Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Notamos que em algumas EMEFs, há entre os educadores3 uma lacuna referente à prática
docente do componente curricular Educação Física, no que se refere a existência de uma
dicotomia corpo e mente e suas implicações no ato didático pedagógico.
Apesar destas questões que consideramos de suma importância, nosso propósito neste texto
é analisar, sem conquanto avaliar os padrões existentes nas instituições e possivelmente
apontarmos possibilidades e avanços, desenvolvendo um trabalho um trabalho que busca
verificar como a cultura corporal pode subsidiar outras possibilidades de ensino na construção do
conhecimento da criança, visando principalmente a superação da dicotomia corpo e mente.
2. Fundamentação teórica
Nos dias atuais a Educação Física no ensino escolar, deve estar integrada ao projeto político
e pedagógico da escola. Ao longo da história têm sido atribuído a Educação Física,
incumbências diferenciadas que a caracterizaram/caracterizam como componente curricular
responsável pela educação do corpo.
"O envolvimento dos higienistas com a educação escolar se deu, portanto, dentro de
compreensão desta como sendo uma extensão da educação familiar. Tratava-se, na verdade, de
mostrar que a nefasta ação dos pais na educação de seus filhos, não se encerrava no ambiente
familiar" (Castellani, 1991, p. 45).
Vários pontos defendidos pelo pensamento liberal em relação à Educação Física, e que
culminaram naquilo que estamos designando de Educação Física Higienista, estão vivos, ainda
hoje, permeando os discursos de autoridades governamentais, de pedagogos, de médicos e
professores de Educação Física.
A Educação Física Higienista, preocupada com a saúde, perdeu terreno para a Educação
Física Militarista (1930 - 1945), que derruba o próprio conceito de saúde, para vinculá-lo agora a
saúde da Pátria.
"A Educação Física será a própria expressão física da sociedade capitalista. Ela encarna e
expressa os gestos automatizados disciplinados e se faz protagonista de um corpo"saudável",
torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça,
imoralidade e, desse modo para integrar o discurso médico, pedagógico...familiar". (Soares,
1994, p. 10).
Fica ressaltado o valor e a função que a força física passa a ter no mundo industrial, pois ela
poderia ser transformada em força de trabalho e vendida como mais uma mercadoria; era o
único valor de troca que o trabalhador dispunha. Assim, os exercícios físicos passaram a serem
entendidos como receita e remédio para os operários, julgando-se que, através deles seria
possível adquirir corpos saudáveis, ágeis e disciplinados, exigido pela sociedade capitalista da
época.
Assim, a Educação Física deveria ser suficientemente rígida para elevar os cidadãos da nação
à condição de servidores e defensores da Pátria. O seu papel seria de colaboração no processo
de seleção natural, eliminando os fracos e premiando os fortes, no sentido da depuração da
raça.
A influência militarista na Educação Física brasileira é um componente forte e duradouro. Em
1921, através de decreto, impôs-se ao país como método de Educação Física oficial, o famoso
"Regulamento nº 07", ou "Método do Exército Francês". Em 1931, quando do início da vigência
da legislação que colocou como disciplina obrigatória nos cursos secundários, o "Método
Francês" foi estendido à rede escolar. A Escola de Educação Física do Exército, fundada em
1933, funcionou praticamente como pólo aglutinador e coordenador do pensamento sobre a
Educação Física brasileira durante as duas décadas seguintes. Somente na elaboração da
Constituição de 1937 é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física, incluindo-a
no currículo como prática educativa obrigatória em todas as escolas brasileiras.
"Art. 131 - A Educação Física, o ensino cívico e trabalhos manuais serão obrigatórios em
todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer
desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça essa exigência" (Brasil).
Derrotado o nazifacismo após 1945, a Educação Física Militarista foi obrigada a se reciclar.
Isto não significa, de maneira alguma, que a prática da Educação Física, após esta derrota,
tenha se livrado dos parâmetros impostos pela Educação Física Militarista.
Aos problemas que emergiam na Educação Física escolar neste período o Estado responderia
com uma nova legislação em 1971.
Na área escolar, a legislação educacional indica que a Educação Física como componente
curricular obrigatório, será tratada como "atividade", no ensino de 1º e 2º graus, "disciplina",
quando se constituir em componente do Ensino Profissionalizante de Habilitação Específica de
2º grau para Magistério, compondo assim o Currículo Pleno da Escola para esta habilitação.
"Artigo 1º - A educação física, atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desperta,
desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui
um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional.
Artigo 2º - A educação física desportiva e recreativa integrará, como atividade escolar regular,
o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino" (São Paulo, 1985, p.
117).
Passa-se a discutir as relações entre educação Física e sociedade sob a influencia das teorias
críticas da educação, sobre o seu papel e sua dimensão política. Há uma mudança de enfoque,
amplia-se á visão da área biológica, enfatizando as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e
afetivas, concebendo o aluno como um ser humano integral. Os objetivos da disciplina se
embasam em objetivos educacionais mais amplos, o conteúdo torna-se diversificado e os
pressupostos pedagógicos mais humanos, opondo-se á visão comportamentalista expressa no
ensino esportivo. Nessa época, vários outros autores ganharam destaque com suas produções
de cunho filosófico, sociológico, histórico, antropológico e pedagógico.
Atualmente, com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Lei nº 9394/96, a obrigatoriedade
do ensino da Educação Física é de responsabilidade dos Conselhos Nacional e Estaduais de
Educação, dos sistemas de ensino, bem como das próprias escolas.
"Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigidas pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela.
3º A educação física, integrada á proposta pedagógica da escola, é componente curricular
obrigatório da Educação Básica, ajustando às faixas etárias e às condições da população
escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos". (São Paulo, 1998, p. 11-12).
Souza e Vago (1997) comentam sobre o ensino de Educação Física em face á LDB e
acentuam que é importante registrar que essa obrigatoriedade esta também explicitada no
Parecer nº 376/97, de 11/06/97, do Conselho Nacional de Educação, que reafirma o parágrafo
terceiro do artigo 26 da LDB, enfatizando que a Educação Física é, sim, componente curricular
da educação básica, cuja oferta deverá estar integrada á proposta pedagógica da escola.
Também o Parecer nº 5/97, de 07/05/97, Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, garante que os componentes curriculares que integrarão a base comum nacional
somam-se á Educação Física, nos termos da Lei.
"Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física trazem uma proposta que procura
democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando, ampliar, de uma
visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as dimensões afetiva, cognitiva e
sociocultural dos alunos. Incorpora, de forma organizada, as principais questões que o professor
deve considerar no desenvolvimento do seu trabalho, subsidiando as discussões, os
planejamentos e avaliações da prática de Educação Física"(Brasil, 1998, p. 15).
A relação entre o desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, foi retomada por Vygotsky nos
anos finais de sua vida, sendo que o desenvolvimento infantil foi um de seus grandes interesses.
Portanto, a questão central do pensamento de Vygostky, que enfocaremos, é a relação entre os
processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Essa relação se dá através de processos
interligados, imersos em um contexto cultural que oferece os aparatos necessários ao
funcionamento psicológico que são movidos por mecanismos de aprendizagem, ocasionados
externamente. Esses processos ocorrem constantemente na relação do indivíduo com o meio.
Para o autor o desenvolvimento infantil é visto a partir de três aspectos: instrumental, cultural e
histórico.
O primeiro se refere à natureza mediadora das funções psicológicas superiores, que não
apenas respondem aos estímulos oferecidos pelo ambiente, mas os altera usando essas
alterações como instrumentos para modificação de comportamento.
No estudo feito por Vygotsky, sobre o desenvolvimento da fala, fica bem claro que inicialmente
os aspectos motores e verbais do comportamento estão misturados. A fala envolve os elementos
referenciais, a conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de
fala social. A fala começa a adquirir traços demonstrativos, indicando o que esta fazendo e de
que esta precisando, faz distinções para outros com o auxílio da fala e começa a fazer distinções
para si própria, assim vai adquirindo função de auto-direção.
"a distancia entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através de
soluções independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através de soluções de problemas sob a orientação de adultos ou em colaboração com
companheiros mais capazes".
Pra que possamos efetuar a verificação pretendida, talvez um passo necessário seja
considerarmos que as interações entre crianças e adultos acontecem por intermédio dos seus
corpos que estão imersos em um determinado contexto. Esse contexto determina modos de ser,
agir... Olhares, gestos, expressões, falas, representações, são manifestações que são
comunicadas e compreendidas por intermédio de códigos e ou signos.
Questões decorrentes desse contexto tornam difíceis as respostas á questão principal deste
artigo e algumas hipóteses podem ser consideradas como a de que a cultura do adulto,
professor leva-os a um "esquecimento" do tempo da infância.
O professor exerce sua função na escola, sendo um elemento importante de ligação entre os
contextos interno e externo - a escola e a sociedade - o conhecimento e o discente. Não
devemos desconsiderar que o professor é fruto de um determinado contexto histórico e social.
Vários estudos abordam a formação acadêmica dos professores, dentre eles gostaríamos de
destacar o trabalho de Darido (1999) que constata que nem sempre os conhecimentos
adquiridos quando da formação são utilizados durante a prática pedagógica. Embora o trabalho
verse especificamente sobre a área de educação física, e considerando a dimensão desta
verificação, diríamos que certamente há em outras áreas o mesmo tipo de ocorrência.
Contudo para a concretização deste estudo olharemos para as posturas que marcam a pratica
pedagógica dos professores das EMEFs diante da Educação Física Escolar.
A escuta das profissionais que atuam nas EMEFs demonstrou "faltas"decorrentes de seu
processo de formação que se evidenciam numa certa "incapacidade" de perceberem como
conteúdos os componentes da Educação Física como as brincadeiras, o jogo e o próprio
movimento corporal das crianças e analisá-los para além do aspecto funcional de contribuição
para a melhoria cognitiva.
Constatamos que nas EMEFs há uma certa quantidade de matérias de apoio (técnicos),
porém não há materiais teóricos, já que uma das dificuldades das professoras é a falta de
conhecimento também no aspecto teórico. Por parte da Secretaria Municipal de Educação, não
existe até a presente data e nunca houve um acompanhamento da Educação Física escolar, o
oferecimento de suporte pedagógico ou uma supervisão que possa contribuir para a
operacionalização da Educação Física nas EMEFs.
De nossa observação feita com os discentes, pudemos notar que quando brincam, eles o
fazem para satisfazer uma necessidade básica que é viver a brincadeira. No entanto, a
insistência de que a brincadeira precisa ter um caráter "pedagógico", limita as possibilidades e
impede a recriação de expressões.
Diante desse recorte apontamos como possibilidade imediata propostas que visem
instrumentalizar as professoras para criar condições para efetivação da Educação Fisica,
buscando o desenvolvimento integral do discente, também via cultura corporal, rompendo com a
dicotomia corpo e mente, de acordo com a realidade de cada EMEF, embasando na concepção
de que a Educação Física também é um componente curricular e como tal deve ser tratada,
considerando o discente como parte integrante do processo, como participante efetivo do mesmo
e levando em consideração o meio social no qual se insere, e ainda apresentar algumas
contribuições para uma discussão para uma proposta de educação básica, plenamente inserida
no projeto político pedagógico e no contexto real escolar, inter-relacionando todas as disciplinas.
Entendemos que qualquer proposta, trás como pano de fundo, um processo político social, ou
seja, somente o resultado de determinadas decisões de caráter político, possa conduzir a uma
revisão dos programas e planejamentos, é possível, no entanto, apontarmos em que contexto a
articulação do ensino fundamental esta contemplando a Educação Física nas EMEFs do
município de Piracicaba -SP.
Notas:
1.
Entendido por elas como professores de Educação Física, que possam atuar em conjunto na
escola.
Referências
BRASIL, Proposta Curricular de Educação Física para o ensino de 1º grau. São Paulo:
Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1991.
*
CASTELANI, Fº, Lino. Educação Física no Brasil: A História que não se conta. Campinas:
Papirus, 1991.
*
FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da educação fisica. São Paulo:
Scipione, 1989.
*
PICCOLO, V. L. N. (org) Educação Física Escolar: Ser... ou não Ter? 2ª ed. Campinas:
Editora da UNICAMP, 1993.
*
SOARES, C. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas: Autores Associados,
1994.