Você está na página 1de 3

Revista Amanhã

terça-feira, 26 de maio de 2009

Doações legítimas ou tentativas ou corrupção?


O cientista político Gustavo Romano diz que a teoria dos jogos explica o comportamento defensivo das empresas na hora de
contribuir com campanhas. Veja a entrevista concedida ao Portal AMANHÃ
Por: Eugênio Esber / Redação de AMANHÃ
[aumentar fonte] [diminuir fonte]

CEO ou Conselho de Administração - tanto faz, para o consultor Gustavo Romano Oliveira, de onde partirá a
decisão sobre quanto a empresa doará ou a quem, durante uma campanha eleitoral. "O que importa é que as
regras corporativas a respeito estejam claras antes de as doações acontecerem", diz o diretor da Quanta
Consultoria. Com mestrado em ciência política pela UFMG, em administração pela London Business School
e em direito por Harvard, Gustavo Romano mantém um blog para traduzir as questões jurídicas (clique
aqui). Nesta entrevista ao Portal AMANHÃ, Romano analisa os diferentes caminhos à disposição das
empresas e recorre à teoria dos jogos para explicar por que algumas companhias apóiam candidatos que não
estão alinhados com seus pontos de vista.

Portal AMANHÃ - Em uma empresa, quem deve determinar o volume e o destino das
doações para fins eleitorais? O CEO? O Conselho?
Gustavo Romano - Não importa. Pode ser até mesmo alguém abaixo do CEO, como um diretor de
relações externas. O poder em uma empresa pertence ao dono, aos acionistas. Tudo o que um CEO ou
qualquer outra pessoa da empresa pode fazer é uma mera delegação desse poder por partes dos acionistas.
Baseado neste principio, o que importa é que as regras corporativas a respeito estejam claras antes de as
doações acontecerem. Parece simples, mas essa ausência de transparência nas regras internas é o que
muitas vezes causa confusões que custam o emprego e a reputação das pessoas. As regras deveriam
estabelecer total visibilidade para os acionistas (inclusive nos relatórios anuais) sobre valores, quem tem
autorização para fazê-lo e as diretrizes para tais doações. Afinal, o dinheiro doado pertence ao acionista. É o
que a Pfizer faz desde 2004.

Portal AMANHÃ - E quais os limites que os acionistas devem observar?


Romano - Obviamente os acionistas não podem permitir que um CEO ou qualquer outra pessoa faça algo
que seja ilegal em seu nome, pois, pelo princípio da delegação de poderes, eles só podem delegar aquilo que
eles possuem, e eles evidentemente não possuem o poder de ir contra as leis. O problema que temos no
Brasil é a ausência de transparência sobre quais são as regras internas no âmbito de uma empresa. Os
conselhos não são claros em suas determinações a respeito do assunto - muitas vezes para preservarem a
possibilidade de jogar a culpa no CEO mais tarde, se algo der errado. E os executivos não são claros porque
muitas vezes não agem de acordo com os interesses dos acionistas (o que é a obrigação máxima de qualquer
executivo).

Portal AMANHÃ - Que critérios uma empresa deve seguir ao deliberar sobre doações para
campanha eleitoral? Deve apoiar candidatos sintonizados com suas bandeiras e interesses,
ainda que não seja o favorito para ganhar a eleição? Ou, numa linha de puro pragmatismo,
deve apoiar quem tem chances de ganhar a eleição, de maneira a não se colocar na
oposição ao futuro governo?

Romano - Ambas as opções são filosoficamente válidas e defensáveis. Algumas empresas - poucas ainda -
possuem planos de Responsabilidade Social que cobrem a questão de doações políticas. E eles estão
diretamente vinculados ao plano estratégico da organização. A Body Shop, por exemplo, apoiava agendas
políticas para a proteção de animais quando esse tipo de discurso não elegia ninguém para o parlamento
inglês. Infelizmente, responsabilidade social é (ou era) apenas mais uma palavra da moda para a vasta
maioria das organizações. Um exercício de relações públicas. Basta olhar como, depois que a crise começou,
ninguém mais fala de responsabilidade social empresarial. É necessária uma enorme força de vontade e
autoconfiança para permanecermos fiéis a nossos ideais durante uma crise. Contudo, se não permanecemos,
é porque não eram ideais, mas apenas mais uma muleta gramatical no vocabulário de consultores e
executivos. Uma opção pragmática também pode funcionar bem tanto para os interesses da sociedade
quanto para os interesses do acionista.

Portal AMANHÃ - De que modo?


Romano - Da mesma forma como um indivíduo tende a votar, dentre os candidatos com chances reais de
vencer, naquele que mais se aproxima de sua visão de mundo (para evitar que seu voto seja perdido), muitas
empresas adotam uma opção pragmática de financiar, dentre os candidatos com reais chances de eleição,
aquele que mais se aproxima da plataforma política que ela deseja ver implantada. O que não deveria
ocorrer - mas infelizmente ocorre com muita frequência - é o financiamento do candidato com a maior
intenção de votos simplesmente para se aproximar politicamente dele e mais tarde se beneficiar de contratos
públicos. Aqui não se trata de financiamento de uma ideologia política no interesse do acionista, mas da
perpetuação da relação fisiológica entre o público e o privado. Isso constitui um pagamento e não uma
doação. No mesmo grupo estão as empresas que doam para múltiplos partidos/candidatos ao mesmo
tempo. É a mesma coisa de comprar o índice da Bovespa: você não está investindo em uma determinada
empresa porque acredita que ela tem um maior valor intrínseco que as outras, mas está tentando não sair
perdendo em relação ao mercado.

Portal AMANHÃ - Um comportamento defensivo, em resumo...


Romano - A teoria dos jogos explica por que, na prática, a maior parte das empresas acaba por efetuar
esses pagamentos a candidatos que não estão alinhados com seus ideários: se elas não pagarem e outra
empresa pagar, elas saem perdendo. A única forma de garantir que não sairão perdendo é efetuar o
pagamento, ainda que o candidato não esteja em sintonia com os objetivos dos acionistas. Para se quebrar
esse ciclo é necessária a intervenção do governo por meio de legislação que estabelece quais os limites e
processos para essas doações, ou uma forte mobilização da sociedade para boicotar marcas de empresas
pouco éticas.
Portal AMANHÃ - À luz das boas práticas internacionais, o que as empresas brasileiras têm
a aprender sobre a melhor forma de atuar politicamente, de modo a preservar o interesse
de seus acionistas e evitar arranhões em sua reputação?
Romano - Muitas empresas de primeira grandeza estabelecem regras claras. Algumas simplesmente
proíbem doações políticas de qualquer natureza, seja em dinheiro, produtos ou serviços. É o caso, por
exemplo, da BP e da IBM. A filosofia dessas empresas é clara: o dinheiro pertence ao acionista. Se ele quiser
fazer doações, que faça de forma individual. A obrigação da organização é dar lucro para o acionista. O que
ele fará com seus dividendos é uma opção dele. E o fato de o lucro ser potencialmente menor pelo fato de a
empresa não ter doado é compensado pela redução do risco de essas doações eventualmente ocasionarem
perdas no valor da marca da empresa. A proibição de doações acontece especialmente quando as empresas
operam em território estrangeiro. Empresas cujos principais mercados consumidores estão em países
desenvolvidos não querem ter a reputação atingida por constrangimentos públicos derivados de doações em
ambientes políticos voláteis como os dos países africanos, asiáticos e sul-americanos.

Portal AMANHÃ - Como você avalia a postura de empresas que não fazem doações a
pessoas, mas a partidos alinhados à sua visão de mundo?
Romano - A vantagem é evitar estabelecer uma relação pessoal que, quase sempre, é mais fisiológica e
menos duradoura do que uma relação com um partido que tem uma ideologia clara. Contudo, é necessário
traçar uma linha divisória entre a doação para campanha e a doação a partidos sem finalidade eleitoral
direta. A doação a partidos sem fins eleitorais diretos tem a tendência de acabar causando problemas, pois
muitas vezes o dinheiro é desviado para manter as mordomias partidárias. É por isso, por exemplo, que nos
Estados Unidos, a lei que regula as doações para campanhas eleitorais federais, chamada FECA, proíbe
qualquer doação que não esteja diretamente relacionada a uma campanha, inclusive aquelas para atividades
gerais do partido.

Portal AMANHÃ - Que cuidados você recomenda às empresas que queiram fazer doações a
indivíduos e não a partidos?
Romano - Um dos cuidados básicos recomendados é o de dar total transparência aos acionistas e à
sociedade, preestabelecer critérios para todos os tipos de doações políticas, deixar claro quem será
responsável pela decisão de doar, estabelecer um teto para as doações e determinar quais os tipos de
eleições receberão doações. O essencial, novamente, é ter critérios predeterminados, claros e públicos para
essas doações. Dessa forma, o acionista pode auditar tais doações ou simplesmente vender suas ações.
Outro passo importante é proibir doações que não sejam em dinheiro. Empréstimo de jatinhos, descontos
na produção de camisetas e outros tipos de doações de produtos e serviços são muito pouco transparentes e
atrapalham tanto na quantificação do valor doado quanto no estabelecimento de relações auditáveis pelos
acionistas e pela justiça eleitoral. Se os critérios seguirem esses passos básicos, a chance de confundirmos
doações legítimas de tentativas de corrupção são diminuídas de maneira drástica.

Você também pode gostar