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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
; controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
¡ dissipem e a vivencia católica se fortalega no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estéváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estéváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagao.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xli Fevereiro 2000 453
"Deus ama a quem dá com alegría" (2Cor 9, 7)

Cristianismo: Panorama

O Santo Sudario: Probabilidades de autenticidade

"Nao sei o que há do outro lado"

"Casáis em segunda uniáo", por Luciano Scampini

"O Diabo hoje", por Georges Huber

E as Missas Gregorianas?

Em busca do bebé perfeito


PERGUNTE E RESPONDEREMOS FEVEREIRO2000
Publicacáo Mensal N°453

Oiretor Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB "Deus ama a quem dá com
Autor e Redator de toda a materia alegría" (2Cor 9, 7) 49
publicada neste periódico
Visáo de conjunto:
Cristianismo: Panorama 50
Diretor-Administrador:
D. Hildebrando P. Martins OSB Novas conclusdes:
O Santo Sudario: Probabilidades de
Administracáo e Distribuicáo: autenticidade 55
Edicóes "Lumen Christi" Grande enigma?
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar - sala 501 "Nao sei o que há do outro lado" 65
Tel.: (021) 291-7122
Problema delicado:
Fax (021) 263-5679 "Casáis em segunda uniáo", por Luciano
Scampini 79
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Um Alerta:
Ed. "Lumen Christi"
"O Diabo hoje", por Georges Huber 85
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E as Missas Gregorianas? 92
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e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Em busca do bebé perfeito 95
na INTERNET: http://www.osb.org.br
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COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

«Pió XII: o Papa de Hitler». - Idade Media: sim ou nao? - Estrategias Abortistas.
Profecías Desmentidas. - Que língua(s) falava Jesús?

(PARA RENOVAQÁO OU NOVA ASSINATURA: RS 35,00).


(NÚMERO AVULSO R$ 3,50).

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CHRISTI" Caixa Postal 2666 / 20001-970 Rio de Janeiro-RJ

Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"


Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro ■ RJ >
"DEUS AMA A QUEM DÁ COM ALEGRÍA"
(2Cor 9, 7)

Com alegría... Eis o que importa nesta breve sentenca de 2Cor 9,7.
Em que circunstancias escreve o Apostólo tais palavras? Sao Paulo
tem em vista urna coleta a ser feita pelos corintios em favor dos cristáos
pobres de Jerusalém. Motiva-a, dizendo:
"Sabei que aquele que semeia com parcimónia, com parcimónia tam-
bém colherá, e aquele que semeia com largueza, com largueza colherá.
Cada um dé como dispós em seu coragao, sem tristeza nem constrangimen-
to, pois Deus ama a quem dá com alegría" (2Cor 9, 6s).
Estas palavras tém atualidade perene, especialmente no plano espiri
tual, em que se trata de dar a Deus nao dinheiro, mas o coracáo do homem.
Quando Deus pede urna renuncia (causada talvez por um acídente ou um
revés na vida), nao há como nao dar; Ele é mais forte! Todavía há duas
modalidades de dar: a de quem recalcitra e protesta, como também a de
quem compreende a importancia do momento e se abre para a graca divina.
Esta atitude generosa é o segredo da santidade. Afinal tudo o que Deus
pede á sua criatura nao é mais do que um Sim pronto e decidido para que
possa nela realizar o seu plano salvífico.
A expressáo "com alegría" ocorre também no Evangelho. Com efeito,
Jesús conta a historia de um lavrador que, ao cavar o solo, descobre um
tesouro oculto. Que faz ele? Recobre aquele achado, e vai com alegría
vender tudo o que tem, para poder possuir essa "coísa enterrada" (cf. Mt 13,
44). Com alegría despoja-se de tudo, porque intuiu que dentro do
despojamento está escondido um enorme valor. Por isto nao é sem razáo
que Sao Paulo enuncia a alegría entre os frutos do Espirito Santo (Gl 5,22).
E, sim, o Espirito que mostra ao cristáo quáo precioso é entregar tudo a
Deus. Nao se trata da alegría de conquistar bens materiais, mas de entrar
mais e mais no convivio do Senhor.
A alegría suscitada pelo abandono ao Senhor fortalece o cristáo: "A
alegría do Senhor é a vossa fortaleza", diz o escriba Esdras ao povo de
Jerusalém (Ne 8,10). O contrario da alegría - a tristeza - é geralmente algo
de mórbido, que a tradicáo popular atribuí ao demonio; este trabalha melhor
num clima de tristeza. Dar a Deus de cabeca baixa e "conformada" é mau
síntoma. Só urna tristeza é cabível no cristáo: a de nao ser santo, como dizia
Léon Bloy (t 1917); mesmo assim essa tristeza gera alegría; é a tristeza
segundo Deus de que fala Sao Paulo,... tristeza de haver ofendido a Deus e
penhor de conversáo: "A tristeza segundo Deus produz o arrependimento,
que leva á salvacáo,... ao passo que a tristeza segundo o mundo produz a
morte. Vede o que produziu em vos a tristeza segundo Deus: que solicitude!
... Que ardente desejo! Que zelo!" (2Cor 7,10s).
Vale, pois, a pena dar a Deus com alegría, pois Ele ama a quem assim
procede, e o amor de Deus é o tesouro oculto, ... oculto, que se revela a
quem se Ihe abre.
E.B.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLI - N2 453 - Fevereiro de 2000

Visio de conjunto:

CRISTIANISMO: PANORAMA

Em síntese: Quem considera o bloco religioso do Cristianismo,


verifica que compreende diversas denominagóes, devidas a cisóes ocor-
ridas no decorrer dos tempos a partir do tronco principal, único fundado
por Jesús Cristo. Existem os orientáis pré-calcedonenses ou anterio
res ao Concilio de Calcedonia, que data de 451 (nestorianos e
monofisitas), pouco numerosos; os orientáis ortodoxos, que se separa-
ram em 1054, multo veneráveis por sua fidelidade á Tradigáo; os ociden-
tais protestantes, dissidentes desde 1517; os Velhos-católicos, que
se separaram em 1872 (em pequeño número), além de outras denomina
góes mais recentes e de menor projegáo.

Chamamos "cristáos" o conjunto de pessoas que no mundo acredi-


tam em Deus Uno e Trino (Pai, Filho e Espirito Santo) e em Jesús Cristo
como Deus e Homem.

Quem considera o panorama do Cristianismo no mundo, verifica


que nele há diversas denominacoes: a Católica, as Protestantes, a Orto
doxa... Daí a necessidade de procurarmos compreender essa variedade,
que está ligada a tatos históricos.

1.IGREJA CATÓLICA
Jesús Cristo fundou a sua Igreja, e confiou-a a Pedro e seus su-
cessores, como narram os Evangelhos:

Mt 16, 18-19: "Jesús disse a Pedro: 'Eu te digo que tu és Pedro, e


sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nunca
prevaleceráo contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o
que ligares na térra será ligado nos céus, e o que desligares na térra,
será desligado nos céus'".

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CRISTIANISMO: PANORAMA

Le 22,31 s: "Disse Jesús a Pedro: 'Simio, Simáo, eis que Satanás


pediu insistentemente para vos penetrar como trigo; eu, porém, rezeipor
ti a fim de que a tua fé nao desfalega. E tu, voltando-te, confirma teus
irmáos'".

Jo 21, 15-17: "Disse Jesús a Pedro: 'Simáo, filho de Joáo, tu me


amas mais do que estes?' Ele Ihe respondeu: 'Sim, Senhor, tu sabes que
te amo'. Jesús Ihe disse: 'Apascenta os meus cordeiros'. Urna segunda
vez Ihe disse: 'Simáo, filho de Joáo, tu me amas?' - 'Sim, Senhor', disse
ele, 'tu sabes que te amo'. Disse-lhe Jesús: 'Apascenta as minhas ove-
Ihas'. Pela terceira vez disse-lhe: 'Simáo, filho de Joáo, tu me amas?'
Pedro respondeu...: 'Tu sabes tudo, tu sabes que te amo'. Jesús Ihe dis
se: 'Apascenta as minhas ovelhas'".

A Igreja, que deve durar até o fim dos tempos, precisará sempre do
fundamento visível instituido por Cristo; este fundamento sao os Papas,
os sucessores de Sao Pedro e Bispos de Roma (pois Pedro morreu em
Roma como Bispo da comunidade local).

A Igreja fundada por Jesús se chama:

a) Católica, porque é universal ou destinada a todos os homens,


como já anunciavam os Profetas (Is 2,2-5; 56, 6-8) e Sao Paulo confir-
mou (Cl 3, 11; Gl 3, 27s; 1Cor 12,13). A palavra "católica" vem do grego
kath'holon, que significa "por toda parte" (universal).

b) Apostólica. A Igreja de Cristo é apostólica nao só porque exer-


ce o apostolado ou a missao no mundo, mas também porque a mensa-
gem de Cristo passa necessariamente pelos Apostólos; sao estes que
representam as doze tribos de Israel (cf. Mt 19,28) e se tornaram pilastras
da Igreja (cf. Ap 21,13).

c) Romana. Porque o Chefe visível da Igreja de Cristo é o Bispo de


Roma (o Papa). O título romana nao significa nacionalismo ou
particularismo, pois a Igreja nao tem nacionalidade, mas precisa de urna
sede central localizada em algum ponto da térra. Assim também Jesús
era o Salvador de todos, mas tomou o título de Nazareno (Jesús de Na-
zaré), porque ele precisava de ter urna residencia ou urna localizacáo na
térra.

A Igreja fundada por Cristo e entregue ao pastoreio dos Apostólos


e seus sucessores desenvolveu-se através dos séculos. Em nossos dias,
conta cerca de 907 milhóes de fiéis, espalhados por todo o mundo.

No decorrer dos tempos, separaram-se alguns blocos do tronco


central da Igreja. Vejamos quais sao.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

2. MONOFISITAS E NESTORIANOS

No século V os teólogos procuraram exprimir em fórmulas precisas


o misterio da Encarnacáo do Filho de Deus.

Houve entáo uma corrente dita Nestoriana (porque encabezada


por Nestório, patriarca de Constantinopla desde 428); afirmava que em
Jesús havia dois Eu ou duas pessoas: uma divina, com a sua natureza
divina, e outra, humana, com a sua natureza humana. Esta doutrina foi
rejeitada pelo Concilio de Éfeso em 431, pois nao ressalvava devida-
mente a noció de Encarnacáo. Todavia muitos seguidores de Nestório
nao aceitaram a decisáo do Concilio e separaram-se da Igreja, formando
o bloco nestoriano. Espalharam-se até a China e a india, mas em nossos
dias estáo reduzidos a pequeño número, pois nos últimos quatro séculos
a maioria voltou á comunháo católica.

Pouco depois, uma corrente de teólogos propós doutrina contraria


á de Nestório: em Jesús haveria um só Eu (divino) e uma só natureza (a
divina), pois a humanidade teria sido absorvida pela Divindade. Eram os
chamados "Monofisitas", chefiados por Dióscoro de Alexandria. A sua
tese foi rejeitada pelo Concilio de Calcedonia em 451, que afirmou haver
em Jesús uma só Pessoa (Divina) ou um só Eu e duas naturezas (a divina
e a humana). Muitos monofisitas nao aceitaram a definicáo de Calcedonia
e separaram-se da Igreja Católica; sao hoje cerca de 5 milhóes no Egito,
na Etiopia, na Siria e na Armenia; já nao professam a doutrina de Dióscoro,
de modo que a sua volta á comunháo católica está facilitada.

3. OS ORTODOXOS ORIENTÁIS

No decorrer dos séculos os cristáos do Oriente e os do Ocidente


foram sendo caracterizados por culturas diferentes: a grega no Oriente,
cuja capital era Bizáncio ou Constantinopla (Istambul na Turquia de hoje);
e a latina no Ocidente, cuja capital era Roma. Falavam uns o grego, ou-
tros o latim; os costumes litúrgicos e a disciplina iam-se diferenciando
aos poucos. Ora isto causou mal-entendidos e rivalidades entre cristáos
bizantinos e cristáos latinos. Finalmente essas divergencias deram oca-
siáo a um cisma ou uma ruptura em 1054, por obra do Patriarca Miguel
Cerulário de Constantinopla. Por motivos teológicos secundarios, os cris
táos de Bizáncio separaram-se de Roma, e, com eles, outros orientáis
(rumenos, búlgaros, russos, etc.). Constituem hoje um bloco de cerca de
173 milhoes de fiéis. Chamam-se "ortodoxos", porque na época das con
troversias teológicas sobre a SS. Trindade e Jesús Cristo (séc. IV-VII)
sempre mantiveram a reta doutrina (ortodoxia), nao cedendo ao arianismo,
ao nestorianismo ou ao monof¡sismo...

Houve tentativas de reuniáo dos ortodoxos com os católicos atra-


vés dos séculos, principalmente porocasiáo dos Concilios de Liáo II (1274)

52
CRISTIANISMO: PANORAMA

e Florenca (1438-45). Todavía os resultados positivos foram de curta du-


racáo. Em nossos dias, há grande aproximacáo entre Roma e
Constantinopla, pois na verdade sao poucas as diferencas doutrinárias
que separam do Catolicismo os ortodoxos orientáis.

4. PROTESTANTISMO

No sáculo XVI, Martinho Lutero, a partir de 1517, resolveu reformar


a Igreja, que passava por urna fase difícil: a teología nao alimentava a
piedade dos fiéis, que era exuberante, mas mal orientada; além disso, o
Renascimento ou o interesse pelas artes e a cultura antigás,
desentulhadas nos arquivos e bibliotecas, fazia que o clero se deixasse
penetrar por espirito mundano.

Lutero, levando em conta essa situacáo e atendendo a um proble


ma pessoal, proclamou que a fé sem obras boas nos faz amigos de Deus;
tencionava assim interpretar Sao Paulo, rejeitando a epístola de S. Tiago.
Além disso, recusou a Tradicáo oral, ficando só com a bíblica. Lutero
apregoava o "livre exame" da Biblia, isto é, quería que cada crente lesse
a Biblia sem levar em conta alguma orientacáo ou o magisterio da Igreja;
cada qual poderia interpretar a Biblia segundo o que a sua consciéncia
Ihe dissesse. A ruptura com a Igreja deu-se definitivamente em 1521 na
Alemanha.

O exemplo de Lutero foi seguido por Joáo Calvino, de Genebra


(Suíca), que proclamou doutrinas semelhantes á de Lutero.

As proposicóes desses reformadores se espalharam rápidamente


pelo centro e o Norte da Europa. Dentro de cada denomínacáo foram
surgindo novas e novas "reformas". Isto era lógico, pois, o que Lutero
tinha feito com a Igreja Católica, cada crente poderia fazé-lo em relacáo
á sua comunidade; o principio do "livre exame" colocava (e coloca) o
crente ácima de qualquer magisterio, de modo que, se alguém discorda
do que a sua comunidade ensina, pode separar-se déla e fundar outra
"igreja".

5. ANGLICANISMO

Na Inglaterra reinou Henrique VIII de 1509 a 1547. O rei quis sepa


rar-se de sua esposa Catarina de Aragáo para unir-se á cortesa Ana de
Boleyn. Todavía o Papa nao Ihe concedeu o divorcio. Em conseqüéncia,
o monarca separou de Roma os cristáos da Inglaterra; foi proclamado
pelo Parlamento Chefe Supremo da Igreja Anglicana em 1534. Assim
teve origem o que hoje se chama "a Comunháo Anglicana", espalhada
pelo mundo, com cerca de 51,6 milhoes de crentes. A principio o
Anglicanismo visava apenas á independencia frente a Roma; mas aos

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

poucos houve infiltracáo doutrínária dos reformadores do continente na


Inglaterra. Com efeito, os sucessores de Henrique VIII chamaram teólo
gos calvinistas para reestruturar a Igreja na Inglaterra. Em conseqüén-
cia, originou-se entre os anglicanos urna mentalidade protestante: mui-
tos cristáos julgavam que a ruptura com Roma nao fora bastante profun
da, pois a Igreja oficial anglicana conservava diversos elementos do Ca
tolicismo. Aos poucos fez-se a primeira divisáo entre os anglicanos: os
mais fiéis á Tradicáo constituíram a High Church (a Alta Igreja), regida
pelo Parlamento e a Coroa; e os dissidentes, a Low Church (a Baixa
Igreja), de índole mais radical protestante, que nao obedecía á reforma
oficial. Os crentes rebeldes, em grande parte, emigraram para os Esta
dos Unidos (a Nova Inglaterra) no século XVII, e lá gozaram de plena
liberdade para interpretar a Biblia segundo o principio do livre exame.
Isto deu origem ás numerosas divisoes e subdivisóes do protestantismo
norte-americano, que muito afetam o Brasil.

6. OS "VELHOS CATÓLICOS"
Em 1870 o Concilio do Vaticano I proclamou a infalibilidade do Papa
quando define proposicóes de fé ou de Moral. Esta definicáo do Concilio,
que nao era mais do que a expressáo de quanto já se acreditava e vivia
na Igreja, nao foi aceita pelo sacerdote Inácio Dóllinger de Munique (Ale-
manha). Isto o levou a sair da Igreja Católica juntamente com alguns
adeptos para fundarem o ramo dos "Velhos-Católicos" (1872). Em 1889,
estes se uniram aos Jansenistas, pequeño grupo de cristáos que se ha-
viam separado da Igreja em 1723 e viviam na Holanda; formaram assim
a "Uniáo de Utrecht", que conta aproximadamente 100.000 fiéis.

7. A IGREJA DE CRISTO

A quem pergunte qual é o conceito de Igreja de Cristo diante deste


conjunto de denominacóes cristas, respondemos: a Igreja de Cristo com-
preende todas essas denominacóes, porque cada urna délas possui ele
mentos da Igreja (a Biblia, a Tradicáo, alguns Sacramentos, a prática da
oracáo, o martirio...). Mas a Igreja de Cristo só subsiste plenamente na
Igreja Católica Apostólica Romana, governada pelo Papa e os Bispos em
comunháo com ele, pois somente nesta se encontram todos os elemen
tos que, por instituicáo divina, devem integrar a Igreja; ver Constituicáo
Lumen Gentium n9 8 e Decreto Unitatis Redintegratio n9 4, do Concilio
do Vaticano II. As denominacóes nao católicas estáo em comunháo im-
perfeita ou incompleta com a Igreja de Cristo. Todos os cristáos devem
esforcar-se para que tal comunháo se torne completa mediante a oracáo
e a fidelidade de cada um á sua vocacáo; o Espirito Santo fará que des-
cubram o caminho de volta á comunháo integral.

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Novas conclusóes:

O SANTO SUDARIO: PROBABILIDADES


DE AUTENTICIDADE

Em síntese: Os Proi. Bruno Barbeas e Piero Savarino realizaram


novos estudos referentes ao Santo Sudario e concluirán) que reúne gran
des probabilidades de ser a auténtica mortalha que envolveu o corpo de
Cristo descido da Cruz. Com efeito; o homem do Sudario passou por
seis eventos sucessivos, que dificilmente se teráo concatenado em outro
homem; eram eventos, em parte, muito raros, que nao teráo ocorrido, em
serie, no corpo de outro individuo.

Os Prof. Bruno Barberis e Piero Savarino publicaram recentemen-


te o livro "Sudario, Radiodatacáo e Cálculo das Probabilidades"1. Consta
de duas partes: 1) o exame do teste do Carbono 14 a que foi submetido
0 Sudario e 2) as probabilidades de que essa mortalha seja realmente o
lencol que envolveu o corpo de Cristo. A obra vem a ser mais um passo
dado ñas pesquisas realizadas em torno do Sudario e apresenta conclu
sóes muito significativas, que passamos a expor ñas páginas seguintes.

1. O teste do Carbono 14

Já em PR 320.322.329.378, foram publicados artigos que referem


a contestacáo de abalizados cientistas aos resultados do famoso teste
que atribuía a origem do S. Sudario ao período de 1260 a 1390. Os dois
autores do livro em foco ponderam de novo as circunstancias em que foi
realizado tal teste e concluem pela inconsistencia de seus resultados.
Eis o que se lé ás pp. 24-26:

"As consideracóes feitas permitem afirmar que a problemática liga


da á radiodatacáo do Sudario está aberta e que o resultado dos exames
feitos em 1988, embora represente urna etapa cumprida no complexo
fato científico e histórico, nao pode ser considerado axiomáticamente
conclusivo.

As ampias margens de incerteza e a falta de conhecimento preciso


sobre o comportamento e o envelhecimento de tecidos celulosos conser
vados em condicñes históricamente nao controladas sugerem urna obri-

1 Tradugáo de José Afonso Beraldin - Ed. Loyola, Sao Paulo 1999, 110x180 mm, 49
pp. - A mesma Editora publicou varios outros títulos que constituem urna valiosa
colegáo referente ao S. Sudario.

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8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

gatória prudencia; é necessário também efetuar um estudo serio, siste


mático e interdisciplinar de todos os complicados parámetros capazes de
dar lugar a reacóes e a modificacoes do sistema, antes de emitir senten-
cas definitivas".

Ficam assim confirmadas as reservas de respeitáveis dentistas


diante dos resultados da radiodatacáo. Por conseguinte, tomam renova
do vigor as conjeturas relativas á antigüidade da mortalha.

Tendo assim dilatado as perspectivas de estudo, Bruno Barberis


examina o grau de probabilidade de que possa gozar a autenticidade do
S. Sudario.

2. O Cálculo das Probabilidades

Eis o que o Prof. Bruno Barberis escreve a respeito ñas pp. 32 a 45


da sua obra:

2.1. Premissa1

2.1.1. Duas perguntas

Qualquer pessoa que se colocar diante do Sudario em urna atitude


crítica e que rendo penetrar o misterio, e ao mesmo tempo esteja total
mente isenta de preconceitos, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis,
será levada a formular essencialmente duas perguntas. A primeira, obvi
amente, é a seguinte: "O Sudario é auténtico?", ou seja: "As marcas e as
manchas que nele aparecem foram produzidas pelo cadáver de um ser
humano?" Urna resposta a esta pergunta foi procurada por numerosos
estudos e pesquisas desenvolvidos nos mais estapafúrdios ámbitos, du
rante estes últimos anos2. A resposta de todos foi afirmativa por unanimi-
dade.

Esclarecida esta primeira pergunta, surge espontáneamente a se


gunda: "É possível identificar o homem do Sudario?" Para responder-lhe
- necessitando-se obrigatoriamente de urna hipótese de trabalho -, nao
podemos deixar de fazer urna referencia á tradicao que há séculos iden
tifica o homem do Sudario com Jesús de Nazaré, isto é, com aquele
personagem certamente histórico, do qual falam úma serie de textos his
tóricos, dentre os quais assumem particular importancia os quatro Evange-

1 Transcrevemos as pp. 32-45 da obra em foco.


2 Ou seja, desde o dia 28 de maio de 1898, quando foi tirada a primeira fotografía do
Sudario (por obra do advogado Secondo Pía), que revelou detalhes e características
náo-identificáveis de outra forma, ligadas essencialmente ao fato de que ele se
apresenta, realmente, como um negativo fotográfico. Foi lá que comegou a "historia
científica" do Sudario, pois somente por meto da análise de seu negativo fotográfico
foram iniciados os serios e aprofundados estudos sobre as características e a natureza
das marcas.

56
O SANTO SUDARIO: PROBABILIDADES DE AUTENTICIDADE 9

Ihos canónicos. O problema, entáo, pode ser reduzido a um problema


mais simples: o de verificar se e quanto é confiável tal verificacáo. No
entanto, essa verificacáo só adquire um valor preciso sob condicáo de
que se fundamente em consideracóes objetivas, totalmente isentas de
qualquer hipótese apriorística1.

2.1.2. O conceito de "probabilidade"

Para tornar mais claras as consideracóes que se seguem, é conve


niente antecipar alguns simples, mas básicos conceitos.

Hoje a palavra "probabilidade" já é de dominio comum, embora


nem sempre seja usada como se deve. Em termos estritamente científi
cos, o uso do cálculo das probabilidades refere-se, em particular no ám
bito das assim chamadas ciencias aplicadas, ao problema de avaliar
quantitativamente, e nao só qualitativamente, quanto seja confiável urna
teoría, urna serie de conjeturas, a ocorréncia de determinado evento etc.
A resposta a problemas dessa natureza nunca há de ser "é verdadeiro"
ou é "falso", mas deve ser dada sempre com um número que estabelece
seu grau de possibilidades.

A probabilidade de determinado evento é expressa por um número


compreendido entre 0 e 1, em que a probabilidade 0 corresponde á ¡m-
possibilidade e 1 á certeza. Conseqüentemente, quanto mais determina
do evento possui um valor próximo a 1, tanto mais ele é provável; quanto
mais próximo a 0, tanto mais é improvável. Por exemplo: se jogarmos
para o ar urna moeda, teremos urna probabilidade sobre duas de obter
"coroa"; neste caso, diz-se que a probabilidade é de 1 sobre 2 e expríme
se pelo número 1/2, ou seja, a relacáo entre o número de casos favorá-
veis e o número de casos possíveis. Se, ao contrario, jogarmos um dado
para o ar, teremos urna probabilídade sobre 6 de obter o lado "3"; neste
caso, díz-se que a probabilídade é de 1 sobre 6 e exprime-se pelo núme
ro 1/6. Se jogarmos para cima ao mesmo tempo a moeda e o dado, a

1 A discutida e controvertida datagáo de urna amostra de tecido sudarial, efetuada


em 1988 por tres laboratorios especializados em radiodatacáo, nao modifica em nada
os termos da questáo, pois conduziu a urna presumível datagáo medieval do tecido
(muito contestada, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista experimental),
mas nada conseguiu afirmar sobre a imagem impressa no Sudario ou sobre a
identidade do homem que a deixou. Além disso, a datagáo obtida em 1988 nao pode
levarsenáo á hipótese de um Sudario feitoporum "falsario" medieval que, inspirándo
se no texto dos Evangelhos, teña torturado e crucificado um contemporáneo seu
com métodos e características totalmente estranhas á cultura do seu tempo, com o
objetivo bem claro de construir um falso lengol fúnebre de Jesús e deixando
propositadamente sobre o tecido marcas invisíveis a olho nu e observáveis
exclusivamente com urna instrumentagáo só usada no sáculo XX. Urna hipótese
desse tipo nao só nao possui nenhuma base histórica, como também é totalmente
inverossímil.

57
10 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

probabilidade de que obtenhamos simultáneamente "coroa" e "3" é 1/2


de 1/6, ou seja, 1/2 x 1/6 e, portante. 1/12. É importante observar que a
probabilidade de dois eventos ocorrerem simultáneamente é dada, como
neste caso, pelo produto de cada urna das possibilidades somente quan-
to os dois eventos sao independentes, ou seja, quando nao se influenci-
am reciprocamente. Enfim se, por exemplo, ao lancar um dado quiser-
mos prever quantas vezes sairá o lado "3" sobre 300 lancamentos, é
suficiente multiplicar a probabilidade de que saia o lado "3" pelo número
de lancamentos. Obtém-se assim 1/6 x 300 = 50. Este número é chama
do "valor de máxima probabilidade" e representa o número de vezes de
que sobre 300 lancamentos saia o lado "3", o qual possui maiores proba
bilidades de ocorrer.

Estas consideracóes podem ser oportunamente aplicadas ao Su


dario com o objetivo de responder, de modo cientificamente correto, á
pergunta do inicio: "O homem do Sudario pode ser Jesús de Nazaré?",
ou seja: "O Sudario pode ser o lencol em que foi envolvido o corpo de
Jesús?" Com base no que foi visto ácima, urna resposta correta pode ser
dada somente por meio de um número que exprima a possibilidade des-
se evento.

2.2. Sete características comuns

Trata-se, portante, de examinar as mais significativas característi


cas comuns ao homem do Sudario e a Jesús - prestando atencao para
que sejam independentes entre si -, avahando as relativas probabilida
des. Cada valor de probabilidade, análogamente aos exemplos apresen-
tados anteriormente, será dado pela relacáo entre o número representa
do pela estimativa mais provável de casos favoráveis (isto é, dos crucifi
cados que podem ter apresentado a mesma característica) e o número
total dos casos possíveis (em nosso caso, todos os que sofreram o supli
cio da crucifixáo).

Analisemos agora sete características particularmente significati


vas do homem do Sudario e as estudemos atentamente.

2.2.1.0 envolvimento do cadáver em um lencol

O homem do Sudario, depois da morte, foi envolvido em um lencol.


Este é um fato muito raro nos tempos antigos. Na maioria dos casos, os
cadáveres dos crucificados eram abandonados sobre a própria cruz aos
animáis seivageris ou, na melhor das hipóteses, sepultados em covas
comuns. A este propósito, tenhamos presente também o fato de que a
histeria narra sobretudo exemplos de crucifixáo em massa1. Portante,

1 Cf. U. HOLZMEISTER, Crux Domini atque cnríixio quomodo ex archaeologia romana


illustrentur. Pontificio Istituto Bíblico, Roma 1934. cap. III. § II, n. 7.

58
O SANTO SUDARIO: PROBABILIDADES DE AUTENTICIDADE 11

pode-se razoavelmente supor que no máximo um crucificado sobre cem


tenha tido um sepultamento regular; entáo atribuímos a este evento a
probabilidade de 1/100.

Também Jesús, depois da crucifixáo, foi envolvido em um lencol


(adquirido por José de Arimatéia, rico membro do Sinedrio) e posterior
mente deposto em um sepulcro escavado na rocha1.

2.2.2. Os ferimentos na cabeca

Sobre a cabeca do homem do Sudario podem ser vistos ferimentos


produzidos por um capacete de espinhos. Este fato é verdadeiramente
excepcional, e nao dispomos de documentos que confirmem tal uso nem
entre os romanos, nem entre os demais povos. Portanto, a probabilidade
deste evento é muito baixa; limitamo-nos, todavía, á probabilidade de 1/
5.000.

Também Jesús, antes de ser crucificado, foi coroado, por zomba-


ria, com urna coroa de espinhos2.

2.2.3. O transporte da cruz

O homem do Sudario transportou sobre as costas um objeto pesa


do que provocou duas grandes escoriacóes, e que só pode ter sido a
cruz - na qual depois ele foi crucificado -; alias, mais precisamente, só
carregou o braco horizontal déla (chamado "patibulum"), como era costu-
me entre os romanos. O transporte do "patibulum" por parte do condena
do nao ocorria certamente em todas as crucifixóes, porque, sobretudo
ñas crucifixoes em massa, freqüentemente os condenados eram crucifi
cados em árvores ou em cruzes já existentes. Portanto, pode-se atribuir
a este evento a probabilidade de 1/2.

Também Jesús, durante a subida para o Calvario, transportou a


cruz em que ele foi crucificado3.

2.2.4. A crucifixáo com pregos

O homem do Sudario foi fixado á cruz com pregos. Este procedí-


mentó parece ser específico para crucifixóes oficiáis ou pelo menos para

1 Vejase: Evangelho segundo Mateus (Mt) 27,59-60; Evangelho segundo Marcos


(Me) 15,46; Evangelho segundo Lucas (Le) 23,53; Evangelho segundo Joño (Jo)
19,40-42. Quanto as pesquisas de caráter exegético sobre a correta interpretagao
dos trechos evangélicos referentes ao delicado problema da sepultura de Jesús,
vejase o bom artigo de G. GHIBERTI, "Sepulcro, sepoltura e panni sepolcrali di
Gesü", Rivista Bíblica 27 (1979), pp. 123-158. Cf. também o pequeño volume do
mesmo Autor, nesta colecáo: Sudario, Evangelhos e vida crista.
1 Cf. Mt 27,29; Me 15,17; Jo 19,2,5.
3Cf.Jo 19,17.

59
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

crucifixóes efetuadas utilizando-se o "patibulum" e o "stipes" (o braco


vertical sobre o qual era afixado o "patibulum"). É bastante lógico pensar
que, ñas crucifixóes em massa e também ñas que eram efetuadas usan-
do-se árvores ou cruzes já existentes, os condenados tivessem máos e
pés amarrados com cordas (modalidade documentada tanto quanto a
dos pregos)1. Podemos entáo atribuir a este evento a probabilidade de 1/2.

Também Jesús foi fixado na cruz com pregos, tanto ñas máos como
nos pés2.

2.2.5. O ferimento no costado

O homem do Sudario apresenta um ferimento produzido por urna


arma cortante no costado, depois da morte, mas nao tem fraturas ñas
pernas. Trata-se de um fato muito raro, pois era comum o costume de
quebrar as pernas dos crucificados para acelerar sua morte (o assim
chamado "crurifragium") quando era necessário antecipar por alguma
razáo o fim da execucáo3. Podemos, portanto, conceder a este evento a
probabilidade de 1/10.

Também Jesús foi golpeado no costado com urna langa depois de


morto, mas nao teve suas pernas quebradas4.

2.2.6. O sepultamento apressado e provisorio

O homem do Sudario foi envolvido no lencol logo depois de ter sido


descido da cruz, sem que fosse executada qualquer operacáo de lava-
gem e uncáo do cadáver. Este fato nao corresponde aos usos da época,
que previam, para urna regular sepultura, a lavagem, a uncáo com aro
mas e a vesticáo do cadáver5. Evidentemente trata-se de um caso excep
cional, para o qual interferiram alguns fatores externos, que devem ter
exigido um sepultamento apressado, talvez provisorio na espera de se
pultamento definitivo. Alguns aromas, como aloes e mirra, no entanto,
foram colocados sobre o lencol6. A raridade deste evento conduz razoa-
velmente á probabilidade de 1/20.

1 Cf. U. HOLZMEISTER, op. cit., cap. I, § II; U. HOLZMEISTER, "Croce", em Enciclo


pedia Cattolica, vol. IV.
2 Cf. Le 24,39-40; Jo 20,25.
3 Cf. U. HOLZMEISTER, Crux Domini..., cap. III, § III, n. 3.
4 Cf. Jo 19,31-34.
s Vejase G. GHIBERTI, Sepolcro..., op. cit, pp. 153-154; P. BARBET, Lapassione di
Nostro Signore Gesü Cristo secondo il chirurgo (trad. brasileira: A paixáo de Cristo
segundo o cirurgiáo), Lice, Tormo 1954, pp. 185-206.
6 Cf. BAIMA BOLLONE, "Primi risultati delle ricerche sui fili della Sindone prelevali
nel 1978", Sindon 30 (1981), pp. 31-35.

60
O SANTO SUDARIO: PROBABILIDADES DE AUTENTIC1DADE 13

Também Jesús foi envolvido em um lencol e colocado em um se


pulcro logo depois de sua deposicáo da cruz, vista a necessidade de
executar esta operacáo antes do final do día, quando teria iniciado a Pás-
coa hebraica, durante a qual nenhum trabalho manual poderia ser feito.
A mistura de mirra e aloes levada por Nicodemos tinha únicamente a
funcáo anti-séptica e antipútrida. A sepultura definitiva seria feita pelas
mulheres, dois dias depois1.

2.2.7. A breve permanencia do cadáver no lencol, depois do


sepultamento

O homem do Sudario permaneceu no lencol por pouco tempo. De


fato, para que a imagem que podemos ver tenha sido produzida, foi ne-
cessário que o cadáver estivesse dentro do lencol pelo menos por 24
horas; por outro lado, para que a imagem, urna vez formada, nao fosse
destruida pelo processo de decomposicáo, foi necessário que ele per-
manecesse dentro do lencol nao mais do que dois ou tres dias2. Este fato
é verdadeiramente surpreendente, pois nao parece absolutamente razo-
ável depor um cadáver em um lencol (coisa incomum para os tempos
antigos) para posteriormente entrar no sepulcro e tirá-lo após táo pouco
tempo. Podemos, portanto, atribuir a este evento pelo menos a probabi-
lidade de 1/500.

Também Jesús foi envolvido em um lencol assim que foi retirado


da cruz3, e, depois de um espaco de tempo nao superior a 48 horas, no
sepulcro protegido pelos guardas foi reencontrado somente o lencol, en-
quanto o cadáver nao estava mais4.

2.3. Avaliacáo das probabilidades

2.3.1. Urna probabilidade sobre 200 bilhoes

Passamos agora a avallar as probabilidades de que estes sete even


tos se tenham verificado simultáneamente ou, entáo, que estas sete ca
racterísticas se encontrem reunidas num mesmo homem submetido ao
suplicio da crucifixáo. Tendo presente que estes sete eventos sao evi
dentemente independentes entre si, e com base no que foi dito anterior
mente, obtém-se que a probabilidade total é dada pelo produto das sete
probabilidades individuáis, ou seja:

x J_ x J_ x J_ x 1 = 1
100 5.000 2 2 10 20 500 200.000.000.000

1 Cf. Me 15,42-16,1; Le 23,53-24,1; Jo 19,38-42.


2 Cf., p. ex., S. RODANTE, "llsudore disangue e le ¡mpronte delta Sindone", Sindon
21 (1975), pp. 6-11.
3 Cf. Mt 27.59; Me 15.46; Le 23,53; Jo 19,40.
4 Cf. Le 24.2-3; Jo 20.1-8.

61
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

Isto quer dizer que, sobre 200 bilhóes de eventuais crucificados,


pode haver um só que possua as sete características do homem do Su
dario, tomadas em consideracáo

2.3.2. O valor de máxima probabilidade

Para completar o raciocinio, calculemos agora em nosso caso o


valor de máxima probabilidade. Para fazer isto, é preciso avaliar o núme
ro de homens que, desde o aparecimento do homem sobre a Térra até
hoje, foram crucificados. Fazer urna avaliacáo deste tipo certamente nao
é nada simples; todavía, para alcancar o objetivo a que nos propusemos,
será suficiente um cálculo aproximado por excesso.

O suplicio da crucifixáo foi introduzido na historia pelos Persas, por


volta do ano 600-500 a.C. Sucessivamente, depois de urna longa e com
plexa evolucáo, foi usado em particular por Alexandre Magno, pelos
cartaginenses e pelos romanos, que, assim, torturavam e assassinavam
escravos, bandidos, desertores, ladróes e rebeldes, tanto em tempos de
guerra como em tempos de paz. Só muito raramente foram condenados
á crucifixáo cidadáos romanos, e de qualquer forma tal condenacáo sem-
pre foi considerada urna grave ofensa ao direito. O suplicio da crucifixáo,
ao contrario, nao foi usado pelos assírios, pelos egipcios e pelos gregos
em suas patrias. A partir do ano 314 d.C, Constantino aboliu oficialmen
te a crucifixáo'. Alguns autores2 sustentam que a prática da crucifixáo se
encontra documentada também ñas épocas posteriores a Constantino,
particularmente junto aos persas, nos séculos VI-VII. Concluindo: a
crucifixáo foi praticada no Mediterráneo e no Oriente Medio por um perí
odo nao superior a um milenio.

Os peritos em estatística da populacáo avaliam em cerca de 60


milhóes o número dos habitantes de todo o Imperio Romano em seu
período de maior esplendor, ou seja, nos primeiros anos da era crista
(naquela época, ele se estendia por urna superficie de aproximadamente
3.300.000 km2)3. Fazendo um cálculo por excesso, pode-se estimar en-
táo que, no milenio correspondente ao uso do suplicio da crucifixáo, te-
nham vivido no Mediterráneo e no Oriente Medio, no máximo, dois bi-
Ihoes de pessoas. Enfim, poderemos estimar, com larga margem de cál
culo, que no máximo um habitante sobre cem tenha sofrido a crucifixáo.

' Quanto as informacóes históricas sobre a crucificagáo, vejase: U. HOLZMEISTER,


Crux Domini..., op. cit. cap. II; U. HOLZMEISTER, Croce, op. cit; N. NIERI, Croce, in
Enciclopedia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti "G. Treccani", vol. XII.
2 Cf. P. A. GRAMAGLIA, L'uomo della Sindone non é Gesü Cristo, Claudiana, Torino
1978, cap. IV.
3 Cf., p. ex., J. BELOCH, Die Bevólkerung dergriechísch-rómischen Welt, Lipsia 1886.

62
O SANTO SUDARIO: PROBABILIDADES DE AUTENTIC1DADE 15

Mas aumentemos esse número até para dez. Obteremos assim um nú


mero de possíveis homens crucificados que nao supera certamente os
duzentos milhóes.

Passemos entáo para a obtencao, por meio de urna simples multi-


plicacáo, do valor de máxima probabilidade em nosso caso:

1 x 200.000.000 = 1_
200.000.000.000 1.000

O valor de máxima probabilidade obtido, portante, é muito inferior


a um. Isto significa que o número de homens, que em absoluto (isto é,
sobre todos os crucificados de todos os tempos) podem ter tido as mes-
mas características do homem do Sudario, que possui a maior probabili
dade de ser o número real, nao só nao é superior a um, mas é muito
inferiora um. Isto quer dizer que o homem do Sudario nao pode senáo ter
sido único, ou seja, que nao pode ter existido "outro homem do Sudario".
Portante», já que, como vimos também no caso de Jesús Cristo, se verifi-
caram as sete características aqui levadas em consideracao, podemos
concluir que é muito alta a probabilidade de que o homem do Sudario
seja Jesús de Nazaré*.

Rosario: Caminho da Paz, por Eliane Portalone Crescenti. Cole-


gáo Paulo Apostólo 20. - Ed. Santuario, Aparecida 1999, 140 x 210mm,
67 pp.

A Renovagao Carismática Católica vem publicando livros de for-


magáo na Colegáo Paulo Apostólo, dos quais um versa sobre o Rosario:
origem e fundamento, eficacia, fonte de indulgencias, compromisso a ser
assumido com alegría. O livro é apresentado pelo Pe. Heitor Sappatini,
que póe em relevo o valor da oragao "no mundo atuai, dominado pelo
ateísmo e pela idolatría do poder, do ter e do prazef (p. 5). A autora se
esmerou em mostrar o aprego da Igreja pela recitagáo do Rosario assim
como os frutos espirituais que tal prática tem trazido para os fiéis. Na
verdade, o Rosario é urna forma simples e bem estruturada de elevagáo
da mente a Deus; em muitos casos substituí o Salterio, visto que as 150
Ave-Mana foram concebidas como paralelas aos 150 Salmos. Muito pro-
veito teráo os que se dispuserem a ler tal obra.

1 É lógico que esta conclusáo tem significado somente no caso de se supor que as
sete características levadas em consideracao sejam casuais. Ela perdería seu signi
ficado, por exemplo, se se pudesse demonstrar que o homem do Sudario foi crucifi
cado por carrascos intencionados a reproduzir sobre seu cadáver as características
mencionadas, com o objetivo de tomar sua crudfíxáo semelhante a de Jesús. Tal
hipótese, como já foi dito (cf. nota 1 da p. 57). nao encontrou nenhum fundamento
histórico até hoje.

63
Grande enigma?

"NAO SEI O QUE HA DO OUTRO LADO"

Em síntese: A revista VEJA apresentou depoimentos de pessoas


amedrontadas pela perspectiva da morte. Na verdade, o crístáo sabe que
a morte nao é urna ruptura, mas o pleno desabrochamento de urna reali-
dade germinal, depositada na alma do fiel batizado e alimentado pelos
sacramentos. Os Santos chegaram a ansiar pela morte como sendo o fim
de urna gestagáo ou a passagem para a plena luz após o claro-escuro do
regime de fé.

A revista VEJA, edicáo de 6/10/99, pp.78-84, publicou depoimen


tos de médicos e pacientes relativos á morte. Predomina ai o medo,...
medo do incerto ou do desconhecido. Outra é a concepcáo autentica-
mente crista concernente a essa temática. A seguir, seráo explanadas
urna e outra atitude.

1. "A gente nao sabe como é do outro lado"

Á p. 81, escreve o articulista:


«A mudanga que tirou a morte do espago público, transformando-a
num exercfcio de silencio, comegou a acontecer no século XIX. Esconder
a noticia da doenga funesta, fingir que nada está acontecendo, ocultar o
medo sao comportamentos que coincidem com mudangas sociais e avan-
gos da medicina. Enquanto a expectativa de vida aumenta, a composigáo
familiar encolhe e se desenvolve urna sensibilidade voltada para poupar
o doente do sofrímento de saber o destino que o aguarda; cada vez mais
se dissimula o inevitável. O espetáculo da morte, com seus odores, seus
gemidos, suas excregóes, vai se tornando insuportável. 'Avangos em
materia de conforto, privacidade e higiene pessoal tornaram as pessoas
mais sensíveis. Nossos sentidos nao toleram mais as visóes e os cheiros
que até o-século XIX eram parte do cotidiano, juntamente com o sofri-
mentó e a doenga', enumera o historiador. No decorrer do século XX, a
morte silencia. Abreviam-se os ritos: váo-se as carpideiras, as vestes
negras das viúvas e as portas cerradas em sinal de luto. Nos países
anglo-saxóes, até expressoes de dor em público sao tácitamente proscri
tas, como coisa de mau gosto, quando nao de histeria. As lágrimas se-
cam. Na década de 50, a morte passa para os dominios das UTIs, torna-

64
"NAO SEI O QUE HÁ DO OUTRO LADO" 17

se asséptica e invisível. É como se abandonasse a vida pública para


confinarse á solidáo de um leito de hospital.

O homem moderno vive como se jamáis fosse morrer. Evitase o


assunto até diante da inexorabilidade da perda. Foi o que aconteceu com
a ex-decoradora paulista Vitoria Herzberg. Ela perdeu um filho aos 18
anos, vitima de cáncer. Todo o processo da doenga levou sete meses e,
mesmo quando a moríe era inevitável, a familia continuou recusándose
a falar déla. Hoje, Vitoria arrependese. Considera que, ao negarse a
conversar sobre o assunto com o filho, fez com que ele se sentisse solita
rio diante do aterrador medo do fim».

Mais adiante lé-se o depoimento de urna jovem estudante de 17


anos, vitima de cáncer generalizado:

"A morte está mais próxima de mim do que dos outros. Os outros
sabem que ela vai acontecer, só que eu espero por ela. Querdizer, espe
ro mais ou menos, porque eu nao quero morrer.

Eu tenho medo. Todo mundo tem, né? Mas parece que a pessoa
que está peño de morrer, fica com mais medo ainda. A gente nao sabe
como é do outro lado. Mesmo aquí em casa, nos somos evangélicos,
dizemos que quem prepara a alma vai para o céu. Mesmo sabendo disso,
eu tenho medo. Sei lá o que tem depois, né? Quando eu pensó nisso, fico
apavorada".

A propósito observe-se: entende-se que o mundo atual seculariza


do ou alheio a Deus queira evitar pensar na morte; para quem nao tem
fé, somente as realidades sensíveis tém significado (e que pobre signifi
cado!). Mesmo assim parece que o bom senso leva a pensar no termo
final da existencia terrestre, pois afinal a morte é, como se diz, a única
certeza que alguém tem desde que nasce. Já os antigos romanos reco-
mendavam: "In ómnibus réspice finem. Em tudo que facas, considera o
fim".

O horror da morte pode ocorrer também em pessoas de fé, como


atesta a jovem estudante atrás citada. Há em todo ser humano um instin
to inato de autoconservacáo, que repele a destruicáo do existente. Toda
vía a fé aprofundada leva a ver que a morte nao é a destruicáo da pessoa
humana; é, antes, passagem para a plenitude de urna realidade embrio
naria depositada no cristáo pelo Batismo e alimentada pelos sacramen
tos; existe continuidade entre a vida presente e a futura; o Deus que faz
a bem-aventuranca dos justos na patria celeste, está presente a todo
cristáo que Lhe seja fiel; o Deus do além (do outro lado) é o Deus do
aquém (do lado de cá).

65
_18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

A consciéncia destas verdades inspirou a Sao Paulo o desejo de


morrer para passar do regime da fé ao da visáo de Deus face-a-face:

"Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver na


carne me dá ocasiáo de trabalho frutffero, nao sei bem o que escolher.
Sinto-me diante de um dilema: o meu desejo é partir e estar com Cristo,
pois isto me é muito melhor mas o permanecer na carne é mais necessá-
rio por vossa causa" (Fl 1,21-23).

Ou aínda:

"Estamos sempre confiantes, sabendo que, enquanto habitamos


neste corpo, estamos fora da nossa mansáo, longe do Senhor, pois cami-
nhamos pela fé e nao pela visáo... Sim, estamos cheios de confianga, e
preferimos deixar a mansáo deste corpo para ir morar ¡unto do Senhor"
(2Cor 5,6-8).

"Chegou o tempo de minha partida. Combatí o bom combate, termi-


nei a minha carreira, guardeia fé. Desde já me está reservada a coroa da
justiga, que me dará o Senhor, justo Juiz, naquele Dia; e nao somente a
mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua Aparigáo"
(2Tm 4,6-8).

Na literatura dos Santos encontram-se ecos de tais anseios. Se-


jam citados apenas os dizeres de Santa Teresa de Ávila (f 1582):
"Senhor, é tempo de nos vermos!"

"A vida é como urna só noite em má pousada".

Examinemos, de modo sistemático, o conceito cristáo de morte.

2. Morte: conceito cristáo

1. Para o cristáo, a morte nao deixa de ser um fenómeno natural.


Compreende-se que se dé a separacao de corpo e alma, visto que os
órgaos corpóreos (coracao, pulmóes, fígado...) se váo desgastando, a tal
ponto que, cedo ou tarde, o organismo já nao pode preencher as funcoes
da vida; por isto a alma - o principio vital (espiritual e ¡mortal) - se separa
do corpo.

Todavía a morte brutal e dolorosa, como ela é atualmente, decorre


do pecado dos primeiros pais. A S. Escritura ensina-o enfáticamente:

"Deus nao fez a morte nem experimenta alegría quando perecem


os vivos. Criou todas as coisas para que tenham existencia" (Sb 1,13s).

"Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez imagem de sua


própria natureza.. Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo"
(Sb 2,23s).

66
"NAO SEI O QUE HÁ DO OUTRO LADO" 19

"Por meio de um só homem o pecado entrou no mundo, e, pelo


pecado, a morte; e assim a morte passou a todos os homens, porque
todos pecaram" (Rm 5,12).

2. Eis porém que o Deus de bondade, que criou o homem, nao o


abandonou á sua triste sorte. Em tempo oportuno, o próprio Deus assu-
miu a carne humana; tomou sobre si a morte com todas as angustias precur
soras e ressuscitou; assim Jesús Cristo venceu a morte e déla nos libertou.

O Senhor obteve o triunfo sobre a morte em favor do género huma


no, a fim de que cada individuo saiba que, embora deva morrer dolorosa-
mente em conseqüéncia da culpa original, a morte nao é para ele mera
sancáo, mas é a passagem para a vida definitiva. Diz o Apostólo:

"Pois que seus filhos participara da carne e do sangue, também Ele


quis ter parte na carne e no sangue, a fim de, por sua morte, reduzir a
impotencia aquele que tinha o imperio da morte, isto é, o demonio, e
libertar os que, por temor da morte, estavam sujeitos a escravidáo duran
te toda a vida" (Hb 2,14; cf. 2Tm 1,10).

Jesús assim se apresenta como o segundo Adáo, que nos comuni


ca a vida, e vida sem fim, em oposigáo ao primeiro Adáo, que nos trans-
mitiu a morte. Cf. Rm 5,12-17.

3. Jesús nos comunica a sua vida mediante o Batismo; este nos


incorpora a Cristo Cabeca (cf. 1Cor 12,12) ou nos enxerta na verdadeira
Videira (cf. Jo 15,1 -5). Isto quer dizer que a vida de Jesús se prolonga no
cristáo; é-nos dada sob a forma de um germen, que tende a expandir-se
cada vez mais através das nossas atividades e transfigurar o corpo no
dia em que este ressuscitar.

4. Esta situacáo leva o cristáo a fazer urna revisáo dos valores do


mundo presente.

Nao há propriamente morte para o cristáo. Ele sofre, sim, as mise


rias da carne como os demais homens; mas as suas mazelas sao as de
um membro de Cristo; o que quer dizer que elas, fazendo sofrer, levam á
verdadeira vida e á gloria definitiva. "O corpo do regenerado torna-se a
carne do Crucificado", diz S. Leáo Magno (t 461). Quanto mais esse
corpo se configura ao de Jesús pelo padecimento, tanto mais também se
Ihe assemelhará na gloria futura; todo sofrimento, portanto, vem a ser um
rejuvenescimento ou urna antecipada participacáo da gloria de Cristo,
como diz Sao Paulo:

"Trazemos incessantemente em nosso corpo a morte de Jesús, a


fim de que a vida de Jesús se manifesté, também ela, em nosso corpo"
(2Cor 4,10).

67
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

Sofrer e morrer significam, para o cristáo, estender á sua carne os


sofrimentos e a morte de Cristo vitorioso; por ¡sto o mesmo Apostólo pode
afirmar:

"Enquanto o nosso homem exterior vai definhando, o nosso no-


mem interior se vai renovando de dia a dia" (2Cor 4,16).

O cristao pode muito bem dizer: assim como, para quem nao tem
fé, a vida presente é toda dominada pela tremenda perspectiva da morte,
que Ihe vai absorvendo as energías, assim, para o cristáo, a morte pre
sente é toda iluminada pela perspectiva da vida que nao é meramente
futura, mas que ele já possui em germen e que nele vai desabrochando
progressivamente até a ressurreicáo gloriosa.

3. As conseqüéncias do conceito cristáo

1. Um tato que exprime típicamente a mudanca da escala de valo


res decorrente do conceito cristáo de morte é o seguinte:

Em sua Retórica (II, 12s), o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.)


procura caracterizar a juventude e a velhice da vida humana. Afirma en-
táo que os jovens vívem para os valores moráis e artísticos; concebem
um ideal de virtude e de heroísmo, cuja beleza os atrai e ao qual se
entregam sem medir forcas e bens materiais. Numa palavra: vivem para
o belo (pros tó kalón), nao para o útil ou o interesse pessoal (tó
symphéron). A razáo disto é que sentem em si urna vitalidade ardorosa,
ainda nao contraditada por reveses.

Conseqüentemente, para Aristóteles, os anciáos, experimentando


em si o definhar lento das forcas físicas, vivem nao mais para um ideal de
beleza e bravura, mas para o interesse particular; vivem para aquilo que
Ihes possa trazer proveito físico e conservar a existencia. Numa palavra:
vivem nao mais para o belo, mas para o útil ou o interesse pessoal (pros
tó symphéron).

Esta caracterizacáo do anciáo nao deixa de impressionar; é urna


desdita as aspiragoes mais espontáneas e nobres da natureza humana.
É lógica, porém, aos olhos da razáo natural: a vida é o fundamento de
qualquer ideal que o homem possa conceber. Ora Aristóteles e seus con
temporáneos só conheciam a vida neste corpo; por isto julgavam que as
aspiragoes variam de acordó com o grau de vitalidade que o homem
experimenta ñas sucessivas fases da sua existencia terrestre.

O quadro é triste. Pergunta-se, porém: será que o homem está


necessariamente fadado a renegar seus ideáis mais nobres?

A esta pergunta responderemos apontando o caso de outro pensa-

68
"NAO SEI O QUE HÁ DO OUTRO LADO"

dor - o Apostólo Sao Paulo - que viveu tres séculos após Aristóteles e
tomou conhecimento da mensagem crista. Esta Ihe inspirou um modo de
ver bem diferente das concepcóes do filósofo grego. Com efeito; basta
notar que o Apostólo escreveu treze cartas, sendo as tres últimas {as
Pastorais: 1/2 Tm e Tt) datadas dos anos de Paulo sexagenario, encar-
cerado em Roma e consciente de que estava prestes a ser condenado á
morte. Pois bem; ao passo que ñas dez epístolas anteriores o Apostólo
empregara vinte vezes o adjetivo kalón (belo e bem moral), ñas tres pas
torais ele o usou vinte e quatro vezes, e geralmente como aposto aos
diversos substantivos com que descrevia a vida crista1.

A mente de S. Paulo aparece assim impregnada pelo ideal da be-


leza e pelas aspiracóes supremas na idade decrépita, muito mais ainda
do que no vigor dos anos. O Apostólo assim punha em xeque as previ-
soes do filósofo grego. - E qual a razáo deste contraste? - É que justa
mente o Apostólo percebia o sentido que a morte tomou após Cristo,
sentido que o homem antes de Cristo nao podia perceber: Paulo já nao
considerava a morte como fim da existencia humana, mas como passa-
gem para outra vida, muito mais rica e fecunda do que a terrestre; por ¡sto
também, quanto mais próximo se achava da morte, tanto mais afirmava
os valores nobres, pois sabia que o seu definhar na vida terrestre era, na
realidade, um rejuvenescimento para a vida definitiva.

Eis como a morte, para o cristáo, importa um auténtico desabro


char, em vez de extincáo da personalidade. Ela pode e deve ser dita
"transfiguracáo" do discípulo de Cristo.

2. Conscientes deste valor da morte, os antigos cristáos chama-


vam-na o seu natalicio propriamente dito. Bem se entende isto, pois a
morte é a consumacáo do Batismo ou da regeneracáo sacramental inici
ada na pia batismal e desdobrada lentamente nesta existencia terrestre.
É por isto que S. Inácio de Antioquia (t 110 aproximadamente), condena
do a ser lancado as feras no Coliseu de Roma, escrevia aos fiéis amigos
que tencionavam interceder junto as autoridades romanas para Ihe evitar
0 martirio:

"Ébom para mim morrera fim de me unir ao Cristo Jesús... Aproxi


mase o momento em que serei dado á luz... Nao ponhais empecilho a
que eu viva, nao queirais que eu morra" (Aos Romanos 6,1s).

O cristáo, sim, só é homem perfeito na medida em que é filho do


dia, da luz, da vida definitiva. É desta que ele vive, trazendo-a arraigada
1 Assim bela luía (2Tm 4, 7); bela milicia (1Tm 1, 18; 2Tm 3, 3); bela doutrina (1Tm 4,
6); belo lestemunho (1Tm 3, 7); bela leí (Um 1, 8); belo fundamento (Um 6, 19);
belo ministro (de Cristo) (Um 4, 6)...

69
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

em seu íntimo. Em conseqüéncia, a morte pode tornar-se meta ardente-


mente desejada, como revela o mesmo S. Inácio:

"Escrevo a vos, possuído do amor da morte...; há, em mim, urna


agua viva que fala e dentro de mim diz: Vero para o Pai'" (Aos Romanos
7,2)'.

3. Estas verdades podem ser expressas ainda do seguinte modo: o


cristáo nasce em duas etapas. A primeira ocorre após nove meses de
gestacáo no seio materno; o bebé que entáo vem á luz, chora, porque
perde o aconchego e a protecáo de que desfrutava no seio materno. Aos
poucos, porém, vai-se adaptando ao novo ambiente, adquire sua autono
mía e encontra seu lugar ao sol; ai prepara novo tipo de aconchego, ao
qual espontáneamente se apega e do qual nao quer ser desinstalado;
vive entáo urna nova fase de sua gestacáo, já nao aos cuidados de sua
máe, mas sob os seus próprios cuidados; sim, o que nasceu do seio
materno, foi um ser ainda embrionario, cheio de potencialidades nao de
sabrochadas; estas sao desdobradas e atualizadas pelo individuo no
decorrer desta vida terrestre; é ele quem vai definir sua estatura física e
espiritual ou sua configuracáo definitiva. Quando o Pai o julga oportuno,
chama-o para a mansáo definitiva num momento dito "morte", que na
verdade é a segunda etapa do nascimento dessa pessoa; é entáo que
acaba de nascer, pois se acha com a sua personalidade acabada. Desta
maneira vé-se mais urna vez que a morte, para o cristáo, nao é propria-
mente morte, mas passagem para a plenitude da vida.

4. Deve-se mesmo dizer que, em seu sentido mais profundo, a


morte, abracada em uniáo com a de Cristo, é a resposta positiva e gene
rosa que o cristáo dá ao convite do Pai, em oposicáo á recusa que o
primeiro homem deu ao mesmo convite (incorrendo por isto na condena-
cáo á morte). Sereno, pois, e alegre caminha o cristáo na térra de encon
tró ao seu nascimento para a vida eterna. Na realidade, só há um tipo de
angustia que o afeta: o pecado, pois este significa justamente separacáo
de Deus ou da verdadeira vida. Diante do pecado, sim, o cristáo ressente
todo o horror que a perspectiva da morte física suscita no nao cristáo.
Caso, porém, esteja isento de pecado, o discípulo de Cristo nao se deixa
abalar pelas vicissitudes desta peregrinacáo nem pela própria morte; sabe
que nada disto Ihe pode tirar o verdadeiro tesouro que ele traz em seu
íntimo, vida que Deus Ihe deu e que só Deus, ou a sua infidelidade volun
taria, podem extinguir. A conviccáo desta verdade levava o Apostólo a
dizer:

"Quem nos separará do amor de Cristo? A tríbulagáo, a angustia, a


perseguigáo, a fome, a nudez, o perigo, a espada?... Em todas estas

1 A agua viva de que fala inácio, é símbolo do Espirito Santo, conforme Jo 7,37-39.

70
"NAO SEI O QUE HÁ DO OUTRO LADO" 23

coisas somos mais do que vencedores, gragas áquele que nos amou.
Pois estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos
nem os principados, nem as coisas presentes nem as futuras, nem as
potestades, nem a altura nem a profundidade nem qualquer outra criatu
ra nos poderá separar do amor que Deus tem para conosco em Cristo
Jesús nosso Senhor" (Rm 8,35.37-39).

Ou aínda:

"Tudo é vosso... tanto o mundo como a vida e a morte, o presente e


o futuro. Tudo é vosso; vos, porém, sois de Cristo, e Cristo é de Deus
(Pai)"(1Cor3, 21-23).

4. "Ver a Deus" - aspirado de todos os homens

Desde remota antigüidade, os homens sempre exprimiram o dese-


jo de ver a Divindade, tal como eles a entendiam; a Divindade teria a face
da Beleza Infinita... É o que atestam a filosofía dos hindus, o platonismo
grego, as religióes ditas "de misterios". Para os pagaos, a vísáo de Deus
significa salvacáo, plenitude de vida... Entre os israelitas, que professa-
vam a fé no Deus vivo, era intenso o desejo de ver a face de Deus; cf. Ex
33, 17-23; SI 17, 15; Jo 14, 8. Todavía nem a pagaos nem a judeus foi
concedido ver a face de Deus neste mundo. Cristo é que nos mereceu a
realizacáo deste anseio natural mediante o seu sangue. Esta mensa-
gem, expressa no Novo Testamento, corresponde a urna das aspiracóes
mais espontáneas da natureza humana.

Para o cristao, a futura visáo de Deus já tem seu fundamento nos


dons que o Batísmo Ihe comunicou e que nele váo desabrochando du
rante esta vida; a visáo beatifica nao é senao a consumacáo de urna
caminhada iniciada na térra. Com efeito, já neste mundo o cristao, em
estado de graca, participa da vida divina; possui dentro de si o principio
que o habilita a ver Deus como Deus vé a si mesmo. A continuidade
entre a vida presente e a futura é expressa mediante significativas ima-
gens tiradas dos livros sagrados:

sementeira - messe: Gl 6, 8s; 2Cor 9, 6;

habitacáo de peregrino no estrangeiro - entrada na patria: 2Cor 5,6s;

habitacáo em tenda - casa definitiva: 2Cor 5, 1-4;

posse velada - posse revelada: Cl 3, 3s.

É Jesús quem diz:


"Aquele que beber da agua que Ihe darei, jamáis terá sede; ao
contrario, a agua que Ihe darei, tornar-se-á nele urna fonte de agua que
jorrará para a vida eterna" (Jo 4,14).

71
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

Tal agua sempre foi entendida como símbolo da grapa conferida


pelo Batismo. Também chamam a atencáo estas outras palavras do Se-
nhor:

"E/7? verdade, em verdade, eu vos digo: aquele que ouve a minha


palavra e eré..., possui a vida eterna" (Jo 5,24).

Sao muitos significativas as formas verbais de presente e de futuro.

Todavía, por mais que se reconheca a continuidade existente entre


a graca na térra e a gloria no céu, é preciso afirmar que as notas de
dessemelhanca ainda sao maiores. Eis outra imagem que ajuda a perce-
ber a semelhanca e a dessemelhanca entre os dois termos: entre a larva
e a borboleta há, sem dúvida, continuidade de vida; todavía na primeira
nada se nota da riqueza de cores e agilidade que caracterizam a segun
da; há mesmo um contraste de aparéncias; a larva é feía, quase repug
nante, ao passo que a borboleta é muito bela e atraente; é surpreendente
o fato de que o mesmo principio vital se pode revestir de aspectos táo
diferentes. Assim a vida celeste, embora já se tenha iniciado para nos
neste mundo, fica sendo um misterio, do qual só podemos falar em ter
mos que mais dessemelhanca implicam do que a afinidade com a vida
futura; trata-se, com efeito, de algo que o olho nao viu, o ouvido jamáis
ouviu... (1Cor2, 9).

Fatos da Vida. Um Guia Indispensável para as Questóes da


Vida e da Familia, por Brian Clowes, Ph.D., PRÓVIDA FAMÍLIA SQS
203, Bloco C, ap. 204, 70233-030 Brasilia (DF), 150 x 220mm, 540pp.

Este livro é realmente o que diz o titulo: um guia relativo aos proble
mas de aborto, fecundagáo artificial, planejamento familiar. Detém-se prin
cipalmente sobre o aborto, evidenciando os aspectos médicos e científi
cos dessa prática. A orientagáo é católica, pois se deve a organizagáo
norte-americana Human Lite International, defensora da vida frente as
leis norte-americanas. O original inglés foi traduzido para o portugués
pela Associacáo Nacional Pró-Vida e Pró-Família de Brasilia. Ao apre-
sentar a obra, diz o Dr. Humberto Vieira, Presidente da Associagáo Pró-
Vida: "O livro de Brian Clowes, escrito numa linguagem acessível, expoe
minuciosamente os ataques á vida, apresentando fatos e argumentos
convincentes que esclarecem dúvidas de todos os que se dedicam a causa
da vida e da familia. Os argumentos do autor estáo baseados em fatos e
documentos dos próprios defensores da cultura da morte, tornando as
fontes insuspeitas aos olhos de todos" (p. IV). Épara desejarque tal obra
encontré ampia difusáo.

72
Problema delicado:

"CASÁIS EM SEGUNDA UNIAO"


por Luciano Scampini

Em síntese: O autor do livro em foco propóe urna norma já preco


nizada pelo Papa Joáo Paulo II, a saber: a acolhida caridosa aos casáis
que vivem urna segunda uniáo nao sacramental. É necessário que nao
se sintam rejeitados pela comunidade católica, embora nao possam par
ticipar dos sacramentos. Scampini, além disto, defende a revisáo da Pas
toral da Igreja, apresentando argumentos que visam a legalizar a segun
da uniáo nao sacramental; assim póe-se ao lado de varios teólogos inte-
ressados nesta tese. O autor do livro professa repetidamente fidelidade
ao magisterio da Igreja, embora conteste as diretrizes do mesmo neste
particular. A argumentagáo de Scampini é inconsistente, como está dito
ñas páginas subseqüentes.

O Pe. Luciano Scampini é sacerdote da arquidiocese de Campo


Grande (MS). Tem-se dedicado á Pastoral das pessoas casadas na Igre
ja, divorciadas no foro civil e unidas em novo convivio nao sacramental.
Preconiza a acolhida caridosa de tais casáis por parte da comunidade
católica, dissertando com muito acertó a respeito1. Todavía o autor vai
mais longe, apregoando a revisáo das diretrizes da Igreja neste particu
lar: apresenta argumentos em favor do reconhecimento da segunda uniáo
por parte da Igreja e, conseqüentemente, em prol da admissáo de tais
casáis aos sacramentos da Reconciliacáo e da Eucaristía. Faz eco assim
a teólogos contemporáneos que defendem a mesma tese. A argumenta-
cáo, embora seja proposta muito efusivamente, nao resiste a urna crítica
serena. Em última instancia, os criterios a ser adotados sao os da fé, e
nao os da mentalidade vigente na sociedade de nossos dias.

Louvamos o autor por seu zelo pastoral e seu valioso interesse


pela acolhida dos irmáos2, mas nao podemos deixar de fazer algumas
observacóes aos seus argumentos favoráveis á legalizacáo.

1 Casáis em segunda uniáo. Acolhida fraterna na Igreja. Ed. Santuario, Aparecida,


140x210mm, 165 pp.
1 Eis aspalavras do Papa Joáo Paulo II na Exortagáo Familiaris Consortío:
"Juntamente com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade
dos fiéis a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles nao se
considerem separados da Igreja, podendo, ou melhor devendo, enquanto batizados,

73
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

1. Percorrendo os arrazoados

Eis os principáis argumentos aduzidos por L Scampini.

1.1. "A consciéncia é o criterio último da moralidade e das de-


cisóes"(p. 156).

Á p. 149 escreve o autor:


"A consciéncia, santuario íntimo do encontró da pessoa com Deus,
é o criterio moral último e soberano da decisáo para a Eucaristía".

A propósito observamos: seria mais exato dizer que a consciéncia


é o criterio próximo e ¡mediato da moralidade; nao é o.critério supremo e
absoluto. Ela depende de urna instancia superior, que é o criterio funda
mental da moralidade, a saber: a lei de Deus, expressa pela lei natural e
pelo Evangelho. Com outras palavras: a consciéncia nao é autónoma,
mas é teónoma, como observa o S. Padre Joáo Paulo II na sua encíclica
Veritatis Splendor:

"Em algumas correntes dopensamento moderno, chegou-se a exal


tara Iiberdade até o ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos
valores... Atribuíram-se á consciéncia individual as prerrogativas de ins
tancia suprema do juizo moral, que decide categórica e infalivelmente
sobre o bem e o mal. Deste modo a imprescindível exigencia de verdade
desaparece em prol de um criterio de sinceridade, de autenticidade, de
acordó consigo próprío, a ponto de se ter chegado a urna concepgáo
radicalmente subjetivista do juizo moral" (ne 32).

O Papa assim rejeita a tese segundo a qual o homem estaría livre


para agir como bem quisesse, contanto que proceda de acordó com os
difames meramente subjetivos de sua consciéncia.

Mais adiante escreve Joáo Paulo II:

"Tendo em vista as circunstancias e a situagáo, a consciéncia po-


deria legítimamente estabelecer excegóes á regra geral, permitindo cum-
prir, em boa consciéncia, aquilo que a lei moral qualifica como intrínseca
mente mau... Sobre esta base preténdese estabelecer a legitimidade de
solugóes chamadas 'pastorais', contrarias aos ensinamentos do Magiste
rio, e justificar urna hermenéutica 'criadora', segundo a qual a conscién-

participar da sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a freqüentar o


Sacrificio da Missa, a perseverar na oragáo, a incrementaras obras de carídade e as
iniciativas da comunidade em favor da justiga, a educaros filhos na té crista, a culti
var o espirito e as obras de penitencia para assim implorarem, dia a dia, a graca de
Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os, mostre-se Máe misericordiosa e susténte
os na fé e na esperanca" (n° 84).

74
"CASÁIS EM SEGUNDA UNIÁO" 27

cia moral nao estaría, de modo algum, obrígada, em todos os casos, por
um preceito negativo particular" (n3 56).

O pensamento da Igreja se torna muito claro quando ainda se lé:

"A lei divina é norma universal e objetiva da moralidade. Ojuizo da


consciéncia nao estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e
da razáo prática face ao bem supremo... A consciéncia nao é uma fonte
autónoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo
contrario, nela está inscrito profundamente um principio de obediencia
relacionado com a norma objetiva" (nB 60).

Em poucas palavras, pode-se dizer: a grandeza do homem está


precisamente em ser teónomo (regido por Deus) e nao autónomo (fecha
do em seus próprios ditames). O pecado dos primeiros pais foi precisa
mente o de querer ser autónomos frente ao convite do Senhor Deus, que
os chamava á íntima comunháo com Ele. - Ora a lei de Deus, promulga
da pela lei natural (impressa no íntimo de cada ser humano) e pelo Evan-
gelho, ensina que o matrimonio é indissoiúvel. Nao há obrigacáo, para os
cónjuges, de viverem sob o mesmo teto, se a vida comum se torna um
martirio, mas há que respeitar o vínculo conjugal enquanto vivem os dois
cónjuges. É o que será explanado sob o subtítulo 2 deste artigo.

1.2. "Os recasados vivem em pecado? Único pecado sem per-


dáo para os cristáos?" (p. 154).

Diz ainda Scampini:

"O arrependimento sincero diante de uma situagáo irreversível nao


perdoaria todo pecado?" (p. 158) "Jesús nao pediu perdáo ao Pai por
seus próprios assassinos? Haverá um pecado mais grave que o cometi
do por estes?" (159).

A propósito observe-se: todo pecado é suscetível de perdáo, des


de que se preencham duas condicóes: 1) arrependimento sincero ou re
pudio profundo da falta cometida; 2) propósito de nao voltar ao pecado
ou de abandonar a situacáo pecaminosa. - Ora quem vive numa uniáo
irregular, pode arrepender-se de eventuais faltas que tenham levado á
ruptura da primeira uniáo, mas pode nao estar disposto a abandonar a
vida ilegítima que leva; em tal caso, nao pode receber a absolvicáo ne-
cessária para comungar. O assassino e o ladráo podem ser recebidos
aos sacramentos desde que estejam arrependidos e tenham o firme pro
pósito de abandonar o crime. O firme propósito de abandonar o crime
distingue-os dos casáis que vivem irregularmente e nao concebem a ¡n-
tencáo de largar a vida irregular. - Vé-se que o cerne da questáo está em
considerar o casamento indissoiúvel e, por conseguinte, afirmar que uma

75
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

segunda uniio após matrimonio validamente contraído e carnalmente


consumado é insustentável aos olhos da fé e da própria lei natural.

Nos casos de casamento religioso fracassado, há duas possíveis


solucóes lícitas que Scampini considera no seu livro: o recurso ao tribu
nal eclesiástico e o viver como irmáo e irmá.

1.3. Apelo ao tribunal eclesiástico

Se o casamento é infeliz e nao pode ser levado adiante, pode-se


perguntar se fo¡ validamente contraído ou se houve algum defeito no res
pectivo consentimento. Há, sim, impedimentos canónicos que tornam nulo
o casamento aparentemente válido; dizem respeito, principalmente ao
tipo de consentimento dado pelos nubentes; com efeito, existem pesso-
as incapazes de viver urna vida a dois até a morte ou que sao perturba
das mentalmente ou ainda que se habituaram á civilizacáo do descartável,
de modo que nao tém a aptidáo psicológica necessária para assumir um
contrato vitalicio táo exigente como é o contrato matrimonial. A inepcia
respectiva talvez só se manifesté após o casamento. Em tal caso, os
interessados podem procurar o tribunal eclesiástico de sua diocese e
entrar com um pedido de processo para averiguar os antecedentes e
concomitantes do matrimonio por eles contraído. - Desde que haja evi
dencia de faina no consentimento ou de qualquer outro impedimento di
rimente, a Igreja declara nulo o matrimonio que sempre foi nulo, embora
parecesse válido. Note-se bem: isto nao significa anular ou cancelar o que
foi válido, mas apenas reconhecer urna realidade latente e comprovada.

1.4. Vivencia sob o mesmo texto como irmáo e irmá

Esta pode ser a solucáo em certos casos, especialmente na idade


provecta.

Scampini pleiteia a revisáo desta norma: abster-se de relacóes


sexuais, embora vivam ele e ela sob o mesmo teto, ou porque urna das
partes precisa do apoio da outra ou as duas necessitam do amparo mu
tuo ou ainda porque há filhos a educar, carentes da presenca do pai e da
máe. Eis o que escreve Scampini:

"Nao sería isto urna forte e dolorida penalidade para com os casáis
em segunda uniao?... Se as relacóes sexuais sao o específico da vida do
casal, o abster-se acarreta urna cascata de questionamentos.

... Nao é querer destruir sutilmente o próprio casamento exigir do


casal viver 'como irmáos', impondo um amorsem gestos de amor, enfim,
nao só a renuncia ao ato conjugal, mas a tudo o que é conjugal?

E quem nao tem vocagáo para o celibato?... É urna exigencia ética


dura, difícilmente praticável,... especialmente quando há um amor pro-

76
"CASÁIS EM SEGUNDA UNIÁO" 29

fundo. Finalmente essa atitude pode levar a tristes compensagoes, a


amargura e ao rancor. Éextremamenteperigoso reprimirá ternura conju
gal ou perigoso recalcá-la" (pp. 140s).

- Em resposta, notamos que tudo quanto Scampini escreve atrás é


válido,... válido, porém, quando se trata de casáis unidos segundo a lei
de Deus. - Para os fiéis católicos, a segunda uniáo após um casamento
validamente contraído e carnalmente consumado é ilícita; por conseguinte
nao se Ihe aplica o que Scampini alega em favor de casáis autentica-
mente unidos pelo sacramento. É de crer que, se os dois parceiros nao
se podem separar ou porque tém prole a educar ou por qualquer outro
motivo, o Senhor Deus Ihes dará a graca necessária para que se mante-
nham fiéis á santa lei de Deus. Diz Sao Paulo: "Deus é fiel; nao permitirá
que sejais tentados ácima das vossas foreas. Mas, com a tentacao, ele
vos dará os meios de sair déla e a forca para a suportar" (1Cor 10, 13).

Como se vé, o cerne da questáo está em saber se o matrimonio


sacramental é realmente indíssolúvel. Tal tema será explícitamente abor
dado sob o subtítulo 2 deste artigo.

1.5. Reconhecimento do matrimonio meramente civil

Eis o que escreve Scampini:

"Vimos no meu precedente livro os motivos reais que, de certa for


ma, exigem do casal em segunda uniáo o casamento civil.

Mesmo a Igreja pronunciándose negativamente a respeito do ca


samento civil -pois o Direito Canónico afirma categóricamente que, para
os batizados, a única forma de matrimonio válido é o sacramento (canon
1055, §2)- ele tem a sua importancia, sua consistencia real, antropoló
gica, ética, jurídica, como urna auténtica vontade de casamento...

M. Legrain comenta que respeitar o casamento civil estaría de acor-


do com a lógica do Concilio Vaticano II, que tem a preocupagáo de res
peitar todas as realidades humanas e sua legítima autonomía" (pp. 151s).

A propósito observe-se:

O matrimonio meramente civil é algo de novo na historia da huma-


nidade. De modo geral, todos os povos antigos consideraram que sao
sagrados os tres grandes momentos em que a vida humana está em
jogo, a saber: o nascimento, as nupcias e a morte. Tais momentos sem-
pre foram acompanhados de ritos litúrgicos. No Ocidente a laicízacáo ou
secularidade do matrimonio comeca com Martinho Lutero no século XVI.
Com efeito. até 1519 Lutero professava a doutrina tradicional do sacra
mento do matrimonio; todavía, a partir dessa data, em sua obra De

77
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

captivitate Babyloniae, o reformador contesta-a frontalmente. Assim,


por exemplo, escreve:

"Nunca se lé que haja recebido a graga de Deus quem tenha espo


sado mulher... Por conseguinte, entenda-se o matrimonio como alegoría
da uniáo de Cristo e da Igreja, nao, porém, como sacramento instituido
porDeus. Tratase de um sacramento introduzido na Igreja pelos homens,
em virtude da ignorancia das coisas e das palavras" (De captivitate
Babyloniae 7)

Para Lutero, o casamento é urna necessidade absoluta da vida,


como o comer e o beber; é regido pelas leis meramente humanas e há de
ser tido como instituicáo meramente civil (ein weltliches Ding), que o
Estado deve regulamentar como julgue melhor. A razáo de tao drástica
posicáo está em que Lutero considera a concupiscencia como a torca
motriz do ato conjugal; ora, diz ele, a concupiscencia é a manifestacao
atual do pecado original; é pecaminosa, de modo que o exercício consci
ente da mesma é pecado,... pecado que Deus em sua misericordia nao
leva em conta ou perdoa. Esta premissa teve conseqüéncias muito am
pias: baseado nela, Lutero admitía, em casos excepcionais, a bigamia
(cf. PR. 452/2000, pp. 21-29). Mais: se o matrimonio nao é de instituicáo
divina, é solúvel pelos homens que o instituíram.

A concepcáo luterana foi adotada pelos reformadores do sáculo


XVI, especialmente por Calvino, que, em seu comentario á Epístola aos
Efésios, estigmatizou a doutrina católica como crassae ignorantiae
hallucinatio (alucinacáo de crassa ignorancia).

Em nossos días o protestantismo tende a voltar as clássicas con-


cepcóes, valorizando o matrimonio como ato que Deus pode abengoar.

Foi, portanto, a reforma protestante que dessacralizou o matrimo


nio, dando origem a concepcóes que a Revolucáo Francesa de 1789 e
Napoleáo Bonaparte (1769-1821), em seu Código de Leis, sancionaram
e aplicaram á legislacáo civil de todos os países do Ocidente.

A Igreja Católica nao repele o casamento civil; ao contrario, julga-o


necessário para que, na sociedade pluralista contemporánea, a uniáo
sacramental possa ter efeitos civis, válidos perante o mundo nao católi
co. Todavía nao há como dizer que o casamento civil legaliza perante
Deus a uniáo de dois fiéis católicos; para estes, só há urna forma válida
de casamento, que é a sacramental. O respeito as realidades humanas é
justo, mas nao deve derrogar ao respeito as realidades divinas ou ao
Evangelho. Nao foi esta a ¡ntencáo do Concilio do Vaticano II.

Tais sao as razóes aduzidas por Scampini em favor da revisáo da


legalizacáo da Igreja e, por conseguinte, em prol do reconhecimento de

78
"CASÁIS EM SEGUNDA UNIÁO"

segunda uniáo após o casamento sacramental validamente contraído,


carnalmente consumado, mas infeliz em sua vivencia cotidiana. Já que
todo o debate versa, em última instancia, sobre a indissolubilidade do
casamento sacramental, seja explícitamente considerada esta temática
ñas páginas subseqüentes.

2. Matrimonio indissolúvel

2.1. No Novo Testamento

Toda a problemática gira em torno de tal questáo: se o matrimonio


é, por lei de Deus, indissolúvel, nao há como o anular em favor de novas
nupcias, mesmo que a indissolubilidade exija sacrificios por parte dos
interessados. Se, porém, consta da S. Escritura e da Tradicáo que ele é
solúvel, pode-se pensar em divorcio e nova uniáo sacramental; entáo as
proposicóes de Scampini tém seu alcance.

Ora consta dos textos do Novo Testamento que o matrimonio é


indissolúvel, como se depreende das citacóes seguintes:

Me 10,11: Disse Jesús: "Todo aquele que repudiar a sua mulher e


desposar outra, comete adulterio contra a primeira; e, se essa repudiar o
seu marido e desposar outro, comete adulterio".

Le 16, 18: "Todo aquele que repudiar a sua mulher e desposar


outra, comete adulterio; e quem desposar uma repudiada porseu marido,
comete adulterio".

1Cor 7, 10: "Quanto aqueles que estáo casados, ordeno nao eu,
mas o Senhor: a muihernáo se separe do marido; se, porém, se separar,
nao se case de novo ou reconcilíese com o marido; e o marido nao repu
die a esposa".

Rm 7,2s: "A mulher casada está ligada por lei ao marido enquanto
ele vive; se o marido vier a falecer, ela ficará livre da lei do marido. Por
isso, estando vivo o marido, ela será chamada adúltera se for viver com
outro homem. Se, porém, o marido morrer, ela ficará livre da lei, de sorte
que, passando a ser de outro homem, nao será adúltera".

Como se vé, as afirmacóes sao peremptórias. Os dizeres de Jesús


em Mt 5, 32 e 19, 9 háo de ser entendidos em consonancia com as de-
mais afirmacóes do Novo Testamento. Com efeito; lé-se nestas duas
passagens uma cláusula nova:

"Eu vos digo: todo aquele que repudia sua mulher - exceto por
motivo de pornéia - faz que ela adultere; e aquele que se casa com a
repudiada, comete adulterio" (Mt 5,32).

79
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

A cláusula de Mt 5, 32 e 19, 9, se traduzida por "a nao ser em caso


de adulterio", reconhece um caso de separacáo legítima, mas nao de
segundas nupcias, pois logo acrescenta que quem se case com a repu
diada comete adulterio.

Muito provavelmente, porém, os textos de Mt 5, 32 e 19, 9 traduzi-


ram por pornéia (em grego) o termo aramaico zenut, que significa uniáo
incestuosa. No caso, compreende-se que a separacáo seja nao somente
tolerável, mas desejável. Jesús ter-se-ia referido a zenut, pois este ter
mo significa a uniáo ilegítima por motivo de parentesco proibido pela Lei
de Moisés (cf. Lv 18, 1-24).1 É de crer que ñas antigás comunidades
cristas houvesse unióes matrimoniáis proibidas pela Lei de Moisés, mas
toleradas pelos cristáos provenientes do paganismo; estas unióes devi-
am causar dificuldades á boa convivencia de cristáos provenientes do
judaismo e do paganismo. Daí a ordem - auténticamente atribuida a Je
sús - de romperíais unióes irregulares, que nao eram senáo falsos casa-
mentos.

Positivamente, Sao Paulo afirma em Ef 5, 21-33 que as relacóes


entre marido e mulher devem reproduzir as que existem entre Cristo e a
Igreja. Portanto a uniáo entre marido e mulher tem dimensóes
transcendentais, pois participa de outra grande uniáo; é um sacramento
(mystérion) dentro do SACRAMENTO (MYSTÉRION), que nao conhece
divorcio, por mais inconstante que seja a humanidade á qual Cristo se
uniu.

A Tradicáo crista ocidental assumiu a doutrina do Novo Testamen


to com muita coragem, embora se tenham registrado hesitacóes por par
te de vozes ¡soladas. Os cristáos orientáis, separados da comunháo da
Igreja de Roma, admitem novas nupcias após adulterio e semelhantes
violacóes da fidelidade matrimonial. O mesmo se diga no tocante aos
protestantes.

Nao há dúvida, a posicáo de Jesús é exigente e causa serias difi


culdades a mu'itos cónjuges infelizes, especialmente em nossos dias,
quando o casamento é, nao raro, contraído sem o desejável preparo.

1 Eis os impedimentos que podem vir ao caso:


"Nao descubrirás a nudez da irmá de teu pai, pois é a carne de teu pai.
Nao descobrirás a nudez da irmá de tua mñe, pois é a própria carne de tua máe.
Nao descobrirás a nudez do irmáo de teu pai; nao te aproximarás, pois, de sua
esposa, visto que é a mulher de teu tío.
Nao descobrirás a nudez de tua ñora. É a mulher de teu filho e nao descobrirás a
nudez déla.
Nao descobrirás a nudez da mulher de teu irmáo, pois é a própria nudez de teu
irmáo" (Lv 18, 12-16).

80
"CASÁIS EM SEGUNDA UNIÁO" 33

Jesús, porém, ensinou a radicalidade da vocacáo crista; esta nao conhe-


ce meio-termo ou condescendencia com a covardia e a incoeréncia. Te-
nha-se em vista o texto de Mt 19, 12:

"Há eunucos que nasceram tais desde o seio materno. Ehá eunucos
que foram feitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram
eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para com-
preender, compreenda!"

Costuma-se entender o terceiro tipo de eunucos como sendo o das


pessoas que voluntariamente abracam a continencia perpetua. Todavía
esta interpretacáo nao leva em conta os antecedentes, que tratavam de
matrimonio e divorcio. Com efeito; Jesús afirmou a indissolubilidade do
matrimonio; os Apostólos, entáo, se espantaram: "Se tal é a condicáo do
homem em relacáo á mulher, nao vale a pena casar-se" (Mt 19,10). Je
sús nao confirmou esta observacáo negativa, pois o casamento é urna
voca9áo santificada por um sacramento. Mas quis referir-se as exigenci
as radicáis da vocacáo matrimonial crista, lembrando que pode haver
pessoas chamadas ao matrimonio, mas impossibilitadas de o viver tran
quilamente, de modo que se faráo eunucos ou continentes por amor do
Reino dos céus ou pelo fato de que nao há segundas nupcias após um
matrimonio sacramental válido e consumado. Sim; o Senhor Deus pode
pedir á criatura a renuncia a qualquer de suas prendas, até as mais natu-
rais e aparentemente indispensáveis (no sermáo da montanha Jesús fala
metafóricamente de "cortar olho, máo, pé para nao perder o Reino dos
céus"(cf. Mt5, 29s; 18, 8s).

Nao é, pois, estranha a radicalidade do Senhor no tocante as exi


gencias matrimoniáis; está na linha de toda a pregacáo do Evangelho.

Após a averiguacáo do genuino pensamento de Cristo, vé-se que


já nao podem ter grande peso as razoes pró-dissolucáo do casamento;
apesar das boas intencóes e do valor das pessoas divorciadas que con-
traíram novas nupcias, estas nao poderáo ser legítimas nem se Ihes po-
derá dar alguma béncáo ou fazer algo que sugira legalidade.1

1 Eis o que a respeito escreve o Papa Joño Paulo II na sua Exortacáo Familiaris
Consortio n" 84:
"O respeito devido tanto ao sacramento do matrimonio quanto aos próprios cónju-
ges e aos seus familiares, como aínda á comunidade dos fiéis, proíbe os pastores,
por qualquer motivo ou pretexto mesmo pastoral, de fazer em favor dos divorciados
que contraem urna nova uniáo, cerímónias de qualquer género. Estas dariam a im-
pressáo de celebragáo de novas nupcias sacramentáis válidas, e conseqüentemen-
te induziriam em erro sobre a indissolubilidade do matrimonio contraído validamente.
Agindo de tal maneira, a Igreja professa a própria fidelidade a Cristo e á sua verda-
de" (ne 84).

81
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

2.2. Duplo jogo?

Á p. 133 escreve Scampini:


"Em alguns casos, o Papa intervertí e declara nulo o vinculo matri
monial, o que é, segundo a Igreja, contra o direito natural. Por isso, con
cluí o citado autor (Castaño), a Igreja é acusada de fazer duplo jogo".

Que dizer a propósito?

- O matrimonio é, por si, uma instituicáo natural ou decorrente da


natureza humana. Há, pois, um vínculo conjugal natural quando o ho-
mem e a mulher se unem maritalmente.

Cristo elevou essa vinculacio natural á dignidade de sacramento,


fazendo-a participar da uniáo de Cristo e da Igreja, através da qual se
realiza a obra da Redencáo. O vínculo natural se torna entáo sacramental.

A indissolubilidade já compete ao vínculo natural, pois é condicáo


para que a doacáo no amor seja verdadeira (uma doacáo condicional
nao é plena; nao corresponde á uniáo de corpos, que é a mais plena e
íntima possível). Todavía a Igreja admite graus de indissolubilidade; esta
só é absolutamente inextinguível quando ocorre o matrimonio sacramen
tal contraído validamente e consumado.1 Há, portanto, casos em que o
vínculo natural cede ao sacramental. Tais sao:

1) quando duas pessoas nao batizadas se casam validamente,


existe entre elas o vínculo natural. Admitamos, porém, que uma délas se
converta ao Catolicismo e receba o Batismo. - Se a outra parte continua
nao batizada e torna insustentavel a vida conjugal,2 a Igreja reconhece a
dissolucáo desse vínculo natural, para que a parte batizada possa con-
trair novo matrimonio, devendo este ser necessariamente sacramental.
Esta praxe se baseia no chamado privilegio paulino, pois o Apostólo Sao
Paulo mesmo a fundamenta em 1Cor 7,12-16:

"Digo eu, nao o Senhor: se algum irmáo tem esposa nao crista e
esta consente em habitar com ele, nao a repudie. E, se alguma mulher
tem marido nao cristáo e este consente em habitar com ela, nao o repu
die. Pois o marido nao cristáo é santificado pela esposa, e a esposa nao
crista é santificada pelo marido cristáo. Se nao fosse assim, os vossos

' A exigencia de consumagáo carnalpara que um matrimonio sacramental validamente


contraído seja indissolúvel, aflorou paulatinamente á consciéncia dos teólogos. Es
tes até o sáculo XII discutiam a respeito. Finalmente o Papa Alexandre III (t 1181),
pela primeira vez, pronunciou a ruptura de um casamento nao consumado. A praxe
foi-se firmando de tal modo que hoje pertence á jurisprudencia da Igreja.
2 Deve ficar evidente em foro jurídico que a parte nao batizada nao quer coabitar
pacificamente com a parte batizada. Se esta provocar as difículdades de cohabitagao,
perde o direito de separagáo judiciária.

82
"CASÁIS EM SEGUNDA UNIÁO" 35

filhos seriam impuros quando na realidade sao santos. Se o nao cristáo


quer separarse, sepárese! O irmáo ou a irmá nao estáo ligados em tal
caso; foi para viver em paz que Deus vos chamou. Na verdade, como
podes ter certeza, ó mulher, de que salvarás o teu marido? E como podes
saber, ó marido, que salvarás tua mulher?"

Ver a respeito cánones 1143-1147.

2) O matrimonio nao sacramental pode ser dissolvido em favor de


nova uniáo, esta sendo sacramental, em casos especiáis que o Direito
Canónico designa sob a rubrica in bonum fidei (em favor da fé), isto é,
desde que o vínculo natural ceda ao vínculo sacramental. Tais casos sao
sempre levados ao juízo da Santa Sé, que pode entáo exercer o que se
chama "o privilegio petrino" ou o privilegio de Pedro. Notemos, porém,
que nunca se trata da dissolucáo de um matrimonio sacramental
validamente contraído e consumado. Ver canon 1150.

Em apéndice, observamos que o matrimonio sacramental


validamente contraído, mas nao consumado carnalmente, é tido como
incompleto e, por conseguinte, pode ser dissolvido também por interven-
cáo da Santa Sé ou por exercício do privilegio petrino.

Na prática, esta casuística pode-se tornar minuciosa e sutil. Há


quem tenda a caricaturá-la, pois querem insinuar que a Igreja Católica,
embora professe a indissolubilidade do matrimonio, anula casamentos.
Seria falso pensar assim; toda a jurisprudencia da Igreja é perpassada
por um principio solene e impreterível: o matrimonio sacramental
validamente contraído e consumado é indissolúvel.

Como se compreende, porém, para que o casamento seja


validamente contraído, requer-se que esteja isento de qualquer dos im
pedimentos catalogados pelo Código de Direito Canónico; ver PR 303/
1987, pp. 338-357. Se um matrimonio é contraído sem que se tenha co-
nhecimento da existencia real de um desses impedimentos, tal casamento
é nulo e pode (ou mesmo deve) ser declarado tal, desde que as partes
interessadas tomem conhecimento desse impedimento.1
3. Conclusáo

A pressáo para que a Igreja aceite o divorcio e novas nupcias sa


cramentáis nao é inspirada pelo Evangeiho nem pela Tradicáo crista. Ela
é de fonte heterogénea: provém, sim, da realidade da vida contemporá-

1 Isto ocorre, por exemplo, quando se verifica que urna das duas partes ó impotente
desde o período pré-matrimonial e nao tem possibilidade de cura de tal impedimen
to. Se este só vem a tona após a cerimónia matrimonial, deve-se dizer que nao
houve casamento. Note-se bem: o impedimento de impotencia nao éode esterílida-
de, mas é a incapacidade física ou psicogénica de realizar a cópula carnal.

83
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

nea, em que o casamento é freqüentemente vilipendiado ou tomado como


urna experiencia que poderá ser revogada, se desagradável. Em última
análise, a mentalidade hedonista ou a recusa de renuncia e sacrificio
(táo característicos do Evangelho) estáo latentes sob essa pressáo. O
cristáo nao é um masoquista ou, com outras palavras, o cristáo nao pro
cura o sacrificio pelo sacrificio; ele sabe que este nao é um fim; é um
meio, mas um meio indispensável para qualquer auto-realizacáo huma
na; nenhuma personalidade se faz sem renuncia; nenhum herói existiu
sem sacrificio; conseqüentemente também nao há cristáo que se torne
digno deste nome sem a aceitacáo da Cruz; Cristo nao veio salvar os
homens da Cruz, mas através da Cruz. Fugir desta em nome de um
humanismo mais aberto e compreensivo equivale a esvaziar a fé e sua
mensagem; é o total desvirtuamento do Cristianismo.

Consciente disto, a Igreja nao pode deteriorar a doutrina que rece-


beu de Cristo no Evangelho. Todavía Ela quer ser Máe e Mestra também
dos filhos ilegalmente unidos, estimulándoos á prática da oracáo e da
confianca no Senhor.

Deus vé o drama das consciéncias dos que estao privados dos


sacramentos. Ele tem recursos invisíveis para salvá-los; em sua Provi
dencia Ele sabe responder ao arrependimento e ás boas intencóes dos
divorciados recasados. Por isto a Igreja os exorta a nao se afastar do
Senhor, mas a procurá-Lo de todo modo, aínda que nao por meio dos
sacramentos. Todo drama pode acabar bem, poís para Deus nada é im-
possível e sua misericordia excede de longe as súplicas e os méritos
daqueles que O ¡nvocam sinceramente.

O Sacramento do Matrimonio. Guia Prático em Perguntas e


Respostas, por D. Hilario Moser. Tubarao 1999, 150x210mm, 75 pp.

O Sr. Bispo de Tubarao (SC) editou um Guia para a celebragáo do


sacramento do matrimonio, que aborda todas as questóes ocorrentes a
respeito, levando em conta especialmente as normas do Direito Canónico.
Assim considera o processo de habilitagáo matrimonial, os diversos im
pedimentos que tornam nulo o casamento, a forma canónica e a dispen
sa da mesma, a maneira de registrar um matrimonio, a convalidagáo de
um matrimonio nulo, a situagáo do católico que contra! matrimonio peran-
te ministro nao-católico sem dispensa da forma canónica, a petigáo de
sanagáo radical, as dúvidas que possam surgir no tocante á validade e á
liceidade de um matrimonio... Em suma, é um Diretório completo, que
muito pode ajudar os clérigos como também os leigos interessados no
assunto. Sabe-se que o sacramento do matrimonio é daqueles que mais
interrogagóes suscitam. Daio enorme valor da obra de D. Hilario Moser.
Pedidos ao Secretariado de Pastoral, Caixa Postal 341, 88701-970 Tu
barao (SC); FoneFax: 0XX48.622.1504 ou 626.5987.

84
Um alerta:

"O DIABO HOJE"


por Georges Huber

Em síntese: Georges Huber, jornalista católico francés, disserta


sobre o demonio e sua agáo no mundo. Ao mesmo tempo que afirma a
realidade dos anjos maus, enfatiza estarem eles subordinados aos sabi
os designios da Providencia Divina; o demonio pode ladrar, mas só mor-
de a quem se ¡he chega peño. O autor segué fielmente a doutrina da
Igreja numa época em que se contesta o artigo de fé relativo aos anjos
bons e maus.

Georges Huber é jornalista católico francés que se tem dedicado a


escrever sobre os anjos. Após publicar duas obras sobre os anjos bons e
seu ministerio junto aos homens, oferece aos leitores um livro sobre o
demonio e sua atualidade, seguindo fielmente as linhas da Tradicáo e do
magisterio da Igreja1. A obra é apresentada pelo Cardeal Christopher
Schoenborn, Arcebispo de Viena e um dos teólogos redatores do Cate
cismo da Igreja Católica. Este mestre bem sintetiza o conteúdo da obra
em foco nos seguintes termos:

"O autor mostrou na sua obra sobre os anjos como estas espléndi
das criaturas espirituais estáo totalmente as ordens da Divina Providen
cia e como todo o seu ser consiste na adoragáo e no servigo de Deus.
Esta mesma verdade encontrase neste livro sobre Satanás. Porque os
anjos caídos continuam a ser anjos; continuam a ser espíritos ao servigo
de Deus, embora a contragosto.

A presente obra nao suscita em nos medo aos demonios; antes


revela a fé no irresistível poder de Deus, que ordena cada coisa para os
seus fins. É o que a fé nos ensina e a experiencia crista nos confirma. Os
demonios empreendem urna luta impiedosa contra o homem e se esfor-
gam por obstruir os planos de Deus: percorrem o mundo incessantemen-
te a fim de levar as almas a perdigáo. No entanto, a sua agáo está com
pletamente subordinada aos planos de Deus.

A partir desta verdade fundamental, Georges Huber demonstra-


nos que, se Deus permite que os demonios atuem, nao é certamente

1 O Diabo, hoje. Tradugáo e notas de Emético da Gama. - Ed. Quadrante, Sao


Paulo 1999, 130 x WOmm, 108 pp.

85
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

para fazer mal aos homens, mas para ajudá-Lo a realizar os seus magní
ficos planos de salvagáo" (pp. 5s).

Após esta sucinta apresentacáo da obra, sejam destacados alguns


dos tópicos mais significativos da mesma.1

1. A Conspiracáo do Silencio

«'Como se pode chegar a esta situacáo?'

É a pergunta que fazia o Papa Paulo VI, alguns anos depois de se


ter encerrado o Concilio Vaticano II, á vista dos acontecimentos que sa-
cudiam a Igreja. 'Pensava-se que, depois do Concilio, o sol brilharia so
bre a historia da Igreja. Mas, em vez do sol, apareceram as nuvens, a
tempestade, as trevas, a incerteza'.

Sim, como se pode chegar a semelhante situacáo?

A resposta de Paulo VI é clara e nítida: 'Interveio urna potencia


hostil. Seu nome é o demonio, esse ser misterioso de quem nos fala Sao
Pedro na sua primeira Epístola. Quantas vezes nao se refere Cristo, no
Evangelho, a este inimigo dos homens?1 E o Papa precisa: 'Nos eremos
que um ser preternatural veio ao mundo precisamente para perturbar a
paz, para afogar os frutos do Concilio ecuménico e para impedir a Igreja
de cantar a sua alegría por ter retomado plena consciéncia de si própria'.
Para dizé-lo brevemente, o Papa tinha a sensacáo de que 'o fumo de
Satanás entrou por alguma fenda no templo de Deus'.

Assim se exprimía Paulo VI sobre a crise da Igreja em 29 de junho


de 1972, nono aniversario do seu pontificado. Alguns jomáis mostraram-
se surpreendidos com essa declaracáo do Papa sobre a presenca de
Satanás na Igreja. Outros escandalizaram-se. Nao estaría Paulo VI exu-
mando crencas medievais que se julgavam esquecidas para sempre?

1.1. Urna das grandes necessidades da Igreja contemporánea

Sem recuar perante essas críticas, o Papa voltou a tratar do tema


1 A oportunidade de tratarmos deste assunto é-nos oferecida por um leitor, que escreve:
"Devemos afirmar a real existencia do demonio como entidade capaz de influir no
cotidiano humano, ou seria o demonio mera abstragáo? Há teólogos que defendem
de público que o demonio é mais urna abstragáo, sem expressáo real na vida con
creta do homem, enquanto outros defendem que o demonio está sempre á espreita,
tentando influenciar o comportamento humano.
Fato é que houve urna banalizagáo histérica, anacrónica, e mesmo mal intenciona
da, do que seja demonio por parte de igrejas evangélicas, a níveis que deixam de ser
casos de teología para entrar no terreno da psiquiatría.
A razio de estar buscando este esclarecimento vem da inevitável convivencia com
pessoas de outras designagóes cristas: de vez em quando, em algum debate a questáo
do demonio na historia humana é levantada, e eu me vejo diante de urna dúvida:
qual seria a posigáo da doutrina católica a respeito".

86
"O DIABO HOJE" 39

cinco meses mais tarde. E, longe de contentar-se com reafirmar a verda-


de sobre esse ponto, consagrou urna alocucáo inteira a presenca ativa
de Satanás na Igreja.

Logo de inicio, sublinhou a dimensáo universal do tema: 'Quais


sao hoje - perguntava - as necessidades mais importantes da Igreja?' A
resposta foi clara: 'Urna das maiores necessidades da Igreja é a de de-
fender-se desse mal que designamos por demonio'. A seguir, recordou a
doutrina da Igreja sobre a presenca, no mundo, de 'um ser vívente, espi
ritual, pervertido e perversor, realidade terrível, misteriosa e temível".
Depois, referindo-se a algumas publicacdes recentes (numa das
quais um professor de exegese convidava os cristáos a liquidar o dia-
bo1), afirmou: 'Separam-se do ensinamento da Biblia e da Igreja aqueles
que se negam a reconhecer a existencia do diabo ou aqueles que o con-
sideram um principio autónomo que nao tem, como todas as criaturas, a
sua origem em Deus; e também aqueles que o explicam como urna
pseudo-realidade, urna invencáo do espirito para personificar as causas
desconhecidas dos nossos males'.

'Nos sabemos - prosseguiu o Papa - que este ser obscuro e


perturbador existe verdadeiramente e atua sem descanso com urna as
tucia traidora. É o inimigo oculto que semeia o erro e a desgraca na his
toria da humanidade. É o sedutor pérfido e obstinado que sabe insinuar
se em nos através dos sentidos, da imaginacáo, da concupiscencia, da
lógica utópica, das relacóes sociais desordenadas, para introduzir nos
nossos atos desvíos muito nocivos que, no entanto, parecem corresponder
as nossas estruturas físicas ou psíquicas ou ás nossas aspiracóes pro
fundas'.

Satanás sabe insinuarse... para introduzir... Estas expressSes nao


nos lembram a advertencia de Sao Pedro sobre o leáo que ruge e ronda,
buscando a quem devorar (cfr. 1 Pe 5, 8)? Para se apresentar, o diabo
nao fica á espera de que o convidem; antes, impóe a sua presenca com
urna habilidade quase infinita.

O Papa evocou também o papel de Satanás na vida de Cristo. Ao


longo do seu ministerio, Jesús qualificou tres vezes o diabo como prínci
pe deste mundo (Jo 12, 31; 14, 30; 16, 11), táo grande é o seu poder
sobre os homens.

Paulo VI empenhou-se em apontar os indicios reveladores da pre


senca ativa do demonio no mundo.

1.2. Lacunas na Teología e na Catequese

Na sua exposicáo, o Santo Padre tirou urna conclusao prática que,


para além dos milhares dos fiéis presentes na vasta sala de audiencias,

87
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

se dirigía aos católicos do mundo inteiro: 'A propósito do demonio e da


sua influencia sobre os individuos, sobre as comunidades, sobre socie
dades inteiras, faz-se necessário retomar um capítulo muito importante
da doutrina católica ao qual hoje se presta pouca atencáo'.

Por outras palavras, a Cabeca da Igreja afirma que a demonologia


é um capítulo 'muito importante' da teología católica e que hoje em día é
excessívamente esquecido. Existe uma lacuna no ensino da teología, na
catequese e na pregacáo. E essa lacuna pede que seja preenchida.
Estamos perante 'urna das maiores necessidades' da Igreja no momento
presente.

Quem o teria previsto? A catequese de Paulo VI sobre a existencia


e influencia do demonio origínou um inesperado sentimento de revolta na
¡mprensa. Mais uma vez, acusou-se a Cabeca da Igreja de retornar a
crencas já ultrapassadas pela ciencia. O diabo estava morto e enterrado!
Raramente os jomáis se haviam levantado com uma veeméncia táo aci
da contra o Soberano Pontífice.

1.3. O Inimigo Desmascarado

Faz-se necessário retomar o capítulo da demonologia: este lema


de Paulo VI teve uma especie de precedente na historia do Papado con
temporáneo.

Era um dia de dezembro de 1884 ou de Janeiro de 1885, no Vatica


no, na cápela privada de Leáo XIII. Depois de ter celebrado a missa, o
Papa, como de costume, assistiu a uma segunda missa. Lá pelo fim,
viram-no levantar a cabeca de repente e olhar fixamente para o altar,
ácima do tabernáculo. O seu rosto empalideceu e as suas feicóes torna-
ram-se tensas. Finda a missa, levantou-se e, ainda sob os efeitos de
uma intensa emocáo, dirigiu-se para o seu quarto de trabalho. Um dos
prelados que o rodeavam perguntou-lhe:

- Santo Padre, sente-se cansado? Precisa de alguma coisa?

- Nao - respondeu Leao XIII -, nao preciso de nada...

O Papa encerrou-se no seu escritorio. Meia-hora mais tarde, man-


dou chamar o Secretario da Congregacáo dos Ritos. Estendeu-lhe um
papel com um texto manuscrito e pediu-lhe que o mandasse imprimir e o
enviasse aos bispos de todo o mundo.

Qual era o conteúdo desse papel? Uma oracáo ao Arcanjo Sao


Miguel, composta pelo próprio Papa. Uma oracáo que os sacerdotes re-
citariam depois de cada missa rezada, ao pé do altar, após a Salve-Rai-
nha já prescrita por Pió IX:

88
"O DIABO HOJE" 41

Sao Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede o nosso am


paro contra a maldade e as diadas do demonio. Instante e humildemente
vos pedimos que Deus impere sobre ele. E vos, Príncipe da milicia celes
te, com esse poder divino, precipitai no inferno Satanás e os outros espi
rito malignos que vagueiam pelo mundo para a perdicáo das almas.

Leáo XIII confidenciou mais tarde a um dos seus secretarios, mons.


Rinaldo Angelí, que durante a missa tinha visto urna nuvem de demonios
que se lancavam contra a Cidade Eterna para atacá-la. Daí a sua deci-
sáo de mobilizar Sao Miguel Arcanjo e as milicias celestes para que de-
fendessem a Igreja contra Satanás e os seus exércitos, e, de modo par
ticular, para que se resolvesse o que entáo se chamava 'a questáo roma
na'*" (pp. 8-13).

2. Como um Cao preso por urna Corrente

2.1. Nunca sem Luz verde

«É significativo que Deus estabeleca cuidadosamente os limites


dos poderes que concede a Satanás. Nao Ihe dá urna 'luz verde' incondi
cional. Assim como o Criador póe limites ao fluxo do mar enfurecido -
Nao irás mais longe [...], aquí se quebrará o orgulho das tuas ondas (Jó
38,11) -, do mesmo modo impóe limites ao odio e á inveja de Satanás.

O Evangelho de Sao Mateus revela-nos que os demonios tém ne-


cessidade de 'luz verde' mesmo para urna operacáo sem maiores conse-
qüéncias, ainda que insólita, como entrar num rebanho de porcos que
pastam na térra dos gerasenos. Havia a urna certa distancia um grande
rebanho de porcos que pastava. E os demonios suplicaram a Jesús: 'Se
nos expulsas, envia-nos a esse rebanho de porcos'. 'Ide', disse-lhes Je
sús. Safram entáo e foram para os porcos, e eis que, do alto da escarpa,
todo o rebanho se precipitou no mar, onde se afogou (Mt 8, 30-32).

O relato da Paixáo apresenta-nos um exemplo dramático dos limi


tes impostos por Deus ao poder do diabo sobre os Apostólos. Satanás
tinha pedido a Deus que o deixasse por a prova os Apostólos, sacudindo-

(') Chamou-se 'questáo romana' ao problema criado por ocasiáo da unificagáo


italiana, que suprimiu os antigos Estados Pontificios. Por um lado, o ministro Cavour,
artífice da unificagáo, insistía em que Roma 'necessariamente' tinha de se a capital
da nova nagáo; por outro, como preservar neste caso a necessáría liberdade e inde
pendencia da Santa Sé e dos seus organismos? A dificuldade era especialmente
aguda num momento em que muitos dos dirigentes da nova nagáo se proclamavam
abertamente magónicos e anticlericais e nao escondiam a sua pretensáo de imis-
cuir-se nos assuntos internos da Igreja, ou, se possivel, de suprimi-la inteiramente.
Depois de sessenta e oito anos (1861-1929) de gestdes diplomáticas e de tentativas
de entendimento fracassadas, chegou-se por fim á solugáo definitiva, por meló do
Pacto do Latráo e da criagáo do Estado do Vaticano (N. do E.).

89
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

os como o agricultor sacode o trigo. O Senhor só aceita esse pedido em


parte. Com explica Garrigou-Lagrange, 'o Senhor permitiu a Satanás que
joeirasse os Apostólos como se joeira o trigo, mas pos um limite. Quem
Satanás desejava sobretudo fazer cair era Pedro, o chefe dos Apostólos.
Jesús conhecia o perigo que ameacava Pedro. Nao quis preservá-lo com
pletamente, mas com a sua oracáo protegeu-lhe a fé: a do Apostólo,
portanto, nao desfalecerá, e, quando se recuperar da sua conduta erró
nea, caber-lhe-á confirmar os seus irmáos'. Garrigou-Lagrange cita a pro
funda observacáo de um exegeta protestante: 'Preservando Pedro, cuja
ruina teria arrastado os demais Apostólos, Jesús preservou-os a todos'.
É assim que Deus, Senhor da Historia, sabe utilizar a malicia de Satanás
para a construcáo da Igreja.

Sao Tomás de Aquino insiste muito neste ponto: o diabo nao pode
tentar os homens tanto quanto deseja; só pode atormentá-los na medida
em que Deus o permite. Nem mais, nem menos!

O relato da Paixáo apresenta outro exemplo da submissao do de


monio as disposicdes da Providencia. Depois de ter dito que, na Última
Ceia, Satanás tinha entrado em Judas, Sao Joáo cita estas palavras de
Jesús ao traidor: O que tens a fazer, faze-o depressa! (Jo 13,27). Póde
se expressar mais explicitamente o controle de Deus sobre as maquina-
cóes de Satanás presente em Judas? É verdade, como explicam os
exegetas, que as palavras de Jesús nao equivaleram a urna ordem. Tam-
bém nao eram um estímulo á traicáo. Expressavam simplesmente, numa
linguagem rigorosa, urna autorizacáo» (pp. 80s).

2.2. Pode ladrar, mas nao morder

«Sao Paulo assegura-nos: Deus nao permitirá que sejais tentados


além do vosso poder de resistencia, mas, junto com a tentagáo, dar-vos-
á os meios para suportá-la e a forga para vencé-la (1Cor 10,13).

Existem dois movimentos na raíz das tentacóes do diabo: o amor


de Deus pelos homens e a odienta ¡nveja de Satanás. Deus permite a
tentacáo por amor, para dar á criatura humana a oportunidade de elevar
se até Ele por atos de virtude; o demonio desencadeia a tentacáo por
odio, para fazer cair o homem. Deus oferece ao homem urna ocasiáo de
subir e Satanás utiliza essa mesma ocasiáo para fazé-lo cair. Assim, por
urna misteriosa ordem de Deus, sem o saber, sem o querer, contra a sua
vontade e contra as ¡nclinacóes de todo o seu ser, Satanás contribuí indi-
reta, mas realmente, para a expansáo do reino de Deus sobre a térra.
Nao é esta, alias, a razáo da sua presenca entre os homens até o Juízo
final, antes de ser precipitado ñas profundezas do inferno?...

A um sacerdote da Missáo, a quem Satanás tinha razóes para odi


ar, Sao Vicente de Paulo escrevia: 'O diabo pode ladrar, mas nao pode

90
"O DIABO HOJE" 43

morder; pode atemorizar-vos, mas nao vos pode fazer mal. Isto eu vo-lo
garanto diante de Deus, na presenca de quem vos falo1.
Também Santa Teresa de Lisieux se servia dessa ¡magem para
mostrar os limites do poder de Satanás: comparava o demonio a um gran
de cao malvado que nada pode contra urna criancinha subida aos om-
bros de seu pai.

A este respeito, pode ser útil recordar mais urna vez as seguintes
verdades:

A primeira é que o poder do demonio, embora grande, nao é abso


luto: nunca, nem sequer nos casos de possessáo,... ele tem acesso dire
to as potencias propriamente espirituais do ser humano, isto é, á Inteli
gencia e á vontade. Ou seja, nao pode nunca, em nenhuma hipótese,
obrigar-nos a pecar. Só há pecado quando há consentimento da vonta
de, isto é, quando o 'eu' decide ceder á tentacáo. Nada, nem a duracáo
nem a intensidade de urna tentacáo, pode causar diretamente - nem, por
outro lado, 'autorizar' ou desculpar - o consentimento.
A segunda é que é essencial saber que sentir nao é consentir. As
imagens podem ser muito fortes ou vividas, e as emocóes encontrarem-
se num estado de tumulto intenso, mas nao há pecado enquanto a vonta
de nao disser "sim". E isso sempre se sabe no recóndito da consciéncia
(N. do E.)» (pp. 82s).
3. Exorcismo

O missivista, no caso, refere ter ouvido dizer que a Igreja aboliu os


exorcismos ou as preces feitas para expulsar o Maligno detentor das
faculdades de um ser humano. - Em resposta nada de melhor se pode
fazer do que citar o atual Código de Direito Canónico, que, supondo a
possibilidade de haver possessáo diabólica, regulamenta a prática do
exorcismo:

"Canon 1172 -§1. Ninguém pode legítimamente fazer exorcismos


empossessos a nao ser que tenha obtido licenga especial e expressa do
Ordinario local.

§ 2. Essa licenga seja concedida pelo Ordinario local somente a


sacerdote que se distinga pela piedade, ciencia, prudencia e integridade
de vida".
Por conseguinte, a Igreja eré na eventualidade da possessáo dia
bólica. Apenas deseja que se examine atentamente cada caso de pretensa
possessáo para nao se confundir doenca psíquica ou física com a acáo
do Maligno. Urna vez diagnosticada, com seria probabilidade, a posses
sáo por sacerdotes e médicos, recorra-se ao Bispo local ou ao Prelado
respectivo para Ihe pedir que delegue um sacerdote exorcista.

91
Em sufragio das almas:

E AS MISSAS GREGORIANAS?

Em síntese: Missas Gregorianas sao trinta Missas consecutivas,


que, segundo a Tradigáo, vém a ser especialmente benéficas para as
almas do purgatorio. Tém sua origem numa historia narrada por S. Gre
gorio Magno (f 604). A Tradigáo, no caso, nao fundamenta um artigo de
fé, de modo que cada fiel católico é livre para crer ou nao na especial
eficacia de tal serie gregoriana. Importa nao conceber o purgatorio como
um cárcere ou urna punigáo de pecadores, para os quais os vivos na
térra poderiam obter a anistia do Senhor Deus.

A Reda9áo de PR recebeu o seguinte e-mail:

«fíecentemente um párente próximo faleceu, devido a disparo de


arma de fogo. A investigagáo policial aínda nao concluiu o inquérito, mas
há no mínimo duas hipóteses: suicidio ou assassinato.
Neste momento os parentes escutam muita bobagem e muitas su-
gestóes horríveis.

Entretanto estou escrevendo para esclarecer urna dúvida que surgiu.


Dizem que, quando urna pessoa morre em situagóes trágicas, sua
alma necessita de muita oragáo.

Entáo surgiu a opgáo de missas gregorianas (trinta ou quarenta


missas consecutivas).

Solicito sua gentileza e sua atengáo para responder ou dizer algo


em nosso auxilio».

A esta pergunta será prestada resposta em duas etapas: 1) signifi


cado dos sufragios pelos defuntos; 2) Missas Gregorianas.
1. Sufragios pelos defuntos: significado
Qualquer pessoa falecida é acompanhada pelas oracóes dos so-
breviventes na térra. Pouco importa, no caso, o tipo de morte por que
passou; o falecimento brutal nao requer necessariamente mais oracóes
do que a morte tranquila. Essas oracóes sao chamadas sufragios, isto
é, votos, anseios. Nao visam a pedir a Deus anistia ou compaixáo para
as almas do purgatorio, pois este nao é um cárcere nem um castigo, que
Deus poderia abrandar ou cancelar a pedido dos parentes e amigos da
pessoa defunta. É preciso remover radicalmente a concepcáo de pur-
gatório-castigo ou cárcere. O purgatorio é, antes, urna concessáo da mi-

92
E AS MISSAS GREGORIANAS? 45

sericórdia divina feita ao cristáo que morre com o seu amor voltado para
Deus, mas ainda contraditado por tendencias desregradas (impaciencia,
maledicencia, vaidade, orgulho...); tal cristáo é chamado a ver Deus face-
a-face ou a participar do banquete do Cordeiro; para tanto, deve estar
com a veste nupcial rematada e totalmente limpa (isenta de resquicios do
pecado); se nao conseguiu preparar a sua veste antes de deixar este mun
do, deverá fazé-lo no além, nao em um tanque de enxofre fumegante nem
num lugar dimensional, mas num estado psíquico chamado purgatorio.
A duracáo do purgatorio nao se mede pelo tempo astronómico (dias,
semanas, meses e anos), mas pelo tempo psicológico (atos de conheci-
mento e amor, que váo extinguindo o apego ao pecado e ás suas escorias).
Sobre este paño de fundo, as oracóes pelas almas do purgatorio pe-
dem a Deus que dé a tais almas a graca necessária para que, sem demora,
possam vencer a resistencia do "pecadinho" ao amor de Deus. A experien
cia ensina, nesta vida, como os maus hábitos, mesmo os mais leves, estáo
arraigados no fundo do ser humano e se manifestam sorrateiramente, mes
mo depois de um ato de arrependimento sincero e profundo; difícilmente
alguém consegue extirpar por completo todas as suas tendencias desregra
das, que se exprimem pela soberba, a vaidade, a inveja, a preguica...
As Missas Gregorianas sao especial modalidade de sufragar os
fiéis defuntos, como se dirá a seguir.
2. Missas Gregorianas

No tocante aos sufragios pelos defuntos, o Papa S. Gregorio Mag


no (t 604) deu origem ao costume das Missas diarias consecutivas: podi-
am ser tres, sete, dez, trinta ou mais. A serie de trinta tornou-se famosa
com o nome de "Missas gregorianas", baseadas no seguinte episodio narra
do por S. Gregorio Magno, outrora monge no mosteiro do Monte Celio (Roma):
Certo monge chamado Justo morreu; após o qué, foram descober-
tas tres moedas de ouro ocultas entre os seus objetos de uso; tratava-se
de algo de ¡lícito no mosteiro. O Abade Gregorio muito se entristeceu
com o fato, pois o irmáo havia falecido em situacáo irregular; devia purificar
se dessa falha no purgatorio postumo. Chamou entáo o monge Prior e man-
dou-lhe que fizesse celebrar uma serie de Missas em dias consecutivos sem
interrupcáo. A ordem foi sendo executada, de tal modo que certo dia o fale
cido monge Justo apareceu a seu irmáo Copioso (monge do mesmo mostei
ro), comunicando-lhe que havia sofrido as penas do purgatorio até aqueie
dia, em que fora libertado; os monges haviam perdido a conta das Missas;
todavía, ao ouvirem a noticia trazída por Copioso, verifícaram que o fato
ocorrera após a celebracáo da trigésima Missa (ver Diálogos, lívro IV, 55).
Este episodio tornou-se paradigma, dando origem ao costume de
se celebrarem trinta Missas consecutivas por um defunto, sem interrup-

93
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

cao, na esperanca de que, após a trigésima Missa, este, tendo expiado


as suas faltas, entre no gozo da visáo beatífica.

Á "serie gregoriana" nao se devem atribuir efeitos supersticiosos


ou mágicos; a Igreja deixa a cada fiel a liberdade de aceitar ou nao tal
prática, que nada contém de herético, mas se deriva de revelacáo parti
cular. O próprio S. Gregorio Magno escrevia:

"É mais seguro alguém fazerpor si mesmo, enquanto vivo, o bem


que espera ser-lhe feito, depois de moño, pelos outros; é melhor livre
partir desta vida do que como prisioneiro, depois da morte, procurar a
liberdade" (Diálogos, livro IV 58).

Com estas palavras, S. Gregorio Magno rechacava qualquer atitude


de magia ou supersticáo, ensinando a vivencia sacramental clássica no de-
correr desta vida.

(Continuacáo da pág. 96):

origem e o destino dos homens. É lícito, sim, ao dentista instituir suas pes
quisas genéticas desde que guarde sempre o respeito á pessoa humana.
Os criterios moráis para se julgarem as novas experiencias sao dois:
a) a vida do ser humano nao é apenas o resultado de reacóes físi
co-químicas, mas é o patrimonio de alguém chamado á eternidade;
b) a transmisslo da vida humana foi, pela natureza, associada ao
amor conjugal, que é sempre pessoal e consciente; por conseguinte, nao
deve ser realizada fora do contexto conjugal.
Ver também encíclica "O Evangelho da Vida" n9 63, de Joáo Paulo II.
É de notar que a ciencia mesma levanta a voz a propósito. Eis a
noticia do JORNAL DO BRASIL, 27/10/99, p. 12
Médicos reagem a leiláo de óvulos
Londres - Especialistas em fertilidade humana dos dois lados do Atlán
tico protestam contra a criacáo na Internet de um site em que muiheres
jovens e bonitas leiloam seus óvulos. A idéia é do fotógrafo Ron Harris, de
66 anos, cujo trabalho aparece em alguns enderecos de pornografía na rede.

"É um desservico, um daño irreparável á imagem pública dos trata-


mentos de fertilidade", criticou Tlm Hedgley, maior instituicáo beneficente
relacionada a questáo na Grá-Bretanha. "É antiético e cafona", afirmou
Sean Tipton, porta-voz da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva
á TV BBC. "Nao apoiamos o tráfico de órgáos."
A lei americana proíbe a compra e venda de órgáos, mas nao de
esperma ou óvulos. Já a Autoridade em Fertilidade e Embriología Huma
na da Grá-Bretanha pretende regulamentar a doacáo de esperma e óvulos
humanos para evitar a formacáo de um mercado como nos Estados Unidos.

94
Ciencia e Ética:

EM BUSCA DO BEBÉ PERFEITO

Em síntese: As recentes técnicas de fecundagáo artificial reduzem


a reprodugáo humana á categoría de mero processo de bioquímica, pri
vado da sua característica típica, que é o amor comprometido de um ho-
mem e urna mulher. A Moral católica se opóe a tais procedimentos nao
somente em nome da lei de Deus, mas também em nome da dignidade
humana, que nao pode ser equiparada a um objeto de comercio.
* * *

Sao cada vez mais ousadas as técnicas de Reproducáo Assistida,


que reduzem o ser humano a objeto fabricado artificialmente segundo o
gosto dos adultos. Jomáis e revistas o noticiam em ampia escala; dos
periódicos do Brasil seja extraída a seguinte noticia publicada por VEJA
em sua edicáo de 3/11/99, pp. 122 e 124.
«Cena realde urna clínica de reproducáo artificial no Brasil: umcasal rece
be um catdápio de doadores do banco de semen e nele encentra ofertas varia
das. Umprofessorde origem libanesa que adora suríarou um escriváo de ascen
dencia espanhola cuj'o hobbyé estudar filosofía. A lista informa queoprofessoré
católico e o escríváo, mugulmano. Descreve seus tipos sanguíneos e relaciona
peso, altura e cor dos olhos. O casal estuda as opedes, faz sua escolha e, pelo
equivalente a 150 dólares, adquire a amostra que dará origem a seu futuro bebé.
Ousadias reprodutivasjá foram cena de fílme e fomeceram materia! para
romances de fíceáo científica. Agora estáo sendo 'urna a urna' superadas pela
realidade. No admirável mundo novo das clínicas com seus bancos de semen e
catálogo de doadores de óvulos, fazem-se as mais incríveis combinagóes. Tía
que gera a sobrínha porque a cunhada morreu. Embrides congelados, órfios de
pais millonarios vítimas de acidentes cuja fortuna ninguém sabe para onde val.
Mulheres que brigam com seus maridos por discordar da cor dos olhos ou da
textura dos cábelos do doadordo semen que vaipermitir o nascimento doprimei-
ro fílho do casal. Ou o paide origem árabe que manda jogarno lixo tres embrides
sadios prontos para ser implantados na mulher infértil - apenas porque eram do
sexo feminino. Perto disso tudo, ajogada de marUeting do fotógrafo americano
Ron Harris, que abriu na semana passada um leiláo... de óvulos de tres belas
modelos, empalidece. Harris, umsujeitodepassadoduvidoso, suspeito de patro
cinar sites de pornografía na California, pede um mínimo de 15.000 dólares por
óvulo de suas beldades... Existem centenas de mulheres oferecendo-se para
doar óvulos na intemet. Harris é o primeiro a admitir abertamente ser apenas um
intermediario e que os óvulos trocarao de útero mediante pagamento em dolares.
Cobrar para ser máe de aluguel ou doar óvulos sao práticas comuns no mundo
da reproducáo artifícial, embora difícilmente se encontré quem abra ojogo sobre
elas. Talvez por isso o despudorado Harris tenha atraído tanta publicidade.

95
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 453/2000

Milhares de bebés de proveta nascem no mundo todos os anos. O


Brasil é um dos países mais ativos nessa área. Os pais, médicos e doadores
envolvidos no processo, é natural, discutem as condigóes de seguranga das
intervengóes. O que pouco se comenta é que se conversa também anima
damente sobre as características físicas e até psicológicas que se desejam
ver no bebé. Olhos azuis? Cábelos loiros e lisos? Tendencias ao esporte?
Pendorpara a matemática? Tudo isso épossívelarranjar com alguma dose
de certeza... A ciencia}á arma botes aínda mais ousados, como a possibili-
dade de concepgao totalmente sem a participagáo da mae na gestagáo da
crianga. Existem ¡numeras experiencias em andamento de criagáo de úteros
artificiáis. A mais avangada até agora é feita no Japáo. Quando forpossível
gestar um bebé do embriao ao nascimento fora do útero, a medicina terá
dado um salto no escuro. Éo ambiente uterino que impede que as mutagdes
de DNA, sejam elas aleatorias ou fabricadas artificialmente, produzam seres
monstruosos. A embriologia, como um engenheiro rigoroso, costuma matar
as aberragóes arquitetadas pela genética. É a grande forca mediadora da
evolugáo dos animáis superiores. Um útero artificial, para a perplexidade
geral, permitiría o nascimento de qualquer criatura mesmo a mais antinatural».
Que diz a Moral católica?

A posicáo da Moral católica frente as novas tentativas de fecundacáo arti


ficial está formulada na Instrucáo Donum Vitae (O Dom da Vida), promulgada
pela Congregacáo para a Doutrina da Fé, órgáo da Santa Sé, aos 22/02/87.
Tal documento afirma que a ciencia e a técnica contemporáneas,
poderosas e fascinantes como sao, estáo subordinadas á Ética, de modo
que devem reconhecer seus limites ditados pelo respeito á dignidade
humana. Com outras palavras: a ciencia está subordinada á consciéncia
moral e deve assim contribuir para o engrandecimento do homem e a
gloria do Criador, e nao se voltar contra a pessoa humana (como pode
acontecer nos casos da ecología e da energía nuclear). Por conseguinte,
os muitos Nao que a Igreja formula diante de certas técnicas de reprodu
jo, vém a ser um Sim dito ao homem e á sua inconfundível dignidade;
é, pois, o amor da Igreja ao homem, inseparável do amor a Cristo, que
move a Igreja a se pronunciar sobre a complexa questáo biogenética.
Mais: a pessoa humana, embora conste de um corpo constituido
por tecidos e órgáos, como o do demais animáis, nao pode ser tratada
como estes. De modo especial, a procriacáo humana está ligada a valo
res que nao se encontram em nenhum outro vívente criado. A corporeídade
no homem está integrada num conjunto que também é espiritual; em
conseqüéncia, quem toca o corpo, toca a pesoa com seus aspectos espi-
rituaís e transcendentais; criado á imagem e semelhanca de Deus, o ho
mem é chamado a se realizar plenamente em Deus. Isto quer dizer que
nenhum biólogo ou médico pode, em nome da ciencia, decidir sobre a
(Continua na pág. 94)

96
Ediles "Lumen Christi"

CálT AB EXCELSIS é um CD de música sacra interpretada por D. Félix


Ferrá, osb, contendo arranjos instrumentáis de quatorze composicóes de
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gregoriano.
Quatrocentos anos de trabalho e louvor em 20 minutos, frutos da paz e paciencia beneditina.
Roteiro e locucáo: Dom Marcos Barbosa, OSB.
Producáo: Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro

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católica. (Coletánea de artigos publicados na revista "O Mensageiro de Santo Antonio")
2a edicáo. 165 págs. 1997 RS 7,00.
- CATÓLICOS PERGUNTAM. Coletánea de artigos publicados na secáo de cartas da
revista "O Mensageiro de Santo Antonio". 1997. 165 págs R$ 7,00.
- PÁGINAS DIFÍCEIS DO EVANGELHO. (O livro oferece-nos um subsidio seguro para
esclarecer as dúvidas mais freqüentes que se levantam ao leitor de boa vontade, trazen-
do-nos criterios claros e levando-nos a compreender que todas as palavras de Cristo sao
de aplicacáo perene e universal), 2- edicáo. 1993, 47 págs R$ 7,00.
- COLETÁNEA - Tomo I - Obra organizada por Dom Emanuel de Almeida, OSB e Dom
Matías de Medeiros, OSB. Publicacáo da Escola Teológica da Congregacáo Beneditina
do Brasil. Esta obra foi feita em homenagem a Dom Estéváo. Além do esboco bio-
bibliográfico de Dom Estéváo, encontram-se artigos de amigos e admiradores de Dom
Estéváo. Sao professores da Escola Teológica, do Pontificio Ateneu de Santo Anselmo
em Roma, que ministraram varios cursos nesta e outros que o estimam. Sumario: His
toria, Bíblica, Histérico-Dogmática, Dogmática, Canónica, Litúrgica, Pedagógica, Litera
ria e Noticias Biográficas. 1990. 315 págs RS 14,50.
- DIÁLOGO ECUMÉNICO, TEMAS CONTROVERTIDOS. Seu autor, D. Estéváo
Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica controversia entre católicos e
protestantes, procurando mostrar que a discussáo no plano teológico perdeu muito de
sua razáo de ser, pois, nao raro, versa mais sobre palavras do que sobre conceitos ou
proposicóes. 3a edicáo. 1989, 380 págs R$ 18,40.

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Fiore, traducáo de D. Hildebrando P. Martins OSB. Edicao ampliada e atualiza-
da, apresenta em lingua'gem simples toda a doutrina da Constituicao Litúrgica
do Vat. II. É um breve manual para uso de Seminario, Noviciados, Colegios,
Grupos de reflexáo, Retiros, etc., 216 págs R$ 7,90.

4. DIÁLOGO ECUMÉNICO, Temas controvertidos. 3a Edicáo.


Seu Autor, D. Estéváo Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica
controversia, entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discus-
sáo no plano teológico perdeu muito de sua razáo de ser, pois, nao raro, versa ■
mais sobre palavras do que sobre conceitos ou proposicóes - 380 páginas.

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te a Escritura? - 3. Somente a fé? Nao as obras? - 4. A SS. Trindade, Fórmula
paga? - 5.0 primado de Pedro - 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento - 7. A
Confissáo dos pecados - 8. O Purgatorio - 9. As indulgencias - 10. María,
Virgem e Máe - 11. Jesús teve ¡rmáos? - 12. O Culto aos Santos - 13. E as
imagens sagradas? -14. Alterado o Decálogo? - 15. Sábado ou Domingo? -
16.666 (Ap. 13,18) -17. Vocé sabe quando? - 18. Seita e Espirito Sectario -
19. Apéndice geral: A era Constantina R$ 18,40.

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