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Como construir

Alvenaria racionalizada
A alvenaria de vedação pode ser definida como a alvenaria que não é dimensionada
para resistir a ações além de seu próprio peso. O subsistema vedação vertical é
responsável pela proteção do edifício de agentes indesejáveis (chuva, vento etc
.) e também pela compartimentação dos ambientes internos. A maioria das edificaç
ões executadas pelo processo construtivo convencional (estrutura reticulada de c
oncreto armado moldada no local) utiliza para o fechamento dos vãos paredes de a
lvenaria. A alvenaria de vedação tradicional, que é usual nas edificações, apres
enta as seguintes características: • Como não se utiliza projeto de alvenaria, a
s soluções construtivas são improvisadas durante a execução dos serviços • A mão
-de-obra pouco qualificada executa os serviços com facilidade, mas nem sempre co
m a qualidade desejada • O retrabalho: os tijolos ou blocos são assentados, as p
aredes são seccionadas para a passagem de instalações e embutimento de caixas e,
em seguida, são feitos remendos com a utilização de argamassa para o preenchime
nto dos vazios • O desperdício de materiais: a quebra de tijolos no transporte e
na execução, a utilização de marretas para abrir os rasgos nas paredes e a freq
üência de retirada de caçambas de entulho da obra evidenciam isso • Falta de con
trole na execução: eventuais problemas na execução são detectados somente por oc
asião da conferência de prumo do revestimento externo, gerando elevados consumos
de argamassa e aumento das ações permanentes atuantes na estrutura. A figura 1
apresenta exemplo de alvenaria de vedação tradicional, com a utilização de tijol
os de má qualidade e rasgos nas paredes para o embutimento das instalações.
Figura 1 - Exemplo de alvenaria de vedação tradicional Com a tendência de utiliz
ação de estruturas cada vez mais esbeltas, têm surgido algumas patologias nas al
venarias, principalmente causadas por: • Utilização de balanços com vãos grandes
e seções transversais reduzidas • Falta ou inadequação de vergas e contravergas
nas regiões dos vãos • Qualidade deficiente dos materiais utilizados (tijolos,
blocos e argamassas) e da execução • Problemas da ligação da estrutura com a alv
enaria (ligação pilar/parede e encunhamento). A racionalização construtiva pode
ser entendida como a aplicação mais eficiente dos recursos em todas as atividade
s desenvolvidas para a construção do edifício. Algumas das diretrizes de produçã
o desenvolvidas inicialmente para a alvenaria estrutural são estendidas à alvena
ria de vedação.
Quando se pretende implantar conceitos de racionalização da construção, deve-se
iniciar pela estrutura da edificação. Em seguida, deve-se priorizar a alvenaria
de vedação. Isso porque o subsistema de vedação vertical interfere com os demais
subsistemas da edificação: revestimento, impermeabilização, esquadrias, instala
ções elétricas e de comunicação, instalações hidrossanitárias etc. Todos esses s
erviços somados representam uma parcela considerável do custo de uma obra. Em co
ntraponto à alvenaria tradicional, a alvenaria dita racionalizada (figura 2) apr
esenta as seguintes características: • Utilização de blocos de melhor qualidade,
preferencialmente com furos na vertical para facilitar a passagem de instalaçõe
s • Planejamento prévio • Projeto da produção • Treinamento da mão-de-obra • Uti
lização de família de blocos com blocos compensadores para evitar a quebra de bl
ocos na execução • Redução drástica do desperdício de materiais • Melhoria nas c
ondições de limpeza e organização do canteiro de obras. Inicialmente, a produtiv
idade da mão-de-obra diminui em função da mudança de paradigma e da consulta ao
projeto de alvenaria, além do embutimento dos eletrodutos e caixilhos durante a
elevação das paredes. Em contrapartida, após o término a parede está pronta, sem
necessidade de retrabalho. Com o passar do tempo e o treinamento dos operários
a mão-de-obra se adapta ao novo processo.
Figura 2 - Alvenaria de vedação racionalizada
Figura 3 - Transporte dos blocos paletizados em obra
Planejamento e concepção Muitos fatores interferem na qualidade final da parede
acabada, tais como: a regularidade geométrica da estrutura, a escolha dos blocos
de vedação, as argamassas utilizadas para assentamento dos blocos e revestiment
o, além da mão-de-obra para a execução dos serviços. O mercado disponibiliza vár
ios tipos de blocos e os mais utilizados são os de concreto, cerâmicos e de conc
reto celular. Algumas construtoras adquirem os blocos de vedação pelo menor preç
o, sem levar em conta aspectos importantes: • Dimensões, desvios de forma e peso
de cada bloco, que influenciam na produtividade • Regularidade geométrica, que
conduz a um assentamento mais uniforme com economia de argamassa de assentamento
e revestimento • Condições de fornecimento: a paletização facilita o transporte
até a • Absorção de água e aderência • Resistência mecânica • Movimentações hig
roscópicas e térmicas • Peso próprio das paredes: os blocos mais leves conduzirã
o a elementos estruturais com menores dimensões, em contrapartida a estrutura co
mo um todo será menos rígida • Desempenho termoacústico No País inteiro, a maior
ia dos blocos cerâmicos comercializados não atende às especificações técnicas ex
igidas. A NBR 15270-1: 2005, dentre outros requisitos, especifica uma resistênci
a mínima à compressão de 3,0 MPa para blocos cerâmicos de vedação com furos na v
ertical. Em grandes centros alguns fornecedores possuem certificação da qualidad
e comprovada. Dependendo do local da obra, a distância de transporte e o custo d
o frete tornam-se fatores preponderantes na escolha dos blocos. A tabela 1 apres
enta dois exemplos de família de blocos cerâmicos com furos na vertical de difer
entes fornecedores. A figura 4 apresenta a família de blocos do fornecedor 1 ind
icado na tabela 1.
Figura 4 - Família de blocos do fornecedor 1 Compatibilização de projetos Antes
de se pensar no projeto da alvenaria deve-se atentar para a coordenação de todos
os projetos necessários para a execução da obra. As interferências dos projetos
arquitetônico, estrutural e de instalações devem ser cuidadosamente analisadas
e resolvidas na fase de anteprojeto. A modulação do projeto arquitetônico e estr
utural, apesar de ser opção interessante, não é imprescindível para a utilização
da alvenaria racionalizada. Como mostrado na tabela 1, o mercado disponibiliza
famílias de componentes com blocos compensadores, que permitem a elaboração do p
rojeto de alvenaria independentemente da modulação do projeto arquitetônico. As
principais informações a serem obtidas do projeto arquitetônico são: • Dimensões
internas dos cômodos e paredes acabadas (largura, altura e comprimento) • Local
ização e dimensões de aberturas (portas e janelas) • Tipos de revestimento exter
no e interno • Detalhes construtivos de fixação de contramarcos das janelas e ma
rcos das portas • Previsão de juntas de controle • Detalhes arquitetônicos como
sacadas, beirais e platibandas. As informações importantes do projeto estrutural
são as dimensões dos elementos estruturais (lajes, vigas e pilares), as distânc
ias de face-a-face dos pilares que definem os vãos de paredes utilizados na sua
paginação e a altura do pé-direito estrutural. É importante também verificar se
na concepção estrutural a alvenaria funciona como travamento da estrutura. No pr
ojeto elétrico e de comunicações as seguintes informações são importantes: • Pas
sagem de eletrodutos: os eletrodutos verticais passam por dentro dos furos dos b
locos, sem necessidade de cortes dos mesmos • Utilização de shafts verticais nas
prumadas das áreas comuns • Pontos de luz, tomadas e interruptores • Posição de
quadros medidores: podem ser utilizados gabaritos de madeira durante a elevação
das paredes. As principais informações coletadas do projeto de instalações hidr
ossanitárias são: • Utilização ou não de shafts verticais para as tubulações de
água e esgoto • Localização de ramais hidráulicos • Instalação de peças sanitári
as. Devem ser analisados também os projetos de instalação de gás, proteção contr
a incêndio e impermeabilização.
Figura 5 - Exemplo de planta de numeração de paredes Projeto de alvenaria A elab
oração do projeto de alvenaria de vedação é fundamental para a racionalização de
ssa. Esse projeto tem como objetivo principal promover a organização da execução
pela prévia tomada de decisões. Para a sua elaboração é necessária a compatibil
ização dos demais projetos da edificação, ou seja, arquitetônico, estrutural e d
e instalações. Para que a execução ocorra de forma adequada deve-se proceder à q
ualificação da mão-de-obra executante. Assim, podem ser evitados problemas como
retrabalhos, desperdício de materiais e mão-de-obra, além de futuras manifestaçõ
es patológicas. Como se trata de um projeto executivo, o projeto de alvenaria de
ve conter os seguintes desenhos e especificações: • Planta de numeração das pare
des (figura 5) • Planta de primeira e segunda fiadas • Locação da primeira fiada
• Paginação ou elevação de cada parede • Definição quanto ao uso de vergas e co
ntravergas • Especificação dos componentes da alvenaria: blocos e dosagem da arg
amassa de assentamento • Características das juntas entre blocos e na ligação es
trutura/alvenaria • Detalhamento das ligações alvenaria-estrutura. A elevação de
cada parede deve contemplar os tipos de blocos, a quantidade de cada um, as dim
ensões das aberturas, a posição de vergas e contravergas, o posicionamento de el
etrodutos e caixas de luz, telefone, antena, internet e outros, além dos detalhe
s de ligação entre paredes e entre as paredes e a estrutura, como exemplificado
na figura 6.
Todas as paredes de um projeto de alvenaria devem ser detalhadas separadamente.
A sobreposição de projetos em versão digital pode ser utilizada e, assim, todos
os componentes da parede podem ser identificados com maior facilidade. O projeto
de alvenaria deve possuir todas as informações para a execução das paredes com
a incorporação de componentes como as instalações. Assim, não deve existir a nec
essidade da consulta simultânea de vários documentos, o que pode induzir a erros
.
Figura 6 - Exemplo de elevação ou paginação de parede Ligação estrutura-alvenari
a A interface alvenaria-estrutura deve receber especial atenção no momento da el
aboração do projeto. A diferença de natureza dos materiais leva a comportamentos
diferenciados durante a vida útil da edificação. Além disso, as estruturas têm
se tornado cada vez mais esbeltas, existindo então maior possibilidade de deform
ações, o que pode tornar as ligações alvenaria/estrutura mais suscetíveis a prob
lemas. O uso das telas metálicas eletrossoldadas como componentes da ligação ent
re parede e pilar foi proposto com o objetivo de reduzir o tempo de instalação d
o dispositivo, o que acarreta um aumento da produtividade na execução das alvena
rias. É uma forma bastante eficiente, sendo que o seu uso tem se tornado bastant
e freqüente. As telas metálicas eletrossoldadas disponíveis no mercado possuem m
alha de 15 x 15 mm e fio de 1,65 mm. As telas são fixadas aos pilares por meio d
e pinos de aço com arruelas utilizando finca-pinos acionado à pólvora (figura 7)
. No momento da elevação das alvenarias essas telas são inseridas nas juntas hor
izontais de argamassa. Para a execução de amarração entre paredes, as telas perm
item execução prévia de uma das paredes, sendo a elevação da outra parede concor
rente feita em uma segunda fase. Exceto nos casos em que se deseja o trabalho co
njunto alvenaria-estrutura, as ligações das paredes com as vigas e lajes não dev
em ser rígidas. Uma maneira de tornar essas ligações deformáveis é a utilização
de tijolos de barro cozido assentados com argamassa fraca de cimento. Sempre que
possível esses devem ser assentados em posição normal com a utilização de argam
assa flexível. Neste caso esses tijolos contribuem para a não existência de uma
camada de argamassa de espessura muito elevada, além de aumentar a capacidade de
absorver deformações. A espessura adequada para essa junta
de fechamento superior, denominada junta horizontal de fixação é por volta de 2
a 3 cm. No caso dos blocos para alvenaria de vedação possuírem furos na vertical
, a última fiada pode ser executada com a utilização de blocos menores (compensa
dores ou meio-blocos) assentados deitados, ou seja, com os furos na horizontal.
Também podem ser utilizados blocos canaleta ou mesmo os tijolos de barro cozido.
Nesse caso deve-se deixar uma folga para o encunhamento flexível com o uso, por
exemplo, da argamassa fraca de cimento, ou de outros materiais que apresentem g
rande capacidade de acomodar deformações como, por exemplo, a espuma de poliuret
ano. O detalhamento desse tipo de interface em um projeto de alvenaria de vedaçã
o pode reduzir consideravelmente o índice de patologias presente nas paredes das
edificações prontas. As deformações diferenciadas entre as vedações verticais e
as estruturas estão presentes ao longo de toda a vida útil da edificação, e, se
ndo assim, é necessário que essas sejam compatibilizadas, devendo existir então
planejamento e detalhamento em projeto. Quando essas interfaces não são bem plan
ejadas se observa o desempenho insatisfatório das alvenarias sob ações para as q
uais não foram projetadas.
Figura 7 - Exemplo de utilização de telas metálicas na ligação parede-pilar Conc
lusão Observa-se que apenas a existência do projeto de alvenaria não é suficient
e para a implantação da alvenaria racionalizada na obra. É importante investir e
m motivação e treinamento da mão-de-obra, equipamentos e conscientização de todo
s os envolvidos no processo de produção. É importante enfatizar que a alvenaria
racionalizada deve ser considerada de forma integrada, desde a fase de projeto a
rquitetônico, estrutural e de instalações, o próprio projeto de alvenaria e até
as definições de esquadrias e revestimentos. Além de melhorar a qualidade das ve
dações verticais, a racionalização da execução da alvenaria tem efeito indutor n
a melhoria da qualidade da construção do edifício como um todo, possibilitando n
ovas soluções para os outros subsistemas da edificação.
Leia mais • NBR 15270-1: Componentes cerâmicos - Parte 1: Blocos cerâmicos para
alvenaria de vedação Terminologia e requisitos. Associação Brasileira de Normas
Técnicas. Rio de Janeiro, 2005. • Execução e inspeção de alvenaria racionalizada
. A. C. Lordsleem Júnior. Coleção Primeiros Passos da Qualidade no Canteiro de O
bras. Editora O Nome da Rosa, São Paulo, 2000. • Qualidade na aquisição de mater
iais e execução de obras. R. Souza & G. Mekbekian. CTE, Sebrae/SP e SindusCon/SP
. Ed. PINI, São Paulo, 1996.
• Diretrizes para o projeto de alvenarias de vedação. M.M.A. Silva. Dissertação
(Mestrado), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. •
Tecnologia, Gerenciamento e Qualidade na Construção. E. Thomaz. Ed. PINI, São Pa
ulo, 2001.
Veja e-mail dos autores: Reginaldo Carneiro da Silva, professor-adjunto da DEC/U
niversidade Federal de Viçosa recsierra@ufv.br Márcio de Oliveira Gonçalves, bol
sista PIBIC/CNPq marciogoncalvesufv@yahoo.com.br Rita de Cássia S. S. Alvarenga,
professora-adjunta da DEC/Universidade Federal de Viçosa ritadecassia@ufv.br
Téchne 112 - julho de 2006

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