mas tem sempre um frescor impressionante, entio no caso do “Banquete” 0 interlocutor de Sécrates ¢ Agatdo, é Agatéo que veio antes dele com seu discurso ¢ a quem Sécrates vai fazendo pergunta do seu estilo tao inconfundivel onde cada pergunta jé é um filete cortante, Para Socrates saber qualquer coisa & saber definir esta coisa. Quem nao sabe definir, fala sem saber, néo sabe 0 que fala, néo diz coisa com coisa ¢ acaba discordando de si mesmo e dos demais e definir uma coisa € atingir a sua esséncia, Entio ao invés de Sécrates arranjar argumentos sobre o amor ou de florear os méritos ou as caracteristicas do amor o que importa a ele € definir o amor, examinar a sua esséncia a sua natureza para depois verificar os seus efeitos. Olha s6 a perguntinha que faz Sécrates para Agatio =O amor € amor de nada ou amor de algo? (repete) E Agatao responde: - Eamor de algo. Eu vou deformar um pouquinho as frases do diélogo para ficarem um pouco mais simples, assim numa disposigao oral. E Sécrates pergunta entio: ~E 0 amor deseja e ama quando ele tem isto que ele deseja e ama ou quando ele nao o tem? (repete) Agatio responde: ~ Quando nfo o tem. Ento olha 6 sio duas frases, Sécrates terrivel, terrivel, com 2 frases olha $6 0 que ele montou: “O amor é amor de alguma coisa, (parece truismo, isso totalmente dbvio), o amor sé existe em relagao a alguma coisa que est fora de si, coisa esta que o amor nao possui”. Ai Socrates arremata (af j4 é ele que fala) ¢ essa frase marcou o Ocidente inteira até os nossos dias: “Quem deseja, deseja aquilo de que é carente” (repete). Sendo que nao deseja se nfo é carente, Sécrates entdo introduziu aqui a nogdo de objeto da relagaio intrinseca do desejo com o seu objeto, com algo que esti fora daquele que deseja. Mas, pondera Sécrates, acontece de se desejar aquilo que j4 se tem. Por exemplo: digamos que eu amo Teresa e eu tenho Teresa, como pode ser entio que eu desejo aquilo que eu j4 possuo? Neste caso diz Socrates: “O que se deseja € simplesmente prolongar no futuro isso que se tem hoje”. Amar entio seria neste caso querer o que se tem agora também no futuro. Querer que no futuro se conserve isso que se tem no presente ¢ entdo Sécrates resume ao definir este tipo que tem o que deseja ~é 0 sujeito que tem o que deseja- e no entanto continua desejando diz ele: “Este entéio como qualquer outro que deseja, deseja 0 que néo esti a mio nem consigo”. O que € que ndo esté a mao nem consigo? O futuro, Ele deseja o futuro, se cu tenho Teresa ¢ a desejo eu a desejo no futuro, 0 futuro dela eu nao tenho, eu tenho ela no presente. Desejo entio este desejo, esse entéo como qualquer outro que deseja, desejo 0 que no esté a méo e nem consigo, o que ele nao tem que é 0 futuro, 0 que no ¢ ele proprio ¢ 0 de que ¢ carente. Tais so mais ou menos as coisas de que hé desejo ¢ amor, mas uma dificuldade se impée - eu vou pular esta dificuldade, no é muito substantiva, para gente tornar claro o que esta idéia essencial do Socrates. Olha s6, 0 que Sdcrates fez foi definir o amor e ele o definiu da maneira mais simples © cortante: “O amor é por natureza caréncia, caréncia de um objeto, objeto que viria suprir esta caréncia”, No entanto nés vimos agorinha que é impossivel. Essa caréncia ndo pode ser sustada nem preenchida, visto que no mesmo quando se tem o que se quer néo se o tem para sempre porque ndo se tem o futuro de modo que o amor segundo Socrates é sempre escavado por uma certa falta de ser objeto ou pela falta desse objeto no futuro. Vocés percebem que nés nao saimos da légica anterior do discurso do Aristéfanes simplesmente Sécrates dé 2 ela uma definicéo mais rigorosa, a saber, a Iogica da incompletude. E Sécrates nesse momento do diélogo introduz mais um personagem € ai que ele faz um pequeno desvio para contar uma estéria meio mitica sobre uma tal de Diotima que era uma parteira ¢ que ela era muito entendida de assuntos do amor e tudo o que ele sabe sobre o amor ele aprendeu dela e Diotima, ssa parteira que ele conheceu a muito tempo atrés, Diotima contou para ele qual era a proveniéneia do amor, como nasceu o amor. Eros € um deus. Como nasceu o amor, ele nasceu da seguinte maneira: “Um belo dia teve uma festa na casa de Afrodite que ¢ a deusa da beleza, aliais foi no nascimento de Afrodite que se fez uma festa, os deuses fizeram um bbanquete pera comemorar o nascimento da deusa da beleza: Affodite e tinha nesta feita um sujeito, um deus chamado Poros que a gente pode traduzir pér esperteza, asticia ou recurso ou experiente, vamos ficar com esperteza. Entio estéo 14 os deuses no banquete, est a Esperteza comemorando ¢ depois do jantar aparece na soleira da porta um mendigo chamado Pénia pobreza e que aliais é uma indigente ela fica ali plantada na porta, o Esperto o Esperteza ‘amos chamar de espertinko, esta ali embriagado com o néctar e pelo visto ele nao ficou muito esperto porque pobreza 0 atacou e fez com ele um filho no terrago. Entio o filho de pobreza com esperteza chamou-se “Eros”. Como isso se deu na festa de Affodite que é a deusa da beleza, daf a relago de Eros - amor com a beleza. Mas 0 que me interessa sobre tudo é que o amor € filho de pobreza Pénia. © amor ¢ sempre pobre, em que sentido ele sempre é um mendigo e um indigente como esta Pénia que era uma indigente na festa, ele é sempre carente, isso pelo lado da mae, pelo lado do pai ele é espertinho, ele é insidioso, cle ¢ maquinador, cheio de estratagemas, recursos, mas logo em seguida ele perde tudo € de novo ele est na indigéncia ¢ le oscila entre @ abundancia © @ pobreza. Bom tudo isso tem muito desdobramento, eu néo vou expor aqui o desdobramento platénico, que é mais complexo, e que tem mais haver com a filosofia. O que me interessa aqui ¢ esta idéia de que o amor busca algo de que ele careve, o amor entio ele mesmo jé nao 6 um deus, ele jé néo é auto suficiente mas ele também nao é um mortal, ele ¢ filho de uma mortal com um deus, se ele nao é um deus ele é esse infermedidrio entre deuses e homens que serve para transmitir aos homens o que vem dos deuses e para transmitir aos deuses o que vem dos homens. O amor tem uma fungdo de complementagio entre a terra e 0 céu, entre os homens ¢ 08 deuses, entre aquilo que se separou. Bom com os elementos colhidios até agora nés ja podemos ao menos amarar algumas pequenas coisa: o amor busca algo que ele nfo tem, o amor busca algo que ele earece, o amor busca algo que esti fora dele, o amor busca algo que © preencha, o amor busca algo que o preencha sempre, ¢ lembra a estoria de querer o futuro, 0 amor busca entdo algo que seja perene, eterno, imortal... FITA2-LADO A como incompletude, como precariedade por um lado, por outro 0 desejo como essa aspirasio ao divino, ao etemo, a0 imortal. Em termos menos gregos ¢ mais modernos eu diria hd ai uma relago em que a imortalidade almejada no objeto compense a mortalidade do sujeito percebem a imortalidade que se espera que 0 objeto possa dar sempre compensa a mortalidade do proprio sujeito, pereebem, a mortalidade que se espera que o objeto possa dar sempre compensa a mortalidade do proprio sujeito. A etemidade que o objeto Ihe promete deve compensar a minha precariedade, a perfeigio do objeto deve compensar a minha imperfeigao. O divino do objeto deve compensar 4 minha condigao humana. O que ¢ que me interessa nesses pares, da perfeigao, imperfeigdo, etemidade, mortalidade, completude, incompletude, 0 que me interessa é esta dialética da dependéncia, eu dependente disso que eu almejo, ex dependente desse preenchimento, eu dependente desta compensagdo que 0 cbjeto pode me oferecer em relagig as ‘minhas insuficiéncias, caréncias, precariedades, etc. E essa dinamica que eu chamaria de religiosa, essa dependéncia ¢ essa promessa que 0 objeto me oferece e a minha vida em fungdo desta dependéncia ¢ desta promessa € uma estrutura religiosa, entio é ai que eu vejo nesta dinémica religiosa e que alguns dizem que constituem um componente do psiquismo humano, essa dialétiea dizem que o psiquismo humano € isso mas valerie a pena pensar que esta dialética, esta forma que tomou o desejo é um forma histérice que assumiu o amor, ou melhor, é uma concepeao do amor que surgiu Id entre os gregos que marcou a histéria do ocidente, mas é uma concepgio do amor. no necessariamente a Unica. Pra Plato isso tudo no € nenhum problema essa polaridade, imperfeicdo, perfeicao, precariedade, perenidade, incompletude, completude, isso tudo para Plato nfo é problema porque para ele isso ‘apenas serve como uma espécie de propulsor que eleva os homens a uta esfera inteligivel em que eles contemplam a idéia ¢ isso 56 estimula a conversio para a filosofia onde pela filosofia nds sim poderiamos encontrar estabilidade, imteireza, perenidade que a nossa condiydo mortal nos nega. Para as rligides tampouco hé ai qualquer problema, por Gué? Porque essa polaridade entre a nosse finitude ¢ a infinitude de Deus para as religides essa polaridade entre a nossa finitude e a infinitude de Deus, ela apenas garante o nosso desejo de Deus, as religides reafirmam essa Polaridade, porque isso garante o nosso anseio por Deus entéo © problema é quando ja nfo se trata das idéias de Platiéo ou quando j néo se trata do Deus das religiées, o problema € quando nés evacuamos esta paisagem Socrética ou cristd ¢ quando nés admitimos que afinal fomos reconduzidos a esfera das coisas terrenas, 0 problema endo € quando nés nio falamos nem de alma, nem de Deus ¢ nem do mundo das idéias percebem? No entanto quando nés ‘do falamos nem de alma, nem de Deus e nem do mundo das idéias porque nés somos moderninhos, no entanto nés continuamos funcionando com a mesma matriz de um desejo concebido como caréncia, como dependéncia, como insuficigncia de ser, desejo como insuficiéneia de ser, desejo como incompletude, desejo como nostalgia pér uma inteireza perdida ¢ © objeto continua a ser concebido como promessa de completude que vem de fora como uma miragem de preenchimento que supriria a minha falta. E dessa matriz que eu estou falando. Essa matriz atravessou os tempos, nés deixamos cair 0 mundo das idéias, deixamos cair Deus, deixamos cair a prépria idéia de alma, no entanto conservamos a matriz.o modo de funcionamento, é uma matriz que nés podemos batizar de Transcendente, em que sentido transcendente? Algo que vem de fora que vem de cima e que vai suprir 2 minha falta, eu repito essa matriz transcendente diz respeito a alguma coisa que vem de fora que vem de cima ela me transcende assim-¢ um uso restrito, transcendente poderia ter outros ai de sentidos também, mas é que eu estou usando para isso - algo que esta fora ou acima e que vai suprir a minha falta, essa matriz esta inteiramente intocada ela permeia nossos discursos € nossa vivéncia do desejo. Agora claro nés somos mais sofisticados, nos jé no acreditamos neste objeto salvador, tal como fazia Plato pér exemplo ao propor a contemplacdo das idéias e da beleza em si, Nés nao acreditamos mais neste objeto que viria nos salvar. Eu diria que nés somos até mais tristes, por qué? Porque nés fazemos da resignagto esta carGncia uma nova religiosidade. Eu vou explicitar um pouquinho: eu disse o desejo foi definide como caréncia, entdo neste sentido essa carénoia sempre anseia pér uma completude e esse anseio é religioso na sua matriz, mas eu disse também que agora nés somos mais sofisticados do que isso que nés jé ndo acreditamos que algum objeto qualquer possa suprir nossa caréncia nem Deus nem 0 outro, etc.; EntZo nés incorporamos a resignago sobre esta impossibilidade ¢ fizemos da resignagéo uma nova religiosidade, a religiosidade nao é sé o anseio pér uma completude mais e mais sofisticadamente a resignagao da impossibilidade de superar esta incompletude, ento 0 que eu queria mostrar € que isso nfo muda nada essa sofisticagdo nova ndo muda ela apenas produz nesta matriz da transcendéncia uma dobra suplementar que interioriza ainda mais esta matriz, porqué? Porque interioriza, porque 0 desejo passa a ser visto ndo mais como uma caréncia a ser suprida, mas como uma caréncia a ser interiorizada, como uma caréncia a ser assumida, ndo sei se fica claro este ponto que jé fica mais sofisticado, nosso desejo sofreu esta transformagio curiosa e que nao é mais visto como uma caréncia a ser suprida, mas como uma caréncia a ser assumida, imteriorizada, é uma religiosidade ainda maior porque? Porque nds continuamos com isso na mesma concepslio do desejo como indigéncia, como mendicancia com toda a lamiria que decorre dai, € uma concepgio lamurienta do desejo, chorosa, chorona e se isso nao fosse suficientemente entristecedor é preciso lembrar que a caréncia, a lamiiria so o terreno mais fértil para os sacerdotes exercerem o seu poder, a caréncia e a lamiiria s80 0 " ria, ele cultiva a lamiria alheia, ele aprofunda esta ‘Veja todas as igrejas coneretas, 05 reinos tniversais, as igrejas universais do reino de Deus, etc. Eles cultivam a lamitria, aprofundam a latiria, é af que eles séo chamados para aliviar a dor eles aliviam, porém, intensificam a dor, cles intensificam, porém, aliviam, vivem disso é esse o comércio deles. Mas eu estou falando nao dos padres agora, para a gente ampliar a visto de sacerdécio do meio psi, temos muitos sacerdotes, muitissimos sacerdstes. : rae See ‘A transcendéncia, essa matriz que eu estou tentando mostrar, a matriz transcendéncia e sacerdécjo vio junto e quando 0 desejo se desdobra sob o signo da transcendéncia ¢ do sacerdécio ele vira uma paixao triste, ele vira uma impoténeia. Quem melhor analisou esta dialética da transcendéncia ¢ essa titica do sacerdote, essa de produzir caréncia olha s6 0 que eu estou falando: “produzir caréncia” e explori-la em proveito proprio, quem melhor anelisou isso foi Nietzsche. Entiio eu diria para concluir esta conversa: todo o discurso sobre a caréncia, 0 desejo como caréncia, todo o discurso da caréncia é o pantano onde vicejam os sacerdécios, ja nfl & Zeus so os nossos sacerdotes © esse pantano onde vicejam os sacerdotes ¢ um péntano que o poder cultiva ¢ que ele explora, é onde ele deita suas raizes por isso que eu mostrei lé atts a relagiio de Zeus com a instauragio da caréncia. Entéo para poder livrar 0 desejo da garra do sacerdote para poder livré-lo, livrar 0 desejo dessa marca da caréncia é preciso operar uma conversio ¢ esta converséo consiste em desvincular o desejo da impoténcia, desvincular o desejo da idéia de caréncia, idéia essa que foi definida jé pér Sécrates hé 2500 anos e essa conversfo consiste néo s6 em desvincular o desejo da impoténcia ¢ da idia de caréncia, mas também conectar 0 desejo com a idéia ndo de impoténcia, mas sim de poténcia desejo, como poténcia nao como impoténcia. ‘Antes de iniciar Nietzsche, eu preciso falar de outro autor que Schopenhauer. Eu vou falar um pouco dele. Se eu tivesse uma lousa aqui eu escreveria como € Schopenhauer. Schopenhauer ¢ um fil6sofo aleméo do século pasado. Este fildsofo disse uma coisa muito surpreendente. Ele disse que a Esséncia do mundo é a vontade, ou seja, a esséncia de tudo e qualquer coisa, é o que a gente também poderia chamar, com outro termo, o “querer”. Por exemplo: Eu. Através do meu corpo, diz Schopenhaner. Sinto que ha om mim, um querer que me impele. Me impele para n coisas. Me impele para comer, para falar, me impele para amar, ete. O querer, diz Schopenhauer, domina todas as demais funedes. E o querer que faz o meu corpo tender para as coisas. EntZo, eu vou adiantando quando eu digo Vontade ou, quando, eu digo Querer. Poderiamos entender de uma maneira mais moderna, Desejo. Entio, Schopenhauer, esti dizendo que 0 Desejo € a esséncia do mundo. E todos os seres, diz Schopenhauer, de alguma maneira participam de um mesmo e tinico e universal Querer. Isso significa que existiria entre nés todos, uma identidade de fundo, Uma. espécie de unido indissolivel, que liga cada um de nés a esse Querer Universal. Entio, para Schopenhauer, existe um tnico Querer. E todos nés somos que encarnagdes individualizadas deste Querer Universal, desta Vontade Universal ou desse Desejo Universal. Entio, se por uin ldo, 'n6s vemos pessoas muito diferentes, corpos muito distintos tendendo para coisas muito diferenciadas, Schopenhauer, diz que isso é um pouco uma iluséo. Porque todos nés somos parte de um tinico querer que pulsa uniformemente. E uma idéia um pouco brimane oriental que diz, 0 mundo € uma espécie de ilusdo, Porque nés vemos muitos sseres, No Entanto, isso, € uma espécie de véu de maia, Se a gente rasga o véu a gente v8 que todos somos um tinico sen E para Schopenhauer € isso. Todos somos um tinico ‘querer, uma iinica vontade, O que interessa nessa idéia de Schopenhauer & que, nés, somos a expressiio deste querer € 2 questo é o que quer este querer, que quer através de nds. Nés queremos 0 tempo todo. Querendo uma idéia... Um café, ete. Querer todos queremos 0 tempo todo. E a questio é para Schopenhauer, por exemplo, é ume prova de que nds somos expressao de um querer incessante. Eo que & que sos queremos, ou melhor, o que € que o querer quer? Nés temos objetivos precisos, mas, o que é que no fundo o querer quer, quando ele quer? J que ele quer o tempo todo. E Schopenhauer vai dar uma resposta absolutamente espantosa. Ele vai dizer: “O querer quer querer”. Claro, ele usa pequenos objetivos, eu quero agora um cigarro depois eu quero outra coisa. O fato € que eu vou mudando de objeto, porque no findo 0 que eu quero é querer. © que © querer visa é a prépria repeticio de si mesmo. Entdo, percebe-se ai, uma idéia um tanto absurda...O ‘querer nao tem causa e o querer nio tem finalidade, Nao € que eu quero porque alguém disse. Nao. E nao é que eu quero para. Nao. Eu quero! Eu quero querer. Entiio, 0 querer ndo tem causa nem finalidade e também nao tem limite. O querer ¢ insacidvel. Ele nunca descansa. Por mais que ele atinja o seu objetivo manifesto ele nunca esta satisfeito. Eu quero uma coisa, logo ane ou atinjo esse coise eu quero uma outra coisa ¢ logo que eu atinjo esta outra, eu quero uma terceira, F assim, sucessivamente. Segundo Schopenhauer, 0 homem sé faz passar de uma insatisfacao para outra. Ele passa de uma inquietude de nao ter o que ele quer ainda, para logo tendo o que ele quer sofrer uma insatisfacao de tédio ¢ logo em seguida entdo, ele passa a querer outra coisa. Entifo, de novo, vem a insatisfagao de ainda nao ter o que se quer. E ai, ele consegue o que ele quer € novamente vem o tédio. A idéia de Schopenhauer alucinante ¢, de que nés passamos Constantemente da dor do desejo, porque dor, do que nés ainda nao temos o que nés queremos, ao tédio, porque tédio posal femos o que nés queremos. E nés oseilamos entéo, entre o desprazer daquilo que nos falta ao desp-azer do fastio. E essa é a nossa roda de suplicios. Fao, nés vamos da falta ao téio, do tédio falta. E assim percebe que tem aqui em Schopenhauer, uma idéia de que © querer é absurdo. Porque ele nunca pare, porque ele nunca se sacia. Ele nem mesmo tem objetivo, o objetivo dele € ele mesmo. Entao, ele ¢ absurdo. Esse querer nio tem sentido. E nds que somos expressio desse querer, nés 0 tempo todo nos enganamos. Nés achamos que queremos alguma coisa pér ela mesma. Mas, Schopenhauce diz, née hos iludimos. Porque assim que nds atingimos essa coisa... Sem descanso, desfecho. Major exemplo para Schopenhauer & nossa vida sexual. Em que n6s estariamos tiranizados. Pot um apetite incessante, repetitvo, que jamais deseansa. Nés perseguimos um objeto, que logo em seguida nés nos cansaimon dele © assim sucessivamente, E nisso nés s6 obedecemos a um decreto da espécie, que é reproduzir. Nes achamos que queremos, porque nés queremos alguma coisa. Mentira. Nés queremos porque o querer quer querer e, nés somos meros escravos do querer. E uma idéia do Schopenhauer muito pessimista e que identifica o querer com um eterno softimento. Como a espécie de lassidéo. E af toda a pergunta de Schopenhauer ser a seguinte: como interromper este suplicio do querer? Como agiientar esta vontade insacivel, como apaziguar este monstro, como liberar-se desse circulo infernal do querer? Eu obviamente no bosso desenvolver a resposta que dé Schopenhauer a esta pergunta, que é muito complexa, Eu s6 vou dizer 0 que esté na conclusdo dele. O que tem como conclusao para Schopenhauer é um ideal de arquitetamento deste querer. Na verdade, Schopenhauer, est tentando sugerir um bdlsamo para esse querer ou para essa vontade. E qual seria este bélsamo? Seria uma espécie de rentincia, de asceso. E um ideal um pouco nirvanico. Nao querer para nao sofrer. Um grau zero de querer para nfo ter tensio nenhuma. E uma concepgao de Felicidade, Felicidade seria o grau zero de tenstio. Quando eu tenho alguma tensdo, alguma inquietude, alguma Yontade, jé tenho softimento. Entio, que estranho é o ideal do Schopenhauer ... Querer 0 ndo querer. Nao querer, querer. Renuneiar o querer pata ndo sofrer, com tudo aquilo que o querer implica de softimento, Entio... Olba a diferenga com Plato. Em Plato, o desejo quer aquilo de que ele carece. E esse aquilo promete preencher esta lacuna. Esse objeto desejado promete completar aquele que deseja. Endo, tf ai uma definicao de desejo. Desejo quer aquilo de que ele carece. Para Schopenhauer © querer nem ‘mesmo visa a algum objeto a algum preenchimento. O querer é mais radicalmente ainda, ele é constitutivamente uma insaciabilidade irremissivel porque o querer nem mesmo quer um objeto. Ele usa um objeto apenas para continuar querendo. Uma coisa é querer um objeto outra é, querer o querer e usar um objeto apenas para alimentar essa roda do querer, essa roda que gira por conta propria, num movimento frenético, porém, vazio, Entio, percebe-se em Schopenhauer, essa caréncia ou essa insaciabilidade ¢ muito mais radical do que em Platao. ‘Nem mesmo sobra um objeto que eu queira, & 0 querer como um movimento etemo, vazio e sem sentido. E dai, essa solugio que dé Schopenhauer: Querer no querer ou no querer, para se libertar dessa tirania, desse despotismo do querer. Formulando modemamente, seria desejar 0 no desejo. Querer um nada de querer. Entéo, nessa concepedo do Schopenhauer, o querer ja é um cansaco. Querer é um sofrimento que cansa. Tem um esgotamento suscitado dessa roda de querer que nos inferniza. E tem uma tentativa de buscar aquele nirvana que é ‘como uma aboligao de todo o querer. Eu diria é um nada de querer, é uma espécie de niilismo. Niilismo como um desejo de nada. E um niilismo do desejo. E uma espécie de suicidio do desejo. Nietzsche Jeu Schopenhauer ¢ leu muito profundamente. Qual o problema Nietzsche, com Schopenhauer € que Nietzsche néo podia aceitar esse caréter sofredor, pessimista, negativista, suicidério da vontade. Ao invés entdo de discutir, se a vontade © ou querer, essa definiedo do Schopenhauer, Nietzsche, acabou entendendo essa teoria do ‘Schopenhauer sobre a vontade como um sintoma. Essa vontade assim, concebida com absurda, como insacivel, como querendo sua prépria anulacio. Nietzsche viu ai, o sintoma de uma doenga. Viu af o sintoma de uma morbidez. Ele viu nisso uma espécie de fraqueza vital. S6 uma vontade extenuada identifica querer e sofrer. S6 uma vontade débil quer nao querer, s6 uma vontade degradada na sua forga, quer suicidar-se como vontade. Porque para Nietzsche, Or defini¢ao, a vontade é outra coisa. A vontade ndo quer abolir-se. A vontade quer a poténcia e nao 0 suicidio. Dai vem esse conceito fundamental em Nietzsche que éa vontade de Poténcia. Esse € um conceito central em ‘Nietzsche. Chamado a Vontade de Poténcia. A vida diz Nietzsche, é vontade de poténcia. E uma definicdo. Mas se a vida é vontade de poténcia, como explicar que Schopenhauer quer o nada, como explicar que tantos querem nao querer e é essa idéia do Nietzsche, de que essa é a doenga da civilizagao Ocidental. Um belo dia nossa cultura com uma vontade j4 muito enfraquecida resolveu reverenciar coisas que 14 do alto Ihe dessem sentido. Pér exemplo Deus, Pér exemplo a verdade, por exemplo as idéias, ou seja, num certo momento a vontade, a vida muito enfraquecida resolveu que ela mesma nao tinha mais sentido. E que o sentido sempre Ihe viria de alguma outa instincia, superior e transcendente. E a partir deste momento a vida mesmo foi desvalorizada e foi privada do seu sentido. E ai entao, uma vida fraca enfraquecida quer 0 minimo de tenséo. Para Nietzsche, diferentemente de Schopenhauer, no existe uma vontade una da qual nés seriamos cada um expresso individualizada, Para Nietzsche o que existe so miltiplas forgas em luta. Uma pluralidade. O mundo niio € uma vontade, o mundo é uma pluralidade de forgas em luta. E essas forgas se juntam, se aglomeram, criam aglutinagdes de forgas. Por exemplo: © meu corpo. O meu corpo é uma aglutinagdo de Forgas, é um agregado de forga. E 0 meu corpo ndo é bonzinho, o meu corpo quer dominar aquilo que esté a sua volta. Ele quer impor o seu dominio ao seu entorno. O meu corpo cria uma certa perspectiva do mundo, organiza esse mundo, em fungdo da sua atividade, da sua forga, da sua poténcia, Ele hierarquiza os seres de acordo com a sua perspectiva. Ele submete tudo 0 que est a sua volta, a sua vontade. E essa vontade, quer aumentar o seu poderio, a sua influéncia e a sua extensfo. 0 mundo para Nietzsche é a uma pluralidade de forgas em combate. E tem fundamentalmente, dois tipos de forga para ‘Nietzsche: Primeiro tipo de forga quer apenas preservar © que tem. Manter a vida intacta. E um tipo de forca conservadora. Essa forea quer conservar 0 que tem. Todos nds temos esse trago; conservar o que nés temos. Nossas relagées, nossas riquezas, nossas lembrancas, nossos bens. Mas tem um outro tipo de forpa que é totalmente diferente. Nio € uma forga de conservaeao, esse outro tipo de forga tem por objetivo, no conservar o que tem. Mas sim do que é, Superar-se. Superar-se a si mesma, Esse segundo tipo de forea quer ampliar 0 que tem nao conservar 0 que tem. Nao conservar o que tem, ampliar o que tem. Ampliar a prépria perspectiva. Experimentar a propria poténcia. Experimentar, ir além daquilo que atualmente, faz, pensa, e pode. E um tipo de forca ativa. A caracteristica dela ¢ arriscar tudo. Caracteristica da outra forga ¢ conservar tudo. Entito, esse forga que se arrisca, que vai além, ela ndo quer submeter-se a nada. E uma forga mais agressiva, mais esponténea, mais conquistadora. Q qué quer essa forca? Esta forga quer sempre novas diregdes. Esta forea € uma forga nfio de conservaedo, mas sim de metamorfose. Forga de metamorfose é uma forea pléstica (plistica no sentido de mudanca).Bla quer a mudanga, ela quer a mudanga ¢ @ transformagao. E nisto que ela quer a mudanga e a transformayao. Ela se apropria de tudo 0 que pode a sua volta, com esse objetivo. . Se aquela primeira forga quer conservar-se e manter tudo como esti, esta forea, quer criar. B uma forca criadora. Esta forea quer produzir. © qué? Novas diregdes, novos sentidos, novas conexdes de vida, novos valores, novas percepgdes novas sensagées, novas perspectivas de vida, novas conexdes, novos sentimentos. © modelo aqui para Nietzsche € o artista, O artista diante da sua matéria prima. Vocés imaginem um pintor, um escultor, o que ele faz com essa matéria prima? Ele domina essa matéria prima, Mas, em que sentido é dominar af? E dar uma nova forma. Exemplo: se a matéria prima é a pedra - uma escultura, 0 que, que significa dominar a pedra? Nao significa mandar nela, significe com ela construir uma nova forma, uma ntova sensibilidade, uma nova Perceped0, uma nova perspectiva. Um artista se apropria da pedra, nesse sentido ele metamorfoseia a pedra. E, entio, cle ria algo inédito. Isso que ¢ a dominagao. A forga dominando o seu entomo. Percebe que dominagao aqui, tem esse sentido plistico de metamorfose, o sentido em que umm artista domina a sua materia prima. Entio, Nietzsche, vai lizer que a vida tem essa caracteristica também, de uma forga que se apropria do mundo para inventat-novos sentidos € novas perspectivas ¢ novas diregdes. Olha, claro que as primeiras forgas, chamadas forgas de conservagio so muito importantes. Se @ gente no conservasse 0 que a gente tem, seria muito dificil de inventar qualquer coisa. Agente Precisa conservar © nosso corpo, a nossa meméria. Entio, as forgas de conservasdo sto como patamares de estabilizacao, necessarios para a vida. Porém, se fosse 6 isso estariamos fritos. Porque para Nietzsche, a vida também ¢ isso, mas, também, aquela outra forca. Forga ativa, forga inventiva e forga criadora. Forea de metamorfose eria novas formas, Entdo, para Nietzsche, poténcia é isto. Ser potente néo quer dizer ser poderoso, mandar em alguém. Nao, Ser potente significa ter a poténcia de eriar. Nao ¢ ser poderoso acumular coisas. Acumular é forga de conservagao. Ser potente € ter poténcia de inventar. Olha, quando uma forga inventiva irrompe no mundo. Pér exemplo: Um artista faz uma obra que ninguém entende. O que aconteceu af? Aconteceu que ele inventou algo que os mediocres rejcitam. E os mediocres so sempre a maioria,e os medfocres so regidos pela forga de conservasao, tudo anter como esté. Ai, vem um e langa uma direp0 nova, criadora, diferente. Mas, ninguém quer saber daquilo. E na historia humana, diz Nietasche, em geral, vencem os modiocres, vence a forga de conservacao, de manutengio de estocagemn. B, em geral, os poderosos so aqueles que melhor usam tudo aquilo que j4 esta. Eles nfo inventam nada, Os poderosos usa todos os valores, dinheiro, prestigio. Todos os valores moraisestabelecidos em favor proprio ¢ mandam nos demais. Por isso que eles so considerados poderosos. : A histérie entdo geral é a vitoria dos poderosos, ¢ & derrota dos potentes. £ que eles nao sio os hegeménicos. Os hegeménicos em geral, 0s que dominam © mundo, sio aqueles que e apenas usam tudo aquilo que jd existe, em beneficio proprio e para mandar nos outros. Pér exemplo: alguém muito rico, ele é poderoso, mas ele’ esth inteiramente submetido 20 valor dinheiro. Ele é escravo de um valor hegemdnico. Ele nfo inventou absolutamente nada. Ele acumulou desse valor consagrado, uma quantidade suficiente para poder mandar nos outros. Mas, inventar, le nio inventou nada, Entéo, ele ¢ vencedor, mas, ele nfo é ctiador. Ele é veneedor no mundano digamos assim. Mas, ele aqui vem essa diferenga fundamental. No sentido mais rigoroso do termo, ele nao é forte. Ele ¢ fraco, Ele & sscravo do dinheiro. Entao, forte para Nietzsche, nfo & quem tem o poder e que manda nos outros, forte & aquele capaz de etiar algo novo, Diferenciar 0 forte do poderoso. Poderosos so os que mandem neste mundo. Mas, fortes, sio aqueles que estéo inventando o mundo de amanha. E esses nés nio vemos, ou vemos poueo. Nao temos atenglo para eles. Dat esse ‘Gia do Nietzsche, que & preciso defender os fortes contra os fracos. O que quer dizer isso? E preciso defender esses Gus est#o gestando coisas novas. B preciso defender estes daqueles outros que sio fracos, porém, detém o poder ¢ querem esmagar estes. E uma arte finissima, politica no sentido mais amplo da palavra. Porque os fracos se unem, Os impotentes sempre se juntam gregariamente, para abortar tudo 0 que nasce de novo. Para Nietzsche, entao, tem toda uma valorizagao desta forea criadora ¢ afirmativa, uma forga que afirma algo novo. Uma forga que afirme uma vida nova, uma maneira diferente de viver, de pensar, de sentir, de perceber de relacionar-se. Tem toda uma valorizagao da \, afirmatividade. Entio, forte para Nietzsche, & aquele que vai ao limite do que ele pode. Ele vai e desdobra tods & sun Poténcia, isto que € 0 forte. O fraco é aquele que esta separado da sua forca, < O.que.é.avontade de poténeia? A. vontade de poténcia é a paixdo pela diferenga. Por qué? Diferenca do qué? Eo que Femando Pessoa chamou de um jeito tao bonito, “Outramento”. Outramento € outrat-se. Outranse é tormar se Cutro. Eu sou uma coisa ¢ eu me torno outro. Eu me outro. Eu embarco num outramento, ou seja, numa metamorfoos, Endo, ser que eu tenho a forga de me outrar? Serd que eu tenho a forga de ahandonar 6 que eu tenho? Aquela tal da forma? Para me fomar outro, para me cutrar diferente do que eu sou? Sé tem a forga de abandonar a propria forma, Gm Proveito de alguma outra forma. Através da qual ele se outra. Por exemplo: Eu. Se quero mudar de forma; (muday de forma quer dizer mudar de maneira), de maneita de sentir, de pensar, de perceber, de amar, de viver, $¢ eu

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