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CEO ou Conselho de Administração - tanto faz, para o consultor Gustavo Romano Oliveira, de onde partirá a
decisão sobre quanto a empresa doará ou a quem, durante uma campanha eleitoral. "O que importa é que as
regras corporativas a respeito estejam claras antes de as doações acontecerem", diz o diretor da Quanta
Consultoria. Com mestrado em ciência política pela UFMG, em administração pela London Business School
e em direito por Harvard, Gustavo Romano mantém um blog para traduzir as questões jurídicas (clique
aqui). Nesta entrevista ao Portal AMANHÃ, Romano analisa os diferentes caminhos à disposição das
empresas e recorre à teoria dos jogos para explicar por que algumas companhias apóiam candidatos que não
estão alinhados com seus pontos de vista.
Portal AMANHÃ - Em uma empresa, quem deve determinar o volume e o destino das
doações para fins eleitorais? O CEO? O Conselho?
Gustavo Romano - Não importa. Pode ser até mesmo alguém abaixo do CEO, como um diretor de
relações externas. O poder em uma empresa pertence ao dono, aos acionistas. Tudo o que um CEO ou
qualquer outra pessoa da empresa pode fazer é uma mera delegação desse poder por partes dos acionistas.
Baseado neste principio, o que importa é que as regras corporativas a respeito estejam claras antes de as
doações acontecerem. Parece simples, mas essa ausência de transparência nas regras internas é o que
muitas vezes causa confusões que custam o emprego e a reputação das pessoas. As regras deveriam
estabelecer total visibilidade para os acionistas (inclusive nos relatórios anuais) sobre valores, quem tem
autorização para fazê-lo e as diretrizes para tais doações. Afinal, o dinheiro doado pertence ao acionista. É o
que a Pfizer faz desde 2004.
Portal AMANHÃ - Que critérios uma empresa deve seguir ao deliberar sobre doações para
campanha eleitoral? Deve apoiar candidatos sintonizados com suas bandeiras e interesses,
ainda que não seja o favorito para ganhar a eleição? Ou, numa linha de puro pragmatismo,
deve apoiar quem tem chances de ganhar a eleição, de maneira a não se colocar na
oposição ao futuro governo?
Romano - Ambas as opções são filosoficamente válidas e defensáveis. Algumas empresas - poucas ainda -
possuem planos de Responsabilidade Social que cobrem a questão de doações políticas. E eles estão
diretamente vinculados ao plano estratégico da organização. A Body Shop, por exemplo, apoiava agendas
políticas para a proteção de animais quando esse tipo de discurso não elegia ninguém para o parlamento
inglês. Infelizmente, responsabilidade social é (ou era) apenas mais uma palavra da moda para a vasta
maioria das organizações. Um exercício de relações públicas. Basta olhar como, depois que a crise começou,
ninguém mais fala de responsabilidade social empresarial. É necessária uma enorme força de vontade e
autoconfiança para permanecermos fiéis a nossos ideais durante uma crise. Contudo, se não permanecemos,
é porque não eram ideais, mas apenas mais uma muleta gramatical no vocabulário de consultores e
executivos. Uma opção pragmática também pode funcionar bem tanto para os interesses da sociedade
quanto para os interesses do acionista.
Portal AMANHÃ - Como você avalia a postura de empresas que não fazem doações a
pessoas, mas a partidos alinhados à sua visão de mundo?
Romano - A vantagem é evitar estabelecer uma relação pessoal que, quase sempre, é mais fisiológica e
menos duradoura do que uma relação com um partido que tem uma ideologia clara. Contudo, é necessário
traçar uma linha divisória entre a doação para campanha e a doação a partidos sem finalidade eleitoral
direta. A doação a partidos sem fins eleitorais diretos tem a tendência de acabar causando problemas, pois
muitas vezes o dinheiro é desviado para manter as mordomias partidárias. É por isso, por exemplo, que nos
Estados Unidos, a lei que regula as doações para campanhas eleitorais federais, chamada FECA, proíbe
qualquer doação que não esteja diretamente relacionada a uma campanha, inclusive aquelas para atividades
gerais do partido.
Portal AMANHÃ - Que cuidados você recomenda às empresas que queiram fazer doações a
indivíduos e não a partidos?
Romano - Um dos cuidados básicos recomendados é o de dar total transparência aos acionistas e à
sociedade, preestabelecer critérios para todos os tipos de doações políticas, deixar claro quem será
responsável pela decisão de doar, estabelecer um teto para as doações e determinar quais os tipos de
eleições receberão doações. O essencial, novamente, é ter critérios predeterminados, claros e públicos para
essas doações. Dessa forma, o acionista pode auditar tais doações ou simplesmente vender suas ações.
Outro passo importante é proibir doações que não sejam em dinheiro. Empréstimo de jatinhos, descontos
na produção de camisetas e outros tipos de doações de produtos e serviços são muito pouco transparentes e
atrapalham tanto na quantificação do valor doado quanto no estabelecimento de relações auditáveis pelos
acionistas e pela justiça eleitoral. Se os critérios seguirem esses passos básicos, a chance de confundirmos
doações legítimas de tentativas de corrupção são diminuídas de maneira drástica.