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Bruno Miranda Zétola

Raízes do
Brasil
“E
les não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca,
cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal
que esteja acostumado ao viver do homem. E não
comem senão deste inhame, de que aqui há muito [...] E com isto
andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com
quanto trigo e legumes comemos.” A despeito de certas liberdades
literárias por parte de Pero Vaz de Caminha, soube o escrivão-mor
da primeira esquadra lusitana que aportou em terras brasileiras,
em carta endereçada a el-rei D. Manuel I sobre o “achamento” do
Brasil, apreender com muita sensibilidade a relação do gentio com
a mandioca, a qual denominou inhame. Para um brasileiro, de qual-
quer época, as diferenças entre o inhame e mandioca são evidentes,
seja pelo aspecto, seja pelo sabor. Não obstante, o inhame era o re-
ferencial mais próximo que possuíam os portugueses para descre-
ver a mandioca para seus patrícios. Com efeito, acompanhando a
mesma esquadra, um anônimo piloto redigiu uma Relação, em que
menciona “uma raiz chamada inhame, que é o pão que ali usam”.
Nem este nem Caminha provaram o dito inhame, isto é, a mandio-
ca, também conhecida como aipim, macaxeira, maniva, macamba,


Alimento de significativa importância para os lusitanos, o inhame não atingira terras
brasileiras quando da chegada dos portugueses em Porto Seguro, em 1500. Originá-
rio da África, tornou-se, contudo, alimento corrente na América Portuguesa, trazido
pelos colonizadores de seus entrepostos em Cabo Verde e em São Tomé. CASCUDO.
L. C. História da Alimentação no Brasil. v. 1. São Paulo: Itatiaia, 1983. p. 92

Relação do Piloto Anônimo. in: História da Colonização Portuguesa do Brasil, II, 115,
Porto, 1923.

Sabores do Brasil 43
dentre outras denominações, conforme a região Ao contrário do
do País. Mas ambos perceberam que a raiz em
questão, que se tornaria elemento de fundamen- inhame, cuja origem é
tal importância para o sucesso da empreitada co-
africana, a mandioca
lonizadora, constituía a base nutritiva do indíge-
na da costa brasileira. tem suas raízes no
Ao contrário do inhame, cuja origem é
Brasil, no sudoeste da
africana, a mandioca tem suas raízes no Brasil, no
sudoeste da bacia amazônica. Especialistas suge- bacia amazônica.
rem que a mandioca foi domesticada na Amazô-
nia, há quatro ou cinco mil anos, por meio de téc-
lendas etiológicas, que lhe remontam uma origem
nica apurada, contrariamente às representações
sagrada, à maneira do que acontece com outros
que reduzem a culinária indígena à simples ati-
alimentos basilares em culturas rurais. A mais
vidade extrativista. Antes de os europeus apor-
célebre reza que a filha de um chefe indígena en-
tarem em território americano, já se havia disse-
gravidara sem contato masculino. O chefe quis
minado pela América do Sul e Central, atingindo
punir no autor da desonra de sua filha a ofensa
inclusive o México. Contudo, na Mesoamérica e
que sofrera seu orgulho e, para saber quem ele
nas culturas do Pacífico, a mandioca não chegou
era, empregou rogos, ameaças e, por fim, castigos
a constituir nenhum complexo alimentar, como
severos. Tanto diante das ameaças como diante
no caso do milho, nem propiciou bebidas e ou-
dos castigos a moça permaneceu inflexível, di-
tros derivados. Foi entre os indígenas da costa
zendo que nunca tinha tido relação com homem
leste da América do Sul que a mandioca tornou-
algum. O chefe decidira matá-la, quando lhe apa-
se elemento indispensável e constitutivo da vida
receu em sonho um homem branco, que lhe disse
social.
para não matar a moça, porque ela era realmente
A importância da mandioca para os indí-
inocente, e não tinha tido relação com homem.
genas brasileiros pode ser atestada por meio de
Decorridas nove luas, ela deu à luz uma menina
lindíssima e muito branca, causando este último

Para a domesticação da mandioca vide RIBEIRO, B. O índio
na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Revan. 1987. p. 34 e ss.
fato a surpresa não só da tribo como dos povos
MACIEL, M. E. em Uma cozinha à brasileira. in: Estudos His- vizinhos, que vieram visitar a criança, para ver
tóricos, Rio de Janeiro, n, 33, 2004. CPDOC/FGV p. 06. Este aquela nova e desconhecida raça. A criança, que
último autor aponta ser engodo comum referir-se a uma “co-
zinha indígena” genérica e transformar os povos indígenas
teve o nome de Mani e que andava e falava pre-
em um “índio genérico”, indiferenciado e atemporal. “Nesse cocemente, morreu ao cabo de um ano, sem ter
processo, ele é naturalizado, ou seja, é visto como alguém de adoecido e sem dar mostras de dor. Foi enterra-
tal forma próximo da natureza que suas contribuições refe-
da dentro da própria casa, segundo o costume do
rem-se, sobretudo, às atividades extrativistas, à pesca, e à caça
e algumas técnicas”. povo. Ao cabo de algum tempo, brotou da cova

Câmara Cascudo, afirma que “a inteligência dos antigos peru- uma planta que, por ser inteiramente desconheci-
anos irmanava a mandioca ao milho no mesmo nível glorifica-
da, deixaram de arrancar. A planta cresceu até um
dor. Um vaso cerâmico, deparado num cemitério pré-colom-
biano de Sechura, representa o deus da agricultura do Peru dia em que se abriu uma fenda na terra, revelan-
com uma vergôntea de milho numa mão e a mandioca, com do à tribo alvas e fortificantes raízes no lugar da
seus tubérculos pendentes, na outra”. op. cit. p. 108.

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Maloca dos Apiaká. Abril 1828. Hercules Florence.

menina morta. A casa (oca, em tupi-guarani) de Brasil” em 1587, relata o modo de se prepararem
Mani, Mani-oca, seria a origem do nome da raiz. tais raízes: “depois de lavadas, ralam-nas em uma
A mandioca era o fundamento dos dois pedra ou ralo que para isso têm, e depois de bem
elementos inarredáveis da alimentação indígena: raladas, espremem essa maça em um engenho
a farinha e os beijus. O primeiro constituía o con- de palma a que chamam tapitim que faz lançar a
duto essencial e principal, acompanhando todas água que tem toda fora, e fica essa maça enxuta,
as coisas comíveis, da carne à fruta. O segundo da qual se faz a farinha que se come, que cozem
fornecia bebidas, além de ser o mantimento de em um alguidar para isso feito, em o qual deitam
jornada, de guerra, caça, pesca, permuta, oferen- esta maça e a enxugam sobre o fogo onde uma
da aos amigos. Gabriel Soares de Souza, viajante índia a meche com um meio cabaço, como quem
português que redigiu um “Tratado Descritivo do faz confeitos, até que fica enxuta, e sem nenhuma
humidade, e fica como cuscuz, mas mais branca,
e desta maneira se come, é muito doce e saboro-

CASCUDO, L. C. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo:
sa.”
Global, 2000. O autor assinala a existência de outras lendas
para a origem da mandioca.

CASCUDO. História da Alimentação no Brasil. op. cit. p. 104.
Conforme o autor, essa prática sobreviveu ao século XX, pois 
SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587.
Rondon, em sua marcha pelo interior do País teria recebido, 4ª ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional e Editora da
em 1928, um pedaço de beiju de uma velha pianokoto. USP, 1971.

Sabores do Brasil 45
Outra derivação da plantavam a mandioca, cultivavam-na, mastiga-
vam-na, produziam as vasilhas para o armazena-
mandioca muito mento do cauim e distribuíam a bebida por oca-
sião das cerimônias.
utilizada por
As qualidades da mandioca logo conquis-
algumas tribos, como taram os colonizadores portugueses, que a utili-
zavam no cotidiano de maneira quase indispen-
a dos tupinambás,
sável. Era a reserva, a provisão, o recurso. Já no
por exemplo, era o terceiro quartel do século XVI, Pero Magalhães
Gandavo informa que “o que lá se come em lugar
cauim, uma bebida
de pão é farinha-de-pau. Esta se faz da raiz duma
fermentada, utilizada planta que se chama mandioca, a qual é como o
inhame”. Seu uso era difundido inclusive entre
em festas e rituais. os mais abastados, como os três primeiros gover-
nadores-gerais do Brasil, Tomé de Souza, D. Du-
Outra derivação da mandioca muito utili- arte da Costa e Mem de Sá, que faziam questão
zada por algumas tribos, como a dos tupinambás, de contar com farinha de mandioca fresca, feita
por exemplo, era o cauim, uma bebida fermenta- todos os dias, em substituição à farinha de trigo,
da, utilizada em festas e rituais. A alguns viajan- para a produção de seus pães.10 Do bem-sucedido
tes europeus aprouve-lhes o cauim, como o padre cultivo da mandioca, o luso-brasileiro pôde ela-
francês Yves d’Evreux, que consumiu a bebida no borar uma plêiade de quitutes como a farinha, o
Maranhão, no início do século XVII. Entretanto, mingau, o beiju e o tucupi. Desenvolveu-se sobre-
ao descobrirem que o cauim era produzido por tudo no litoral, pois no planalto as condições de
meio da mastigação da mandioca pelas mulhe- seu cultivo em escala suficiente para se abastecer
res da tribo, e posterior fermentação em potes, a um centro de povoamento mais estável do que os
maior parte dos europeus passava a ter grandes primitivos núcleos indígenas eram menos propí-
restrições em ingeri-lo. Contudo, mais do que a cias.11
produção era o ritual de consumo que indignava O europeu no Brasil ampliava as plantações
os europeus. A bebida era consumida em festas de mandioca e tratava de sua moenda por meio
rituais conhecidas como “cauinagens”, nas quais de casas de farinha, onde engenhocas de ferro
os índios, embriagados de cauim, cometiam ati- substituíam as madeiras no fabrico de farinha.12
tudes que os colonizadores entendiam como pe- Mas a técnica de cultivo indígena continuava e,
caminosas, tais como a luxúria e a antropofagia. em certa medida, ainda continua, a mesma. Der-
Por essa razão, religiosos europeus esforçavam-se rubava-se uma parte da mata nativa, geralmente
por combater essa manifestação cultural indíge-
na, centrando sua atuação sobretudo na evange-

Pero de Magalhães Gandavo, Tratado da terra do Brasil, His-
lização das mulheres, haja vista serem elas que
tória da Província Santa Cruz, Anuário do Brasil, Rio de Janei-
ro, 1924.
A saliva da mastigação auxilia na sacarificação do amido, por
 10
CASCUDO. História da Alimentação no Brasil. op. cit. p. 104.
meio da fermentação, ocasionando a produção de gases e a 11
Ibid. p. 205.
sensação de elevação da temperatura da bebida. 12
Ibid. p. 105.

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por meio de queimadas, e plantava-se a mandio- Fomentava, por um lado, o desencravamento
ca nas primeiras chuvas. Após usarem a terra por econômico do Rio de Janeiro e de São Vicente, de
alguns anos, abandonavam-na para plantar em modo que muitos lavradores dessa região, por
outra parte. Conforme Sérgio Buarque de Ho- intermédio do trabalho compulsório indígena,
landa, “no fabrico da mandioca, o produto nati- puderam ascender à categoria de senhores de en-
vo que mais depressa conquistou os povoadores genho. Tais exportações propiciavam, por outro
europeus, chegando, na maior parte da colônia, a lado, a ampliação do raio de alcance dos preado-
substituir o pão de trigo, o único progresso sensí- res e traficantes africanos, dilatando suas áreas
vel introduzido por estes foi o emprego da prensa de captura. É nessa época que, de acordo com o
de lagar ao lado do tipiti de palha”.13 referido historiador, “Luanda transforma-se num
Ao contrário do que sugeriu Fernand grande porto negreiro porque produz, importa
Braudel, que, estudando as plantas americanas, e estoca alimentos para sustentar lotes contínu-
afirmou servir a mandioca de base tão-somente a os de gente arrastada do interior para ser depor-
“culturas primitivas e regularmente medíocres”, tada além-mar”. As exportações de mandioca,
especialistas têm destacado sua contribuição para não obstante, arrefecem ao longo do século XVII,
a economia colonial em seus primeiros séculos. dada a mobilização contra a ocupação holandesa
Exportada para as colônias africanas, a mandio- no Nordeste brasileiro e o transplante da cultura
ca e seus derivados davam as “boas-vindas” aos da mandioca para a África.
negros cativos muito antes de pisarem nos tum- Por essa época, na parte americana do
beiros que singravam o Atlântico Sul, unindo as Império Luso, desenvolviam-se as bandeiras, en-
partes africana e americana do Império Portu- tradas e monções – incursões que desbravavam
guês. Além de alimentar os marinheiros dos na- o interior do continente americano. Não pode-
vios-negreiros, a mandioca possibilitava maior riam os bandeirantes ter-se enveredado por tão
distribuição de ração alimentar para os africanos hercúlea aventura não fosse a adaptação ao meio,
embarcados nos navios-negreiros, diminuindo a obtida pela incorporação de hábitos indígenas.
mortalidade de escravos durante as travessias. E, nesse sentido, a inclusão da mandioca em seu
Luiz Felipe de Alencastro relata que a cada escra- cardápio cotidiano foi fator de fundamental im-
vo se dava 1,8 litro de mandioca ao dia durante portância. Na sua marcha para o oeste, o ciclo das
as travessias seiscentistas, mesma medida obser- bandeiras partidas de São Paulo, subindo os rios
vada no mantimento dos índios remadores da ponteiros, forrava, sustentava-se durante o per-
Amazônia. Tratava-se, por conseguinte, de pro- curso com a previdência das lavouras farinheiras.
vável padrão alimentar no universo do trabalho A expedição deixava um grupo: alguns brancos
compulsório do Atlântico português. e uma patrulha indígena, plantando mandioca,
Na virada do século XVI para o XVII, a fazendo farinha, levando-as aos companheiros
exportação da mandioca brasileira para a África que se adiantavam sertão adentro. Esses locais de
cumpria uma dupla função na empresa colonial. produção tornaram-se coordenadas geográficas
relativamente conhecidas no emaranhado dos
13
HOLANDA, S. B. Caminhos e Fronteiras. Rio de Janeiro: José caminhos exploradores. A farinha era a comida
Olympio, 1957. p. 205. Em contrapartida, nota-se, a partir do
para todos, portugueses e índios, fosse qual fosse
século XVII, a disseminação da lavoura do trigo nos planaltos
do sul e sudeste brasileiros

Sabores do Brasil 47
o nível do participante.14 Indicativa do destaque janeiro de 1701, a Coroa Portuguesa determina-
que possuía a mandioca no imaginário alimentar va que os senhores liberassem seus escravos aos
do brasileiro do século XIX é a resposta que um sábados, para que pudessem cultivar seu próprio
sertanejo dá a dois viajantes europeus, exaustos e sustento.17
sedentos, que, próximos do rio São Francisco, lhe Onde não fosse possível ou rentável pro-
perguntaram onde se poderiam saciar: “Ali está duzir os elementos básicos para a subsistência
farto de tudo! Tem farinha e água.”15 do negócio agroexportador, fazia-se necessário
O antigo sistema colonial, modelo econô- procurá-los alhures. Dessa forma o senhor se es-
mico em que as metrópoles européias detinham quivava da obrigação de ter que alimentar seus
a exclusividade das exportações e importações escravos. Assim, o cultivo da mandioca expan-
de suas colônias, foi o responsável por diversas diu-se, sobretudo, nessas regiões periféricas ao
crises de abastecimento de víveres na América centro dinâmico da economia colonial brasileira.
Portuguesa. A própria legislação imposta às colô- Com efeito, as áreas do Brasil que não possuíam
nias reflete a preocupação em favorecer ativida- atividades agroexportadoras se inseriam na já
des rentáveis capazes de justificar a empreitada mundializada divisão do trabalho, por meio da
monocultora de tipo comercial.16 A produção de produção e remessa de produtos de consumo
subsistência para o auto-abastecimento da colô- para essas regiões mais pujantes. É o caso, por
nia só mereceu atenção por parte das autoridades exemplo, da produção de farinha de mandioca
lusitanas em épocas de crise de provisões. Era na região de Paranaguá, cuja exportação para São
incumbência das Câmaras Municipais ou, o que Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Norte do Brasil e
é o mesmo, das elites locais garantirem seu abas- Colônia do Sacramento fez-se debalde com “o sa-
tecimento de víveres. Por isso, muitos engenhos crifício dos próprios moradores de Paranaguá [...]
de açúcar possuíam lavouras de culturas de sub- pois a farinha era pouca e dela se esperava falta
sistência anexas, o que originava uma condição maior ainda”, conforme relata um governante lo-
de auto-abastecimento. Pela carta régia de 11 de cal.18 De fato, dadas as oscilações dos preços de
gêneros alimentícios de primeira necessidade ha-
14
CASCUDO. História da Alimentação no Brasil. op. cit. p. 108. via, freqüentemente, indícios de agitações popu-
Sérgio Buarque de Holanda, não obstante, afirma que “nas lares, que preocupavam os governantes. Por isso,
primeiras expedições ao sertão bruto seria de todo impossível
uma das mais importantes magistraturas locais
o transporte das ramas de mandioca necessárias ao plantio nos
arraiais situados onde já não existissem tribos de lavradores. era o cargo de Juiz ou Inspetor Almotacé. Eleito
Primeiro porque, além de serem de condução difícil, pois ocu- pelas câmaras municipais com grandes poderes e
pariam demasiado espaço nas bagagens, é notório que essas
prerrogativas, esse funcionário zelava pelo abas-
ramas perdem muito rapidamente o poder germinativo. E de-
pois, porque, feito com bom êxito o plantio, seria necessário tecimento municipal, fixando preços, fiscalizando
esperar, no mínimo, um ano, geralmente muito mais, para a a qualidade e observando a padronização de pe-
obtenção de colheitas satisfatórias. O milho, por outro lado, sos e medidas dos produtos.
além de poder ser transportado a distâncias consideráveis, em
grãos, que tomavam pouco espaço para o transporte, oferecia
a vantagem de já começar a produzir cinco a seis meses ou
menos depois da sementeira”. op. cit. p. 222.
15
CASCUDO. História da Alimentação no Brasil. op. cit. p. 106. 17
LINHARES, M. Y.; TEIXEIRA SILVA, M. C. op. cit. p. 120.
16
LINHARES, M. Y.; TEIXEIRA SILVA, M. C. História da agricul- 18
WESTPHALEN, C. M. As farinhas de Paranaguá. Rio de Janei-
tura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 117. ro; APEC, 1976. p. 74.

48 Textos do Brasil . Nº 13
Mandioca – Feira-livre. Alexandre Tokitaka / Pulsar Imagens

Sabores do Brasil 49
Mandioca Frita. Alexandre Tokitaka / Pulsar Imagens

50 Textos do Brasil . Nº 13
A farinha de mandioca produção (o campesinato autônomo e o Estado) e
novo padrão de produção (por meio das técnicas
acompanha desde o trazidas pelos imigrantes estrangeiros)19.
Essas transformações, entretanto, não che-
churrasco gaúcho às
garam a desbancar a mandioca como um dos in-
caças e pescados do gredientes essenciais nos hábitos alimentares dos
brasileiros de todas as regiões. Sua farinha acom-
Brasil central e do
panha desde o churrasco gaúcho às caças e pesca-
Amazonas e se faz dos do Brasil central e do Amazonas e se faz pre-
sente no pirão do litoral. Não há região no Brasil
presente no pirão do
em que não se encontre a mandioca nos merca-
litoral. Não há região dos. Transformada em produto de consumo de
massas, é apreciada, sob a forma de porção frita,
no Brasil em que não nos bares de todo o País. Resgatada pelos grandes
se encontre a mandioca chefs, é utilizada em restaurantes de alto padrão
como acompanhamento ou ingrediente em apu-
nos mercados. radas receitas. Saboreada em formas novas e tra-
dicionais, em todas as regiões do País, a “rainha
Ainda no século XIX, a rudimentar técnica
do Brasil” – como a definiu Câmara Cascudo – é o
utilizada para o plantio da mandioca era pratica-
alimento que dá liga à culinária brasileira. Gilber-
mente a mesma que fora herdada dos índios, o
to Freyre bem define essa expressiva contribuição
que só era possível em virtude da imensidão de
indígena para a formação dos hábitos alimentares
terras disponíveis no Brasil. Com a publicação da
do brasileiro: “Muitos dos produtos preparados
Lei de Terras, em 1850, o Estado avoca para si a
outrora pelas mãos avermelhadas da cunhã, pre-
propriedade dos solos devolutos. O resultado é a
param-nos hoje as mãos brancas, pardas, pretas
transformação da terra, e principalmente da terra
e morenas da brasileira de todas as origens e de
fértil, em mercadoria altamente valorizada. Essa
todos os sangues. Da índia, a brasileira aprendeu
lei deve ser entendida no âmbito da tentativa
a fazer da mandioca uma série de delicadas qui-
de “modernização” do País. Apontando-se para
tutes.” Desse modo, pode-se afirmar que se en-
a abolição da escravidão, essa medida permitia
contra na mandioca significativa parte das raízes
ao Governo conceder terras para imigrantes eu-
da cultura alimentar brasileira.
ropeus, considerados muito mais “morigerados
e laboriosos” que os africanos pelas elites locais.
Com efeito, o projeto modernizador no Brasil,
Bruno Miranda Zétola
em meados do século XIX, provocou significati-
Diplomata; Mestre e Doutorando em
va transformação na estrutura agroalimentar na- História pela UFPR.
cional, pois inaugurava uma nova forma de pro-
priedade (a pequena produção), nova unidade 19
SANTOS, C. R. A. História da Alimentação no Paraná. Curitiba:
econômica (a família), novo tipo de relação de Fundação Cultural, 1995. 73.

Sabores do Brasil 51

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