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José Murilo de Carvalho A construcao da met ordem "| A elite politica imperial |Naeonee a 1 Teatro de sombras A politica imperial coven masts Conclusio A dialética da ambiguidade Propusemo-n0s no inicio do trabalho explorar a possibilidade de atibuic em parvea diferenca na composicio das elites poitcas a trajetsria peculiar da ex- coldnia portuguesa da América. Mais especificamente, sugerimos a hipstese de que a manntengio da unidade nacional, a consolidagio de urn govern ci- sil, @reducio do conflo nacional, como também a limitacio da mobilidade sociale da mobilizaglo politica no Brasil, era contraste com a fragmentagic, 9 caudilhismo, a inssbilidede politica e a maior mobilizagdo nos outtos paises ds América Latina, se deviam em parte A maior unidade ideal6gice da elite politica brasileira em comparagio com suas cangéneres dos outros pases. Mostramos que o estado de elites é pariculamente relevante em situa es em que sio maiores 0s obsticuos & formagio e consolidagio do poder nacional. Historicament,essas twagies se deram de mancira pica em paises de eapitalismo frustrado ou retardatirio, incluindo ex-colénias, ¢ em palses aque pastoram por mudangasrevolucionérias de narureza socialsta, Nos pri= reiros e2s0s, que sio os que nos interessam aqui, a importancia da elite se vincala ao peso maior que cabia a inicfativa do préprio Bstado em fori ago. Na austncia de podeross classe burguesa capaz ela prépria de regulae asrclagbes sociais por meio dos mecanismos do mercado, caberia ao Estado, ‘como coube nos primers passos das préprias sociedades burguesas de €xi- {tomar a inicitiva de medidas de unificacio de mercados, de destruicto 4c privilégiosfeudais, de consolidacio de um comando nacional, de protec: nismo econdmico, © Estado agicia principalmente por meio da burocracia {que ele treinava para as tarefas de administra e governo. Essa burocracia podia ter composicio socal variads, mas era sempre homogenea emt termos de ideologia e rreinamento. Relo menos o eta seu nicleo principal. O predominio do Estado refltia, nataralmente, cerca debilidade das classes ou serones de cls em daputa pelo poder, ¢ cert fragueza dos Gros r= rosenapo' politic, Dat qu hea frenentemente uso paca st Miro ees da buroracia ea elite politica, o que rsultara om maior uni at daclite em peso redabrado do Estado, devez que de certo modo, er, tle propio que se represencava perante si mes Pe oosda nklade ideoldpica da eine eno da unidade soil, Aunidade soa da lve, no sentido de ser ela reerutala em una s clase, pode se fator ferporeante para a enidade de ua apo, Mas foram raras as sites no GO depois aca mencionado, em que exisiram clases ocas to bem dint: rogéneos que nfo transmitissm as elites nelas ssa fo era sem vida asituacio em. «das e com interests tio hom recrutadas divergéncias as vezes fatais. Es Ges achayam as colnins da América Latina Bs wésperas da independ ‘Mesme que suas elites potas ivssem sido rodasreoratadas ent a8 clases Jominantes, ito nfo seria garacia de comportamento uniforme, Nao parees, pels informagbes sponte, que rea havdo diferengas radia com fer tao oige social das lites polticas do ras e dos outros pies, Sem df so row dels ea rerstado entre elementos vinelados a propria de ter, do comércioe da mineragio, Mas no havia necestariamenteidenidade dc inereses entre esses setores da clase propricra. Mesmo entre os senho- cs dy tera, ceramente 0 stor mais importante na matoria dos pases havity tendo confito aberto de intereses, pelo menos auséncia de mosvagio para tin agio coordenads, Daf que, independentemente de sera eit reermada arlene dominane, colocava-e com toda forgao problema de sua unidade Hdeolégien ede seu tenameato paras tarefas de consirugso do novo Bstado par das utas da aminisracio colonial, Dessauniade podiadepender arpou parte como sustentaos que depend a manutengio da undade do pais ea natareza do proprio Estado a ser ciado, "ho longo de eéscaptulos procuramos demonstrar que a cite polities aque tmoao poder no Brasil ap6sa Independénciaapreseutara crate as bisieas de unidade ideolgica e de treinamento que, pclas informagbes tispontveis, nao estavam presentes nas elites dos outros pases. Atibuimos 9 fate prncipalmente& politica de formagio de cltes do Estado portaues Aipca dum pfs de desenvolvimento capialisafrustrado, © nicl dele brasliea, pelo menos aé um pouco alm da metade do sécalo, era formado dde buroemtas — sobrerndo de magistrados — treinados nas tradigées 4° eer A coustKUGAO Of onDEM Shinde coro. spb osc ney to oma pap co do sa um consenso basico em torno de algumas op¢é nace: ngs ei : -ducagio, pela ocupagao, pelo treinamento, a clite brasi : ao walmente nao-representativa da populagio do pals. Era rit eee ene meee ere sos setores da classe dominante, embora nao representasse ae fossem a eles radicalmente opostos. eee iin tae i ces bis eos ie esmvinyrana ng opr Inia mires 11 ec sos aes Foor eae inroads enna ea it aris Es ti pn tn ce am ps os echo hava testes alvergtaciacorporifadar na stiagto dos ma siserados, padres e militares, No cas ae 'No caso dos militares brasleros, a divergéacia ee ee com ofige socal. Em vec lugar piscine cope rt lia a ates ao longo de linhas de interesses provi mae ‘em geral combinados, Assim, eis yeeacaee ,pretante dele grande Senne ns ome aU eet oeale cence Pontos especificos de representantes de areas produtoras para 3 2 interno sem grande dependencia do escravo. Aa _ Dasher tee om fs de olin oes qu ssf io esc loge par A heath fod ae potent soeletese entre setores da elite e setores de Nc Sa eas ae meer eee Deh in in eee ae ae ‘as divergéncias eram de natureza limitada. Os ae ona Asotin svn re dh eo (CAS ooh lost muniso oF CARVALHO CCabe nesta conelusio retornar e expandie um pouco o tema central do inamismo coin ordem, ou do progresso na ordem de que flava ojornal O Sete de Abril, em 1838. (© ponto crucial da questio era o relacionamento aagricutura de exportagio de base escravisia, Esse relacfonamento caracte tizava'se pelo que chamamos de dialética da ambigiidade, usando uma &: pressio de Guerreiro Ramos. Independentemente da eit politica o Exado sem a agticultura de exportagio, pois era ela que ge- impor. do Extado imperial com nio podia suscentarse: ava 700 das rendas do governo-geral via imposcos de exportagio 0 eabe, assim, falar de um Estado separado e dominando a nacio taglo. Ni : poder) e como repete ‘come queriam os liberais da época (quando fora do hhoje Faora. “A sociedade est inerte e morta e 86 0 governo vive”, dizia em 41869 Saldanha Marinho; “o Estado era tudo e a nagio quase nada’, repe- tiria em 1958 Faoro. Igualmente, a manutengio da ordem no interior nto poderia ter sido conseguida sem a colaboracio dos senhores de terra. Gos- Jando ou no, € muitos nio gostavam, a eite politica, sobretudo os magis- trados, tinha que compactuat com os proprietirios a fim de chegar a um arranjo, senfo satsfarrio, que pelo menos possibilitasse uma aparéncia de ‘orden, embora profundamente injusta. A criagio da Guarda Nacional ¢ de ‘outros servicosltirgicos teve esse sentido de barganha. © Brasil no era uma teconoinia mercantl, como a portuguesa, que pudesse ser governada pela ‘burocrético com comereiantes. Era uma economia bra esctava ede criadores de gado com alianga de um estamento de produtoresagrfcolas com mao-de ‘sem escravos. As bases do poder tinham que ser aqui redefinidas ‘Mas, de outro lado, a eseravidio, como bem demonstrou Fernando ‘Uricoechea, também impedia a eseamentaliztio dos propriettios resis. Nio podiam viver eles de rendas e servos prestados por camponeses dsponi- ‘eis no Scio para os servigos militares e administrativos do Estado, como acontecia com a elite ingles Os proprietirios brasleiros eram produtores € homens de negécio que nfo podiam dedicar-e em tempo integral As rarefas de governo!. A falta de estamentalizagio reduzia sua coesto que também nfio cera favorecida pela dependéncia do mercado extetno. $6 nos raros momten~ tos em que eram postos em jogo alguns de seus interesses bésicos, como a propriedade da terra e de esravos, é que eles se uniam em frente tinica, A raridade desses momentos pode ser aferida pelo faro de que nenhuma das 232 fant« di 7 4 coustaucio 00 onsew tcbelies do Regéncia, a excegio da revolts dos malésna Bahia, pregou abolisio da esceavido ou a desapropriagio dos latifindios, Some-se& desuniso dos propritiros 0 fato de que o Estado, por seu lado, seguindo a wadigio do antecessor portugués, constinura-se em fone de poder em si mesmo, sja como grande empregador de letradon ede pron lexis, seja como regulador da sociedad e da economia, sein como prod, (or. sto sem falar na base de legitimidade que adquitiraao longo do period, «em parte em fungio do pr6prio compromisso com os proprieticios de terra, ‘Acresce ainda ofaro de que grande parte da burocraca, inclusive da que se fandia com a elite politics, era constituida de elementos marginais econo. tna escravista de exportago por teem sido dela expulsos ou por no teremt tido dentro dela oportnidade de emprego. O fendmeno se dava também com 0s membres nio-burocriticos da elite e tinka como conseqiéncia a éesvinculagio parcial de seus interesses dos interesses da grande proprieda- dz eseravista ou, nos casos mais extremos, da grande propriedade envi Vimos 20 Tongo do texto, por exemplo, que os magistrados, embora ‘muitos fossem vinculados & propriedade da terrae fossem retonhecidos em setal como sustentéculos da ordem, no eram reconhecides como legitinios tesserae do proprietors stain do se ita dao: sracia era ainda mais nftida de vez que, éom 0 correr do tempo, nem pela cxgem social sig aos interes dos popitrion Nace nfo rocritica, sobretudo entre os profisionais liberais que substitairarn em mas- ‘1 05 magistrados, havia igualmente uma facgao que se desvinculava dos ineresses da grande propriedade, escravsta ou nfo. Seriam eles os radicas trbanos do Partido Liberal edo Partido Republicano do Rio de Janeiro, ‘mais tpico representante foi Andeé Rebousas! Dacconjunsio dessesfarores resultava que 0 Estado c a elite que odirgia ‘do podiam, de um lado, prescindir do apoio politico e das endas propicia- as pela grande agriculture de exportagio, mas, de outro, viameserelativa- tmente livres para contariar os intereses dessa mesma agriculsura quando se *ornasse possve]alguina coalizio com outros setores agratios. O caso mais slaro se dew com a Lei do Ventre Live, viabilizada pela coalizao parlamentar de magistrados com proprietiriosrurais do Norte’. A lei iriton profun. damente os propricétios do sul do pats e contribuin poderosamente para 0 inicio da perda de legitimidade do regime imperial. = tar aa iad dlc da aigidadej expres po oa eae ado die quese ogoverno eum da err a ea es fra capan de car co el sa €a fore apc de oo svi, qa lis nan andar van a moter desea 26 pote pale oma, pots le nsraetos6 meso ve ds mane ede wanfonags is xa soca Barter big que porn smi oso elo ise plone soa xara do Eso pa tedugio do controle sobre a economia, pela redugio da centralzago, pela ‘Gelelo do Poder Modradr mas ecoriase al para rele os pcb seen cared daira, dos conto detract ap sre pnteao&indsein A nervengo on nataraltente edundar en pscrpr acto d pode do Esado porto em avase mas enfics eis saunter bea Fico no lperion dab pa hvac anon que ama conte pdr een do Enaoem def ‘sores eras haves un Rio Banque wera o mes pode a stein acorns enor vero crataente esa Er conhes- Son lbs popula as tefrmasqveosconscvadoe clean, “Taore como sev, de bere soriedade por meio d pola, tne gore: roan afima e Ba tccpat' orang pelea oc x ene mals pla Ines ant ae do Estado ea rig dea oiedade beta no mp Mae iecntencnte feomaa por vis aoe merece eaten mas ovina gue esetamos para a segnda paste deste eabalo, Thseenagl concn es arte J novo os secosee diva rete parteipagto da elie no proce. Aida de Mosca do ‘Tigmeno demarcate lites de acrd am a dead ol pot seeds ne rece excnvamene onic, Vines extin a Del en te dlberadannte tends pt rts do gover Es the ps oem na peo pole ada plo ovo pss. qv no ea Gets poe hana de mas prot Omi proivl oi desio sti Sopakeoccloar partes conto n-hslodo anoafg tmatpo etn ome A naconlzago dos conto Toes 8 mt ial ac ogarzar goveos cvs legos. Avnidade ses lio tna clon ports, o etn, rt coe miss ene propionate esebeen un creo sii qhe anti lecizdo eh Raat ‘895 muniefpios oa nas provincias os principuis movimentos contstatios, es suardou a intepridede do pats ea establidade do governo central. Mais fecundo do que aficmar que em lina andise essa elite favorecia os intezesses da classe dominance (a altima andlise € a morte da andlise), seria salientar seu carter nfo-representtivo, nio 36, coma & evidente, das clases domiuadas, como também dos setores daminanes. Come ji observava, sur reso, na época um vsitante estrangero, no Brasil os representantes da nagio «ram ao mesmo tempa representantes do Estado € os fiscais do governo eram seus préprios funciondrioy. A defese de um Estado centralizado ¢ forte, se beneficiava os etores dominantes na medida erm que reduzia a probabilidade de conllitos mais profundos, forlecia também as bases de poder da elite. Sintomaticamente,seriam as pressdes por representasio mais auténtica ce diteta de interesses que iriam tornar cada vea mais dificil a reproducio da cliteimperia. © governo do pas pelo pals, pedido por liberaiscoino Zacarias, implicava destruir alguns dos sustentéculos da elite, como sejam a central Gio, 0 Poder Moderador, © Conselho de Estado, 0 Senado vitalcio, A. artifiialidade da elite, como a do sistema como umm todo, tornow-se cada vez mais evidente, at€ que ambos caftam como um fruto maducay Anova lite republicana era mais representativa do que a imperial E,tpiea- ‘mente, ompor-se-ia quase 6 de advogados uma vez passados os anes inicais ‘em que foi substancil a presenca de militares, Era ela também muito mais pro- vinciana, pois o federalismo impedia a cirelacio geogrifica existente no Impé- ro. Asmaisbem treinadas cram aquelas dos estas que contavam com estruturas pastidicias mis slidas, como Minas, Sio Paulo e Rio Grande do Sul. Mas a visio nacional estva comprometida. Os interessesregionais e de classstinham ‘acesso muito mais direto 20 centro do podet. Em conseqiéncia, o Estado repu+ ican seria também maisliberal do que o imperial, embora ndo mais democts- tico, pos maior representaividade da elite fara com que a dominacio social se refletisce com mais erueza na eslera politica, Os netos do imperadar publica- vem um jornal abolicionista dentro do palécio de Si0 Crist6vo. Seria ‘nimagindvel pensar num jornal anaquista sind de dentro do Palicio do Catete. A propaganda republicana usava como um dos argumentos em favor do ‘ovo regime aintegracio do Brasil no modelo adotada por todos os outros paises da América. Com a Repitblic, ealmente, o Brasil deixon de se distin« {ur dos pafses latino-americanos em termos de lie polities Passada a fase de acumulasao primitiva de poder, para a qual se revelara particularmiente Ine adequada a elite imperil, vera infeio na Repiblicaa fase em que a partici. pagio se tornava ism problema maior ¢ novas elites teriam que ser forjadas ‘mediante mecanismas distintos. Os novas fempes aproximaram o Brasil dos outros paises também nas ltas polfticas.O cheire de pélvora, que tanto abo recia os poltigos imperiais, passou também a marcar nossa vida politica, Por mais que decepcionasse os idealstas republicanos, a nova cara da ica era mais parecids com a cara real do pais eera por ela que se tna P {gue dar inicio & nova jornada. Uma das fraquezas das elites vitoriosa é sua incapacidade de reprodurie novas elites adequadas para novas tarefas. Elas so as primeiras vitimas de seu proprio éxito. Noms 1 Ver Fernando Urienechen, © MinotauroSmperalp. 203 2, Verde Andie Rebogss, Agua Nacional Etudos Econdmicos. 3, Aanilise de dessdes sobre alguns ems fundamen da polities imperial como a abolisio ea lei de eras feta em Teatro de Sombras: a Politica imperial, segunda parte deste live. 4, Ver © Abolicanisn, p. 184 5, “Todos sahemos bem que as agitagdes que tém havido ente ns [.] procedem de haverinosantecipado a nose organiza politica socal, diseca Vergucit, “segundo citagio em visconde do Urogasi, Etaio sobre o Divito Administrative, Std, Grifsdo no oxginal 6. Ver Fernando Hentique Cardoso, “Estado e Sociedade no Brasil”, em ‘Aucovitariemo e Dentocratiagdo,p. 185-186; Simon Schwartzman, *Repesen tagio e Coopagio Plies no Brasil", Dados, 7 (1970), p.9-41; Fabio Wandeley Reis, Brasil: "Estado e Sociedade" em Ferspectiva",Cadermos do Departamen- todeCignca Politica, 2 (dcaembr0, 1974), p.35-74; Wanderley Guilherme des Sancos, “A Pexs Liberal no Bra: Propostas para Reflex e Pesquisa” em ‘Orden Burges eLiberaliomo Poldic, 9. 65-117 7. Robeervagio & do finances belga, Conde de Staten-Ponthos, citado po Se io Buarque de Holanda, Histria Geral da Givilizagdo Brasiera, romo 1, vol 5, p83, Coptedora CBS 2 orga Pvc ds Min por Poy 210968) 134 TiS ae ie ce raatiariiets ances ead 15 genes pete) ie 24. amor ipehpar Sete Neo 187717 peer oye See hea ie esentagio Poles das Provlacias no Final do Im: 26. Discribuisio das Baracracias Cocrcitiva e Extrativa, por Niveis de Go: verno, 1877 153 aac Teatro de Sombras 27, Distribuigdo da BurocrasiaDistsbutiva, por Niveis de Governo, 1877 185 A politica imperial 28, Numero de Empregados Pablices por Niveis de Governo, Brasil Fstados Unidos 157, 2, Emipregados Publicos do Governo Cental por Mil Habitanes, Brasil ePaados Unidos 162, 30, Gasios de Pessoal como Porcentagem dos Gastos Tras do Governo Central Fedesl, por Ministerio, 1889-1907 163, 31. Ocupasia dos Acusados em Tits Rebslides, 1789, 1798 e 1817 (Néieros Ab- solutes) 185) 32, Duragio e Filiago Pariiria dos Ministérios, 1840-188 210 33. Qcupagio e Fliagto Pertiéria dos Miisros, 1840-1889 (8) 211 134, Filla Partidia © Origem Social das Minstos, 1840-1889 (8) 212 35, Ocupacio dos Republicnos do Riode Janeiro edeSéo Paulo, 187061878 213, 36. Fliaglo Partdisiae Origem Provincial dos Minstros, 1840-1889 (Niimeros Absolucos) 217 37, Origem Provinial dos Miistros na Formacio do Ministéro, 1840-1889 218 GrAricos 1, América Espanhola: de Coldaias a Paes 16 2. América Portuguese: de Colnisea Pais 17 3. Tajusda Polen 126 Cop dora (CHS 4, Bvolugio do Sistema Paccdirio do Império, 1831-1889. 205 Cop dora 1CHS Introducao O rei eos bardes 'Na primeica parte deste trabalho discutia politica imperial sob a ética de seus agentes diretos, a elite politica e a burocracia, Tentei relaciomar as e2- racrersticas da elite, sobretado sua homogeneidade ideolégica, gerada por edueagio e treinamento politico comuns, com as caracteristicas do Estado herdado da tradigao portuguesa absolutista © patrimonial. Do processo de sgeragio miitua entre Fstado e elite resultaram, segundo minha Visio, alguns dos trazos marcantes do sistema politico imperial, como sejam a monarquia, a unidade, a centralizagio, a baixa representatividade, A elite’ produzida deliberadamente pelo Estado foi eficiente na tarefa de fortalecé-lo, sobretu- do em sua capacidade de controle da sociedade. Ela foi eficiente em atingir 0 objesivo de construgio da ordem, objetivo que, parafraseando Marx, cla- mei de acumulacéo primitiva do poder! ( gue fago agora é examinar com lentes mais poderosas a elite eo Esta- 4d no momento em que a tarela de acumulacso de poder estava ccalizada e ‘em que novos horizontes se abriam a sua anuacSo. Este momento pode ser datado com algama precisio: ele tem origem no regresso canservador de 1837, quando as incertezas turbuléncias da Regéncia comesaram a dat Iu- gat a um esboco de sistema de dominagio mais solido, centrado na alianga entre, de um lado, orei ea alta magistratura, e, de outro, grande comércio ca grande propriedade, sobretudo a cafeicultura fluminense, O processo de «nraizamento social da monarquia, de legtimagio da Coroa perance as for- «28 dominantes do pais, foi dificil e complexo, Embora se possa dizer que cstava definido em torno de 1850, ele permancceu tenso até o final do Im- pétio, £ importante que se dé a sua claboragio um pouco mais de atencio antes de entrar na anise de seu funcionamento posterior sost woniio DF CARVALHO dificuldades em estabelecer um sistema nacional de ‘A melhor indicagio das: se na ebelidesregencizis. dominagio com base na solugio mondrquicaencontra api cxame de sua natureza ced sens para vcr os problemas coir aren rexolvidos! As revolts podem ser divididas em dois grandes grupos. Primero segue imediatamente 3 abdicagio de Pero le perdurou ae W835, iano depos da morte dete principe eda promulgao do Ato Adicional, © Segundo foi posterior 20 Ao Adicional 36 erminou no Segundo Reinado, © ‘Galo se fechou em 1848 com a revolta da Praia em Pernambuco (quadro 1) QUADRO1 Principais Revoltas, 1831-1848 1931-1835 Dunagao —_‘Loealizagao Participantes principais 7. Seis belies 18313 Gowte Tropa e povo. 2, Serembrizada 1831 Recife ‘Tropa 3. Novembrada 1831 Reale Tropa, 4, Abrilada 1832 erambueo Tropa 5. Pinto Madeica 183132 Coan Tropa 6 Cabanos 183238 _Pernambucof _Pequenos Alagoas proprietdeos, ‘companests inde, ecratos 7. Crise Federalista 183233 Sakador, Tropa 8, Sedigio de Ouro Preto 1833 O.Preo Tropa 9. Ceracitada 183435 Recife “Tropa 40. Revolta dos Malis 1835 Salvador _Bseravos 1835-1848 1, Cabasagem 1835-40 Pad Camponeses, indios, eseravos 2. Farrouptha 1835-45 RG. doSulEstanceios © charqueadores 3, Sobinada 3837.38 Salvador Ttopae povo 44. Balada 183841 Marako. —_Proprieciios, eamponeses, 5, Revolusio Liberal 1842 ‘io Paslot Fo de Janeiro Proprictrios 6, Revolusio Liberal 1882 Minas Gerais Propriesriog 7. raicira 1848-49 Pernambuco __Propritirios 280 3 2. ‘i A primeira onda de revoltastraduziu a inquietaga i iquierasio da populacto urbana acpi teve coma prtagonitastopa efor Cops a provid ia ede Santa Catarina ecaparn abe ‘Na capital do Império, como era de esperar, a agit: 3 ee il cinsaeee en een es sae) ndo se agitou menos. Trés levantes se deram entre 1831 € i deixou saldo de uns 130 mortos?. = ree al. Denny are open cna stone Go miglnaa, Cae de 0 eo fran recente fran piss suv fran cond nO ie prot tra se ean cones retract Eremitpnslonom cutscene cvs nse ecm cal ‘eretvoc ein A pope shen ve eo camps con noc pr gn nana ln als rar sgt npr dof dc Ha moot p= Penecnr cient | | ee _ilssssn tun a yedoisemeneepireni popu lade) ops de rnc ina, rtd co ‘ealto custo de vida, contra a desvalorizac: ‘ na ae 9 dda moeda (que causava o encare- nto dasimportagGes), contra. invasio de moedasfalsas. Sendo o camércio ca on nil toad om 135 ro comando de Bavardo Angeli, um cearense de 21 nos etalver o mais ex- ttaordinirio lider popular da époc, espalhousse pela provincia pelo rio fmazonas acima até Manaus. Forgada a deixar Belém com ses cinco mi homens, devido a0 bloqueio naval da cidade, Anglim transformow a hut em guerra de guerrilha, em que a feroidade campeava dos dois lados. O nove presidente, general Andrei, prendew em masa, mandou friar na hora ts gue resissom, milisnrizou a provincia, obrigou todos os nho-propricti- fios ae alstarem em corpos de trabalhadores, Goveristaspasseavam pela Cidade com rosirios de orelhas de cabanos a0 peseogo. Os iltinosrebeldes fenderam-se ap6s a anistia de 1840, Caleulou-se em 30 mil 0 wimero de mortos, divididos entre governistas ¢ rebeldes em proporgées mais ou me- tos gai. Tal nimero equvalia a 20% da populagéo da provincia. Jamal saistria brasileira se repetiia carina to vasa’. Arevolta paraense atetrorizou até mesmo liberais do tipo de Evaristo da Veiga Para le, tatavace de genta, exépil, masas brutas. © Pars dizi, parecia mais um pedago da América Espankola do que do Brasil. Seu des- oso poderia terse estendido também 3 Balaiada do Maranho (1838-1841). Sema violéncia da Cabanagem, ela apresentou tagossemelhantes:conflito de elites que aos poucos se tors guerra popular. Um vague cafuzo, Raimundo Gomes, um fzedor de balaios (0 Balio) em negro lider de es- «avos fgidos (Dom Cosme) formaram a ideranga do movimento, Osblaios chegaram a mobiizar 1 mil homens etomaram acidade de Caxias, a segun da em tamanho na proxsnca. Divises iteras entre rebelde livres © &x- tseravosfaclitaram a dsrrota do movimento pcs tropas do governo, De Carter mais w*bano, semelhante x revolts da primeira onda, fia Sabinada ta Bahia, Slvaor foi tomada em 1837 e aindependtncia da provincia fi proclamada, Quatro meses de lita deixaram um saldo de 1.800 morta Em algumas revoleas 0 conflto entre elives nio transbordava para o povo. ‘Tratava-se, em geral, de provincias em que era mais s6lido o sistema da gran- de agricultura ¢ da grande pecusria, Neste caso esté a revolta Farroupilha, no Rio Grande da Sul, que duroude 1835 a 18-45, Em 1836 foi proclamada a Repiblica de Piratini. Briga de estanciciros e charqueadores com compli ‘ages internacionais, a Farroupiha nfo corria © risco de tomar-se guerra de pobres, de tornar-se perigo paca a paz social. Era briga de brancos. Mas constitufa alto risco politico pela posicio estratéxica da provincia como age? (CHS as yost munsto D6 CARVALNO 3 acylase’ recede cgsepra coum cai lanes ni seu nonrguico de governo® ; nib eats de 1842 om St Pale . ey i cide eenalados do Sepundo Reino Nh a en proecsos ds das province tambén de rae da eeomomia xe que come 5 agus dos rips ee bers am ve Napa dio dai, o ptm : Semen eae ennui os Sour Breve 0 Sra el earn on de nas 30 cas Dl ee 100 mil arrobas de café por ano, além de ser do pats e a0 sist Brigas do brancos foram envolverant os ma provincia do Rio de Janciroy dominar a pauta de exportag Dpém se envolveram nas dua rev se divi que produzia de 1002.21 ‘um rentence contrabandista de eserav proprietres moscavam que problema de conolidar um Jo controle da populagio urbana edo {a complicava-se pelo faro de nfo iinet scopy pas sen cpio en flr dr xe Ar Fa lor sre pierce Empresa decodo ae a yustiainercss en sempeciacdan. Em its ba se dormentrcs dotscanndibrtooo prope sofa ata repro pra conse dona ota eae etn 10 jaan ott Racha ormisbribanmai serene agin au oso anh io pena sarees crac naomi cea gl om me ea tegac cra pres cese con 0 a ee lated rsa ona, mas co MES aubts planer ere ordre P= So ee mos conan xm ls noses Mins: 990250 ae ga tem owen, conta rsa, © Bs = 5 ten ey dro ron de pi ssa x0 aa snd cmp foe areas qu macro Re ae laircadesaiine ingen popu ution ASHE aoe pune coneoe naga apc DEO ge0? ae 0 40, vincule-as pot tades os modos & oF puree teu ool Cop cia, filha da razdo, 1 essas duas classes toda a consider 3 dom estabelecida, identifique-as com as instiuigBes do em méxima parte consolidado"”. Em 1843, em pleno Segundo Reinado, poreanto, ojmalsta que privava dio pensamento dos ministrosconservadores que inham promovido o regres 0, que tnha seujornl financiado por eles, ainda nio via estabelecido o pacto entrea Cor0a €08 bases, no va os propri is olharem para.a Coron como {nstramento de ordem ¢ de defesa de seus intcresses, As revoltas de 1842 6 ram deixado claro este ponto, O lento convencimento dos proprietérios de {que 2 monarquia Ihes convinha foi resultado do regresso conservador, levade acfeito por barocraese por politicos ligados grande cafeicultura fluminense. ‘Ajndou no convencimento a atuacio da Coroa ao mostra, logo em 184, que ‘osrevoltosos da véspera podiam chegar ao governo ¢ que havia, portanto, lugar para a divergénciaoligérquica dentro do sistema, Estes foram os dois pontos aninia nacional, para a sobrevivéncia da classe propretri, ¢ para o Pe prio Bsado: 0 problema do trifico € problema de estruturs aBriia = a Jinigragdo. Bram questées que vinham freqdentando hé tempos 8 agenda de polteas pablias, sem que houvese condigbes politica para Su solugio, tno é, sim que 6 governo se sense com poder ¢ legitimidade suficientes para deciilas. No anesmo ano, fi publcado o cig comers ane SS, Piva a confusa lgilagio ancerior, em boa parte de origem ainda oles reel Desde 1834 vinhaoprojetose arastando na CAmara eno Senado, Dele depend, entre outas coisas, areglamentago das socedads anon pritcipals agentes do desenvolvimento econémicono capitalimo STE Na eafor mais esrtamente poltica,o ano de 1850 fol ainda marcado por ua ei dereforma da Guards Nacional que coroos oeforgo ds cane Teagio poltica ¢ administrativa iniciado em 1840, O preenchimente dew: dos os postos de oficiais da Guarda foi colocado sob sesponsabilidade de agentes do govero cera. O proceso cletivo paratsis posto climinado, creo wo governo mac cpacidade de controle maior poder de cvoprao sobre 0s proprietirios rurais Aabolgio do trico, ae deterras a reforma da Guarda Nation! er medidas vizeulodas entre sc acide erras, que era também de colonizaog fora apresentada pela primeira vez em 1843 e tinha como propésio claro 256 prepara pats para o fim eventual do trabalho etcravo, A centralzago da peed buseavafortalecer a posigio do govern perante os propritérioseuja teagio ao fim do trfco e regulamentasio da propriedade rural fra nega- tha, Bmbora em sua origem néo vinculado a esss medidas, 0 Cédigo Co- tnercal veio enquadrarse perfeitamente na conjuntura, de vez que o fim do trtico provocou pela prima ver ua febre de negécios no pats causada tela isponbilidade de capitas anteriormente empregados no cométcio. fegreico. O ano de 1850 pode ser consderado marco entre duas fases de implantagio do Estado Nacional. Tlvex por ironia, foi também 0 ano da primera grande epidemia de febre amarela que assolou a copital do lmpério tratando mailhares de pessoas ‘Nos capitals que seguem vamos acompankar as vcissiades do rlaciona- tment entre a Coro, elite politica eos proprietirios ruais desde 1850 até Ofna do Império, A elite mediave a rlacho entre os proprettios € 0 rey diviida ela propria entre os intersses dos dois polos muita vezes conflitantes. D Pedro I nacionalizou muito mais a monarquia do que D. Pero I, sobreta- ‘dono que se refete a seu celacionamento com os proprietirios. Simples mas fidedgno indicador deta tentativa de cooptacio dos fazendeires pode sec encontrado na distribuigio de ttulosnobilérquicos(quadro 2). QUADRO 2 Titulos Nobilidrquicos, 1808-1889 (1) Chefs de Estado Talos —_Difoto VI D.Pedrol—_D. Pedro ll Tone Desue 168 138 008 038 ey a 1.88 438 Condes 418 537 334 7351 Vicondes 25,21 2657 1718 19.96 Bades 2191 35,82 763 67.60 100,00 100,00 300,00 100,00 (a1) =H (N= 1.065) = 1318) Fore Lisa pcpara po Gripo de Pig Hitiea do Arguive Nao 2a Pe eae ce aii ak ean fees eam em nro anor pls agus foram porters dems deo Hl. Copirdor a CHS, Veeseque dstibuigio ds utulos da hierarquia nabiliérguia vation amplamente entre D Jofo Vie D. Pedro, orupado D. Pedro possio inermedistia, A diferenca que mais nos interessa aqui é 0 mimero de t ante de bardo, Estes eram tradicionalmente reservados para os prandes proprietirios rras, sobretudo para aquees que se disinguiam por seu Poder eriqueza mas n80 por sua projecio na vida politica, iso & por seu Fertencimento & elite politica. Para os proprieciios qe igressavam na Fie, asim como para os altos burocrata, eram reservados ttulos mais, Aore 1CHS Concluséo Teatro de sombras Na conelusio de A Construgao da Ondem, recortemos & expresso de Guer- ‘iro Ramos, dialética da ambighidade, para caracterizar a dindmica das re lagdes entre a burocracia imperial ¢ os proprietétios rurais. Ao longo do Presente texto buscamos ampliar a discussio sobre o conterido desta expres sto, A primeira vita também ambigua e imprecisa. Os capftulos sobre 6 of. samento, politica de terras ¢ abolisio aprofundaram a anélise das relacBes ambiguas enire o Estado © 0s proprietitios, entre o rei eos barbies, Os cp. tulos seguintes estenderam a andlise para os aspectos idealogicos ¢ institucionais da ambigitidade. Tanto as idéias ¢ valores que predominavam ntre.a elite, como as instituigdes implamtadas por esta mesma elite manti- nam relagdo tensa de auste e dessjuste com a realidade social do pate: uma seciedade eseravocrata governada por instituigées liberaise representativas; ta sociedade agra eanalfabetadirigda por uma elite cosmopotita volts. Ga para o modelo europeu de civilizasio, Aambigiidade penetrava as propria instiuigées. A ConstituicRo confe- ‘aa epresentagio da Nagao a0 mesmo tempo ao rei ¢ao Parlamenta, edava 0 rei o controle do poder neutro (moderador) segundo o esquema de Ben- Jamin Constant. © imperador podia assim, legalmente, competie cor o Par- Jhamento pela representagao da nacSo ¢ achar-se em condigdes de melhor refleti a opiniao pitblica do que a assembléiaeleita. A face absolutista da Constiuisto permitia ao rei arbitrar os confltos dos grupos dominantes, uma «das grandes necessidades polticas do sistema, mas, ao mesmo tempo, permi- tiethe também contrariar os imteresses desses grupos. A representagio burkiana da nagio exercida pelo rei, isto &, a representaczo que pretendia ender 20 inceresse geral, podia conflitar, ¢ muitas vezes confltava, com a ‘epresentagdo dos interesses feta pelo Parlamento e pelos partidos forina- dos dentto dos constrangimentos das lis cletorais da época. Mas, ao mes: tno wempo, ela garantia 0 funcionamento da representagio € do sistema par tidivio. ‘O cariter ambtguo das idéias e das instituigdes tomava-se mais eviden: teem época de crise. Nos momentos de normalidade predominava 0 pasto bisico entre o rei ¢ 0s bardes, predominava a fiegdo do regime constituci- nal, da representagio, dos partidos, do liberalismo politico, da civiliz fo. Ao solucionar a cise regencial ao resolver os problemas fundamentals “da ordem social e da arbitragem entre’os grupos dominantes, a Coroa pas- sou.a ser legitimada e aceita com Poder Moderador ¢ tudo, Aos poucos fi ‘cou esquecido 0 caréter de pacto, de compromisso mitno, embutido no Sistema, Passou-se'a acreditar no peso politico quase exclusive da Coroa. ‘Toda aliterarura liberal falava no imperialismo como pouer incontrastado, ‘Contra © rei, como vimos, todas as acusagdes se levantavam, como se cle tudo pudesse por sua forca evontade. tal prcepeio nfo escapavam mestio tos observadares estrangeiros. O representante inglés dizia em 1887, quan- do primeiro sétio atague de diabetes atingin oimperador, que “Sua Majes- tade constitui sozinha o pivd sobre o qual giram os destinos do Império". (O representante francés apesar de anota a exiténcia de liber dade ili da de imprensa e um “parlamentarismo exagerado” no pats afitmava que Pedro If era um principe “sobre o qual repousa 0 pats inteiro porque ele ccentralizou tudo”. vA enorme visiblidade do podet era em parte devida & prépria monar- quia com suas pompas, seus rituas, com o caisma da Gigura rel. Mas era também fruta da centralizagio politica do Estado, Havia quase wnanimidade de opinifo sobre 0 poder do Estado como sendo excessivo ¢ opressor Ot» ‘pelo menos inibidor da niiativa pessoa, daiberdade individual, Mas, come Frostrou o visconde do Urugual, este poder era em boa parte ilus6rio. A purocracia do Estado era macrocefélica: nha eabega grande mas bragos muito cartos, Agigantava-s na Corte mas nio alcangava as mnicipalidades¢ mal atingia as provincias. Todos viam a cabega luzindo no alto e no arentavara para a atrofia dos bragos. Dafa observagio de Uruguat de quc apesat de Faas limitagdes no que se ceferia 8 formulagio « execurto de politics o foverno passaa a imagem de todo-poderoso, cra visto come responsive] por todo o bem ¢ todo o mal no Impétio. Conteday? WHS A ambigidde eran asim thé dso de perspectives na vi bk OOo a ee Gar complexo jogo de realidade ¢ fic es a tal ponto que as duas se confundiamn 1 tornando-serealidade ea reaidade fegio. Foi sem cbvida uma percepcdo intitva desta natureza do sistema que levou varios contemporaine a salientar 0 aspecto teatral do jogo politico imperial, 0 aepecto de representacé, de finglmento, de fazer de conta. Por economia ‘vamos limicar aiustracho desta visio a dois textos apenas, um de paltico conservador, our de liberal: Nos doisa meisforateatral aparece com nitdez. Fecreira Vianna na Conferéncia das Divinos,ecrta em 1867, apresenta ed I ulzando 0 recurso da forma teatral. O imperador € mostrado em imagindrio encontro com Nero e uttotrano, diseutindo, no eendrio da Roma Ienperial, a enieas do governo despético. A forma tearal posi ser elemen to de dsface para atacaro rel Disfarce als previ, pois apesar do anon! mato, ninguém ignorava quem fosseosutor, Mas ela reforgava também aia explicta no texto de que o gorerno de Pedro Il era uma representa tatral, umn fingimento, © erico mordaz far imperador dizer que corrompeu,falsi- ficou mud, invereu valores. Ede modo direo: “O meu reinado foi uma co- smédiz" e uma comédla feliz: “Diverti-me, fiz o que quis e nfo matei um hhomem?”. imperador comparava-se isto a seu antecesior Augusto, no sen- tido de trem ambos bem representado a comédla do governo? 'A Conferéncia dos Divinos rellete 0 pensamento de Ferrera Vianna ex- presso durant toda sua vida politica que sabreviveu a Império. Autentica- mente conservader, profundamente religioso, defensor dos bispos na Questio Religioss, Ferrera Vianna cobrava o pleno funcionamtento do sistema repre- senttivo, como Zacarias de Géex. Nio percebia que sem accita a pate de fico neleembutida a realidad o destruira, Ou melhor, no perecbia que realidade do sistema era a fcgdo. Por ocasdo da dissolugdo da Camara de 1884, a Camara que resstira a0 projecoabolicionista de Dantas, fee um de seus mais violentos diseursos contra o poder imperial, dizendo-se “cansado de representa nesta con:éliapoltica”? Por motivas apostos, isto é, por impacidncia com a atuagio do impera- dor com relagio a aboligao, que considerava timida, Joaguim Nabuco usou também a metéfora teatral para caracterizar o sistema imperial. Ela aparece rincipalmente em O Abolicionismo, de 1883, mas esti também presente no neste dl mais meditado Um Estadicta do Império, escrito jé na Repiblica timo livro, por exemplo, que Nabuco repete Ferreira Vianna ao dizer que © Jmperador passou 50 anos a fingir governar um povo livre. A diferenga é ‘que cle faz a afiemagao em sentido postivo ¢ elogioso, quando 0 ouiro a fazia como critica ferina’, © texto de O Abolicionismo hesita entre a critica co clogio c é por isto mais agudo, O sistema imperial €af earacterizado como tum jogo de aparéncias, de falsas realidades, de fiegio. A metéfora teatral é rele vinculada & metifora da sombra. © gaverno seria a sombra da escravi- dios esta 20 final, se tomnara também soma, assim como os politicos exam sombra do poder imperial, A politica imperial seria combate de sombras, expressio que Nabuco vai buscar em Cicero. A metifora da sombra jé ocor- rera a Ferreira Vianna em difeurso de 1882, um ano antes da publicagio de (0 Abolicionismo. © parlamento, disse ele nesse discurso, “éespectro, som- bhrade outea sombra, porque no hé pafs constituinte nem pais consttuido”. No discurso de 1884, apés dizer que se cansaca da comédia que representa- va, acrescentara que se aborrecia com a trstssima decoragdo em que 36 ha- via espectros e uma sinica realidade’, ‘Aidéia de que politica e teatro tém algo em comum nfo € novidade. Que eu saiba, 0 autor que a tem hoje desenvolvido mais excensamente ¢ Clifford Geertz, sobretudo em seu estudo sobre © Estado balinés do séeulo XIX. Em ‘estudo posterior ele expande a meréfora para outros sistemas politicos, inclu- sve atuaist, No caso bales, olado teatal da politica €examinado nosrituais ‘coletivos, onde ele & mais Sbyio. No estudo posterior a andlie se volta mais para 0s aspectos simblicose carisméticos embutidos em todo exercicio do poder soberano. Creio que a metifora teatral se pode aplicar com mais exten- ‘io a0 fenémeno politico em geral. O ritual, o simbolismo, sfo partes inte- igrantes de qualquer sistema de poder, assim conto 0 €0catisma. Masa politica & teatro também por razBes que t2m a ver com os meeanismos modeznos do exercicio do poder. A representacio politica tem em si clementos que podem ser comparadas representagio teatral. Ambasas representagdes se exercem ‘em palcos montados, por meio de atores que tém papéis conhecidos ¢ reco~ nnhecidos. Hi regras de atuagio, hi enredo e, principalmente, ha fiegSes. Em politica, a primeira ficgio & a prépra ida de representacio. De fato, €pre- cso admitir um grande faz-de-conta, € preciso erenga para aceitar que a ‘guém possa falar autenticamente por milhares de pessoas. Na representasio Copteaoe simbélica burkiana a fiegi & ainda maior, pois uma s6 pessoa pode ser tida como a encaragio de toda a coletvidade, Nas monarquias os aspectos tea- trais aparecem ainda com mais clareza, nio sé no ritual, mas também na fie «io politica. O melhor exemplo da tikima & a convengio da neutralidade politica do Rei, de sua incapacidade de fazer o mal e de sua conseqiente irresponsabilidede politica A cespecificidade do sistema imperial em relaglo a outros sistemas © a ‘outeas monarquias provinha da complicasio adicionaltrazida pela dubieda- de das idéiase das instinuigbes. No s6 era teatro a politica: era teatro de sombras. Os atores perdiam a nogao exata do papel de cada um, Cada uni projetava sobre os outros suas expectativas de poder, criava suas imagens, seus fantasmas. Os propritérios, embora dessem sustentago a monarquia, passavam a sentit-se marginalizados, excluidos, hostlizados, pela Coroa. Os politicos ngo sabiam 20 certo se representavam a nagio ou se espondiam 20 mperador. A clite passava a acreditar num sistema representativo que néo ‘stava na Consttuigio e a cobrar sua execusio pelo Poder Moderador. O rei, por sua vez, esforgava-se por seguir afiegio demoerética na medida em que as falhas dos mecanismos da representagao o permitiam. As distorgbes eram msiores quando se tratava do poder e do papel do rei, Fruto inicial de pacto poltico, o poder do rei passou a ser 0 centro do sistema. Um poder derivado, e que nunca o deixara de ser, tornou-se, para efeito da realidade politica, incontrastado. Dai o aparente paradoxo de Nabueo a0 dizer que o poder imperial, sombra da escravidfo, era colossal fantasmagoria, mas s6 el seria capaz de acabar com a mesma esceavidio. No entanto, ao acabar com ela, como previa Nabuco ¢ também Coteipe, des- truiu o encanto que sustentava todo o sistema e morreu também. ‘A vida politica do Segundo Reinado pode ser vista como alternincia de sustentasio e deniincia do teatro que se desenvolvia. As erses podiam advir seja do excesso de énfase no realismo, em geral marca dos conservadores, seja do excesso de Enfase na ficco, tendéncia comum entee 0s liberais. O dificil, no entanto, era distinguir a ficgao da realidade. Quando o impera- dor, por exemplo, disolveu a primeira Camara eleita pelo voto dizeto por ter cla resstido aos planos abolicionistas do Ministéio, ele violow,na visio da lite, 20 mesmo tempo a fcgdo do sistema representativo ea realidade da representa tara, Soba ica do pis como um tod, no enantio, epresentada pelos abolicionistas le garantu,gragas 2 ficgio da represen tagio mondrguica, a realidade da representagio da nagto. O governo do pals por si mesmo podia significa, como'na lei da eleigto diet a redugio dy participagio, Por outro lado afecSo mondrquica, a parédia da democracia, ‘como diia Nabuco, podia representar mais democracia que a realidade do sistema representativo existence. © pr6prio Nabuco s6 pereebeu claramente ste ponto apés a aboligéo, Ble tansparece na popularidade da Monarquia centre os pobres do campo e da cidade, popularidade que sobreviveu por lon- {gos anos a0 regime Se se tratava de um regime com siarcados tragos teats, pode-se per sruntar que género de teatro se fzia, Fereeira Vianna falava de comédis, de farsa, chamava 0 imperadoe de César cariato. Nabuco falou em par6dia da democracia. A discussto que Hayden White faz dos modos de explicagio bistérica desenvolvidos por Northrop Frye nos pode serail aqui. Dos qua ‘ro modes, o romance, a ragédia, a comédia ea sétira, oque paceee nihhor se adequat ao sistema imperial € mesmo a comédia, A comédia adnite 0 conflto gira em torno del, mas permite a reconcilagd final, embora par al, dos homens entre sie com as circunstancias,reconcliago feta em ge ral em elimafestivo, Os admiradores de Pedro Il, brasleroseestrageirs, certamente acrescentariam um lado romntico& comeédia imperial, aribin- do 20 imperador 0 papel do herdi que vence 0 mal por suas virtues’. (0 final do Império foi digno de uma grande comédia no sentido aqui empregado. Pois 0 Impétio terminou com o monumental baile da Ilha is cal, realizado a menos de um més da Proclamagio da Repdblica. Oferesiéa 408 oficsis chilenos, a festa foi uma grande confrarenizagio do elenco,es- Gquecidos todos ds conflitos de véspera. Li estavam os anfitridesliberais¢ 6s convidados conservadores; [6 estavam o rei ¢ sua Corte; [4 extavam 05 barges jf em parte compatibilizados com a aboligio em virtude dos grandes empréstimos recbidos. No convite para o grande baile constava, na coms: so de recepsio do cais Pharoux, até mesmo o nome do primeiro-tenente da Marina Jos Augusto Vinhues, que dis als tarde tomeria pare importan- ono golpe militar ocupando a reparticio dos Corriose Telégrafos. O pore, naturalmente, esta fora do baile, como esivera fora na Proclamasio da Independénciae estaria na Proclamagéo da Replica. Era espectador. Mas fala em favor da Monarguia nao ter sido cle totalmente esquecido: no Largo do Pago, em frente Mha Fiscal, uma banda da policia em facda de gala toca- va fandangos e lundus para divertimento da multidfo dos que nfo tisha acessoa festa da elite alla fecricamente iluminada desenvolviase a maior festa do Segundo Reinado, Tver fosse intengio dos promotores sugerir a inauguragio do Tereeiro Reinado, fantasia concebida por uma das personagens de Mackado de Asis em Esa ¢Jacée reproduzia no quadro de Aurélio de Figusiredo! [A simbologia dla cena era perfita, Reuniamse a Corte e a elite numa ilha iluminada sepaada da cidade em gue por 67 anos tiaham governado 0 pas e sugeria-e 0 renascimento imperial quando, na mesma hora, reuniarn-se os mnligares ers seu Clube para ultimar os preparativos para o golpe de 15 de novemibro. (© que se pretendia como renovagéo da Monarquiaera de fto 0 perfeito canto de cisne do Império que findava. As lutas €o$ con resolviam-se na grande fest 20 som de vases de Serauss. © teatro sepublicano comegou dias depois de maneira muito disina, com uma parade militar, liderada por um general a quom sous partidérids tenta- ram promover 8 categoria de her6i romintico. A Replica ia demonstrat rapidamente que no Brasil o romantismo deslgado da comédia vira log farsa Em 1892, 0 representance inglés ebservou que a politica republicana, nfo fosse 0 sangue derramado, deveria ser contada ao som da misica de Offenbach, o meste do humor buslesco do Segundo Impétio franc © weato republicano jd € outa histéria, ou estéria sda Monarquia Coptetors "HS Novas 1, Macdonral a Salisbury, Rio, 14 de mar de 1887. RR.O, FO 13,9. 635; Amelot 2 Flourens, Rio, 8 de maio de 1887, Archives du Ministére des Affaires Esrangbres, Coreespondance Politigue, Bréi 2. Vera edigio da Conferdncia em Raimundo Magalies Jr, 8s Panfledrios do Segundo Reinado, especialmente p. 271-74, 3, Citedo por Magalhies Jr. em TiésPanflerdriag, p. 282. Um Estadista do Impitiog p- 944. 1 etioniso,esesiaimentep. 170; ¢ erica Viana et Maga J ‘Bite lunfletorios,p. 247. Vy eliford Geers, Negara The Theatre Staten Nineteenth Centar Bali = ecient a conc; edo mesmo autor Local Knowledge, Farthr Esays in Interpretative Abropalog 206. Hayden White, Metahistory. The Historia bnagination a Nivea Europes p.7-11-Parn faa irperiah naturalment, abstr terminow como pequens tragéia. Lim exrudo do quadro de Aurlio de Figueiredo intulado © Ultimo Baile da “Monarqua, ede sua relagio som o comiance Ear acd de Machado de Asis foi feito por Alexandte Eulélio em “De um Capito de sa Ja a0 Panel {0 Climo Baile", Discurso 14, Campinas, 14 (1983), p, 181-207. Agradego a Francisco de Assis Barbosa ter chamado minha srengio para ee rabslho, ‘A observagdo fof relatada pelo representante portugus. Ver Pago d'Arcos a ‘Valbom, Rio,7 de janeiro de 1892. Reparigio do Arquivo e Biblioteca do Ministéio dos Assuntos Estrangeites, Série A— Reservados. Offenbach € au CContury tor da operets O Brasileiro. Copl-dors IFAS

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