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Público • Sexta-feira 12 Março 2010 • 47

Se “o fraco rei faz fraca a forte gente”, os métodos, o estilo e o currículo do PM têm um efeito corrosivo em toda a sociedade

Tempos de mentira e miséria moral


RUI GAUDÊNCIO
“É muito difícil que, não sendo honrados os princi-
pais cidadãos de um estado, os outros queiram ser
homens de bem; que aqueles enganem e estes se con-
formem com ser enganados.”
Montesquieu

O
homem mentiu ao Parlamento e ao país
José sobre o negócio da TVI e 60 por cento
Manuel dos portugueses, diz uma sondagem, já
Fernandes nem têm muitas dúvidas sobre isso.
O homem passou a semana a dizer
Extremo que o PEC não implicava um aumento de impostos,
ocidental apesar de representar um aumento da carga fiscal e
de ter prometido na campanha eleitoral, no debate
do programa de Governo e na discussão do Orça-
mento que não aumentaria os impostos.
O homem atirou-se no debate com Francisco Lou-
çã às propostas do BE para acabar com as deduções
fiscais, considerando-as desastrosas e penalizadoras
para a classe média, altura em que também disse que
42 por cento já era uma taxa de IRS muito elevada, e
agora propõe-se fazer exactamente o que criticou.
O homem anda para aí a jurar que o Programa do
Governo já previa acabar com as deduções fiscais
quando o que lá está escrito é exactamente o con-
trário do que vai acontecer (recordatório: “Reformar
o IRS, mantendo a estabilidade da receita fiscal,
tendo nomeadamente como objectivo redistribuir Quando falta a virtude Por fim, faz com que até os que do a monarquia –, resta o despotismo e o medo. Não
as deduções e os benefícios fiscais, num modelo tentam nadar contra a corrente estamos lá, e espero que nunca venhamos a estar,
progressivo em favor das classes médias”). republicana, sobra hesitem entre emigrar e pactuar. mas temos vivido episódios pouco edificantes que
Este homem é o mesmo das trapalhadas dos li- o despotismo e o medo. Nada, no clima político, económi- só uma extraordinária cortina de fumo permite que
cenciamentos em vésperas de eleições (Vale da Ro- co e social estimula o risco, a inde- não nos indignem mais. E temos visto medo. O que é
sa, em Setúbal, ou Freeport), das dezenas de casas Não estamos lá, mas temos pendência, a inovação; pelo con- muito mau sinal e me leva a recomendar a leitura do
projectadas na Guarda, do caso da Cova da Beira, vivido episódios muito trário, tudo aconselha o esquema último texto de Luís Campos e Cunha neste jornal,
da famosa licenciatura na Independente e de tantas e o concubinato com os poderes Autoritarismo, em que se descreve o fenómeno co-
outras histórias mal contadas que aqui recordei há pouco edificantes e já públicos (como tão bem se ilustrava nhecido por groupthink. Este surge quando “há no
duas semanas. nas quatro páginas que o PÚBLICO grupo uma forte pressão para o conformismo dos
percebemos que há... receios
E, no entanto, o homem lá conseguiu – com mui- dedicou, na segunda-feira, ao po- seus membros, quando o chefe domina as decisões
tas, muitas cumplicidades dos que se recusaram a der tentacular do banqueiro de todos os regimes). e quando há pressões de tempo para tomar deci-

D
ver as evidências – manter-se em São Bento em con- sões”, desenvolvendo-se uma moral do tipo “quem
dições de exigir aos que denunciaram as suas trope- ir-se-á: os governos passam, os emproa- não está connosco, está contra nós”.
lias que, agora, sejam o que ele nunca foi: “respon- dos também, e o país continua. Só que As ditaduras modernas nasceram em tempos de
sáveis”. Para quê? Para lhe cobrirem as costas nos continua ferido. Montesquieu não pro- crise económica e em sociedades evoluídas onde
momentos de aperto da concretização do PEC. clamou apenas uma evidência: na sua se desenvolveram processos semelhantes ao group-

N
obra O Espírito das Leis também expli- think que levaram, no limite, ao que o historiador do
unca, na história da democracia por- cou, como ensinou Raymond Aron, que “há três nazismo Ferran Gallego designou como “mutilação
tuguesa, se viveu uma situação como sentimentos políticos fundamentais, cada um deles moral”. Nessa altura até Montesquieu falha e os de
a actual. Primeiro, porque nas últimas assegurando a estabilidade de um tipo de Governo. A baixo acabam, por conforto ou por incapacidade de
décadas nunca, como hoje, estivemos república depende da virtude, a monarquia da honra resistir, por preferir ser enganados. E calam-se.
perante uma crise que, além de ser fi- e o despotismo do medo”. Sendo que “a virtude da Será isso muito diferente deste ambiente de mi-
nanceira e orçamental, é também económica, com república não é uma virtude moral, mas uma virtu- séria moral que permite que a maioria dos portu-
um país exangue, sem perspectivas e com maus de propriamente política. É o respeito pelas leis e a gueses ache que esta personagem lhe mentiu sem
hábitos. Depois, porque nunca, como hoje, o clima dedicação do indivíduo à colectividade”. necessidade mas, mesmo assim, quer que continue
político se crispou a este ponto e por causa da teimo- Faltando a virtude republicana – e não se preven- a governar? Jornalista
sia e intransigência de uma só personagem.
Se “o fraco rei faz fraca a forte gente”, como es-
creveu Camões, os métodos, o estilo e o currículo Uma semana em http://twitter.com/jmf1957
da dita personagem estão a ter um efeito corrosivo
em toda a sociedade. a 11Mar10 http://is.gd/a7w6R novo-riquismo e falta de estratégia
Por um lado, provocaram a banalização da aldrabi- – Olha, primeiros a sair da recessão, a 9Mar10 – Se isto é normal e, sobretudo, justo
ce: face à incapacidade de defender o indefensável, primeiros a voltar à recessão: – Joaquim Oliveira não vai depor à e moral, então eu sou marciano: José
a estratégia triste dos que o apoiam tem sido a de Economia nacional contrai 0,2% no Comissão de Ética. Contribui assim Penedos recebeu prémio de 244 mil
dizer que tudo o resto e todos os demais são iguais quarto trimestre http://is.gd/actb9 para a opacidade que rodeia negócios e euros da REN http://is.gd/9SmbQ
– quando, até ver, ainda não são e, sobretudo, não é – Agora que os pilotos vão para a greve, critérios da Controlinveste a 6Mar10
aceitável que um dia venham a ser. Isto cria um am- talvez seja altura de vender a TAP e a 8Mar10 – Rui Pedro Soares disse ao i que
biente de anemia democrática, onde já nada parece deixá-los ir fazer o inferno para outro – O banco (tentacular) do regime: “gostava de um dia escrever um
capaz de indignar ninguém e tudo roda em torno de lado http://is.gd/acdho Grupo Espírito Santo já está em mais de policial”. Coitado, não percebe que lhe
um rasteiro “vamos é tratar da nossa vidinha”. Falar a 10Mar10 400 empresas http://bit.ly/9nnGss basta escrever as memórias.
verdade, mentir ou fugir às respostas passou a ser, – Ainda não percebi como é que a a 7Mar10 – No man is good enough to govern
como se tem visto na Comissão de Inquérito ao caso Fundação Saramago tem direito a ir – Indispensável ler esta entrevista com another man without that other’s
TVI, uma opção meramente instrumental. para a Casa dos Bicos, onde a CML filho do fundador do Hamas: ‘They consent. Abraham Lincoln
Depois, começa a tornar-se aceitável, até honrado gastou 2,2 milhões em obras de need to be liberated from their god’ a 5Mar10
e inteligente, o chico-espertismo luso, agora já não adaptação http://is.gd/9UrBQ – A verdade da mentira: Governo só
limitado aos motoristas de táxi de serviço ao aero- – Portugal no seu melhor: chove dentro – RT @mfalcao Arrasador o artigo de gastou metade do plano anticrise: 1100
porto, mas alargado aos conselhos de administração do pavilhão? A culpa é do clima, dizem Raquel Henriques da Silva na revista dos 2180 milhões euros previstos em
das empresas com golden share. ministra e técnicos da Parque Escolar L+Arte contra novo museu dos coches: Dezembro 2008 http://is.gd/9KbOa

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