Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO............................................................................................................1
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS.................................................................................24
CONCLUSÃO..............................................................................................................36
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................42
Esse caos de gente é sinal de que algo está para acontecer.
Raul Seixas
INTRODUÇÃO
homem não deteve a exploração do trabalho que continua sendo a força motriz do
flexibilização das leis trabalhistas, tem seu trabalho explorado para além dos limites
“pé de igualdade” tal como alguns setores da sociedade querem fazer parecer, pois ao
capitalista contemporâneo, também é cada vez mais notório que a história não acabou 1.
consenso de Washington não determinam um ponto final nas páginas da história e nem
mundo tão desigual, injusto e desumano, a passividade e morbidez política não podem
humanidade, assim como também qualquer colocação idealista e irreal que insista que
no mundo tudo vai bem e que todos os problemas vão se purgar através de boas
além de dificultar a vida dos homens põem em cheque até mesmo à possibilidade de
da água potável) ou ainda nos conflitos bélicos expansivos que se espalham por todo
globo paralelamente a uma perigosa corrida armamentista para perceber os desafios que
hoje nos são colocados. Diante da possibilidade de um futuro tão terrível não devemos
nos contentar com a fatalidade e a barbárie, afinal enquanto houver homem a razão e
formas consistentes de estudar e entender o mundo de hoje. Faz-se urgente a busca por
A obra recente do Filósofo Antônio Negri pode ser pensada como uma resposta
teórica, crítica e coerente aos problemas colocados pela globalização capitalista e pela
sem perder de vista o fluxo das movimentações políticas constitutivas dos trabalhadores
todo um arcabouço teórico para propiciar uma melhor compreensão das novas relações
sim um esforço teórico para identificar no conceito discutido, elementos que possam
favorecer uma compreensão não anacrônica do cenário político e social em que hoje
conceito de multidão será o objeto deste estudo, não porque este seja o conceito mais
preciso ou única formulação teórica a respeito das transformações sociais e composição
teoria de império global e multidão. Optei por focalizar meus esforços na discussão do
conceito de multidão e sua relevância para o estudo de nossa sociedade atual devido a
algumas características peculiares deste conceito, tais como seu caráter filosófico
realidade contemporânea. Não é coincidência que este livro inicie com uma discussão
acerca deste entendimento, que por sua vez, já tinha sido exposto mais detalhadamente
em outras obras de Negri e Hardt, sobretudo no livro “Império” que condensa a visão
império.
das colocações mais significativas de Negri e Hardt acerca do cenário político e social
do mundo contemporâneo.
contemporâneo. Império aqui, não é entendido como uma metáfora que indique
historicamente constituídos, tais como o império romano, o império chinês e assim por
diante. O império na obra desses dois autores é uma nova formulação teórica que
descreve uma emergente forma de soberania transnacional do capital, que atua como
conceito, teremos:
O império faz referência, sobretudo, à nova forma de soberania que veio após do
Estado nação, uma forma ilimitada de soberania que não conhece fronteiras ou então
conhece apenas fronteiras flexíveis e móveis. (NEGRI, 2003, p. 116).
Afinal não vivemos mais como no período da guerra fria onde dois blocos
ideológicos e políticos distintos lutavam pelo poder no mundo, cooptando outros países
para compor seu campo político e fortalecer seu poderio no embate pelo controle
projetos de socialismo no globo7, é evidente que uma divisão ideológica dualista entre
apontam algumas teorias que descrevem os Estados Unidos como um único centro
simples e direta todos os outros países e potências globais. Para Negri e Hardt este tipo
poder do capital se organiza hoje no mundo, pois deixaria de lado (ou pelo menos
mesmo tempo que ratifica uma hierarquia entre os estados-nação, também expõe cada
do império, mesmo os Estados Unidos que se posiciona em uma posição superior dentro
seria bem equivocado. Já que o processo de globalização não poderia funcionar sem a
existência de uma forma de controle eficiente para geri-lo8. Pois, por mais que haja
que visa manter o fluxo das relações entre esses mesmos estados-nação em plena
permanecem presentes as trocas desiguais entre os países, assim como, toda uma
jurídica e política superior aos periféricos. Garantindo aos que se encontram no topo do
poder imperial mais poderes e menos deveres, e aos que se encontram abaixo mais
um lado ele comporta uma assimetria esmagadora entre os diferentes estados-nação que
Esta dubiedade é possível devido outra de suas características, à forma pela qual
o poder imperial efetiva-se, ou seja, pela sua organização em rede policêntrica. Este tipo
conectados entre si por meio de uma rede complexa de múltiplos centros (em forma de
nós) que variam em função e importância de acordo com o patamar hierárquico que
global. No livro “Cinco Lições sobre o Império” Negri expõe bem esta característica,
primeiro ao definir o Império como uma soberania que abriga em si as três formas
a democracia” (ibidem, p. 117). Ele é monárquico quando atua por meio do poder
Império. A democracia imperial é apenas uma maneira de iludir o povo global, de suprir
os seus anseios democráticos através da aparência de democracia e não por meio de
poder transnacional que se realiza no globo como nunca nenhuma outra força já fez ao
Império não possui um limite espacial fixo, não possui um exterior. Nos dias de hoje
todos estão inseridos no Império, todos tem uma função dentro dele, todos obedecem a
sua lógica.
Para prosseguir no estudo geopolítico feito até aqui, faz-se importante também
apontar os motivos do surgimento da nova ordem global. Para Negri e Hardt o declínio
reação do capital frente aos crescentes ganhos das organizações trabalhistas nacionais
periféricos que possuem leis trabalhistas frágeis, abundante incentivo fiscal, mão de
Este movimento de duplo aspecto, aos poucos foi consolidando uma rede de poder
nova ordem global de poder que foi historicamente construída por meio de processos
do planeta. O império não é uma estrutura inflexível e direta de comando, ele abriga
problema apenas nas raras exceções políticas que ocorrem quando algum país singular
da nova ordem mundial, pois é ela que possibilita o controle hierárquico das relações
ordem global que o império estabelece funções, direitos e deveres, e desta forma se
mantém e se propaga.
Agora que já nos debruçamos sobre a teoria do império que é central nos estudos
de Negri e Hardt sobre a política contemporânea, cabe aqui tentar apontar algumas das
implicações que esta nos trás para o panorama atual das teorias políticas. Negri e Hardt
modernidade têm de ser repensados, segundo eles “na ótica do império, precisamos
ambos considerados por muitos autores essenciais para o estudo da realidade política
mundial. Vamos aqui, tentar entender através destes dois conceitos a abrangência e
seja, perderam o controle sob a proporção do relacionamento das forças que o constitui.
Este controle é exercido nos dias de hoje pelo poder transnacional do império. Para
Negri e Hardt soberania é justamente este controle de reprodução social11. Sendo assim,
do globo se encontram em função de uma mesma ordem que os sobrepõem, temos uma
soberania que não se concretiza nos territórios particulares dos Estados-nação. Hoje a
histórico onde a soberania dos Estados-nação era determinante e uma espécie de chave
modernidade é o de imperialismo.
nação mesmo os Estados mais fortes estão atrelados ao poder do império. Desta forma o
de algum país particular, mas sim através de uma rede mundial de poder que é
Ainda discutindo a visão geopolítica de Negri e Hardt, resta aqui falar das
colocações dos autores sobre guerra. Segundo esses, o mundo mais uma vez está em
importantes de serem apontadas neste trabalho, pois o tema guerra essencial para
resistências a ela12.
Uma primeira característica a ser destacada é que hoje, o que determina o estado
de guerra no global não é o conflito entre nações soberanas e imperialistas aos moldes
da primeira e segunda grande guerra, ou mesmo o embate entre grandes blocos políticos
e ideológicos distintos e delimitados como no caso da guerra fria. Afinal, como vimos
suficientes para se entender à política global, e qualquer divisão do mundo atual entre
capitalismo e grandes projetos alternativos a este, tal como o embate entre os EUA e a
URSS na época da guerra fria também seria fantasiosa13. Hoje os diversos conflitos
guerra diferenciada. Pois mesmo que estes conflitos sejam regionais ou locais, ocorrem
Cada guerra local não deve ser encaradas isoladamente devem ser encarados como
parte de uma constelação, ligados em grau variados tanto a outras zonas de guerra
quanto áreas que atualmente não estão em guerra. (NEGRI; HARDT, 2005, p. 22).
Para Negri e Hardt com o advento do império a guerra deve ser encarada como uma
guerra civil, pois diferente da guerra entre Estados que é entendida pelo direito
internacional como conflito entre nações soberanas, a guerra civil é o conflito armado
maioria dos que se enfrentam hoje “estão lutando (…) por um domínio relativo no
interior das hierarquias nos níveis mais altos e mais baixos do sistema global” (NEGRI;
HARDT, 2005, p. 22). E várias das lutas que hoje parecem apontar para um
exceção foi modificado, este que era um artifício conceitual de muitas das teorias
legítima foi reelaborado para fundamentar a política de um estado de conflito sem fim
Nesta guerra infinita os inimigos a serem enfrentados são abstratos15, podem estar em
qualquer lugar e aparecerem há qualquer momento. Pois são alvos conceituais16, são
inimigos que não podem ser vencidos derradeiramente, e ao quais o império deve
outra de suas características, a guerra se tornou estrutural. “Uma guerra para criar e
manter a ordem social não pode ter fim” (NEGRI, 2003, p. 35). Contrariando as teorias
Os exércitos que representam os interesses do capital global não visam à pura e simples
ação policial constante de enquadramento das forças sociais e políticas que não se
Por fim, é importante destacar esta guerra infinita, sem limites e estrutural não é
no interior do país quanto no exterior” (ibidem, p. 44). Todas as multidões são inimigas
entender a analise social e política feita por estes pensadores, faz-se importante
pós-moderna.
maneira nova para poder entendê-lo de forma eficaz. Pois, o capitalismo teria entrado
hegemonia do trabalho imaterial. Negri e Hardt, junto a outros pensadores tais como o
este entendimento.
Fala-se que entramos na idade do capitalismo cognitivo. (...) Nesta época cognitiva,
a produção do valor depende sempre mais de uma atividade intelectual criadora que
não só se situa além de qualquer valorização ligada à raridade, como se situa além
da acumulação de massa da fábrica etc. (NEGRI, 2003, p. 94).
pode nos servir para evidenciar a amplitude das mudanças econômicas que determinam
o surgimento do capitalismo pós-moderno26. Segundo esta periodização, o
assim como o início do período da grande indústria foi estudado por Marx, que
entender um pouco do que foi o período precedente. Negri divide o período da grande
operário.
transformar e a dar lugar á outra realidade material, onde cada relação social se tornou,
de certa maneira, uma relação produtiva. Com o fim do período da grande indústria, a
interferência do Estado na economia passa a ser entendida como algo negativo, o que
vem a minar as bases do modelo keynesiano de bem estar social39. A nível global, sobre
tudo nos países periféricos, começa a construir-se uma política de Estados fracos40 que
delegam a sociedade civil, ou melhor, entregam a esfera privada muitas das funções que
da nova ordem mundial do império. Por fim, a composição atual da classe trabalhadora
não encontra uma forma adequada de expressão nos tradicionais partidos políticos e
dos explorados, pois não conseguem entender e muito menos se adequar as inovações
capitalismo cognitivo, são determinadas pelo grau de abstração do trabalho dentro dos
capital das fases precedentes seria a imaterialidade do trabalho42, que nos atuais
entendimento é uma leitura e interpretação particular dos Grundrisses43, que concluí que
trabalho tende a se tornar cada vez mais imaterial, cada vez mais relacionado às
energias intelectuais e aos saberes da ciência. Sendo assim, nos dias de hoje o que
conceitos utilizados até então para analisar a realidade. Dois pontos aqui são essenciais
analise dos que crêem no capitalismo cognitivo. Segundo estes, a quantificação do valor
do trabalho através da medida de tempo torna-se ineficaz nos dias de hoje. O trabalho
pelo desenvolvimento das forças produtivas45, efetivou-se nos dias de hoje a extensão
capitalismo não é de forma nenhuma negada por esta concepção crítica da teoria de
valor, muito pelo contrário. O “trabalho sempre será explorado enquanto houver
capitalismo” (ibidem, p.99), o que está sendo afirmado é que mensurar o quanto o
centralidade no presente processo de produção. No entanto, resta ainda se ater com mais
propriedade a teoria de trabalho imaterial, que assim como a ideia de crise da teoria de
valor trabalho, também é central nos trabalhos de Negri. Esta teoria consiste na ideia de
pelos sujeitos e pelos movimentos sociais” (ibidem, p. 82) tornou-se a fonte principal de
formas de trabalho. Alguns esclarecimentos são necessários para que não aconteça um
mau entendimento a cerca deste tema. Primeiro, quando se refere ao termo “imaterial”
não esta se dizendo que o trabalho tornou-se desprovido de sua dimensão material.
A escolha do termo “imaterial” parece ser uma estratégia utilizada para facilitar o
entendimento da questão. Pois, optar por outro termo tal como o biopolítico, também
Adiciona-se a esta questão, que o trabalho imaterial quase sempre se mistura com
formas materiais de trabalho. Poucos são as vezes que o trabalho imaterial é somente
elucidar que afirmar a hegemonia do trabalho imaterial não é defender que a maioria
trabalho agrícola em termos numéricos. Pois o que determinou sua hegemonia neste
período foi sua capacidade de se colocar como tendência49 sobre todas as outras formas
de trabalho. Da mesma maneira, o trabalho imaterial nos dias de hoje não é a maior
fração das formas vigentes de trabalho, mas se impõe como tendência sobre todas
outras. Ele não acaba com as outras formas de trabalho, nem as supera em termos de
cooperativas50.
pensar uma teoria de transformação social não anacrônica? Quem são os sujeitos
Como construir novas formas de organizações políticas, que permitam estes sujeitos
como encontrar um espaço de resistência a este poder? Ou ainda, quais são as opções
policiamento global, e a guerra que é promovida contra todos os que não se enquadram
da classe dos trabalhadores, que não encontram uma plataforma de expressão nas
As respostas para estas e outras questões são apontadas nas discussões da teoria
atualizada. No centro desta teoria encontra-se um sujeito social novo que nasce em
império pode ser enfrentado, seu oponente por excelência é a multidão. Este é o
contraponha a ordem mundial de poder do capital. Qualquer “ação política voltada para
(ibidem, p. 139).
especificidades que fazem do conceito de multidão uma inovação frente a outras teorias
discussão de como a multidão pode ser a base para a resposta de muitos dos desafios
segundo os próprios autores, tem como objetivo responder algumas questões que até
que é dada por Negri e Hardt a este conceito e também seus esforços para expor de
Negri já nos apresentava uma boa definição do conceito de multidão. Segundo a qual a
neste contexto deve ser entendida como a capacidade de um agregar que não nega as
Um sujeito que participa de um todo sem ser seu produto, de uma determinação que
participa de uma classe sem ser uma função sua (...) falamos em singularidades
diferentes, nunca identificadas no conjunto e tampouco nunca consubstanciadas
como indivíduos separados. (Negri, 2003, p. 158).
Ou seja, quando se diz que a multidão é composta de singularidades, se quer dizer que
cada diferença presente em seu conjunto possui força própria e também que estes
componentes só podem ser como tal dentro de uma dinâmica de relação que permita
Uma metáfora utilizada por Negri pode nos ajudar a entender o significado mais geral
Jesus encontra um homem possuído por demônios e pergunta-lhe seu nome (…) o
demônio responde enigmaticamente: “Legião é meu nome, porque somos muito”
(NEGRI; HARDT, 2005, p. 186)
poderoso, pois destrói qualquer distinção numérica. Pode ilustrar a multidão, pois assim
como este é uma inovação frente a outras teorias de resistência é preciso avançar para
além da definição geral já exposta e nos ater, mesmo que brevemente, ao estudo de sua
sujeito social novo que se diferencia de outras noções de sujeitos sociais como povo,
soberano protetor maior do que eles, é que a sociedade organizada poderia existir. O
conceito de povo proveniente desta linha de pensamento pode ser entendido como a
unidade que é o resultante deste contrato social. Dizendo melhor, o conceito moderno
identidade. Negri é bem crítico as ideias colocadas pela filosofia política jusnaturalista,
diferenças que a compõem não podem ser reduzidas à uniformidade de uma identidade.
Na multidão a diferença se mantém e deve manter-se diferente, pois como vimos, ela é
por essência à multiplicidade das diferenças singulares. Outro ponto a se destacar aqui é
que com o advento do poder imperial que transcende e esvazia a soberania da estado-
coletivas plurais, tais como turba, populacho e massa. Fundamentalmente por duas
que constituem estas entidades não são singularidades, pois suas diferenças esvaziam-se
aglomerados indistintos de gente. Além disto, os componentes destes coletivos não são
capazes de agir por si mesmo, são elementos passivos e desorganizados, força irracional
facilmente manipulável. Precisam ser controlados e moldados por alguma força externa.
Em relação ao termo massa, poderíamos dizer ainda mais. Este conceito está
ao trabalhador social.
multidão, faz-se importante expor aqui algumas das ideias que o cercam.
Primeiramente, podemos dizer que a classe operária pode ser entendida de duas
maneiras: Como uma concepção mais restrita ela refere-se apenas ao trabalho industrial,
tipos de trabalhadores não assalariados58. A exploração que está sujeita pode ser
quando entendida como forma hegemônica de trabalho acaba por ser considerado o
elemento primordial dos projetos políticos anticapitalistas. Por fim, podemos dizer
operários centralizados59.
entanto esta similaridade de forma nenhuma faz com que elas sejam identificáveis. A
multidão também pode ser entendida como classe, mas de maneira diferente de como se
entende a classe operária. Ela é o novo proletário, “uma concepção expansiva e aberta
de proletariado.” (BROWN; SZEMAN. 2006. p. 105). Ela é o fruto das atuais relações
papel de ator das novas e hegemônicas formas de produção. Pois é o agente ativo das
redes de cooperação social. No entanto esta hegemonia deve ser entendida de maneira
diferente de como foi entendida pelas teorias socialistas a hegemonia da classe operária.
Pois a multidão é formada “por todos aqueles que trabalham sob o domínio do capital”
(Hardt; Negri, p 147), e assim sendo não pode determinar uma prioridade política entre
as diversas formas de trabalho. Afinal “todas as formas de trabalho hoje são produtivas,
sua importância política e social, porém sem deter nenhum privilégio político em
relação aos outros tipos de trabalho. A multidão é também sujeito explorado, porém a
demonstrar como este sujeito social é o resultado fluido do embate entre o campo do
resistência parece evidente. Mas na verdade tal concepção torna necessário pensar a
resistência para além do emprego comum dado a esta mesma palavra. É preciso
outro olhar sob a história, que parta de baixo para cima. Baseado nesta concepção de
primazia da resistência, Negri elabora uma genealogia das lutas de libertação que parte
rede. Esta genealogia tal como desenvolvida, possui três princípios orientadores: O
Para Negri o surgimento esta forma de resistência possuí duas faces. Por um
funcionando motor para a modernização social. Ela também é uma forma eficiente no
que diz respeito à vitória militar. Muitos exércitos de libertação nacional e exércitos
cenário pós-guerra. Pois os modelos sociais que surgem como fruto deste tipo de
tipo de organização.
autonomia.
rebeldes pelo mundo, sobretudo na América latina61, é considerado por Negri o melhor
exemplo desta forma de se organizar. Ele vai de encontro à ortodoxia dos modelos
uns dos outros, através de uma estrutura policêntrica e horizontalizadas entre as suas
unidades. Essas características fazem sua forma de guerrilha contrastar bastante das
tão autônomo como pode parecer. Pois ele é uma célula de uma coluna muito maior, e
do poder.
Por fim, aparecem às formas de organização em redes que surgem no seio das
lutas políticas dos movimentos sociais. Às redes são o que há de mais atual em termos
entre o modelo de organização política em rede e as formas anteriores a ela é seu caráter
2.2. O enxame.
É necessário explorar um pouco mais à teoria das lutas em rede para se entender
qualquer direção que se olhe poderemos identificar formas de rede atuando. A ordem
global do império é uma rede, o meio empresarial cada vez mais se utiliza de estratégias
rede para construir robôs que cooperem entre si e complexos sistemas de informação e
de inteligência65.
melhor dizendo, por estas redes produtivas. E a multidão como classe explorada e
rede. Pois só este tipo de organização pode garantir que ela seja o que é. Garantir que
Uma figura metafórica que pode ajudar a ilustrar a multidão como rede é a do
Negri começa dizendo que sob uma observação externa, aparentemente tanto um
enxame de animais como uma rede de atuação política se expressam de forma súbita,
A teoria da multidão elaborada por Negri não pode ser entendida como uma
império como nova ordem de poder mundial não são conceitos acabados. Negri está
ciente que a realidade política e a configuração do capital, são fluidas. Desta forma,
qualquer alternativa a estas também devem ser. Pois só teorias não cristalizadas sobre a
sociedade podem servir como ferramentas de entendimento e ações não anacrônicas.
No entanto, não podemos dizer que a teoria da multidão e de nova ordem global,
contemporânea.
A multidão surge como um sujeito social que aponta para novos horizontes de
promissora.
Podemos dizer também que a multidão é promissora no que diz respeito à teoria
do poder global. A multidão não possui limites. Está presente em todo lugar como
certa maneira produtiva e explorada. No entanto, se o capital tomou toda vida é porque
o trabalho tomou toda vida. E a primazia do poder dentro das relações de trabalho esta
da captação de valor das redes sociais produtivas, a multidão tem de existir e atuar.
Sendo assim, junto à contradição social e política gerada por esta relação de exploração,
A teoria da multidão, sobretudo, diz que a história não acabou. Que a crise das
construir um mundo diferente deste que é colocado pelo capital e seus veículos
ideológicos.
Conclusão
dimensões. Em termos macropolítcos, ele nos diz que nos dias de hoje ascende uma
nova ordem mundial de poder denominada império. Esta teoria sobre este poder
transnacional sem limites do capital torna vulnerável muitos dos conceitos políticos
também diz respeito à guerra, que hoje aparece na forma de policiamento. Como uma
das formas que o capitalismo utiliza para manter seu controle sobre a sociedade. Em
das teorias clássicas o ilustravam. O trabalho continua sendo a pedra fundamental para
vida é alvo da exploração do capital, que se dá como a captação de valor das redes
sociais de produção.
redes disseminadas e horizontalizadas. No cenário atual estas redes são muito mais
Por fim podemos dizer que as teorias do império e multidão nos possibilitam um
política nos dias de hoje, a obra política de Negri e de Hardt podem nos ajudar.
Notas
1 Tal como afirmavam as teses de Fukuyama e sua ideia de que a Hegemonia dos Estados Unidos por si mesma consistia no triunfo da democracia global, o no fim da história.
2 Acréscimo feito ao lema do fórum social mundial que diz que “outro mundo é possível se agente quiser”.
3 Refere-se aqui aos eventos promovidos pelos movimentos anticapitalistas nas reuniões do G8, os resultados das lutas de movimentos indígenas na América Latina e tantos outros acontecimentos.
4 “É claro que não somos os únicos que embarcaram neste projeto. É, sobretudo um amplo esforço coletivo inventar (e reinventar) conceitos adequados às necessidades do pensamento político contemporâneo.”
(NICHOLAS BROWN; IMERE SZEMAN. O que é Multidão? Questões para Michael Hardt e Antônio Negri. Novos Estudos. 2006. n.75, p. 95. ).
5 Respondendo a indagação acerca do caráter filosófico de sua teoria, Negri retoma a definição de Deleuze acerca do que é fazer filosofia para demonstrar que sua obra é filosófica, porém de uma maneira bem
diferente do que se convencionou chamar de filosofia. “É certamente filosofia num sentido bastante amplo, ou seja, buscando produzir conceitos adequados para a situação contemporânea e investigar valores
emergentes do nosso mundo. Mas até mesmo quando se propõem valores e alternativas, quando se descobrem novos modos de viver, não se devem esquecer as dimensões materiais da vivência de formas de
organização política e social, com todos seus desejos e sofrimentos.” (IBID, p94).
6 Denominação utilizada no subtítulo do livro multidão, para se referir a contemporaneidade.
7 Pensa-se aqui não só na da derrocada do socialismo soviético, mas também na transformação do socialismo Chinês em um capitalismo de Estado, além de outras experiências socialistas que de alguma forma
ameaçavam a hegemonia do sistema capitalista no mundo.
8 Não pode existir um mercado global sem um ordenamento jurídico, também não pode existir um ordenamento jurídico sem um poder que garanta sua eficácia.
9 Tais como o Banco Mundial, FMI, ONU, G8, OTAN. E também ao que Negri denomina de lex mercatoria pós-moderna, ou seja, “lei consuetudinária transnacional fundada em acordos legais compartilhadas por
uma comunidade internacional, construída principalmente por empresas comerciais, marítimas, seguradoras e bancárias.” (NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre o Império. 2003, p. 80).
10 Refere-se aqui aos que se colocam contra o império de maneira autêntica. Não aos que questionam o império apenas pelo arranjo hierárquico atual, mas aos que são contrários a sua existência como ordem global.
11 “A soberania é o controle da reprodução do capital, e, portanto, o controle sobre a proporção do relacionamento de forças (trabalhadores e patrões, proletariado e burguesia, multidões e monarquia imperial) que o
constitui.” (ibidem, p. 50).
12 A importância do tema guerra é grande, já no título do livro Multidão, podemos observar a presença desta palavra.
13 Negri e Hardt citam aqui a periodização histórica de Subcomandante Marcos para os conflitos bélicos atuais, que defende a ideia de que na atualidade exista uma quarta guerra mundial. Segundo o filósofo esta
periodização pode ser útil se compreender melhor a contemporaneidade, pois ajudaria a reconhecer a continuidade e diferença em relação aos conflitos globais anteriores.
14 “De fato, a maior parte das batalhas conduzidas em nome dos pobres, dos oprimidos, dos justos, são meras lutas para o primado nas hierarquias do poder imperial. Forças que exigem para si a representação dos
interesses dos miseráveis da terra e entram em conflito com outras tantas que pretendem simbolizar justiça e paz para todos; mas estas guerras civis são apenas lutas complexas para obter o poder nas hierarquias
17 Entende-se como a justificação da flexibilização ou negação de direitos legais e/ou humanos. Práticas como as de quebra de privacidade legais ou ilegais, métodos de tortura considerados permitidos (como as
técnicas de afogamento utilizadas por soldados americanos em interrogatórios) e violações diretas a convenção de Genebra (tais como as vistas no escândalo de Abu Ghraib).
18 Refere-se aqui ao discurso maniqueísta da coalizão de ocupação do Iraque liderada pelos Estados Unidos, que promoveu a ideia de existiria no mundo um “eixo do mal” que deveria ser enfrentado em nome do
bem mundial.
19 “A guerra imperial não cria a ordem pondo um pondo fim à “guerra de todos contra todos”, como pretendia Hobbes, e sim propõe um regime de administração disciplinar e controle político diretamente baseado
em contínuas ações de guerra.” (HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. 2005. p. 44).
20 “Por disciplina entende-se uma forma de governo sobre os indivíduos de maneira singular e repetitiva (…) por controle, no entanto entende-se o governo das populações por meio de dispositivos que abarcam
coletivamente o trabalho, o imaginário, a vida” (NEGRI, Antonio. 2003. p. 104)
21 “Fala-se de biopoder quando o Estado expressa seu comando sobre a vida por meio de suas tecnologias e de seus dispositivos de poder” (NEGRI, 2003, p. 107).
22 Refere-se aqui, a política de Estados e governo.
23A passagem de políticas de defesa para de segurança, significa a transição uma atitude reativa diante ameaças, para uma atitude ativa, preventiva.
24 Refere-se a práticas políticas que tentam associar a pobreza e os movimentos sociais à ilegalidade. A forma de incursão da polícia nas comunidades carentes no rio de Janeiro e os esforços de setores da elite
nacional para transformar o MST em uma organização criminosa são exemplos desta política.
25 O conceito de capitalismo cognitivo fundamenta-se na ideias de que hoje o trabalho intelectual cooperativo é a forma hegemônica de trabalho, e que o capital age apropriando de forma privada o valor do que é
32 Teoria dualista de organização política, que prevê que deva existir por razões estratégicas e táticas uma divisão organizacional entre massa e vanguarda. Segunda esta concepção a vanguarda seria composta pelos
indivíduos mais esclarecidos, que deveriam compor os quadros representativos das organizações. Enquanto a massa seria composta por uma gama de indivíduos que ainda não teriam a qualificação ideológica para
34 O Keynesianismo é uma teoria econômica que tem como base a crença de que o Estado seja agente indispensável de controle da economia. E assim sendo, deva conduzir a um sistema de pleno emprego e bem
estar social.
43 Manuscrito de Marx não traduzido para o português valorizado por muitos teóricos não ortodoxos que estudam o marxismo.
44 Todas as relações estabelecidas pelos indivíduos e grupos de indivíduos durante o processo de produção de bens.
45 Por forças produtivas compreendem-se, os meios que dispõe a sociedade para produzir.
46 Entendida como o valor extraído do trabalho explorado dentro de um tempo mensurável.
47 Entendido como, trabalho que “produz ideias, símbolos, códigos, textos, formas linguísticas, imagens e outros produtos do gênero” (HARDT, Michel; NEGRIT, Antonio. 2005. p. 149).
48 “Trabalho afetivo, assim, é o trabalho que produz ou manipula afetos como a sensação de bem estar, tranquilidade, satisfação, excitação, paixão. Podemos identificar o trabalho afetivo, por exemplo, no trabalho
de assessores jurídicos, comissários de bordo e atendentes de lanchonete (servir com sorriso).” (ibidem, p. 149).
49 “A indústria era hegemônica na medida em que sugava outras formas para seu vértice: a agricultura, a mineração e até a própria sociedade forçaram-se a industrializar. Não somente as práticas mecânicas como
também o ritmo do trabalho industrial e seu gradualmente transformando todas outras instituições sociais, como a família, a escola e as forças armadas” (ibidem, p. 148).
50 “Hoje o trabalho e a sociedade têm de se informatizar, tornar-se inteligente, comunicativos e afetivos.” (ibidem, p. 151).
51 Desenvolvido com mais clareza nos livros “Império” e “Cinco Lições sobre o Império”
52 Mais precisamente no evento “Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial” realizado no mês de outubro do ano de 2003 no Rio de Janeiro.
53Texto retirado da internet, tradução de Izabel F.M. Borges, a partir da transcrição literal da fala de Antonio Negri no evento Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial que aconteceu em outubro
de 2003 no Rio de Janeiro.
54 Por jusnaturalismo se entende a teoria que defende a existência de um direito, cujo conteúdo é estabelecido pela própria natureza da realidade. Na modernidade esta linha de pensamento foi
desenvolvida por Hobbes e posteriormente por pensadores ligados ao liberalismo.
55 Refere-se à teoria de estado de natureza hobbesiana.
56 Compreende como Pacto social ou contrato social o acordo estabelecido entre os indivíduos para cessar o estado de natureza e construir o Estado.
57Negri relaciona o pensamento contratualista a pensamentos místicos e puramente abstratos sobre a sociedade. Segundo ele, estes tipo de teoria política se baseia em hipóteses sem comprovações empíricas ou
antropológicas. Além de criticar também o caráter burguês e autoritário das noções de liberdade e representação política oriundas deste tipo de teoria.
58Trabalhador informal, trabalho doméstico e etc.
59Partidos e sindicatos baseados no centralismo democrático ou em outras concepções de caráter representativo e hierárquica defendido comumente defendido pela esquerda tradicional.
60Se entende por insurgência a rebelião contra o poder constituído, e por contra-insurgência as estratégias para combater a insurgência e manter o poder constituído.
61Pensar aqui nas guerrilhas Sandinistas da Nicarágua, na Frente Farabundo Martí de Libertação nacional de El Salvador, nas FARCS na Colombia e etc.
62Grupos de guerrilheiros que segundo a teoria de guerrilha foquistao contavam com algum grau de autonomia.
63Pensar aqui nas sociedades pré-capitalistas, nas democracias capitalistas e também nas experiências socialistas.
64 “Isomorfismos são procedimentos descritivos no sentido de que guardam relação com uma determinada forma de exposição (...). Do ponto de vista ontológico, cada um desses procedimentos
descritivos é dirigido por um motor fundamental, que poderíamos chamar, dependendo do caso, tanto o motor do trabalho vivo quanto o da “marcha da liberdade”. (NICHOLAS BROWN; IMERE SZEMAN. O que
é Multidão? Questões para Michael Hardt e Antônio Negri. Novos Estudos. 2006. n.75, p. 100).
65A rede da internet é o maior exemplo de sistemas de comunicação e inteligência que funcionam sob este tipo de organização.
66Tecnologia conhecida mais amplamente pelo termo “swarm intelligence”.
67Para Negri este internacionalismo já tinha sido apontado por Marx no final do manifesto comunista, ganhou formas experimentais nas internacionais comunistas que reuniram partidos e movimentos comunistas
de todo mundo. E agora deve renascer de maneira nova, integrando movimentos sociais e políticos de todo mundo em uma plataforma comum de enfrentamento ao capital.
Bibliografia
BROWN, Nicholas; SZEMAN, Imre. O QUE É A MULTIDÃO? Questões para Michael Hardt e
Antonio Negri. Novos Estudos. CEBRAP, n 75, p. 93-108, julho. 2006.
CHAUÍ, Marilena. Política em Espinoza. São Paulo: Ed. Cia. das Letras, 2003.
COCCO, Giuseppe; NEGRI, Antonio. Global - Biopoder e luta em uma América Latina globalizada.
Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? . São Paulo: Ed. 34, 1992.
FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo: a Revolução cubana. São Paulo: Ed. Expressão
Popular, 2007.
HARDT, Michel. NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do império. Rio de
Janeiro: Ed. Record, 2005.
KANT, Immanuel. Idéia De Uma História Universal De Um Ponto De Vista Cosmopolita. São Paulo:
Ed. Brasiliense, 1986.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. IDEOLOGIA ALEMÃ. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,
2007.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. URSS: Ed. Progresso, 1987.
MARX, Karl. Salário, Preço e Lucro. São Paulo: Ed. Nova Cultura, 1983.
MILLER, Peter. Teoria dos enxames, Revista National Geographic, Ed. Abril, São Paulo, n. 88. 2007
NEGRI, Antonio. A Anomalia Selvagem: poder e potência em Spinoza. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
NEGRI, Antonio. Tesis preliminares para una teoría sobre el poder constituyente. Revista de Crítica y
Debate "Contrarios", Abril. 1989. SADER, Eder. Che Guevara - Política. São Paulo: Ed. Expressão
Popular: 2004.
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e Estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Ed. UERJ,
2001.