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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanza a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
¡ aborda questóes da atualidade
'l controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
1 dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
-" este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xli Maio 2000 456
A Parábola do Jarro Fissurado

Os Mártires do século XX

O Nazismo e a Igreja de 1933 a 1939

E os icones?
O veráo do "topless"

E o nudismo?

Jesús ou lerroshua ou Yehoshua?


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MAIO 2000
Publicagáo Mensal N°456

Diretor Responsável
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB A Parábola do Jarro Fissurado 193
Autor e Redator de toda a materia
Multidáo:
publicada neste periódico
Os Mártires do sáculo XX 194

Diretor-Administrador: Ainda Pió XII e a sua época:


D. Hildebrando P. Martins OSB O Nazismo e a Igreja de 1933 a 1939 208

Nao as imagens?
Administra9áo e Distribuicáo:
E os icones? 219
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Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar-sala 501 A moda evolui...

Tel.: (021) 291-7122 O veráo do "topless" 226

Fax (021) 263-5679 Um passo adiante:


E o nudismo? 232
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Ed. "Lumen Christi*
Jesús ou lerroshua ou Yehoshua? 239
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NO PRÓXIMO NÚMERO:

Ela reconheceu Jesús através das Escrituras. - Aprovacáo de escritos na Igreja. - «A


confissáo e o Perdáo» (J. Delumeau). - A formacáo da consciéncia. - A Comunháo
Eucarística na máo. - Ora9áo Mariana do século III. - Curso em Milagres. - Dinastía: que
é?

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A PARÁBOLA DO JARRO FISSURADO

Um vendedor de agua ia todos os días ao río, enchia os seus dois jarros e


voltava para a cidade, a fim de distribuirá agua aos seus clientes.
Um dos jarros estava fissurado e, poristo, deixava pingar muita agua, ao
passo que o outro, novo como era, dava mais lucro ao patráo. O pobre fissurado
sentia-se inferior.

Certa manhá resolveu fazersua confidencia ao patráo.


"Sabes, disse ele, estou consciente dos meus limites. Perdes dinheiro por
causa de mim, pois estou vaziopela metade quando chegamos á cidade. Perdoa
as minhas fraquezas".

No dia seguinte, quando caminhava até o rio, o patráo interpelou o jarro


fissurado e disse-lhe:
"- Olha para a margem da estrada.
- É bonita, está cheia de flores.
- Isto acontece gragas a ti, replicou o patráo. És tu que, todas as manhás,
regas a borda da estrada. Comprei um pacotinho de sementes de flores e se-
meei-as ao longo da estrada; eis que tu, sem o saber e sem o querer, tu as regas
todos os días.

Jamáis esquegas: somos todos nos um tanto fissurados, mas Deus, se


nos Iho pedimos, sabe fazer maravilhas com as nossas fraquezas".
Tal parábola teve origem na Tunísia (Norte da África) e, como se percebe,
é muito rica de significado:

1) Todos somos fissurados ou temos fraquezas.


2) Isto pode causar desánimo ou depressáo.
3) Todavía quem tem a coragem de reconhecer sua miseria e ousa pedir a
Deus que a utilize para realizar seu plano de salvacáo, pode tornar-se instrumen
to de maravilhas. Ele é o todo-poderoso, que se serve de qualquer criatura para
executarseus santos designios. Dizia sabiamente S. Inácio de Loiola em oracáo:
"Dá-me táo somente o amor a Ti e a tua graca, e serei suficientemente rico; nem
Te pego outra coisa".

4) Reconhecer a própria fraqueza é doloroso, mas certamente muito sa-


dio, pois quem a reconhece se volta para Deus mais conscientemente e por Ele
é preenchido. Ao contrario, quem nao se reconhece fraco, se fecha em si mesmo
e definha em sua própria miseria.

5) "O justo vive da fé", diz Sao Paulo (Rm 1,17). O justo vive dando crédito
ao paradoxo de que "é na fraqueza do homem que a forca de Deus manifesta
todo o seu poder" {2Cor 12, 9). Persevere nessa caminhada de claro-escuro e
um dia chegará á plena luz; entáo tomará consciéncia de que realmente "quando
sou fraco, entáo é que sou forte" (2Cor 12,10). Verá que é pela humildade vivida
cada dia na presenca do Senhor que o cristáo se torna instrumento do sabio
plano de Deus na historia da humanidade.
E.B.

193

PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLI - N9 456 - Maio de 2000

Multidáo:

OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX

Em síntese: O presente artigo considera o fato do martirio no sé-


culo XX, paralelo ao dos primeiros séculos. A Igreja quer reconhecer e
homenagear os heróis da fé, que sofreram em campos de concentragáo,
prísóes e outras ocasióes, e dos quais alguns aínda vivem, merecendo
toda a estima dos contemporáneos.
* * *

A historia se repete. O passado, que parecía definitivamente ultra-


passado, retorna com modalidades novas. É o que se dá com a época
dos mártires de 64 a 313, em que o Imperio Romano levou á morte mui-
tos milhares de cristáos. O século XX fez que os cristáos revivessem a
era do martirio nao mais com anfiteatros e feras, mas em campos de
concentracáo, masmorras solitarias, fuzilamento... Conforme o Papa Joáo
Paulo II, é dever da Igreja recordar este fato e comemorar os heróis que
faleceram por fidelidade a Cristo em quatro continentes do mundo con
temporáneo:

«Estes dois mil anos depois do nascimento de Cristo estáo marca


dos pelo persistente testemunho dos mártires.
Também este século, que caminha para o seu ocaso, conheceu
numerosíssimos mártires, sobretudo por causa do nazismo, do comunis
mo e das lutas raciais ou tribais. Sofreram pela sua fé pessoas das diver
sas condigóes sociais, pagando com o sangue a sua adesáo a Cristo e a
Igreja ou enfrentando corajosamente infindáveis anos de prisáo e de pri-
vagóes de todo género, para nao cederem a urna ideología que se trans-
formou num regime de cruel ditadura. Do ponto de vista psicológico, o
martirio é a prova mais eloqüente da verdade da fé, que consegue dar
um rosto humano inclusive á morte mais violenta e manifestara sua bele-
za mesmo ñas perseguigóes mais atrozes.

194
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX

Inundados pela graga no próximo ano jubilar, poderemos mais


vigorosamente erguer ao Pai o nosso hiño de gratidáo, cantando: Te
martyrum candidatus laudat exercitus (o exército resplandecente dos
mártires canta os vossos louvores). Sim, é o exército daqueles que 'lava-
ram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro' (Ap 7, 14).
Porisso, a Igreja espalhada por toda a térra deverá permanecer ancora
da ao seu testemunho e defender zelosamente a sua memoria. Possa o
povo de Deus, revigorado na fé pelos exemplos destes auténticos cam-
peóes de diversa idade, língua e nacáo, cruzar confiadamente o limiardo
terceiro milenio. Á admiragáo pelo seu martirio associe-se, no coragáo
dos fiéis, o desejo de poderem, com a graga de Deus, seguir o seu exemplo,
caso o exijam as circunstancias» (Bula Incarnationis Mysterium n° 13).

Eis por que, ñas páginas subseqüentes, proporemos um breve


quadro do martirio no século XX.

1. Martirio: que é?

A palavra mártir vem do grego mártys, mártyros, que significa


testemunha. O mártir é urna testemunha qualificada que chega ao der-
ramamento do próprio sangue. O Papa Bento XIV assim se exprime:

"O martirio é a morte voluntariamente aceita por causa da fé crista


ou por causa do exercício de outra virtude relacionada com a fé".

O Catecismo da Igreja Católica § 2473 retoma o conceito:

"O martirio é o supremo testemunho prestado á verdade da fé; de


signa um testemunho que vai atea morte".

O Concilio do Vaticano II desenvolve tal nocáo:

«Visto que Jesús, Filho de Deus, manifestou Sua caridade entre


gando Sua vida por nos, ninguém possui maior amor que aquele que
entrega sua vida por Ele e seus irmaos (cf. Uo 3, 16; Jo 15, 13). Porisso,
desde o inicio alguns cristáos foram chamados - e alguns sempre seráo
chamados - para dar o supremo testemunho de seu amor diante de to
dos os homens, mas de modo especial perante os perseguidores. O mar
tirio, por conseguinte - pelo qual o discípulo se assemelha ao Mestre,
que aceita livremente a morte pela salvagáo do mundo, e se conforma a
Ele na efusáo do sangue - é estimado pela Igreja como eximio dom e
suprema prova de caridade. Se a poucos é dado, todos, porém, devem estar
prontos a confessar Cristo perante os homens, segui-lo no caminho da cruz
entre perseguigóes, que nunca faltam a Igreja» (Lumen Gentium n" 42).

A propósito deve-se notar o seguinte:

O martirio é urna graca que tem sua iniciativa em Deus. Nao com
pete ao cristao procurar o martirio provocando os adversarios da fé. A

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

Igreja sempre condenou esse comportamento, pois seria presuncoso


(quem pode ter certeza de suportar corajosamente os tormentos do mar
tirio?); além do qué, seria provocar o pecado do próximo ou dos algozes.

Para que haja martirio propriamente dito, requer-se que o cristáo


morra livremente, ou seja, aceite conscientemente o risco de morrer por
causa da sua fé. A aceitacáo da morte pode ser explícita, como no caso
em que o perseguidor deixa a escolha entre renegar a fé (ou urna virtude
relacionada com a fé) e a morte. A aceitacáo livre pode ser implícita
quando a pessoa sabe que o seu compromisso cristáo pode levá-la até a
morte e, nao obstante, é fiel a esse compromisso.

Para que a Igreja declare oficialmente que alguém é mártir da fé,


sao efetuadas pesquisas a respeito de

- a verdadeira causa da morte: pode ser que um cristáo seja con


denado á morte nao por ser cristáo, mas por estar envolvido em alguma
campanha política ou de outra ordem;

- a livre aceitacáo da morte por parte da vítima;

- grasas ou milagres obtidos por intercessáo do(a) servo(a) de Deus.

O processo é iniciado na diocese á qual pertencia a vítima ou na


qual ela foi levada á morte. Continua e termina em Roma, na Congrega-
cáo para as Causas dos Santos.

O martirio é algo táo antigo quanto a pregacáo da Palavra de Deus.


Já ocorreu na historia dos Profetas do Antigo Testamento. No século II
a.C. os irmáos macabeus sofreram a morte cruenta por causa da sua fé
(cf. 2Mc 7, 1-42), assim como o escriba Eleazar (cf. 2Mc 6, 18-31). O
martirio teve seu ponto alto em Jesús Cristo. Santo Estéváo é o primeiro
mártir do Cristianismo após Jesús Cristo (cf. At 7,55-60). No fim do sécu
lo I o Apocalipse fala de "¡mensa multidáo, que ninguém pode numerar,
daqueles que lavaram e alvejaram suas túnicas no sangue do Cordeiro"
(cf. Ap 7,9.14). Em síntese, Sao Paulo afirma que 'lodos aqueles que quise-
rem viver com piedade em Cristo Jesús, seráo perseguidos" (2Tm 3,12).

2. O Martirio no século XX

O martirio, táo presente em nosso século como em nenhum outro,


tem suas características próprias, assaz paradoxais:

1) Este é o século em que as autoridades mais se preocuparam


com nao fazer mártires cristáos. Assim o nacional-socialismo alemáo
condenou muitos fiéis católicos nao por causa da sua fé, mas por moti
vos políticos. Do lado marxista, Stalin recomendava aos chefes de regi-
me comunistas que nunca pusessem a luta contra a Igreja no plano reli-

196
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX

gioso, mas sempre no plano político, como fazia Himmler na Alemanha.


O aparato jurídico soviético dispunha de dezenas de leis e decretos des
tinados a envolver os religiosos em tramas de ordem civil e política, e
nunca de ordem religiosa.

O Cardeal Alexandre Todea, cabeca da Igreja Católica na Roménia,


viu a liquidacáo da Igreja em 1948. Tornou-se pastor clandestino de seus
fiéis. Em abril de 1952, em Bucarest, o general Nikolki, chefe da Securitate,
chamou-o á sua presenca depois que o Cardeal foi descoberto e preso, e
disse-lhe:

"Já que ninguém no século XX morre por causa da sua fé, o Sr.
deve reconhecer que quis aniquilar os comunistas".

Respondeu-lhe o Cardeal: "Antes disso, posso chamar um psiquia


tra?"

- "Para qué?"

- "Para averiguar qual de nos dois é louco: o senhor ou eu?"

O Cardeal foi finalmente condenado á morte "como lacaio do Vati


cano e inimigo do comunismo, constituindo urna ameaca para o novo
estilo de vida que leva ao povo a felicidade".

2) O martirio incruento... Muitos fiéis foram sujeitos á tortura físi


ca, psíquica e moral mais requintada possível sem chegar a morrer. O
encerramento em campos de concentracáo, com todo tipo de maus tra
tos, podia durar dez, vinte, trinta ou mais anos, exigindo coragem e tena-
cidade sobre-humanas. E, apesar de tudo, nao lograram o título de már
tires (apesar de terem sofrido crudelíssimos tormentos). Conta um sacer
dote sobrevivente de um campo de concentracio:

"Se eu soubesse o que me aguardava no campo de concentracáo,


eu teña preferido ser fuzilado. Mas, ao contrario, eu me alegren Se eu
tivesse sido fuzilado como tantos outros sacerdotes, teña sido um mártir.
Hoje tratase de beatificar um ou outro deles, e eu, que sofri por muito
mais tempo do que eles, aínda posso cometer desatinos sobre a térra".
3) Há aqueles que morreram desconhecidos, como vítimas de
violencia e maus tratos. Ninguém o testemunhou para poder proclamar
seu heroísmo e sua gloria. Nao tiveram a graca de confessar frente ao
mundo o nome de Jesús, embora tenham morrido por causa dele.

Os mártires do século XX foram, muitas vezes, ignorados... na Ale


manha, na URSS, na China, em Cuba... Em parte, isto se deu por causa
da censura das noticias que saiam de tais países; nao era (nem é hoje
ainda) possível saber o que acontece nos bastidores de um país totalita
rio. Em parte, também se deve á onda de secularismo que tem passado

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

pelas nacóes em que há liberdade religiosa: o consumismo e o bem-


estar tém levado muitos cristáos a querer atenuar a loucura e o escánda
lo da fé, afastando os homens de Cristo e da Igreja.

3. Um caso especial: a Albania

3.1. A Perseguicio

Em 1945 a Albania tornou-se urna República Popular sob a chefia


de Enver Hoxha, que empreendeu violenta opressáo religiosa contra cris
táos e muculmanos. A Igreja Católica entáo contava 124.000 fiéis num
tota! de um milháo de habitantes, mas a sua irradiacáo ia muito além do
número de fiéis. A perseguicáo desencadeou-se primeiramente contra
os Bispos, os Religiosos e os missionários estrangeiros; os fiéis que os
defendiam, foram presos, torturados e, ás vezes, mortos por recusarem
denunciar publicamente os pretensos crimes do clero. Essa primeira onda
persecutoria visava tanbém a cortar o relacionamento do clero com a
Santa Sé mediante argumentos e promessas sedutoras. Os clérigos re-
sistiram; entáo Enver Hoxha, a conselho de Stalin, resolveu eliminar radi
calmente a Igreja Católica. Em 1948 só restava um Bispo católico em
vida ñas montanhas do Norte do país. Ficavam ainda urnas poucas de-
zenas de presbíteros, que procuravam atender á Liturgia dominical, pas-
sando de urna paróquia a outra sob a permanente ameaca de
encarceramento ou de execucáo sumaria.

A situacáo em breve se modificou quando o governo albanés rom-


peu com a lugoslávia; precisava de se consolidar interiormente; daí tra-
var negociacóes com a Igreja em busca de um modus vivendi. Em 1951
Enver Hoxha aceitou firmar um tratado com Mons. Shilaku, reconhecen-
do os lacos da Igreja na Albania com Roma. Todavía o texto oficial publi
cado pelo governo albanés nao correspondeu ao que fora estipulado ñas
conversacóes. Houve entáo protestos da parte de sacerdotes, que foram
assassinados ou enviados para campos de concentracáo. Apesar de tudo,
o povo católico nao renunciava a viver a sua fé.

Entre 1952 e 1967 a situacáo se estabilizou entre repressáo gover-


namental e resistencia dos fiéis. Todos os anos um sacerdote ou urna
Religiosa morria em prisáo ou em campo de concentracáo. Quem estava
em campo de concentracáo, era retirado, por vezes, para comparecer a
urna sessáo de humilhacáo pública ñas rúas das grandes cidades.

Aos 6/02/1967 Enver Hoxha dirigiu um discurso a toda a nacáo,


incitando a juventude albanesa a levar a termo a luta "contra as supersti-
coes religiosas". Os guardas vermelhos da Albania, á semelhanca dos
da China, foram encarregados dessa revolucáo cultural. As igrejas, os
conventos, as mesquitas foram tomados de assalto, profanados, saque
ados, incendiados, destruidos ou transformados em depósitos, lojas ou

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OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX

apartamentos. Em oito meses 2169 lugares de culto foram assim extin


tos. Aos 22/11/1967, a Gazette, órgáo oficial do governo albanés, publi-
cou um decreto que anulava todos os acordos entre confissoes religiosas e
o Estado. A administracao dos sacramentos, os rituais e as preces públicas
foram proibidos sob pena de graves sancoes. Os últimos membros do clero
e os Religiosos foram presos, espancados em público, humilhados, intima
dos a apostatar e, na maioria, enviados para campos de concentracáo. Nao
houve, porém, urna única defeccáo da parte de sacerdotes católicos.

O governo foi mais além... Pós-se a atacar qualquer objeto, símbo


lo ou gesto que pudesse ter significado religioso até mesmo na intimida-
de da familia. Tenha-se em vista o seguinte caso: os católicos albaneses
costumam iniciar suas refeicóes tomando um copo de raki, sua bebida
preferida, e levantando a taca com as palavras: "Louvado seja Jesús Cris
to!". Pois bem, a partir de 1967 tais dizeres podiam custar cinco anos de
prisáo. Os(as) professores(as) de escolas maternais perguntavam as cri
anzas se sabiam fazer o sinal da cruz; caso alguma enanca demonstras-
se sabé-lo, os seus genitores eram punidos até com cinco anos de pri
sáo. Era proibido fabricar tercos com graos de girassol, como fazem os
camponeses da Albania. Era interditada a Radio Vaticana, que todas as
nortes tinha emissóes em língua albanesa. Em 1975 foram excluidos tam-
bém todos os nomes que pudessem lembrar a religiáo: Benedito(a), Pe
dro, Paulo, Maria, Joana...

Nao obstante, houve familias que continuaram a transmitir a fé a


seus filhos de maneira secreta. Alguns poucos sacerdotes clandestinos
ainda celebravam os sacramentos as ocultas. Nos campos de concen
tracáo, os padres batizavam os adultos que o desejassem; caso fossem
descobertos, como o foi o Pe. Kurti, eram executados.

Apesar de toda essa repressáo religiosa, nao se viu surgir o ho-


mem novo albanés exaltado pelos discursos de Enver Hoxha; a vida de
fé prosseguiu clandestinamente, enquanto o país foi afundando na mise
ria ainda hoje perceptível.

Urna auténtica filha da Albania, Madre Teresa de Calcuttá via essa


realidade com olhos confiantes na Providencia Divina. Assim, ao receber
o Premio Nobel da Paz em 1979, declarou:

"Creio que a Igreja na Albania está vivendo a experiencia de sexta-


feira santa, mas nossa fé nos ensina que a vida de Cristo nao terminou
na sexta-feira santa, e, sim, se consumou na Ressurreigáo. Nosso povo
albanés há de guardar esta verdade na sua mente. Tal é o segredo da
paciencia crista..."

Os primeiros sinais de distensáo religiosa ocorreram após a morte


de Enver Hoxha. Mas somente em novembro de 1990 (um ano após a

199
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

queda do Muro de Berlim), o Pe. Simón Jubani um dos raros sobreviven-


tes, celebrou a primeira Missa pública após 1967, correndo ainda o risco
da própria vida. Em breve, porém, pode batizar urna centena de adultos.
O regime comunista recuou, como nos demais países da Europa, e aos
fiéis foi concedida a liberdade de crenca.

Com dificuldade a Albania procura reerguer-se. Ainda há violencia


no interior do país, agravada em 1998 e 1999 pelas guerras nos Baleas.

3.2. Algumas das vítimas

1) Cyprian Nika

Cyprian Nika era o padre Provincial dos Franciscanos da Albania.


Após algumas semanas de cárcere e torturas, foi levado á presenca de
oficiáis do Estado para discutir sobre a existencia de Deus. Disse-lhes:
"Como ser humano pensante, creio que existe algo após esta breve exis
tencia na térra, em que o bem e o mal encontrarlo a respectiva sancáo.
Algo que ultrapassa os limites da natureza humana, algo de sobre-huma
no, de sobrenatural, em que o mal e a injustica nao teráo lugar". Nao Ihe
foi dado acabar o seu discurso, pois os seus interlocutores perderam a
paciencia e puseram-se a injuriá-lo. Um deles exclamou: "Meu deus é
Enver Hoxha!". O Religioso orou entáo: "Faca-se a tua vontade!". Foi
fuzilado pouco depois.

2) Daniel Dajani

Quando andava por urna das rúas da cidade de Shkodér com um


dos seus seminaristas, o Pe. Daniel Dajani foi interpelado por agitado
res, que o ¡nsultaram. Continuou a caminhar sem responder. Mas o jo-
vem seminarista, perturbado, nao conseguiu recuperar a calma. O Pe.
Daniel disse-lhe: "Caro Lazér, eles vieram com espingardas, mas foram
embora com amor". Finalmente o Pe. Daniel foi preso e testemunhou
diante dos seus juízes: "Desde a infancia tenho fé e estou pronto a mor-
rer para dar testemunho da minha fé". Foi entáo executado juntamente
com Mozafer Pipa, o jovem advogado muculmano que o defenderá.

3) Ded Macaj

Este jovem sacerdote de 28 anos foi condenado á morte após um


processo simulado. Declarou diante do pelotáo que o executou: "Perante
Deus, em cuja presenca vou comparecer em breve, e perante voces,
caros soldados, declaro que sou assassinado táo somente por causa do
odio á Igreja Católica. E eu o digo sem amargura nem odio para com
aqueles que me váo fuzilar".

4) Mikel Betoja

Este jovem sacerdote clandestino foi depreendido a celebrar a Missa


as ocultas numa aldeia. Foi logo condenado a quinze anos de campo de

200
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX

concentracáo por motivo de "agitacáo e propaganda". Professou entáo


sua fé em público. Em conseqüéncia a sua sentenca foi logo trocada
pela de condenacáo á morte. Executaram-no aos 10/02/74.
5) Ded Malaj

O jovem vigário de Dajc foi fuzilado as margens do lago de Shkodér


por ter continuado a exercer o seu ministerio. Os fiéis que o defenderam,
foram mandados para campos de concéntraselo. Acontece, porém, que
trinta anos depois a aldeia continua fiel á sua fé católica.
6) Leonardo Shajakaj

Sacerdote de 76 anos de idade, recusou dizer o que ouvira em


confissáo. Foi executado por causa deste "crime" em 1964.
7) Mons. Gjergj Volsj

Fora o mais jovem Bispo do mundo. Recusou-se a romper com


Roma. Foi entáo preso e torturado durante meses. Na véspera de ser
executado, recebeu a visita de sua máe, que chorou. Mas o filho Ihe dis-
se: "Máe, nao chores por causa doteu filho; antes, chora por todo o povo".
4. O Recenseamento

O Santo Padre Joáo Paulo II nomeou urna Comissáo destinada a


recensear e conservar a memoria dos mártires do século XX. A tal Co
missáo foi confiada urna tríplice tarefa:

- elaborar um catálogo dos mártires do século XX;


- preparar a comemoracáo desses mártires {marcada para 7/05/
2000);

- aprofundar a contribuicáo espiritual que trouxeram á Igreja.


Já mais de dez mil relatos de martirio ocorrido nos diversos conti
nentes chegaram a Roma, alguns redigidos em duas linhas, outros em
centenas de páginas; chegaram em cerca de dez línguas diferentes, que
é preciso traduzir para o italiano e passar para o computador num pro
grama especial de informática. 45% desses relatos vém de Conferencias
Episcopais e 40% de Congregacóes ou Ordens Religiosas.
Coloca-se urna questáo nova a propósito do conceito de mártir:
será mártir somente quem morre por odio á fé ou pode ser tido como
mártir aquele que passou anos em cárcere ou em campo de concentra-
cao, tendo sofrido cruéis tormentos, mas foi posto em liberdade ainda
vivo? Houve, na reaiidade, Bispos, como Mons. Velychkovskyj na Ucrania
e Mons. Fishta na Albania, que foram libertados da prisáo quando estavam
gravemente enfermos por causa das torturas e dos maus tratos e morreram
pouco depois; podem ser equiparados aos mártires no sentido clássico?

201
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

As respostas enviadas aos questionários emitidos pela Comissáo


foram assaz diversas. Em setembro de 1998, a Igreja da Espanha tinha
mandado 2075 relatónos; a da Franca, dez. Depois a Franca enviou mais
cinqüenta relatónos e a Espanha mais 2000 novos relatónos; a Coréia,
200; a Polonia, 900. Quanto aos países dominados por governo
anticatólico (Vietnam, China, Sudáo...), tém-se manifestado tímidamente
- o que bem se entende, dado o controle das autoridades civis.
É de notar ainda que em Jerusalém existe o Instituto Yad-Vashem,
fundado em 1953 para recensear os nomes de pessoas nao israelitas
que ajudaram ou salvaram judeus perseguidos, com risco para a sua
própria vida; esses beneméritos recebem o título de "Justos das Nacóes",
que "amaram o próximo como a si mesmos". Na Europa 12000 justos
foram assim reconhecidos e muitos ainda ficam no anonimato. A justifi
cativa apresentada para a exaltacáo desses nomes é que "todo aqueie
que salva urna vida salva o universo todo inteiro".
5. O Perdáo aos Inimigos

Perdoar ao agressor nao é fácil, pois o coracáo humano tem seus


ressentimentos espontáneos. Apesar disto, quem percorre os relatos de
martirio do século XX observa que muitas vezes o cristáo vítima exprime
seu perdáo aos carrascos e ora por eles. Eis alguns espécimens signifi
cativos:

No Líbano o jovem Ghassibé Kayrouz foi assassinado quando se


preparava para entrar no Seminario. Numa gaveta de seu quarto, os seus
genitores encontraram um texto escrito na véspera de sua morte, que foi
lido por ocasiáo do seu enterro:

"Tenho um só pedido a fazer-lhes: perdoem aqueles que me mata-


rem. Fazei-o de todo o coragáo, e rogai comigo que meu sangue, mesmo
que seja o sangue de um pecador, seja resgate pelos pecados do Líba
no, urna hostia misturada ao sangue das vítimas que tombaram, de pro
cedencias e religióes diversas; seja o prego da paz, do amor e do en-
tendimento que foram perdidos por esta patria e até pelo mundo inteiro.
Queiram ensinar as pessoas o amor através da minha morte, e Deus os
consolará, proverá as suas necessidades e os ajudará a viver esta vida.
Nao tenham medo, nao estou pesaroso, nem me sinto triste por deixar
este mundo. Só estou triste porque voces estaráo tristes. Rezem, rezem,
rezem e amem seus inimigos".

Na Algéria, o Pe. Christian de Chergé, trapista assassinado, escre-


veu pouco antes da sua morte:

"Quisera, no momento oportuno, ter o tanto de lucidez que me per-


mitisse solicitar o perdáo de Deus e dos meus irmáos, assim como eu
perdoaria de todo o coragáo a quem me tivesse atingido".

202
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX 11

Na África do Sul, Malusi Mpumlwana, torturado e, depois, rechacado,


disse ao sair da prisáo:

"Quando eles me torturavam, eu pensava: sao filhos de Deus e


comportam-se como animáis. Precisam de que nos os ajudemos a recu
perar a humanidade que eles perderam".

Em El Salvador, o Pe. Navarro, assassinado aos 11/05/1977 com o


jovem Luís (de 14 anos), murmurou antes de morrer:

"Morro porque pregue! o Evangelho. Sei quem sao meus assassi-


nos. Saibam que Ihes perdóo".

Na Albania, Mark Quni foi executado aos 6/03/1946, ao mesmo


tempo que o Pe. Dajani e seus companheiros. Eis as suas últimas palavras:

"Perdóo a todos aqueles que me ¡ulgaram, condenaram e vño exe-


cutar-me. Digam a minha máe que ela pague os quinze napoleóes de
ouro que eu devo a Ludovik Racha. Viva Cristo Reí! Viva a Albania!".

Quanto ao Pe. Daniel Oajani, encerrou seus días dizendo:

"Perdóo a todos os que me fizeram mal...".

Na Polonia, quando o Cardeal Wyszynski soube da morte do chefe


comunista Bierut, que o tinha traído e mandara lancar na prisáo, escre-
veu em seu Diario:

"Nunca mais tere! a ocasiáo de discutir com Boleslaw Bierut. Ele já


sabe que Deus existe e que Ele é amor. Doravante Bierut está do nosso
lado. Solicitarei do Senhor a misericordia para o meu perseguidor. Ama-
nhá celebrarei a Missa em sufragio por ele; desejo absolvé-lo, na confi-
anga de que Deus encontrará na vida do defunto atos que falaráo em seu
favor. Muitas vezes no cárcere rezeipor Boleslaw Bierut! Talvez esta ora-
gao nos tenha ligado um ao outro a ponto de ele chamar-me em seu socor
ro... Os seus colaboradores talvez em breve reneguem Bierut, como isto se
deu com Stalin. Eu nao o esquecerei. O meu dever de cristáo o exige".

Em Tirana, na Albania, o Pe. Zef Pilumi, um dos poucos sacerdo


tes que sobreviveram á perseguicáo, contou o seguinte:

"Um dia, após o fim da perseguigáo, um dos meus carrascos veio a


esta casa para pedir-me ajuda. Precisava de submeter-se a urna cirurgia
e sóo podía fazer na Grecia. Trazia consigo a sua carteira de trabalho,
que Ihe assegurava o salario de aposentado. Disse-me ele que quería
dar-me esse dinheiro, caso eu Ihe pudesse pagar a viagem para que
fosse tratarse no estrangeiro. Resolví levar isso ao meu Conselho Paro-
quial. Todos sabiam que tal homem havia sido meu carrasco. Mas con
cordamos em pagar-lhe a viagem até Salónica, sem nada receber do seu

203
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

salario de aposentado. Quando ele voltou da Grecia e veio visitar-me, eu


Ihe disse que ele nada nos devia; caiu entao em prantos. É necessário
perdoar, como pede o Evangelho".

Na Croacia, o Cardeal Stepinac, vítima dos comunistas, escrevia:

"Que a maldade deles nao vos impega de amar vossos inimigos!


Urna coisa é a maldade, outra coisa é o homem".

Ainda na Albania o Cardeal Mikel Koliqi, após quarenta anos de


campo de concentracáo, de cárcere ou de residencia vigiada, declarava:

"Nao sinto mágoa alguma. Eu Ihes digo francamente: nao experi


mento ressentimento algum. Ao contrario, pego a Deus que perdoe a
eles. Para um cristao, a vinganga nao tem sentido".

Ainda se pode citar a Sra. Euguenia Guinzbourg. Narra que os seus


companheiros de campo de concentracáo se sentiam fortemente tenta
dos a odiar seus carrascos. Dizia-lhes entáo:

"Assim procedendo, cairemos num círculo vicioso. Vejam! Eles con


tra nos, nos contra eles, e de novo eles contra nos... Até quando há de
durar o círculo vicioso do odio? Vamos ter que sustentar ainda e sempre
o triunfo do odio?".

Vejamos agora algumas das mais brilhantes figuras de mártires do


século XX, além das que examinamos até agora.

6. Outros heróis da fé

Enumeraremos ainda sete vultos dignos do nome de cristáos.

6.1. Sao Maximiliano Kolbe (t 1941), franciscano polonés

Era franciscano conventual quando foi levado para o campo de


concentracáo de Auschwitz. O caso é particularmente interessante, pois
Fr. Maximiliano nao morreu diretamente por odio á fé, mas porque se
ofereceu para morrer em lugar de um pai de familia, terminando assim os
seus dias no Bunker (subterráneo) da fome. O caso foi examinado pelos
peritos da Igreja: verificaram que a morte de Frei Maximiliano fora conse-
qüéncia da sua caridade e nao da sua fé; por istc-Paulo VI o beatificou na
qualidade de confessor da fé ou zeloso pastor, nao de mártir; havia, sim,
praticado a virtude em grau heroico e, em conseqüéncia, morrera. A cau
sa continuou a ser examinada sob Joáo Paulo II, de modo a chegar á
seguinte conclusáo: Frei Maximiliano, se nao morreu por causa da fé,
morreu por causa de urna virtude (a caridade) associada á fé; por isto
seu caso entra na definicáo de mártir e, como mártir, foi canonizado em
1982. O fato se justificava claramente: sim, o martirio é a suprema prava
de amor a Deus,... amor este que Frei Maximiliano vivenciou de maneira
perfeita, impelido pela fé, quando quis tomar b lugar de um pai de familia

204
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX 13

condenado á morte; doando sua vida, tornou-se mártir da caridade, ou


seja, testemunha do absoluto amor de Cristo.

6.2. Franz Jágerstátter (f 1943), leigo austríaco

Nascido em 1907 na Austria, Franz levou urna vida dissipada du


rante a juventude. Finalmente descobriu a grandeza da mensagem cató
lica. Por ocasiáo do Anschluss (anexáo da Austria á Alemanha nazista),
foi o único de sua aldeia que teve a coragem de votar contra Hitler. Em
1939, quando estourou a segunda guerra mundial, declarou que nao se
alistaría no exército de um regime ateu e anticristáo. Apesar de tudo, foi
recrutado para combate, mas recusou-se ao porte de armas. Foi encar-
cerado e resistiu denodadamente a toda pressáo nacional-socialista. Aos
6 de julho de 1943 foi transferido para urna prisao em Berlim e condena
do á morte por ter rejeitado urna proposta nazista que Ihe salvaría a vida.
Foi decapitado aos 9 de agosto de 1943.

6.3. Isidoro Bakanga, leigo congolés

No comeco do século XX no Congo um jovem aprendiz de pedreiro


descobriu o Cristo anunciado pelos missionários. Tornou-se catequista
convicto e irradiou a sua fé. A sua conduta de vida incomodava os ho-
mens corruptos que se valiam do Evangelho para explorar seus
conterráneos. O gerente de urna firma colonial mandou espancá-lo até
que morresse. Isidoro faleceu perdoando aos seus carrascos. Joáo Pau
lo II declarou-o bem-aventurado em 1994.

6.4. Ghassibé Kayrouz (f 1985), leigo maronita libanes


Ghassibé Kayrouz nasceu no Líbano na aldeía de Nahba (provin
cia de Bekaa), em que cristáos e muculmanos viviam em boa paz desde
muíto tempo. Impressionado pela guerra civil no seu país, entrou na Com-
panhía de Jesús e dedicou-se a apaziguar os ánimos dos compatriotas
agressivos. Percebeu que esta missáo podia custar-lhe a vida e, por isto,
ainda jovem, antes do Natal de 1984, escreveu um testamento em que
exprimía a sua fé católica e perdoava de antemáo a quem o matasse.
Assim ofereceu sua vida por todos os libaneses (muculmanos e cristáos);
dízia: "No céu nao terei repouso enquanto a situacáo permanecer tal no
Líbano". Foi assassinado alguns días mais tarde.
Pouco depois Nicolás Kluiters, um Religioso holandés que seguirá
Ghassibé em sua caminhada espiritual, foi degolado e lancado num poco
de 97m de profundidade.

6.5. John Bradburne, leigo do Zimbabwe (África)


Nascido em 1920, de familia anglicana, no Zímbabwe, John tomou
parte heroica na segunda guerra mundial. Resolveu fazer-se católico e
consagrar toda a sua vida á procura de Deus. Durante quinze anos levou

205
H "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

vida de peregrino pelas estradas da Europa. Chegou assim até Jerusa-


lém. Tocava flauta e compós dezenas de milhares de versos em honra da
Virgem María. Quería ir aonde Deus o chamasse.

Em 1962 voltou para a África, onde quería viver solitario, como ere
mita. Mas deparou-se com colonias de leprosos, que Ihe mudaram o cur
so da vida. Decídiu dedicar-se a eles, apesar dos diversos obstáculos
que encontrava. Era, por uns, tído como louco inofensivo; por outros,
como um Santo. A guerra civil estourou no Zimbabwe; entao John e urna
médica italiana resolveram ficar com os leprosos. A presenca e o teste-
munho de fé crista desses dois mensageiros incomodava a quem os via,
de modo que foram assassinados.

6.6. Daphrosa e Cipriano Rugamba, leigos de Rwanda, 1994

Durante o genocidio de Rwanda em 1994, o casal católico Daphrosa


e Cipriano muito se empenhou pela reconciliacáo de Hutus e Tutsis.
Cipriano era um artista conhecido. O casal, com seus seis filhos, foi indi
cado como alvo aos atiradores, que os mataram quando estavam em
adoracáo diante do SSmo. Sacramento.

6.7. Jesús Jiménez, leigo de El Salvador, 1979

Jesús Jiménez nasceu em El Salvador, de familia camponesa. Era


muito dado á leitura da Palavra de Deus e á adoracáo da Eucaristía. O
seu pároco, o Pe. Rutilio Grande, confiou-lhe a orientacáo de urna comu-
nidade eclesiástica de base em 1973. Em breve, porém, estourou a guer
ra civil e o Pe. Rutilio Grande foi assassinado pela Guarda Nacional.
Jesús Jiménez procurou entáo coordenar as comunidades duramente
provadas pela guerra civil, a todos levando o reconforto do Evangelho. A
1 ° de setembro de 1979 foi assassinado quando voltava de urna reuniáo
pastoral. Contava 32 anos e era pai de quatro filhos. O seu cadáver foi
pendurado numa haste e lancado no corredor de um presbiterio.

7. Domingo 7 de maio de 2000

A Comissáo nomeada pelo Santo Padre preparou urna celebracao


ecuménica das vítimas da fé no século XX. Deve realizar-se no Coliseu
de Roma, em presenca do Papa. Os representantes do catolicismo e de
ramos cristáos dissidentes reunir-se-áo em número táo avultado quanto
possível, para participar dessa cerimónia, cujo programa é assaz denso.
Seráo publicados em voz alta os catálogos de vítimas das diversas co
munidades cristas; far-se-á o gesto simbólico de transmitir a memoria
dos mártires á primeira geracáo do terceiro milenio; será evocada a di-
versidade dos testemunhos de fé das varias culturas, nacoes, situacoes
e estados de vida. Compareceráo e seráo vivamente saudados alguns
grandes confessores da fé, sobreviventes da tremenda tribulacáo. Por

206
OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX 15

fim, talará o Papa sobre o sáculo XX, no qual voltaram os mártires,... e


voltaram com eloqüéncia singular.

O próprio Santo Padre justifica e comenta este tipo de celebracáo


ao escrever:

"O testemunho corajoso de numerosos mártires do nosso século,


incluidos aqueles que sao membros de outras Igrejas e comunidades
eclesiais que nao estáo em plena comunháo com a Igreja Católica, dá ao
apelo conciliar urna forga nova; recorda-nos a obrigagáo de acolhera sua
exortagáo edea por em prática. Nossos irmáos e nossas irmás, que tém
em comum a oferenda generosa de sua vida em prol do Reino dos céus,
atestam da maneira mais eloqüente que todos os fatores de divisao po-
dem ser ultrapassados no dom total de si mesmo pela causa do Evange-
Iho" (Ene. Ut Unum Sint).

Urna figura muito expressiva de fidelidade á fé (ortodoxa)1 é a do Pop


(Padre) Alexandre Min, russo, cujos traeos biográficos sao os seguintes:

Nasceu em Moscou aos 22/01/1935, de familia israelita. Foi bati-


zado clandestinamente com sua máe na comunidade ortodoxa, tendo
oito meses de idade. Foi excluido da Universidade por causa de sua fé
crista. Continuou, porém, a estudar e foi ordenado presbítero.

Durante vinte e cinco anos acompanhou a nova geracáo de jovens


soviéticos, procurando apontar-lhes o sentido da vida. Levou centenas
de jovens a descobrir Cristo e a Igreja. Escreveu algumas obras que abor-
dam aspectos da fé e da vida no mundo atual e que circulavam em
samizdat (clandestinamente) por toda a URSS. Foi submetido a interro
gatorios múltiplos por parte da KGB, que Ihe propós sair da URSS, sem
que Alexandre o aceitasse.

A partir de 1988, aparece A. Min projetado no cenário público. Exerce


grande influencia e parece chamado a desenvolver papel mais ampio no
surto religioso da Rússia pós-soviética. Foi isto, sem dúvida, que provo-
cou o seu bárbaro assassinato a golpes de machado aos 9/09/1990. To-
davia a obra por ele iniciada foi assumida e levada adiante por seus fi-
Ihos e filhas espirituais.

Possa o testemunho de tantos mártires do século XX lembrar aos


cristáos da atualidade que pertencem a urna familia de heróis, que, alias,
tem suas origens no século I e deve continuar a ser valente e nobre pas-
sando pela geracáo contemporánea!

1 Os ortodoxos sao cristáos que se separaran) da Santa Sé de Roma em 1054 por


motivos disciplinares e culturáis mais do que por razóes teológicas. Professam qua-
se o mesmo Credo que os católicos. Tém a sucessáo apostólica, o sacerdocio e a
Eucaristía válidos.

207
Ainda Pió XII e sua época:

O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939

Em síntese: O presente artigo refere tópicos da perseguigáo movi


da pelo nacional-socialismo alemáo contra a Igreja Católica entre 1933
(ano da ascensáo de Hitler ao poder) e 1939 (ano em que comegou a
segunda guerra mundial e se acalmou um tanto a perseguigáo). Os epi
sodios narrados mostram o requinte de um plano que, na sua furia exter-
minadora, associou entre si cristáos ejudeus por causa das rafzes semitas
do Cristianismo. O Governo alemáo era intenso á Curia Romana e ao
Papa Pío XI, cujo Secretario de Estado era o Cardeal Eugenio Pacelli;
quando este fot á Franga em 1937, a imprensa alema o tachou de amigo
dos judeus e dos comunistas - o que bem mostra quáo inverossímil é
dizer que Pacelli (Papa Pió XII) era "o Papa de Hitler" ou amigo do nacio
nal-socialismo.

O debate sobre Pió XII e sua atitude frente ao nacional-socialismo


de Adolf Hitler continua, embora já tenha sido repetidamente demonstra
do que Pió XII nao pactuou com o nazismo, mas, ao contrario, opós-se-
Ihe e defendeu os judeus contra a sanha anti-semita. Urna nova aborda-
gem da questáo pode ser proposta, ao considerarmos a perseguigáo
movida por Hitler e seus seguidores contra a Igreja Católica: ver-se-á
que Pió XII soube reagir, direta ou indiretamente, as investidas do nacio
nal-socialismo, ao qual ele nao podia dar o seu aval. - Eis por que, ñas
páginas subseqüentes, apresentaremos alguns tópicos da acao
antieclesial do hitlerismo muito significativos para se entender o contexto
em que Pió XII viveu.1

1.1933: o ano da ascensáo de Hitler

Aos 30 de Janeiro de 1933, o Presidente Hindenburg, da Alema-


nha, nomeou Chanceler do Reich Adolf Hitler, chefe do Partido Nacional-
Socialista. Ao subir ao poder, os hitleristas ainda eram minoría dentro de
urna frágil coalisáo no país, mas concebiam o firme propósito de galgar

1 O conteúdo deste artigo é retirado dos escritos do Prof. Karol Josef Gajewski, de
Sandbach (Inglaterra), especialista em Historia da Europa. Os resultados de seus
estudos foram publicados pela revista norte-americana Inside the Vatican novem-
bro 1999, pp. 50-54.

208
O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939 17

sempre mais os degraus da administracáo pública alema. Dizia Hitler:


"Estou decidido a continuar a luta táo enérgicamente dentro do governo
como eu lutei fora do governo".

O chanceler e seu gabinete, tendo á frente Hermann Goering, viam


um conjunto de milhoes de adversarios a ¡solar e destruir para chegar ao
total dominio da Alemanha. Eram eles: os judeus, os comunistas, os so-
cial-democratas com seu forte eleitorado (o Partido do Centro Católico) e
a Igreja Católica. Todos eram inimigos, que era preciso eliminar táo rápi
damente quanto as circunstancias o permitissem.

Embora Hitler sentisse que havia particular urgencia em combater


judeus e comunistas e neutralizar os Partidos de oposicao, ele entrevia
na Igreja Católica um opositor que Ihe parecía muito pernicioso e que era
necessário controlar ¡mediatamente e até derrotar radicalmente a fim de
poder estabelecer o seu Reich (reino) de mil anos.

Para dissipar a influencia da Igreja Católica, o chanceler se voltou


para Alfred Rosenberg, filósofo e nazista convicto, que desprezava o Cris
tianismo. No seu livro "O Mito do Século XX", Rosenberg elaborou urna
"teoría científica" que justificava o racismo. Para ele, o valor humano su
premo era o da raga: cada raga possuíria a sua alma coletíva própria, "o
místico poder do sangue e da térra". Cada raga teria também seu impul
so religioso (no caso dos germano arios, tal sería o culto pagáo de Wotan,
reí dos deuses). Segundo Rosenberg, o Cristianismo era o produto
distorcido de tribos semitas que havíam conseguido engañar os arios,
fazendo-os renunciar as suas "verdades pagas". A Igreja Católica, pio-
neira nesse embuste espiritual, era entáo visada como alvo de veemente
ataque, como sendo ela a promotora de "falsificacóes" prodigiosas cons
cientes e inconscientes.

Durante toda a década de 1930 Rosenberg langou escarnio contra


a Igreja. O clero, a hierarquia e o Vaticano foram injuriados como
envenenadores do sangue aiemáo, mercadores de morticinio e causa de
caos da raga, obscurantistas ou "homens das trevas", feiticeiros de Roma
e, com referencia as raízes semitas do Cristianismo, advogados de per
vertido orientalismo. Jesús Cristo foi tido como inconsciente instrumento
ñas máos de conspiradores judeus internacionais que estáo em ativida-
de desde o século I da nossa era. Ou, diziam outros, Jesús em absoluto
nao foi judeu, mas um ario prototípico, filho de um soldado romano lotado
na Palestina. Durante toda a sua carreira até a forca em Nürenberg,
Rosenberg propagou suas idéias mediante panfletos, discursos e semi
narios de treinamento para dirigentes nazistas, aos quais apregoava a
"perfeita raga nórdica".

209
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

Sem demora comecaram as escaramuzas entre nazistas e católi


cos. Em fevereiro de 1933 houve em Berlim um confuto entre comunistas
e nazistas. Confuto no qual morreu um policial católico, o sargento Zuritz.
Os seus funerais realizaram-se em sua cidade natal na Silesia, ocasiáo
em que o sacerdote celebrante deplorou os numerosos e violentos homi
cidios dos últimos tempos e citou como algo de terrível a máxima formu
lada por Hitler: "Se eles nos desobedecerem, as suas cabecas rolaráo".
Esta era urna clara alusáo a um discurso de Hitler. Os muitos policiais de
choque presentes ao ato comecaram entáo a tossir para abafar as pala-
vras do padre. Destemido, este exclamou: "Voces todos podem tossir
como Ihes agrada, mas a mim nao faráo tossir para que eu nao diga a
verdade".

No mesmo mes de fevereiro, o Ministro Goering proibiu a circula-


cáo de todos os periódicos católicos de Colonia. Levantaram-se protes
tos, aos quais ele respondeu negando que isso fosse parte de um plano
dirigido contra a Igreja Católica; dizia ele que "o governo estaria Iavrando
a sua própria ruina, caso seguisse tal política". A proibicáo foi posterior
mente revogada, mas deixou a populacáo atemorizada por toda a regiáo
da Renánia: de resto, o fato aconteceu pouco antes que a imprensa cató
lica fosse encampada na Alemanha pelos nazistas.

Ainda aos 22 de fevereiro de 1933 outro notável incidente ocorreu.


As tropas de SA nazistas desbarataram encontros de sindicatos cristáos
com o Partido do Centro Católico. Um eminente político católico, Adam
Stegerwald, foi atacado em público numa plataforma de Krefeld e varios
sacerdotes foram feridos.

Urna breve pausa nos conflitos verificou-se quando Hitler se dis-


pós a fortalecer a unidade nacional para poder enfrentar inimigos de den
tro e de fora do país. Dirigiu entáo um apelo á Igreja Católica para que
aceitasse entrar em negociacáo. Ao mesmo tempo circulavam fortes ru
mores que ameacavam a Igreja Católica, caso nao fosse logo concluido
um acordó. Isto provocou debates. Finalmente o Papa Pió XI e seu Se
cretario de Estado, o Cardeal Eugenio Pacelli, apesar de muitas apreen-
sóes, averiguaram que nao podiam recusar conversacóes com um go
verno legítimamente instaurado. Se recusassem, Hitler faria público o
seu aparente propósito de paz e acusaría os católicos de o solapar. O
Cardeal Pacelli argumentava que um acordó lavrado por escrito sería
melhor base de coexistencia tranquila do que nenhum pacto jurídico. Os
luteranos também aceitaram negociar com o governo. Naquele momento
da historia, fím de junho de 1933, já havia campos de concentragáo e
ocorriam encarceramentos em massa, atingindo centenas de membros
do Partido Católico. -O representante do governo ñas negociacoes, Mínis-

210
O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939 19

tro Franz von Papen, católico, embora estivesse cíente dos problemas
registrados atrás, declarou aos jornalistas que as relacoes entre o Vatica
no e o Reich eram táo amigas que em oito dias apenas a Concordata fora
acertada até em seus mínimos pormenores. Por conseguinte, em julho
de 1933 foi assinado um Acordó que assegurava que certas atividades
da Igreja Católica no plano educacional, no da juventude e no de Encon-
tros e Congressos ficavam garantidas por lei do Reich. Em troca, devia
cessar o apoio da Igreja ao Partido Católico e aos Partidos do povo bávaro.
De resto, já antes de ser assinada a Concordata, o próprio Partido do
Centro Católico, pressionado pelo nazismo, havia decidido dissolver-se,
fato este que Pacelli lamentou, porque o deixara sem respaldo durante
as negociacóes.

Pacelli afirmava que de dois males era preciso escolher o menor.


Se nao fora a Concordata, os católicos teriam sido deixados á mercé das
tropas de choque nazistas (SA, SS) e da Gestapo. A Concordata poderia
servir-lhes de amparo para protestarem contra as injusticas. Em julho de
1933, observava Pacelli frente a um oficial da Embaixada Británica que,
embora os ataques aos católicos fossem perdurar, "difícilmente os nazis
tas víolariam todos os artigos da Concordata ao mesmo tempo". Na ver-
dade, apesar de pretensas garantías, foram constantemente desrespei-
tados os termos do Acordó.

Em dezembro de 1933, um Estatuto de Editores obrígava todos os


editores a tornar-se membros da Cámara Literaria do Reich e a obedecer
a todas as diretrizes que déla emanassem. Tal lei proibia dar noticias
minuciosas de peregrinacóes, imprimir calendarios litúrgicos e até anun
ciar Encontros de agremiacóes católicas. Ao definir o que considerava
propaganda contra o Estado, o Estatuto desferia um golpe mortal na ampia
e próspera imprensa católica.

A censura enrijeceu. Cada tipografía fícou sujeita ao capricho das


autoridades, e um véu cobriu parcialmente o que ocorria dentro da pró-
pria Alemanha.

O Vaticano, desejoso de saber exatamente o que acontecía, en-


controu quem o ajudasse. Urna numerosa turma de testemunhas desco-
nhecídas acompanhava os agentes do Estado que estivessem trabalhando
as ocultas, passava para fora do país relatónos e documentos secretos.
Um dos heróis dessa intelligentzia católica foi o Dr. Joseph Mueller,
mensageiro-chefe. Era este um jurista antinazista de Munique, conheci-
do por ser pessoa calma e de confíanca. Oficial da Abwehr (Defesa Mili
tar), podia locomover-se livremente entre Munique, Berlim e Roma. Na
sua sacóla de trabalho, isenta de alfándega e dos olhos da Gestapo, ele
transportava macos de documentos que proporcionavam minucias da

211
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

campanha contra os católicos da Alemanha e da Austria. Quando a Radio


Vaticana levava ao ar extratos dos relatos trazidos por Mueller, a Gestapo
reagia com furia e pós-se a procurar aceradamente a respectiva fonte.

2. De 1934 a 1939

A documentacáo fornecida por Mueller permitiu averiguar crescen-


te progresso das medidas anticatólicas entre 1933 e 1939.0 Estado quería
forcar os jovens católicos a entrar na Juventude Hitlerista; as escolas e
os sindicatos católicos foram desmantelados, o clero condenado á per-
seguicáo e ao cárcere. Entre 1935 e 1938 os padres e os Religiosos
foram humilhados cínicamente por motivo de "divisas ilegais" e "imorali-
dade". Com efeito, as leis do Estado regulamentavam a importacáo e
exportacáo de dinheiro; mandar qualquer quantia para fora do país podía
ser considerado "alta traicáo" e "sabotagem". Por alegacáo de infracóes
as leis vigentes, a campanha foi dura e resultou em encarceramentos
varios e pesadas multas. Tal foi o caso do Pe. Agner, redentorista, que foi
preso numa cidade e falsamente acusado.

A confiscacáo de contas bancárias era procedimento habitual, ado


tado pela policía, que era muitas vezes brutal e agressiva. Em maio de
1935, no convento de S. Carlos Borromeu em Trebnitz (Saxónia), duas
Religiosas morreram do choque quando a Superiora e outras Irmas fo
ram presas sot> a acusacáo de que exportavam dinheiro para um con
vento na Tchecoslováquia. As Irmas responderam que era absurdo pen
sar que elas possuíssem elevadas quantias, já que gastavam toda a sua
vida em obras de caridade. Em 22/07/1935 declarou um advogado em
Münster: "Era notorio que até juízes e procuradores do Estado caíam em
erro no tocante á legislacáo económico-financeira".

Os processos por imoralídade procuravam destruir a reputacáo dos


Religiosos católicos. Sacerdotes, monges e freirás foram acusados de
"estilo de vida pervertido e ¡moral". A policía secreta Ihes preparou nume
rosas armadilhas: assim em maio de 1936 alguns padres foram chama
dos para atender a pessoas doentes em quartos de hotel. Eram aguarda
dos nesses quartos por fotógrafos. Quando o padre entrava no quarto, a
pessoa "doente" revelava ser urna prostituta ali colocada pela Gestapo.
As fotografías assim tiradas eram levadas aos tribunais e ao público como
irrefutáveis provas de corrupcio moral.

Em 1936 um famoso processo atingiu os franciscanos da cidade


de Waldreitbach (Renánía). Foi amplamente divulgado, a ponto que as
familias foram admoestadas por panfletos "santamente redigidos" a que
nao matriculassem seus filhos em educandários católicos. As próprias
criancas foram estimuladas a ler os sinistros relatos. Em algumas cida-

212
O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939 21

des, as bancas de jomáis foram especialmente arrumadas, de modo que


em prateleiras a pouca altura as enancas pudessem ler estórias porno
gráficas acompanhadas de caricaturas ñas páginas de Der Sturm (o jor
nal controlado por Julius Streicher, notoriamente anti-semita e anticatólico).
Os testemunhos das enancas eram levados aos tribunais pela po
licía secreta de tal forma que nao era permitido a alguém contradizer-
Ihes. Registraram-se ameacas, subornos, brutais interrogatorios notur-
nos, colapsos nervosos...

Nos Estados Unidos comicios e marchas de protesto comecaram


a ter lugar logo que lá chegaram as noticias dos infamantes processos.
Em junho de 1936, 48 clérigos assinaram um documento que dizia: "Le
vantamos solene protesto contra a brutalidade dos ataques movidos contra
o clero católico pelo governo alemao, que o acusa de ¡moralidade... O
bom nome do sacerdocio católico é assim difamado, na expectativa de
que se possa chegar ao exterminio das crencas judaica e crista por parte
do Estado totalitario". Os rabinos Samuel Abraham, de Bostón, Philip
Bernstein, de Rochester, e Philip Bookstaber, de Harrisburg, dezoito ou-
tros rabinos e vinte e um pastores protestantes assinaram tal protesto.

Voltando á Alemanha, observa-se que tais vozes ficaram sem res-


posta. Nos anos subseqüentes continuaram os ataques aos clérigos ñas
rúas, ñas casas paroquiais e nos postos de fronteira. O culto divino ñas
igrejas podía ser ¡nterrompido, as procissóes dissipadas, enquanto os
fiéis católicos eram assaltados ñas rúas.

Na Páscoa de 1935, peregrinos alemáes que voltavam de Roma


após visitar o Papa Pió XI, foram punidos na fronteira por agentes da
Gestapo e da SS; receberam a ordem de deixar o trem em que viajavam
e de ficar esperando; isto durou sete horas debaixo de copiosa chuva;
enquanto a sua bagagem era toda minuciosamente inspecionada; foi-
Ihes confiscado tudo o que fosse sinal de alguma organizacáo ou associ-
acáo: bandeiras, estandartes, livros, barracas, até facas e garios... Os
peregrinos foram insultados furiosamente: "Assim sao os papistas, o povo
que apunhalou a Alemanha pelas costas em 1918! É preciso que eles
sejam espancados e enviados para um campo de concentracáo... A me-
Ihor coisa seria degolá-los!". Diante dos protestos dos injuriados a policía
local apenas respondeu que estavam procurando uniformes ¡legáis.

No día das eleicóes para o Reichstag em 1938, sacerdotes e Bís-


pos foram atacados depois que a votacáo se encerrou. Em Fellbach,
perto de Stuttgart, o Pe. Sturm, pároco, foi cercado por urna turma de 25
SS e SA {guardas nazistas), que Ihe perguntaram em quem ele votara.
Após ter saqueado a casa paroquial, obrigaram-no a passar entre duas
fileiras de homens munidos de acortes, que cuspiram nele, zombando:

213
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

"Este é o traidor, Pe. Sturm!". Depois de duas horas de abuso, foi levado
ao chefe, que Ihe deu urna licáo acerca da doutrina de Hitler e Ihe mani-
festou como ele (chefe) concebía os deveres de um pároco na nova Ale-
manha. Á meia-noite, o Pe. Sturm foi posto em liberdade.

Embora os SS e a Juventude Hitlerista tivessem sido instruidos


para nao fazer mártires, era muito freqüente encontrar sacerdotes amea-
cados. Muitos foram tratados com aspereza, sendo que um, atirado jane-
la abaixo, teve as duas pernas quebradas. O Cardeal Faulhaber, de Mu-
nique, foi alvo de um tiro; o Cardeal Innitzerteve sua residencia saqueada
em Viena no mes de abril de 1938. Neste mesmo mes deu-se um inci
dente notável, quando o Bispo Mons. Sproll, de Rottenburg, foi maltrata
do. Posteriormente ele recebeu urna carta anónima de um agente SA,
que foi obrigado a tomar parte na agressio e que dizia: "Sempre fui ufa
no do meu país, mas nesse sábado eu me senti, pela primeira vez, en-
vergonhado de ser um alemáo".

Nessa mesma década de 1930, cancóes, filmes, discursos de mem-


bros do Partido, cartazes e pecas de teatro satirizavam o clero. O produ-
tor Anderl Kern redigiu a peca anticlerical intitulada "O Último Campo-
nés", que circulou por toda a Alemanha, provocando serios debates. Fo
ram entao apresentados ao público um pároco com um filho ilegítimo, um
olho no sexo oposto e dinheiro fácil; um jovem seminarista volta para a
casa dos país, anunciando que perdeu a vocacáo; urna senhora máe
tenta matar urna jovem empregada doméstica com o rosario numa máo e
o punhal na outra. No fim da pega aparece o ex-seminarista como "o
auténtico herói alemáo", tendo renunciado ao sacerdocio e prometido ao
pai urna numerosa familia "para a seguranca futura da raca ariana".

A estrategia nazista consistía, essencialmente, em destruir o Cato


licismo, eliminando todas as organizacóes patrocinadas pela Igreja des
de as escolas infantis até os sindicatos. Em 1939, as escolas e os sin
dicatos católicos estavam pratícamente extintos. Em troca havia as esco
las nacional-socialistas, a Frente de Trabalho Nazista e a Juventude
Hitlerista com seu ramo feminino, que era a Liga das Mocas Alemas.

Em 1937 os pais de familia eram obrigados a escolher a escola de


seus filhos perante duas testemunhas, geralmente homens da tropa de
choque rigorosamente uniformizados; essas testemunhas os advertiam
a respeito de perda de emprego e outras sancñes. As próprias criancas
ñas escolas católicas sofriam represalias; nao havia para elas premios
pelos estudos primarios, pois estes só podiam ser concedidos pelas es
colas oficiáis; aos pais que optassem por urna escola católica, era dito
que seus filhos teriam que ir freqüentá-la nos suburbios, a algumas mi-
Ihas de distancia. Em Speyer, cidade da Renánia, um operario narrou ao

214
O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939 23

seu Bispo pormenores de como sua opcáo de escola foi obtida: "Disse-
ram-me que fosse á Secretaria da paróquia; lá chegando, declarei que
escolhia a escola católica, e preparava-me para ir embora, quando um
agente nazista me segurou pelas costas e escreveu um oficio á minha
firma de trabalho declarando que, por causa da minha opcáo, eu merecía
ser demitido. Entáo disse-me úm policial que, se eu nao mudasse de
alvitre, eu jamáis poderia conseguir emprego".

Em 1936, na Baviera, 600 Religiosas dedicadas ao magisterio fo-


ram afastadas do cargo. Em conseqüéncia deste e de outros casos se-
melhantes, muitas Religiosas se voltaram para empregos profanos ñas
fábricas, a fim de sobreviver. Em Badén, no veráo de 1938 havia 41 Re
ligiosas trabalhando numa fábrica de téxteis após ter deixado o magiste
rio. O governo proclamava que todas as Religiosas que deixassem o
convento, seriam ¡mediatamente empregadas em instituicóes estatais.
Na Renánia, em abril de 1939, 330 educandários católicos foram fecha
dos por decreto do governo no chamado "Día Negro para a Renánia Ca
tólica". As associacóes de jovens católicos foram declaradas "nao ale-
más", embora contassem centenas de milhares de membros. Os profes-
sores foram advertidos no sentido de que, como funcionarios do Estado,
tinham a obrigacáo de estimular seus alunos a entrar na Juventude
Hitlerista ou na Liga das Mocas Alemas; a jovem que nao se filiasse á
Liga, era ameacada de nao encontrar rapaz para se casar quando termi-
nasse seus estudos: caso viesse a se casar, o seu marido perdería o
emprego logo que descobrissem que a esposa nao pertencera á Liga
das Mocas Alemas. Muitos trabalhadores católicos foram ameacados de
demissáo, caso nao pudessem provar que seus filhos se haviam alistado
ñas associacóes hitleristas de jovens. Muitas escolas de Artes e Oficios
anunciavam que só aceitariam como aprendiz quem estivesse filiado ao
Partido. Os ferroviarios alemáes, num total de centenas de milhares de
pessoas, publicaram semelhantes normas.

A censura imposta á imprensa e ao radio fez que a Igreja se tornas-


se o único lugar em que o cidadáo católico podia ouvir urna voz de pro
testo. Era extremamente perigoso, para os clérigos, exprimir-se contra o
governo, embora alguns o fizessem enérgicamente, correndo os riscos
respectivos, como o Pe. Rupert Mayer, de Munique. Os padres, alias,
estavam conscientes de que na igreja, disseminados entre os fiéis, havia
agentes hitleristas clandestinos á escuta de seus sermóes. Nem os Bis-
pos eram poupados: tenham-se em vista o Bispo Clemens von Galen, de
Münster, o Cardeal-arcebispo Faulhaber, de Muníque, o Cardeal Bertram,
de Breslau, o Cardeal Shulter, de Colonia.

Os sermóes do Cardeal Faulhaber, de todos o mais famoso, profe


ridos na igreja de Sao Miguel durante o Advento, despertaram interesse

215
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

nacional e internacional. Tornaram-se táo expressivos que milhares de


pessoas os acompanhavam fora da igreja, ñas rúas. No primeiro desses
sermoes, proferido em dezembro de 1933, Faulhaber defendeu o Cristi
anismo proclamando as suas raízes, ou seja, o judaismo; enfatizou que o
Cristianismo nao admitía discriminacáo por causa da rafa, e perguntou
se os racistas aínda tinham fé. No mes seguinte algumas balas lancadas
contra as janelas do seu escritorio quebraram-lhe os vidros. Em margo
de 1934 o livro de seus sermóes publicado com o título "Judaismo, Cris
tianismo e Germanismo" foi retirado do comercio por causa de suas "ca-
luniosas afirmagoes concernentes ao Estado". Apesar disto, o Cardeal
Faulhaber continuou a denunciar a política nazista referente as escolas
católicas, ás associacóes de jovens, ás eleicóes controladas, á esterili-
zacáo de adultos, aos ataques contra o Papa e ás tentativas de substituir
0 Cristianismo poraquilo que ele chamava "urna falsa religiao". Faulhaber
desempenhou importante papel na redacáo da encíclica antinazista Mit
brennender Sorge (Com ardente Preocupacáo) publicada em margo de
1937; este documento denunciava ataques contra a fé, a violagáo de
quase todos os artigos da Concordata assim como os itens da ideología
nacional-socialista. A encíclica foi interditada pela Gestapo, mas foi
secretamente policopiada e enviada para toda a Alemanha; a rede cató
lica de comunicagóes clandestinas encarregou-se de a fazer chegar a
todas as paróquias da Alemanha; centenas de agentes se empenharam,
para tanto utilizando carros, bicicletas, motocicletas..., que transporta-'
vam até mesmo copias feitas á máo.

A reagáo á encíclica nao se fez esperar. O governo alemáo enviou


um protesto a Roma, que foi enérgicamente rejeitado pelo'Cardeal Pacelli,
Secretario de Estado e futuro Papa Pió XII. Urna ordem de Hitler e
Goebbels mandou furiosamente que fossem acusadas publicamente de-
zenas de clérigos por delitos de imoralidade e calúnias contra o Estado.
A Gestapo e os agentes SS puseram-se a procurar as oficinas que havi-
am reproduzido a encíclica; as tipografías suspeitas foram confiscadas e
seus proprietá'rios desalojados. Numa paróquia da diocese de Oldenburg,
sete mogas foram presas dentro da igreja quando confeccionavam copi
as do texto após a Liturgia do domingo de Ramos.

3. O ano de 1939

A morte de Pió XI em fevereiro de 1939 e a eleigáo de seu suces-


sor, o Cardeal Pacelli, suscitaram o escarnio do periódico Das Schwarze
Korps (O Corpo Negro), órgáo do SS1 e porta-voz do Ministro Himmler.
Referia-se a Pió XI como sendo "o Rabino-chefe dos cristáos, patráo da
firma Judah-Roma". O Cardeal Pacelli já fora considerado pelo jornal como

1 SS = Staatsicherheit (Seguranga do Estado)

216
O NAZISMO E A IGREJA DE 1933 A 1939 25

um aliado dos judeus e dos comunistas numa serie de caricaturas e arti-


gos publicados por ocasiáo de sua visita á Franca em 1937; ver ilustra-
cao á p. 218.

A política nazista podía variar segundo as circunstancias históri


cas, tentando novas estrategias ou suprimindo táticas pouco proficuas. A
perseguicáo podía tornar-se dissimulada ou mesmo sustada quando con-
vinha. Por exemplo, em agosto de 1937, por ocasiáo dos Jogos Olímpi
cos em Berlim, o governo deu ordens de suspender qualquer atividade
hostil aos judeus, aos católicos e aos protestantes; deviam ser subtraí-
dos aos olhares dos jornalistas estrangeiros todos os espetáculos agres-
sivos á religiáo. Todavía, logo que partiram os estrangeiros, a estrutura
persecutoria voltou a funcionar.

Quando ¡rrompeu a segunda guerra mundial em setembro de 1939,


Hítler preferiu deixar de lado o seu propósito de total destruicáo do Cris
tianismo para melhor desenvolver a acáo bélica. Contudo houve no Par
tido quem julgasse ser um erro a suspensáo da luta contra a Igreja
(Kirchenkampf). Martín Bormann em 1941 fez ver a Himmler, chefe dos
agentes SS, que "a influencia da Igreja Católica deveria ser inteiramente
sufocada". No tocante, porém, á perseguicáo movida contra os judeus,
houve quase unanimidade na cúpula do nacional-socialismo em favor da
continuacáo: a guerra dava a Hitler a oportunidade de novas investidas
contra os israelitas para assim "purificar a Europa" pela eliminacáo dos
nao arios. Por quase toda a Europa os judeus foram maltratados e as-
sassinados, ao passo que os eslavos foram escravizados ou mortos. A
extensao do poder nazista para dentro da URSS diiatou enormemente o
seu campo de acáo exterminatória. A respeito da posicáo do Papa Pió
XII frente ao Holocausto judaico, muito se tem escrito; está comprovado
que se empenhou por salvar a vida de quantos judeus Ihe foi dado atin
gir; só nao se pronunciou em alta voz contra o anti-semitismo para evitar
mais veementes represalias da parte do nacional-socialismo. Cf. PR 446/
1999, pp. 317-331.

Embora o alcance da perseguicáo contra os cristáos tenha sido


menor do que o da luta contra os judeus (com excecáo talvez do que
aconteceu na Polonia), as duas mocóes persecutorias manifestam a
monstruosidade do sistema nazista.

Baldur von Schirach, chefe da Juventude Hitlerista, ñas assembléi-


as de seus colegas, gostava de Ihes dizer, á guisa de chaváo: "Somos
jovens que créem em Deus, porque servimos á Lei Divina, que se chama
Alemanha". - É preciso nao esquecer que essa blasfema concepcáo de
Lei Divina, por dez mil caminhos tortos, levou á guerra, ao saque, a sofri-
mentos inauditos e, por fim, á destruicáo do ser humano.

217
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

Em Apéndice veja-se como o nacional-socialismo considerava o


Cardeal Pacelli.

D/e Frankrekh-Reise des Kardinals

Giftkudie VACElLi
derVolksfmnt

Segundo a propaganda nazista, Pío XII foi sempre um adversario


do nacional-socialismo e um amigo dos judeus. Essa caricatura apare-
ceu no jornal Das Schwarze Korps dos SS, quando em 1937 o Cardeal
Pacelli visitou a Franca. No alto da figura o título reza: "A viagem do
Cardeal á Franca". Na parede há um mural que diz: "Cozinha Venenosa
da Frente Popular", referencia ao Partido Comunista Francés. O rótulo
da botija diz: "Horríveis Mentiras", enquanto a muiher judia comunista
tem ñas máos um exemplar do jornal comunista L'Humanité com a mán
chete: "Perseguicáo dos cristaos na Alemanha". Diz o Cardeal Pacelli:
"Sem dúvida, ela nao é bonita, mas cozinha bem". Note-se que o Cardeal
foi reproduzido com tragos típicos de um judeu (da propaganda nazista)
para combinar com as feicóes da muiher judia e comunista.

218
Nao as imagens?

E OS ÍCONES?

Em síntese: O presente artigo se vale da obra de urna Religiosa


de rito bizantino para manifestar a grande veneragáo que os cristáos ori
entáis prestam ás santas imagens (icones). Estimam-nas aínda mais do
que os católicos, mas nem por isto passam por idólatras. O culto das
imagens, usual na Igreja desde as orígens do Cristianismo, foi ardua
mente controvertido na época do iconoclasmo (sáculos VIII/IX), o que
suscitou a definigáo do Concilio geral de Nicéia II (787), confirmada em
843 (Festa da Ortodoxia), definigáo favorável a veneragáo das imagens
na medida em que servem de suporte a elevagáo do espirito ao mundo
invisível.

Aqueles que questionam a veneragáo das imagens por parte dos


fiéis católicos ocidentais, talvez nao se lembrem de que cerca de 200
milhóes de cristáos orientáis as veneram também, e veneram ainda com
mais estima do que os ocidentais. Basta lembrar o apreso pelos icones
dos irmáos da Rússia, da Roménia, da Bulgaria, da Grecia... - A fim de
oferecer aos nossos leitores a ocasiáo de tomar conhecimento mais exa-
to do culto dos belos icones orientáis, transcreveremos, a seguir, páginas
do livro "Os icones. Imagens do Invisível", da autoría da Irma María
Donadeo, monja do mosteiro de Uspenskij russo católico de rito bizantino
em Roma1. A autora explana o sentido teológico profundo dos icones,
evidenciando que nada tem a ver com idolatría.

1. icones: que sao?


A palavra "ícone" deriva do termo grego "eikón", que significa ge
néricamente "imagem". Todavía, na historia da arte e também na lingua-
gem comum, a palavra ícone é reservada a urna pintura, geralmente
portátil, de género sagrado, executada sobre madeira com urna técnica
particular, e segundo urna tradicáo transmitida pelos séculos. A patria do
ícone é o Oriente bizantino que, com desvelo, conservou obras-primas
artísticas de grande valor espiritual que chegaram até nos.

Os icones representam Jesús Cristo, a Máe de Deus, os anjos, os


santos e outros temas religiosos, mas o ícone é muito mais do que urna

1 Uspenskij significa "da Dormigáo da Bem-aventurada Virgem María" (festejada aos


15/08). Mosteiro situado á Vía delta Pisana 342, 00163 Roma (Italia).

219
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

simples figuracáo; somente o acontecimento da Encarnacáo de Nosso


Senhor o tornou possível.

Fundamento do ícone: a Encarnacáo

No Antigo Testamento, Deus tinha proibido que se tentasse reprodu-


zir a sua imagem. Textos bíblicos (Dt 4,12 e 15) nos dizem que, também
quando se ouviu o som das palavras de Deus, nenhuma imagem foi vis
ta, e muitas censuras foram feitas a cada nova tentacáo de esculpir e
adorar um ídolo! Somente a arte decorativa, prevalecendo a de forma
geométrica, exprimía o sentido do infinito, como vemos ainda hoje com
os hebreus ou os muculmanos. Táo-só a representado dos anjos foi
permitida no Antigo Testamento (Ex 25,17-22) e sobre a arca da alianca
havia-se esculpido o ícone dos querubins como prenuncio de aconteci
mento futuro.

A hora do nascimento terreno do Filho de Deus é a hora do nasci-


mento do ícone: Jesús Cristo, com efeito, nao é apenas o Verbo de Deus,
mas também a sua imagem: "Cristo é a imagem (eikón) do Deus invisí-
vel" (Cl 1, 15). Sao Joáo Damasceno, o teólogo poeta, morto em 749,
que nos seus tres Tratados pela defesa dos santos icones, na época
iconoclasta, tanto aprofundou esta questáo, explica a superacáo da proi-
bicáo das Escrituras de se representar o Deus invisível:

"Quando virmos aquele que nao tem corpo tornarse homem por
nossa causa, entáo poderemos executar a representagáo de seu aspec
to humano. Quando o Invisível, revestido de carne, se tornar visível, en
táo representa a imagem daquele que apareceu... Quando aquele que é
a Imagem consubstancial do Pai despojou-se, assumindo a imagem de
escravo (Fl 2, 6-7), tornándose assim limitado na quantidade e na quali-
dade por se ter revestido da imagem carnal, entáo pintamos (...) e expo
mos á vista de todos Aquele que se quis manifestar. Pintemos o seu nas
cimento da Virgem, o seu batismo no Jordáo, a sua Transfiguragáo no
monte Tabor, pintemos tudo com a paiavra e com as cores nos livros e na
madeira".'

O fundamental e primeiro ícone - tomando a paiavra no seu signi


ficado mais ampio de imagem - é, assim, a própria face de Cristo. E
podemos representá-la, porque nao se trata mais de urna imagem ina-
cessível á vista, mas de urna pessoa real. O ícone de Jesús Cristo expri
me, através da imagem, o dogma do Concilio de Calcedonia (451): o
ícone nao representa táo-só a natureza divina, nem só a natureza huma-

1 Sao Joáo Damasceno, Primeiro Tratado em defesa dos santos icones. PG 94, cois.
1239-1240a.

220
E OS ÍCONES? 29

na de Cristo, mas representa a sua Pessoa, a pessoa de Deus-Homem,


que reúne em si "sem mistura nem divisáo" as duas naturezas.

Doravante, seráo possíveis também os icones da Máe de Deus,


mesmo quando a Virgem Santíssima carrega o Filho divino (e sao
pouquíssimos os icones sem a presenca de Jesús); eles sao as vezes
denominados icones da Encarnacáo.

Seráo possíveis os icones dos santos, porque, assumindo a natu-


reza humana, o Filho de Deus nao só renova no homem a imagem obs
curecida com a queda de Adáo, mas a recría mais profundamente á ima
gem de Deus. Cristo abre para o homem o caminho da transfiguracáo
pela graca... como diz Sao Paulo: "Nos que (...) refletimos como num
espelho a gloria do Senhor, somos transfigurados nessa mesma ima
gem" (2Cor 3, 18). Assim, o ícone transmite verdadeiramente a imagem
do um homem purificado, transfigurado.... revestido da beleza incorruptível
do Reino de Deus, de urna pessoa humana transformada em ícone ví
vente de Deus (pp. 15-18).

2. Funcao do ícone
Os icones, "visíveis representacóes das magnificencias misterio
sas e sobrenaturais", para usar a antiga fórmula de Sao Dionisio
Areopagita, tém lugar importantíssimo na tradicáo espiritual ortodoxa. E,
se quisermos apressar a uniao entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente
- elas que no primeiro milenio tinham em comum também a língua viva
do sinal iconográfico -, devemos conhecé-los, apreciá-los, compreendé-
los como um "tesouro espiritual"; o que eles representam para os cris-
táos da tradicáo bizantina...

O ícone nao é o resultado de urna intuicáo ou a figuracáo de urna


impressáo do artista; ele é fruto de urna tradicáo e, antes de ser pintado,
é urna obra profundamente meditada, pacientemente elaborada por ge-
racoes de pintores. Um especialista soviético1 dizia que "o ícone nao é
um quadro; nele vem representado nao aquilo que o pintor tem diante
dos olhos, mas certo prototipo a que ele deve ater-se. A veneracáo dos
icones deriva da veneracáo do prototipo. Os icones sao beijados; atra-
vés deles esperam-se curas; sao venerados, porque sao representacóes
de Cristo, da Virgem María, dos Santos. Os icones entram no oficio
litúrgico. A iconografía é, de certo modo, urna arte ritual. A reverencia
devida ao ícone e a sua criacáo foram rígidamente regulamentadas pelo
Vil Concilio Ecuménico. Os eclesiásticos consideravam-se verdadeiros
criadores de icones e os artistas eram tidos como realizadores das idéias
deles" (pp. 7-9).
1 M. Alpatov, Drevnerusskaja ikonopis (em russo = Antiga inconografía russa). Intro-
dugáo em russo e em inglés, p. 6.

221
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

O ícone é uma "janela para a eternidade"

A frase, propositadamente repetida, nao é um slogan: através do


ícone o divino nos ilumina. A luz é o atributo principal da gloria celeste e
os icones representam os habitantes do Reino, contempladores da luz
incriada, pela qual se deixam penetrar até se tornarem esplendorosos,
como indica o nimbo ao redor de seus rostos (os nimbos nao sao, como
as auréolas ou as coroas, simples sinais da santidade).

O ícone, visto com os olhos do coracáo iluminados pela fé, nos


abre para a realidade invisível, para o mundo do Espirito, para a econo
mía divina, para o misterio cristáo na sua totalidade ultraterrena. É lugar
teológico, antes, "teología visual", como muitos já disseram.

O ícone é inspirado e sagrado de modo específico, símbolo que


contém presenca, cujo tempo, espaco e movimento nao sao representa
dos pela percepcáo comum. A própria laconicidade de seus tragos nos
remete para uma mensagem de fé, a "visáo do Invisível", para empregar
as palavras de Sao Paulo (Hb 11,1).

"O ícone se afirma independentemente do artista e do espectador


e suscita nao a emocáo, mas a vinda do transcendente, cuja presenga
ele atesta. O artista se esconde atrás da Tradigáo que fala. A obra torna
se uma manifestagáo de Deus, diante da qual devemos nos prostrar num
ato de adoragáo e de oragáo".1

Poder-se-ia continuar muito mais, tentando precisar bem o que é o


ícone, mas os orientáis nao gostam de definir; pelo contrario - observa
um deles - é necessário nao definir! Portanto, procuremos descobrir pes-
soalmente o que é o ícone...

No recolhimento e no silencio, os olhos se abrem para a luz da


Transfiguracáo e seremos naturalmente conduzidos pela forca do Espiri
to a luz do ícone, a fim de contemplar nao só a face de Jesús, mas tam-
bém a luz da verdade divina (pp. 20s).

3. Imagens do Invisível

Deus sabe tirar o bem de tudo! Alegremo-nos, pois "os icones da


antiga Rússia revelaram o mundo interior do homem, a pureza, a nobre-
za de sua alma, a sua capacidade de sacrificio, a profundidade de seu
pensamento e dos seus sentimentos", como escreve o pintor Igor Grabar,
Académico soviético e também Diretor do Laboratorio Nacional de Res-
tauracáo. Ele continua: "Pela primeira vez (sob as carnadas de verniz

1 P. Evdokimov, La connaissance de Dieu dans la tradition iconographique, in Unité


Chrétíenne, nn. 46-47, Lyon, 1977, p. 60.

222
E OS ÍCONES? 31

fuliginosas e reparos) apareceu urna arte brilhante, que nos impacta e


encontra pela harmonía delicada de suas cores, pelo ritmo e a seguranca
de suas linhas, pelo caráter profundamente inspirado de suas imagens".
A pintura dos icones da antiga Rússia é "parte integrante do tesouro cons
tituido pela heranca cultural de toda a humanidade".1
Para compreender os icones, é necessária urna tríplice aproxima-
cáo entre: conhecimento científico, valor artístico e visáo teológica.
Paulo VI, falando aos artistas, reunidos em 7 de maio de 1964 na
Cápela Sixtina, denominou-os mestres na arte de "transvasar o mundo
invisível com fórmulas acessíveis e inteligíveis". O ícone é realmente a
apresentacáo dos dogmas de modo visível; é antes um lugar de presen-
ca e de encontró espiritual, um sinal de graca.

O ícone nos mostra o homem como Deus o ama, transfigurado


pelos seus dons, e é um convite para nos abrirmos á realidade espiritual,
a rezar; "ligada intimamente á economía da salvacáo, a ¡magem sagrada
poe em destaque os doís aspectos principáis da obra redentora de Cris
to: a pregacáo da verdade e a comunicacáo da graca".2
Na civilizacáo da imagem, freqüentemente dispersiva, em que vi
vemos, a presenca do ícone nos ajuda a realizar nossa vocacáo crista:
reproduzir em nos a imagem de Cristo, tornar-nos seu "ícone". "Cristo,
verdadeiramente luz que ilumina e santifica todo homem que vem ao
mundo, resplandeca sobre nos a luz de vossa face, a fim de que nela
vejamos a luz inacessível; e dirigi nossos passos para o cumprimento
dos vossos mandamentos, pelas oracóes de vossa puríssima Máe e de
todos os Santos. Amém" (pp. 10-12).
4. O Iconoclasmo

Iconoclasta.significa literalmente "quebrador de icones" ou de ima


gens sagradas. Tal palavra é usada para indicar os inimigos fanáticos do
emprego e do culto das imagens que surgiram no imperio bizantino du
rante os séculos VIII-IX.

A historia do iconoclasmo se desenvolveu sob a direcáo dos impe


radores bizantinos em duas épocas. Entre elas há um período de tranqüi-
lidade, que permitiu a realizacáo do VIII Concilio ecuménico em Nicéia
em 787. A guerra contra as imagens foi declarada em 725 pelo impera
dor Leáo III, Isáurico, que sem dúvida se deixou influenciar pelo judais
mo e pelo islamismo. É certo que houve muitos exageras na veneracáo

Na Introducáo do álbum atrás citado.


T. Spidlik, La spirituaiité de l'Orient Chrétien, Roma, 1978, p. 301.

223
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

de icones (chegou-se a misturar as especies eucarísticas com crostas


coloridas retiradas das pinturas religiosas, dando-se aos fiéis na Comu-
nháo), mas a violenta tempestade iconoclasta serviu para acender parti
dos opostos. E, quando, em Janeiro de 729, foi golpeada a imagem de
Cristo no bairro de "Caichis" em Constantinopla, houve um comovente
protesto popular, rápidamente sufocado no sangue. Infelizmente, varios
bispos aceitaram o ponto de vista do imperador e o corajoso patriarca de
Constantinopla, Sao Germano, defensor dos icones, foi constrangido a
renunciar. Também sob o imperador Constantino V, Coprónimo, a oposi-
cáo as imagens sagradas continuou, chegando a urna definicáo oficial.
Um oros, subscrito por cerca de 338 bispos, condenava, em 752, o uso e
o culto das imagens, admitindo porém certo culto de intercessáo dirigido
á Máe de Deus e aos Santos. Mas o povo, e sobretudo os monges, pro-
testaram. Foi o inicio de urna verdadeira perseguicao com exilios, pri-
sóes, torturas e, por fim, martirios entre os defensores dos icones, com
urna bárbara destruicáo de objetos sagrados. De 775 a 780, sob Leáo IV,
a luta iconoclasta mitigou-se, e, quando da morte do imperador, a viúvá
Irene assumiu o poder em nome do filho de 6 anos, Constantino VI, entáo
foi possível a restauracáo do culto das imagens. Em 785, a ¡mperatriz
enviou urna delegacáo a Roma, propondo ao papa a convocacáo de um
Concilio ecuménico. O papa Adriano I aprovou a idéia e enviou legados
que assistiram, em 17 de agosto do ano seguinte, á abertura de um Con
cilio em Constantinopla, na igreja dos Santos Apostólos. Soldados
iconoclastas se rebelaram e Irene viu-se constrangida a prorrogar o Con
cilio, realizando-o em Nicéia em 787. Foi entáo esclarecido e justificado
o culto prestado as imagens sagradas e o iconoclasmo anatematizado.
A paz parecía restabelecida, mas com a eleicáo do armenio Leáo
V, em 813, mantido por urna revolta militar, reacende-se a luta contra as
imagens sagradas. O patriarca de Constantinopla, Sao Nicéforo, teve de
pedir demissáo em 815 e a perseguicáo contra os iconófilos foi ainda
mais violenta que a precedente: bispos arrancados de suas sedes, mos-
teiros fechados, monges e fiéis aprisionados e torturados até a morte.
Leáo, o armenio, foi morto em 820; todavía, aínda sob os seus dois su-
cessores, apesar de urna tregua parcial, a luta iconoclasta continuou.
Somente em 842, com a morte do imperador Teófilo, a viúva regente,
Teodora, favorável as imagens, restaurou com prudencia o culto das
mesmas, comecando por afastar o patriarca iconoclasta, substituindo-o
por Metódio, que viria a ser canonizado mais tarde. Em 11 de margo de
843, primeiro domingo da Quaresma, póde-se finalmente celebrar com
solenidade a Vitoria dos partidarios de icones, conhecida como "triunfo
da ortodoxia". Urna festa que foi além do primeiro domingo, com textos
próprios e belíssimos, onde foram reafirmadas a validade e a importán-
224
E OS ÍCONES? 33

cía do culto as imagens sagradas - muitos icones foram carregados em


procissáo.

As lutas iconoclastas repercutiram apenas indiretamente no Oci-


dente, aonde foram ter monges foragidos das perseguicóes, geralmente
carregando icones consigo. Os Papas, desiludidos com os imperadores
orientáis, hereges e impotentes diante das invasoes dos bárbaros, co-
mecaram a depositar sua confianca na nova potencia política que surgía
no Ocidente, com Pepino, o Breve, e Carlos Magno...

É significativo que o triunfo sobre os iconoclastas permaneca lem-


brado como Testa da Ortodoxia", e o Kontákion do dia resume bem os
temas de fundo:

"O Verbo do Pai, que nao tem limites, foi circunscrito, encarnándo
se em vos, Máe de Deus; elevou ao primitivo estado a nossa imagem (=
ícone) desfigurada pelo pecado, elevando-a á beleza divina. Reconhe-
cendo assim a nossa salvagáo, procuramos realizá-la com a agáo e a
palavra".

Outros concilios realmente ecuménicos, com a presenca dos re


presentantes das Igrejas do Oriente e do Ocidente, nunca foram convo
cados; todavía encontram-se em concilios locáis referencias sobre a
iconografía e a arte sacra em geral. Como exemplo, temos o Concilio
ortodoxo moscovita de 1551, conhecido como dos "Cem capítulos". Ele
lembra a importancia da verdadeira iconografía, que corresponde ás di-
retrizes da Igreja, acrescentando o exemplo dado pelo monge Rublév. O
Concilio católico de Trento tem um decreto De invocatione, veneratione
et reliquiis Sanctorum et sacris imaginibus, com uma referencia específi
ca ao II Concilio de Nicéia.1 Também o Vaticano II tem expressóes
belíssimas2 que nos ajudam a compreender a arte sacra em geral e, es
pecialmente, a iconografía (pp. 71-76).

1 Cf. Dz, n" 984: "Ordena o Concilio a todos os bispos (...) que ensinem aos fiéis o
correto uso de imagens, fazendo-os saber (...) Sobretudo as imagens de Cristo etc.
(...) devem ser colocadas e mantidas ñas igrejas, recebendo a honra e a veneragáo
que Ihes é devida, nao que se julgue que sao depositarías de alguma forga ou parti-
cipagáo da divindade, que justificaría seu culto (...) mas porque a honra que Ihes é
prestada refere-se ás pessoas que representam (...) Foi decreto precipuo do Segun
do Concilio de Nicéia, contra os adversarios das imagens".
2 Por exemplo, as Constituigdes sobre a Liturgia, Sacrosanctum Concilium, nn. 122-
129, e Sobre a Igreja no Mundo, Gaudium et Spes, n. 62.

225
A moda evolui...

O VERAO DO "TOPLESS"

Em síntese: O mes de Janeiro 2000 foi agitado pelos debates em


torno do "topless". Enquanto as autoridades governamentais discutiam a
liberagáo ou nao da nova moda, os advogados, em nome do Direito, dis-
cordavam entre si no tocante ao assunto. A Moral católica, baseada na
lei natural, afirma que o desnudamento do corpo humano é provocador
de paixóes desregradas. Além do qué, é falso o feminismo que preconiza
a imitagao do homem por parte da mulher, sujeitando-a ao próprío
machismo que ela quer legítimamente evitar. Daí o Nao do bom senso á
nova moda.

O veráo de 1979-80 como o de 1999-2000 agitaram a sociedade


pela discussáo da moda do "topless"..., moda que reproduz costumes de
Saint-Tropez na Cote d'Azur (Franca) e de outras regióes. O topless
assim adotado por murtas jovens e mulheres provocou celeumas, inter-
vencáo da policía cá e lá, aquiescencia de autoridades..., deixando nao
poucas pessoas perplexas. Seria aceitável o uso do topless? O escán
dalo que ele desperta, nao seria a reacáo passageira de urna geracio
formada segundo criterios hoje ultrapassados? Nao se poderia dizer que
o topless é inocente e que a maldade está do lado de quem o critica?

É a tais perguntas que dedicaremos as páginas subseqüentes, pro


curando formular um juízo sereno sobre o assunto.

Comecaremos por apresentar traeos do debate travado entre os


juristas.

1. Falam os juristas

Eis o que se lé no JORNAL DO BRASIL, edicáo de 22/01/00, p. 23:

Topless: ato obsceno ou manifestacáo cultural?

«Especialistas em direito penal tém opinióes diferentes sobre o tema.


Para alguns advogados, fazer topless nao é praticar ato obsceno, mas
simplesmente urna manifestagáo cultural. Já outros interpretam que tirar
a parte de cima do biquíni na praia constituí um atentado ao pudor coleti-
vo táo grave quanto o de urinar ñas rúas da cidade.

Na avaliagáo do Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil

226
O VERÁO DO "TOPLESS" 35

(OAB-RJ) Octavio Gomes, a lei é clara e deve sercumprida pelas autori


dades. "O código penal, criado em 1940, diz no artigo 233 que praticar
ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público é crime.
Neste caso, se algum banhista se sentir incomodado com um topless na
praia tem todo o direito de acionar urna autoridade policial, que terá a
obrigagao de cumprir a lei", diz Octavio. O praticante do ato obsceno,
explica o advogado, terá de ser encaminhado a urna delegada e será
processado. As penas para quem infringe o artigo 233 variam de tres
meses a um ano de detengáo ou multa.

Condenagáo - Octavio Gomes só nao acredita que algum juiz vá


condenar alguém por fazer topless na praia. "O Código Penal é de 1940
e estamos no ano 2000. No caso de um processo creio que seriam gran
des as chances de absolvigáo. Mas isso nao significa que a lei tem que
ser descumprida pelas autoridades", afirma.

O corregedor da OAB-RJ Osear Argollo, acha que o argumento de


o Código Penal estar defasado nao pode servir de desculpa para atitu-
des ¡legáis. "O tema terá que ser discutido pelas vías judiciárias", diz
Argollo, ressaltando que nao compete ao governador ou ao prefeito de
terminar se o topless é ou nao proibido. O advogado Jorge Beja val mais
além: "Se alguma autoridade liberar topless ou nudismo ñas praias eu
entro com urna agáo popular", avisa Beja, que em 1994 conseguiu a proi-
bigáo da criagáo de urna área de nudismo na Praia do Abricó...

Obscenidade - Para o advogado Paulo Goldrajch, especialista em


Direito Criminal, no entanto, o topless nao pode ser considerado ato obs
ceno. "É tudo muito relativo. Houve um tempo em que mostrar o joelho
era obsceno", lembra. Ele acha, inclusive, que a policía nao deve ser
chamada para resolver estas pendengas. "A policía deve ser chamada
para resolver problemas concretos e nao de natureza filosófico-religio-
sa", afirma. A turma a favor do topless também conta com a argumenta-
gao jurídica do advogado criminalista Wanderley Rebello: "Nao é crime
porque um ato para ser considerado obsceno tem que ter conotagáo se
xual", resume».

A perplexidade dos juristas se resolve pelo recurso á lei natural.


Com efeito; o Direito cria leis positivas ou leis humanas, que, para ser
legítimas, devem estar em consonancia com urna lei que Ihes é anterior
e que é chamada "a lei natural", a lei impregnada no íntimo de todo ho-
mem antes de qualquer cultura,... lei que, para as pessoas de fé, é a
marca do Criador ou do Fabricante da natureza humana.

Examinemos, pois, a questáo aos olhos da lei natural ou da Ética


natural.

227
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

2. O «topless»: porqué?

A fim de pódennos avaliar táo objetivamente quanto desejável a


nova moda, é oportuno ponderarmos as prováveis motivacóes da mes-
ma. Por que tantas pessoas do sexo feminino a adotam?

- Poderíamos conceber as quatro razóes seguintes, colhidas em


comentarios que sobre o tema se tém feito:

1) o emancipacionismo ou o feminismo mal entendido, que levam


mocas e senhoras a reproduzir indiscriminadamente atitudes de rapazes
e homens... Como estes andam de busto despido, as pessoas do sexo
feminino juigam que nao devem ter mais recato ou cuidado do que os seus
parceiros, pois o pudor as poderia tornar inferiores a estes, infantis, etc.;

2) o intuito, consciente ou subconsciente, de chamar a atencáo, de


merecer ser fotografadas, recebendo em troca algum dinheiro ou nao...
Em suma, a vaidade seria a responsável pela moda, também neste caso...;

3) a «necessidade» de acompanhar a onda... O medo de «ficar


para tras» ou de estar atrasada impóe a nao poucas pessoas atitudes
que elas mesmas juigam estranhas e com as quais interiormente se sen-
tem ¡ncompatibilizadas;

4) o desejo de bronzear-se uniformemente, evitando vestigios de


alfas sobre a pele...

Sao estas algumas razóes que com certa probabilidade explicam a


moda do topless. Outras se Ihes poderiam talvez acrescentar, mas a
catalogacáo completa de tais motivos nao é decisiva para os propósitos
deste artigo.

Perguntamo-nos agora:

3. E que dizer?

Poder-se-ia pensar, como certos comentaristas, que o repudio á


nova moda é atitude de quem se fechou no passado e nao consegue
viver a historia do seu tempo,... ou que é resquicio de tabú que nao raro
vem a ser hipocrisia ou fingimento da parte dos escandalizados.

Na verdade, pode-se crer que algumas posicóes negativas frente


ao topless sejam falsas ou hipócritas, pois quem as repudia ás vezes é
tao libertino quanto as jovens despudoradas. Todavia tres consideracóes
parecem preponderar sobre as demais, em se tratando de avaliar a moda
do topless:

1) A nudez do corpo humano costuma excitar as paixóes daqueles


que a contemplam, mesmo que tenham o hábito do autodominio. Todo

228
O VERÁO DO "TOPLESS" 37

ser humano normal é sensível ás provocacoes sexuais. Ora a excitacáo


consciente e voluntaria suscitada pelo topless pode desencadear atitu-
des mórbidas e comportamentos instintivos, se nao bestiais, da parte de
quem observa a nudez. A imprensa tem noticiado tais conseqüéncias,
verificadas ñas praias desta ou daquela regiáo do país. Assim o valor e a
dignidade do ser humano se degradam; a razáo e o bom senso cedem
aos impulsos cegos. Um gesto bestial provoca outros gestos mais besti
ais ainda, porque as paixóes, urna vez desencadeadas, tendem a se
avolumar.

Depois de cometidos os atos bestiais, nao poucas pessoas se sen-


tem vazias e frustradas. Percebem que nao vale a pena expor-se de tal
modo aos ímpetos da natureza cega e avassaladora; a humilhacáo e,
nao raro, a escravidáo ás paixóes vém a ser a paga de atitudes pré-
deliberadas e um tanto irracionais.

2) A mulher, que, através da nova moda, julga estar conquistando


emancipacáo e afirmando seus direitos, se vai mais e mais tornando jo-
guete ou «coisa» em poder dos homens. Infelizmente, é notorio como
estes muitas vezes sao habéis: usam e abusam da jovem ou da mulher
e, depois de se satisfazer, deixam-na entregue á sua sorte, tendo de
enfrentar serios problemas, que o homem nao experimenta. A mulher se
deixa fascinar fácilmente, vende-se por dinheiro ou por carinho (que muitas
vezes nao passa de egoísmo disfarcado), e nao raro verifica, depois de
tudo, que foi vilipendiada, utilizada, e nao... amada. Freqüentemente,
porém, ela só observa isto tarde demais, quando o desastre ou a afronta
já ocorreram.

Pergunta-se, alias, se é verdadeira emancipacáo a moda que leva


a mulher a imitar o homem em tudo o que ele costuma fazer,... moda que
tira á mulher as suas características femininas e específicas...

3) O desejo, consciente ou subconsciente, de aparecer e chamar a


atencáo do público que anima nao poucas adeptas do topless, é, nao
raro, o sinal de um grande vazio interior. Quem nao possui valores espi-
rituais (cultura geral, ciencia, fé, ideal de vida...) é inquieto e angustiado;
sente-se impelido naturalmente a procurar fora de si um substitutivo para
as verdadeiras riquezas, que sao as interiores; tal substitutivo vem a ser,
entáo, a publicidade, a fama (mesmo a fama ligada ao deboche), o di
nheiro (associado ao uso do corpo)... Muitas das pessoas que optam
pelo topless, sao comprovadamente pessoas carentes e sófregas de
algo..., desse algo que seria urna estrutura de personalidade bem forma
da. Caso se Ihes oferecesse um nobre ideal de vida, um por qué e um
para qué viver, é de crer que varias deixariam de procurar, pela publici
dade provocadora, urna compensacáo para o seu vazio interior.

229
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

Destas ponderales se percebe quanto é sabio dizer Nao ao


topless. Esta recusa nada tem que ver com mesquinhez ou com mente
retrógrada e tacanha; nao é fruto tardio de urna cultura ultrapassada,
mas é simplesmente a palavra do bom senso e da dignidade humana
(especialmente da feminina), que se faz ouvir em prol da sociedade con
temporánea e dos seus componentes. Como se compreende, é neces-
sária coragem para proferir um Nao á nova moda; trata-se da coragem
indispensável a quem queira servir abnegada e puramente, sem procu
rar ser bajulado nem exaltado. Pode ser que a moda do topless, em vez
de se apagar, se alastre mais ainda. Pouco importa; a verdade e o bem
nao se podem avaliar pelo número de seus adeptos; ao contrario, muitas
vezes sao o apanágio de urna minoría.

Resta ainda propor

4. Urna palavra sobre a S. Escritura

Há quem cite o livro bíblico do Cántico dos Cánticos para provar


que a S. Escritura legitima ou favorece o nudismo... Eís o texto em pauta:

"Oh, como és formosa, minha amada, como és formosa! Os teus


olhos sao como pombas, por detrás do teu véu. Os teus cábelos sao
como um rebanho de cabras descendo das vertentes pelas montanhas
de Galaad. Os teus dentes sao como um rebanho de ovelhas tosquiadas,
que sobem do lavadouro; cada urna leva dois cordeirinhos gémeos, e
nenhuma há estéril entre elas. Os teus labios sao como um fio de púrpu
ra, e o teu falar é doce. A tua face é como um pedago de roma por detrás
do teu véu. O teu pescogo é semelhante a torre de Davi, rodeada de
troféus, da qual pendem mil escudos, todos os escudos dos heróis. Os
teus dois seios sao como dois filhinhos gémeos de urna gazela que pas-
tam entre os lirios" (4, 1-5).

Ora arrisca-se a ilusáo o intérprete que leía a S. Escritura sem le


var em conta os géneros literarios dos respectivos livros. O Cántico dos
Cánticos é urna alegoría que apresenta o amor conjugal como imagem
do amor que Deus tem á sua plebe Israel ou á filha de Sion (como dízem
os profetas). As expressoes desse amor no livro bíblico tém por fim sim
bolizar a veeméncía do amor transcendental de Deus,... e maís nada;
nao pretendem dirimir a questáo da moralidade ou nao do nudismo. É,
pois, fora de propósito argüir a partir de Ct em favor de modas femininas.

De resto, sabe-se que a S. Escritura apregoa freqüentemente o


recato e a modestia de trajes. A propósito vem 1Tm 2, 9s:

"As mulheres tenham roupas decentes, se enfeitem com pudor e


modestia; nem trangas, nem objetos de ouro, pérolas ou vestuario suntu-

230
O VERÁO DO "TOPLESS" 39

oso; mas que se ornem, ao contrario, com boas obras, como convém a
muiheres que se professam piedosas".

Ver também 1 Pd 3,1 -5:

"Vos, muiheres, sujeitai-vos aos vossos maridos, para que, ainda


quando alguns nao creiam na Palavra, sejam conquistados sem pala
bras, pelo comportamento de suas muiheres, ao observarem o vosso
comportamento casto e respeitoso. Nao consista o vosso adorno em
exterioridades, como no trangado dos cábelos, no uso de jóias de ouro,
nem no trajar vestes finas, mas ñas qualidades pessoais internas, isto é,
na incorruptibilidade de um espirito manso e tranquilo, que é coisa pre
ciosa diante de Deus. Com efeito, era assim que as santas muiheres de
outrora, que punham a sua esperanga em Deus, se adornavam".
Donde se vé como é incongruente tencionar fundamentar na S.
Escritura modas despudoradas. Possam as pessoas interessadas en
tender quanto estas prejudicam o próprio ser humano, e descobrir a fon-
te da verdadeira felicidade na reestruturacáo da sua escala de valores!

{Com referencia á p. 240):

O TEXTO GREGO DE Mt 1,16.18-25

16 'IaK<bp óé éysvvtjoev xóv '¡(oof¡<p xóv ávópa Mapías, ¿£ ífc


éyEwfjdt] 'Itjoofo ó keyónevos Xpioxós.

18 Tov óé 'Irjaoú Xptoxoú tf yévEOis ovxcvs ?)v. juvrjaxEvdeíarjs xfjs -


fitjxpós atxoi) Mapías xá> '¡(oofj^, nplv ij avveXdetv avxovs Evpédrj év
yaaxpl tyovoa ek nvev^iaxoí üyíov. 19 'I(üof}<p óé ó ávt)p ccúxrjs, ót'icaios
ü>v Kal jurf OéXítív ax)xrjv ósiyfiaxíoai, éfiovXY¡9r] Xádpa dnoXtioat atixtfv.
20 xaüxa óé aúxoi) évdvf.tr^de'vxos lóov üyyeXos Kvpíov kccx' óvap é<j>avrj
avxú) Xéycov, 'Io)of¡<f> vlós Aavtó, fxt¡ (pofir]df)s jtapccXafisiv Mapiitfx xi¡v
yvvatKú oov, xó yixp tv atxf¡ yevvrjdEv éK nvEúfiaxós taxw aylov. 21
xé%Exai óe vlóv Kal icaXéosis xó dvofia atxoi) 'ItjooQv, at)rós yáp ckóoei ■
róv Xaóv avxov ánó xcbv á^apxtúv avxd>v. 22 Totixo Óé dXov yéyovev
tva nXrjpcodf} xó firjdév vnó Kvpíov óiá xov npo<j>rjxov Xéyovxos,

23 'lóov t} napdévos év yaoxpi 'é¿-£i xal xí&xai vlóv, xal


xaXéoovmv xóbvofia atxoi) 'E^avovfjX, ó éoxiv fie6epfitjvEvó/¿£vov Med'
tjfxóv ó 6eós. 24 éy£p0Ete óé [ó] '¡(üat¡<t> ájtó xoO Vavov énoírjoev és
npooéxa&v avxá) ó üyysXos Kvpíov Kal napéXapEv xf}v yvvaÍKa aúxoú.
25 Kal oük éy(vo)OK£v avxi)v £a)s ov Vxekev vlóv Kal ¿KáXsoev xó óvofia
atxoi) 'Itjooúv.

231
Um passo adiante...

E O NUDISMO?

Em síntese: Os debates contemporáneos versam outrossim sobre


a criagao de áreas em que o nudismo (ou naturalismo) seja legítimo. A
propósito deve-se dizer que pode haver indicagóes de higiene em favor
do nudismo, como atesta a historia de alguns povos. Todavia o nudismo
debatido no Brasil tem caráter mais liberal. Tal como vem preconizado, é
provocador de instintos e paixóes, que mais podem ferir a dignidade hu
mana do que a enobrecer.
* * *

Nos tempos atuais vai crescendo a campanha em favor do nudis


mo ou despojamento do corpo humano em público, seja de maneira es
porádica, seja de maneira habitual. As razóes evocadas em favor dessa
prática se tornam, por vezes, sedutoras: apelam para a liberacáo do ho-
mem moderno em relacáo aos tabus antigos, para razoes higiénicas,
psicológicas, pedagógicas, etc.

Em conseqüéncia, procuraremos abaixo reproduzir algo da proble


mática lancada por correntes nudistas; ao que se acrescentaráo algu-
mas reflexóes de bom senso e de consciéncia crista.

1. Nudismo e progresso

Os fautores do nudismo em nossos dias apelam tanto para motivos


filosófico-científicos como para a historia antiga.

Vejamos, pois, sucessivamente uns e outros argumentos.


1.1. Naturalismo e nudismo

O nudismo pode ser considerado como expressáo de urna tenden


cia mais ampia dita «naturalismo».

1. O naturalismo é urna atividade do espirito humano que aspira a


seguir em tudo a natureza ou a realidade visível ainda nao manipulada
pelo homem. Excluí positivamente, ou ao menos pretende ignorar, os
valores de ordem transcendente.

O naturalismo gerou um certo tipo de comportamento social que


apela para a medicina e a higiene e pretende reagir contra o artificialismo
da sociedade urbanística e mecanicizada. Apregoa um teor de vida cada
vez mais simples; a natureza seria a grande «médica» (tese de Hipócrates);
daí a necessidade de viver cada vez mais segundo seus ditames. A conse
qüéncia é que se háo de evitar alimentos demasiado delicados ou artificiáis,
232
E O NUDISMO? 41

rebuscados, em favor de um regime sobrio á base de produtos naturais ou


mesmo simplesmente vegetáis; preferir-se-áo vestes poucas e leves, que
nao deformem o físico da pessoa. O naturismo preconiza, de maneira geral,
a profilaxia contra as doencas (ou seja, dietas, exercícios físicos, horarios
sistemáticos...) a fim de evitar o recurso a farmacia e remedios para estados
morbosos. Os nomes mais representativos dessa corrente sao Sebastiáo
Kneipp, Birker Brenner, Paúl Cartón. Em 1931 fundou-se em Milao a Uniáo
Naturística Italiana (U.N.I.), com a sua revista «L'idea naturista».

O naturismo assim compreendido, dizem, está longe de favorecer


no homem a vida animal meramente instintiva. Tem, antes, em vista pro
mover o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana em seus diver
sos planos (corpóreo, afetivo, espiritual).

É, porém, sob a hégide do naturismo que tende a se colocar o


nudismo, tentando realgar afinidade com aquele, embora na verdade con-
duza a resultados totalmente opostos ao naturismo.

2. O nudismo é um sistema de doutrinas e práticas que tem por


fim difundir a nudez como se esta fosse meio oportuno para atender a
necessidades físicas e moráis do género humano.

Varios sao os principios filosóficos ou científicos para os quais apela


o naturismo:

- a filosofía de Jean-Jacques Rousseau (t 1778), segundo a


qual a natureza humana por si é moralmente boa e reta. A educacáo e as
convencóes estabelecidas pelos homens a deformariam. Por conseguin-
te, segundo tais premissas, é necessário despojar-se de todo costume
ou de toda regra de vida imposta pelos homens; entre esses costumes
convencionais, estaría (segundo a interpretacáo dos discípulos de
Rousseau) o de trajar-se;

- certas correntes psicológicas, segundo as quais a libertacáo


dos instintos sexuais é fator de equilibrio ou reencontró do equilibrio da
personalidade. A veste, sendo indiretamente um coibitivo ou sedativo des-
ses instintos, deveria conseqüentemente ser abolida;

- reacáo contra certo pessimismo no tocante ao corpo e ao sexo.


Esse pessimismo, em épocas passadas, pode realmente ter suscitado
atitudes artificiáis e deformantes do vestuario; dificultou a aceitacáo da sexu-
alidade própria do homem e da mulher. Em conseqüéncia, há quem preten
da combater os tabus do sexo, recorrendo mesmo ao acinte e á afronta;

- a onda de erotismo moderno vem suscitando um clima de


sugestionamento psicológico tal que muitas pessoas difícilmente com-
preendem o pudor e a modestia de porte e o conseqüente uso da veste.
Esta pode aparecer como parede ou barreira entre os homens.

233
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

Eis as principáis premissas doutrinárias sobre as quais se baseia o


nudismo contemporáneo.

Este pode apelar também para precedentes históricos, dos quais


abaixo enunciaremos alguns.

1.2. Fale a historia

Os historiadores apontam fenómenos de nudismo no decorrer dos


séculos. Tenham-se em vista os seguintes:

Certos povos primitivos, tribos de indios das zonas trapicáis, geral-


mente na sua fase de declínio físico, psíquico e numérico, cediam ao
nudismo.

Na historia das religióes, verifica-se que alguns cultos religiosos


incentivavam a «nudez sacra» no Egito, na Grecia, no próximo Oriente, na
india, no México, e no Perú antigos; tal nudez era justificada por «estórias»
mitológicas ou pelo culto dos deuses da fecundidade; em honra de espíritos
superiores praticavam-se dantas sagradas com despojamento de vestes.

Em certas populacóes primitivas, as mulheres costumavam pros-


trar-se desnudas por térra a fim de ser favorecidas em sua fecundidade por
forcas ctónicas, ou seja, por forcas mágicas semidivinas, emanadas do solo.

Entre monges hinduístas e budistas, a nudez tem sido cultivada a


título de ascese, mortificacio e pobreza; é tida com expressáo de des-
prendimento e insensibilidade. No monaquisino cristáo dos séculos IVA/,
houve também monges (em número exiguo) que abracaram a nudez
parcial ou mesmo total no intuito de se despojarem e tornarem pobres,
tentando assim reproduzir o que chamariam «o estado paradisíaco inicial».
Todavía esses ascetas cristáos nao fizeram escola; ao contrario, foram con
siderados como exóticos; sao heróis de amor a Deus, cuja consciéncia me
rece ser respeitada, sem que por isto seu comportamento deva ser imitado.

Entre os árabes antigos, a nudez religiosa era justificada pelo de-


sejo de preservar a pessoa da sujeira física e moral que adere a toda veste.
Em suma, varios foram os motivos de índole ou supersticiosa ou
contestável que inspiraram a nudez através dos séculos.

Nos tempos atuais, já nao sao as razoes religiosas, mas, sim, indi-
cacoes de saúde, procura do gozo e de determinado tipo de arte (note-se
o striptease na danca) que ¡nspiram práticas de nudismo, as quais ten-
dem a se impor em onda crescente.

A partir de 1920, o nudismo conheceu notável difusáo, primeramente


na Alemanha; depois, na Franca e nos países anglo-saxónicos, onde se
constituiram grupos destinados a propagá-lo e praticá-lo, como o «Pelagianer-
Bund», o «Lichtfreunde» de Berlim, e o dos Irmáos Durville na Franca.

234
E O NUDISMO? 43

Vejamos agora o que pensar a propósito.


2. A voz da consciéncia

Procederemos por partes.

2.1. Fora de consideracáo

Nao vem ao caso, neste estudo, a nudez exigida por abalizadas


razóes higiénicas ou médicas. Nada há que opor ao desnudamento do
corpo por ocasiáo do banho (mesmo do banho de sol, se necessário),
contanto que se evite promiscuidade de pessoas, sexos e idades; em
tais ocasióes, a preservagáo ou o fomento da saúde, nao a ostentacáo
ou o acinte sao os criterios a ser adotados. Todavía mesmo nos casos de
tratamento higiénico o pudor e a discricáo merecem ser observados de
modo a se guardarem os limites da decencia e da dignidade.
Urna pessoa normal ou psíquicamente sadia deve adquirir no trato
do seu corpo urna líberdade ou superioridade equilibrada. Nao há razáo
para se perturbar, desde que seja movida por ditames moralmente váli
dos e por sobriedade.

2.2. Em foco

O que vem a consideracáo nestas páginas, é a nudez tida como


expressáo de progresso mental e moral ou como reacáo contra o espirito
exageradamente tímido dos antigos.

A essa tese do nudismo liberal ou libertino podem-se fazer algu-


mas observacóes:

1) O corpo humano é criatura de Deus; traz em si os vestigios da


sabedoria do Criador (tenham-se em vista as estruturas do olho, do ouvi-
do, do pulmáo...); a rigor, nao se pode dizer que a natureza corpórea do
homem tenha «partes desonestas». Compreende-se que hoje em dia
mesmo os cristáos mais dignos e respeitáveis nao aceitem o dualismo
pessimista que inspirou certos comportamentos de outrora no setor da
sexualidade; é com mais tranqüilidade e naturalidade que se encara tal
assunto; chega-se mesmo a favorecer (com razáo) a educacáo sexual
dos jovens dentro dos limites e do ritmo oportunos.
Acontece, porém, que, dentro do ser humano (que é afetivo e raci
onal, ao mesmo tempo), a afetividade nem sempre obedece á razáo; as
tendencias instintivas nao se submetem dócilmente aos ditames da inte
ligencia. Daí a necessidade de se evitar a excitacáo sensual e instintiva
que resulta do desnudamento do corpo; a nudez pode provocar atos de
satinados, que a pessoa há de lamentar, porque a aviltam ou bestializam.
2) Mais ainda: a Escritura Sagrada tem sobre o assunto importante
licáo. Ela ensina que Deus constituiu os primeiros pais em estado de

235
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

amizade e filiacáo divina (tal é a chamada «justica original»). Nota que entáo
estavam ñus, mas nao sentiam rubor por isto (cf. Gn 2, 25); possuindo a
amizade e a graca de Deus, desfrutavam de harmonía em si mesmos ou em
seus instintos. Os primeiros homens, porém, pecaram, nao se mantendo na
fidelidade a Deus. Uma das conseqüéncias deste ato de rebeliao é assim
descrita pelo texto sagrado: «Abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo
que estavam ñus, prenderam folhas de figueira urnas as outras e coloca-
ram-nas como se fossem cinturóes á volta de seus rins» (Gn 3, 7).
Nao vem ao caso examinar aqui os pormenores desta cena bíblica
(em que terá consistido o pecado? onde se deu? quando...?). Apenas
convém frisar que nao há fundamento bíblico para se dizer que foi peca
do sexual. Mas o que importa, é depreender este aspecto da mensagem:
o homem senté rubor de sua nudez em conseqüéncia do pecado, ao
passo que antes deste nao o sentía.

Por qué?

- O pecado despojou o homem de algo, ou seja, da amizade e da


graca de Deus, que o tomavam harmonioso. Para encobrir esse despo-
jamento e evitar as manifestacóes de sua desarmonia, o homem passou a
usar veste. Assim a S. Escritura intenciona propor o significado da veste ou
da roupa do homem; esta se tornou necessária para evitar que a pobreza ou
a fraqueza interior do homem se exteriorizem em atos desarmoniosos.
As páginas bíblicas do Antigo Testamento mencionam mais de uma
vez a nudez como sinal da degradacáo que possa afetar alguém em con
seqüéncia do pecado.

Assim Noé, embriagado e desnudo, passa vexames (cf. Gn 9, 21).


Diz o profeta á filha (ou ao povo) de Edom: "A ti também chegará o
cálice e, embriagada, descobrirás a tua nudez!" (Lamentacóes 5, 21).
Cf. Jr 13, 26; Is 3, 17; 20, 4; Hab 2,15; Lm 4, 21...
O primeiro homem mesmo, conforme Gn 3, 10, responde ao Se-
nhor: «Tive medo porque estou nu». O pecado fez que o homem perdes-
se a consciéncia de que pertence a Deus; a nudez o surpreende como
um espelho que já nao reflete a imagem do Criador. Deus, porém, nao
afasta os primeiros homens pecadores sem os ter revestido de túnicas
de pele (Gn 3, 21). Evidentemente trata-se aqui de metáfora. A veste
dada por Deus nao extingue o despojamento e a desarmonia que o ho
mem após o pecado experimenta e experimentará; mas essa veste sim
bólica significa que o homem continua a ser chamado á dignidade de
filho de Deus (revestido da graca santificante), dignidade que o primeiro
pecado ameacou. Na visáo bíblica, portanto, a veste veio a ser o sinal de
que, de um lado, o homem está interiormente desnudado (destituido de
harmonía, pois é portador de concupiscencia desordenada), mas, de ou-
236
E O NUDISMO? 45

tro lado, ele conserva a possibilidade de voltar á gloria perdida.

3) Pelos motivos atrás indicados compreende-se que numa autén


tica visáo crista nao se pode justificar o nudismo.

Este supóe a tese filosófica de J. J. Rousseau segundo a qual a


natureza humana é por si propensa ao bem moral e isenta de tendencias
desregradas. Ora, tal proposicáo nao se concilia nem com a experiencia
nem com a concepcáo crista do homem. A veste tem um significado e
urna funcáo sugeridos ou mesmo exigidos pelas presentes condicóes do
ser humano. Ela exprime a realidade íntima da pessoa: esta é, como foi
dito, alguém que padece desordem interior, mas tende a se reestruturar
segundo os ditames da sá inteligencia e da fé.

A recusa sistemática de veste redunda em excitacáo da concupis


cencia desordenada. Tende a favorecer a vida instintiva do homem, nao
levando em consideracáo o fato de que nem tudo que a sensualidade
pede é apto a construir urna auténtica personalidade. Esta, como disse-
mos, se rege, antes do mais, pela razáo e pela fé; concebe um ideal
condizente com sua dignidade e, em vista disto, deve saber evitar tudo
que a desvie para urna vida meramente erótica ou hedonística.

4) É possível que a prática do nudismo concorra para dissipar a


curiosidade sexual e os tabus concementes á sexualidade. Todavía fica-
rá sempre no homem a tendencia impulsiva e irracional, para a qual a
nudez há de ser sempre um aguilháo. Jamáis se conceberá um ser hu
mano que nao tenha impulsos sexuais e que nao se veja exposto a su-
cumbir-lhes independentemente dos propósitos de sua razáo; o
desnudamento, portanto, será sempre um excitante para o instinto.

5) As razóes pretensamente higiénicas alegadas em favor do nu


dismo nao se impóem á evidencia: nao há dúvida de que o sadio metabo
lismo do organismo rejeita roupagem desnecessariamente pesada e
modas ou artificios deformantes; exige também contato com o sol. Toda
vía a prática de helioterapía, fora excecoes, nao requer total
desnudamento. - Em qualquer hipótese, a saúde física e mental da pes
soa humana só pode ser beneficiada pela observancia do pudor. Por
mais evoluído ou civilizado que se torne o homem, ele jamáis poderá
dispensar autodominio, temperanca, forca de vontade...; ora, estas qualida-
des tém no nudismo um antídoto e um contra-testemunho, como encontram
num vestuario sobrio e digno o seu fomento e a sua expressáo auténtica.
6) Observam, de resto, os estudiosos que a extincáo, ao menos
parcial, do interesse e da curiosidade sexuais (caso ela fosse obtida pelo
nudismo) poderia acarretar f rieza e diminuicao das disposicoes necessá-
rias para a realizacáo conjugal; em conseqüéncia, as pessoas interessa-
das poderiam ser induzidas a procurar novos e requintados estímulos
para a vida sexual, chegando mesmo a práticas aberrantes neste setor.

237
O nome sagrado:

JESÚS OU lERROCHUA OU YEHOSHUA?

Em sintese: Há quem alegue que o nome Jesús éode urna divin-


dade paga, de modo que se deveria dizer lERROCHUA ou YEHOSHUA
e nao Jesús. Assim se corrigiria urna deturpagáo do texto sagrado come
tida por cristáos antigos, que paganizaram a mensagem do Messias. -
Em resposta, observase que o nome grego IESOUS (donde JESÚS)
ocorre nos escritos gregos do Novo Testamento sob a pena dos
evangelistas, de Sao Paulo e dos demais hagiógrafos; é a tradugáo fiel
do santo nome hebraico do Salvador.
Quanto ao nome Jeová, é forma medieval do nome IAHWEH; nao
se encentra na literatura hebraica mais antiga.

A Redacáo de PR recebeu a seguinte mensagem, que vai transcri


ta tal como chegou:

"Nos, Dom. FRANCISCO ALVES FEITOZA, ARCEBISPO ORTO


DOXO E VIGÁRIO GERAL DE SOROCABA E REGIÁO NO ESTADO DE
SAO PAULO, por mercé e aprovagáo de Deus fago esta DECLARACÁO
ECLESIÁSTICA a quem interessar possa:

3. Que a leviandade e alteragóes dos textos hebraicos que anulam


o inefável NOME lERROCHUA através dos séculos se deram por inte-
resses mesquinhos de homens corruptos dentro da Igreja, inclusive, o
próprío Jerónimo em sua Obra Viris Illustribus declara que os escritos
origináis do Evangelho de Mateus foram caracterizados no dialeto
hebraico, que os mesmos se encontram preservados na biblioteca da
Cidade de Cesaréia, tendo acesso direto dos nazarenos da cidade Siria
de Beréia. Quando da tradugáo da Vulgata em 383 á mando do 'papa'
Dámaso da Igreja Romana, omitiu o SAGRADO NOME YEHOSHUA,
substituindo pelo latino nome JESÚS, divindade adorada em todo Oci-
dente como o Deus Salvador e inserido em todas as tradugóes da Sagra
da Escritura. O nome JESÚS se deriva única e exclusivamente dos deu-
ses romanos, sendo por conseguinte, eles Júpiter e IESUS, Júpiter era
considerado pelos romanos como deus dos deuses; sendo que IESUS
era o deus da guerra dos romanos, divindade esta a quem se ofereciam
todas as vítimas, motivo pelo qual, a crueldade dos exércitos romanos".

238
JESÚS OU IERROCHUA OU YEHOSHUA? 47

Pergunta-se:

1. Quedizer?

1) Antes do mais, chama a atencáo o deficiente linguajar de urna


pretensa DECLARAQÁO ECLESIÁSTICA: nao somente se encontram ai
erros de expressáo, frases obscuras, erras geográficos, mas o texto mes-
mo nao define qual o "verdadeiro" nome do Messias, pois apresenta duas
formas: IERROCHUA E YEHOSHUA. Estas graves imprecisoes já desabo-
nam o pronunciamento. Ademáis Beréia nao é cidade da Siria, mas da Grecia.
2) Se falsificacáo do nome messiánico houve, esta se deve nao a
homens corruptos, mas aos escritores sagrados do Novo Testamento,
como se depreende do texto da p. 231, que reproduz parte do capítulo 1S
do Evangelho segundo Mateus. Os demais autores do Novo Testamento
usam o nome IESOUS, que é a transposicáo, para o grego, da forma
hebraica YESHUA, que vem de YEHOSHUA ou YOSHUA (= Javé é ou
dá salvacáo). É freqüente adaptar nomes estrangeiros ao linguajar de
quem redige um texto: assim o hebraico YA'AQOB deu em portugués
Jaco Tiago, em espanhol Santiago, em francés Jacques, em inglés
James; o nome hebraico MATTENAI (Esd 10, 33) deu em portugués
Mateus e Matías (= presente de Deus ou de Javé). Conseqüentemente
nao se pode dizer que a forma IESOUS (donde Jesús) grega é urna
deturpacáo de YEHOSHUA ou YESHUA.
3) Se houve deturpadores (na verdade nao os houve), foram tam-
bém os gregos e orientáis ortodoxos, pois todos, lendo o Novo Testa
mento em grego, usam o nome IESOUS (Jesús). O Coráo muculmano
cita 25 vezes Jesús sob a forma de Isa.
4) Quanto á divindade romana chamada JESÚS, é desconhecida
pelos melhores autores de historia das Religides. Alguns racionalistas,
entre os quais Paúl Couchoud, conceberam o mito de Jesús, divindade
mitológica oriental, nao porém divindade latina (o nome JESÚS nao é de
origem latina); tal concepcáo já foi abandonada pela crítica.
Estas ponderacóes sejam suficientes para evidenciar quáo vazias
sao as alegacóes da dita "Declaracáo Eclesiástica" atrás transcrita. Nao
há como ou por que Ihe dar maior atencáo.
Juntamente com a pergunta sobre o nome de JESÚS, PR recebeu
outra, relativa ao nome JAVÉ.
2.Javé ou Jeová?

Yahweh é o nome próprio do Deus de Israel.


Encontra-se sob a forma Yhw (yahu) no final de nomes teofóricos,
239
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 456/2000

como Yesa-Yahu (Isaías), Uzzi-Yahu (Osias). Vertambém Hallelu-Yah


(louvai Yah; S1104, 35; 106, 1).

O significado de tal nome é discutido. Eis o texto em questáo:


Ex 3, 14s: "Disse Deus a Moisés: 'Eu sou aquele que é'. Disse
mais: 'Assim dirás aos filhos de Israel: 'Eu sou (ehyeh) me enviou até
vos'. Disse Deus ainda a Moisés: 'Assim dirás aos filhos de Israel: Yahweh,
o Deus de vossos país, o Deus de Abraáo, o Deus de Isaque e o Deus dé
Jaco me enviou até vos. Este é o meu nome para sempre, e esta será a
minha lembranca de geragáo em geragáo'".

Tres sao as principáis interpretares:

a) Deus ter-se-á recusado a revelar o seu nome numa resposta


evasiva. Isto, porque segundo os antigos, quem conhecia o nome tinha
poderes sobre o portador do nome; daí guardar-se em segredo os nomes
dos deuses. - Ora tal interpretado é descabida, pois Deus quería recon
fortar Moisés, temeroso de assumir o encargo que o Senhor Ihe confiava
frente ao Faraó. Além do mais, quando há recusa de revelar o nome da
Biblia, a recusa é explícita; cf. Gn 32, 30; Jz 13,17s.

b) A traducáo dos LXX verteu Yahweh por ho on, indicando assim


que Deus é o Ser Absoluto ou o Ser por excelencia. Esta afirmacáo é
verídica: Deus é por si mesmo, á diferenca das criaturas, que nao exis-
tem por si mesmas, ou em oposicáo aos deuses pagaos, que nada sao.
- Todavía este modo de conhecer a Deus era estranho aos antigos
israelitas, pouco dados ao pensamento abstrato ou metafísíco.
c) Em conseqüéncia, a interpretacao mais correta do nome revela
do é a que leva em conta o seu caráter dinámico e concreto. Deus quer
revelar-se como Aquele que está com seu povo e o acompanha na saída
do Egito, assegurando éxito á tarefa de Moisés. Donde a traducáo: "Eu
sou aquele que é contigo". O próprio Senhor disse a Moisés: "Eu estarei
contigo" (Ex 3, 12).

É de notar que, após o exilio na Babilonia (587-538 a.C), se tornou


proibido aos judeus proferir o nome Yahweh; tal era "o nome que se
escreve, mas nao se lé" (Flávio José). Segundo o Talmud, o nome santo
só era proferido pelo Sumo Sacerdote quando entrava no Santo dos San
tos no día da Expiacáo anual, ou pelos demais sacerdotes que abenco-
assem o povo segundo Nm 6, 23-27; mesmo nestes casos o nome sa
grado era pronunciado em voz muito baixa. Em conseqüéncia, desde o
século IV a.C. o tetragrama yhwh era lido como Adonay (= meu Senhor).
No século VI d.C. a escola massorética intercalou as vogais entre as
consoantes hebraicas, fundindo entáo entre si as consoantes YHWY com

240
as vogais AdOnAy; donde resultou

Y H W Hv

J^YEHOWAH ou JEOVÁ
AdOnAy1^
Pela primeira vez, a pronuncia Jeová é atestada em 1270 por
Raimundo Martini na obra Pugio Fidel. Os protestantes no séc. XVI ado-
taram a pronuncia "Jeová".

A expressáo Yahweh Seba'oth é freqüente na Biblia, especial


mente na literatura profética. Significa "o Senhor dos exércitos". A pala-
vra seba'oth compreende todos os seres que no céu e na térra estáo a
servico de Javé; em conseqüéncia a expressáo é traduzida na versáo
dos LXX por Pantokrator, Todo-Poderoso; ver Jz 5, 20; SI 18, 8-16; Js
10, 10-15; Jó 38, 7. A expressáo tomou significado polémico; designava
o dominio do Senhor sobre todos os elementos deste mundo, inclusive
os astros, que os pagaos adoravam como deuses; cf. Is 40, 26; 45, 12.
Estéváo Bettencourt O.S.B.

Evangelho de Joáo. Urna leitura espiritual, por D. Joáo


Evangelista Martins Térra S.J. - Ed. Santuario, Aparecida (SP); 120pp.,
140x210mm.

Este livro nao pretende ser um comentario científico do quarto Evan


gelho, mas um instrumento valioso para a leitura espiritual ou lectio di
vina. O propósito do autor é claramente explanado ñas páginas
introdutórias da obra, em que D. Térra expóe os diversos modos de lera
Biblia, explica o que é a lectio divina e propóe normas^para se fazer
urna leitura orante da Biblia. Interessantes também sao a apresentagáo
do autor do quarto Evangelho e o plano desse Evangelho teológico. O
corpo do livro de D. Térra desenvolve enfáticamente a índole doutrinária
do livro de Joáo: observa as peculiaridades do seu estilo e o que as
entrelinhas da obra permitem descobrir ao olhar sagaz de um bom estu
dioso. No fim de cada secgáo encontrase um questionamento relativo
ao texto lido, para provocar a reflexáo ou meditagáo do leitor. - O livro
será muito útil aos Circuios Bíblicos, pois troca em miúdos a erudigáo e
déla faz o alimento da espiritualidade.

1 O primeiro a é mudo, correspondiendo ao e de Portugal. O y nao é vogal, mas


semiconsoante, podendo ser transliterado por J.
UVROS A VENDA NA LUMEN CHRISTI:

- JESÚS CRISTO IDEAL DO MONGE - Dom Columba Marmion, OSB. Versáo portu
guesa dos Monges de Singeverga. 682 págs R$ 35,00.

- JESÚS CRISTO NOS SEUS MISTERIOS, Dom Columba Marmion, OSB. - Confe
rencias Espirituais. 3a edicáo portuguesa pelos monges de Singeverga.
540 págs R$ 35,00.

- JESÚS CRISTO VIDA DA ALMA, Dom Columba Marmion, OSB. Quarta edicáo por
tuguesa pelos Monges de Singeverga, Portugal. 1961, 544 págs R$ 35,00.

- LECTIO DIVINA, ontem e hoje. 2- edicáo revista e aumentada. Guigo II, Cartuxo,
Enzo Bianchi, Giorgio Giurisato, Albert Vinnel. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de
JuizdeFora, MG. 1999. 160 páginas R$ 14,50.

- VIVENDO COM A CONTRADICÁO, reflexóes sobre a Regra de S. Bento. Esther de


Waal. 1998. 165 páginas. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de Juiz de Fora, MG.
(Sumario: Explicacáo. Prólogo da Regra de S. Bento. Um caminho de cura. O poder
do Paradoxo. Vivendo com as contradicóes. Vivendo comigo mesma. Vivendo com
os outros. Vivendo com o mundo. Juntos e separados. Dom e Graca. Deserto e feira.
Mortee vida. Rezando os conflitos. Sim. Notas e comentarios) R$ 16,00.

- A VIDA MONÁSTICA E O TERCEIRO MILENIO, desafios e promessas. Edicóes da


CIMBRA: 1998.137 páginas. Apresentacáo de Dom Ernesto Linka, OSB., Abade de
Sao Geraldo, Presidente da CIMBRA. Trecho da Apresentacáo:
"... Dada a proximidade do Jubileu do ano 2000, as Comunidades Monásticas da
Ordem de Sao Bento (OSB), Ordem Cisterciense (O. Cist.) e Ordem Cisterciense da
Estrita Observancia (Trapista, OCSO) reun¡ram-se para refletir sobre varios aspectos
'A Vida Monástica e o Terceiro Milenio: Desafios e Promessas'. O resultado do que
foi esse belo e rico mosaico da heterogénea Vida Monástica em sua dimensáo lati
no-americana. Deseja que todos os nossos leitores possam tirar muito proveito dele...".
Concepcáo: Dom Gregorio Paixáo, OSB R$ 11,00.

- MARTIROLOGIO ROMANO-MONÁSTICO. Adaptado para o Brasil. Abadías de S.


Pierre de Solesmes. Traduzido e adaptado para o Brasil pelos monges do Mosteiro
da Ressurreicáo. Mosteiro da Ressurreicáo, Edicóes. Prefacio da edicáo brasileira
por Dom Joaquim de Arruda Zamith, OSB, Abade-Presidente da Congregacáo
Beneditina do Brasil. 1997.423 páginas R$ 25,00.

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