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INFORMATIVO DA EDITORA GRYPHUS – ABRIL / 2010

O Homem que Salvou a República


Murilo Badaró

Apesar de pouco lembrado na História do Brasil, Bilac Pinto foi


um personagem importante e um grande nome da política
brasileira. Seu temperamento fechado e tímido não foi obstáculo
para defender a democracia do país com garra e competência
durante o mandato de Getúlio Vargas. O livro “Bilac Pinto: O
Homem que Salvou a República”, terceiro lançamento da série
“Ilustres Mineiros”, que já contemplou as biografias da artista
plástica Maria Martins e de Sinhá Moreira, resgata a memória
deste advogado, acadêmico e político que presidiu a Câmara dos
Deputados, foi Embaixador do Brasil na França e encerrou sua
respeitável carreira jurídica como Ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Nascido em 1931, o mineiro Murilo O autor Murilo Badaró, ex-senador e atual presidente da
Paulino Badaró graduou-se em Direito Academia Mineira de Letras, descreve com grande sensibilidade
pela Universidade Federal de Minas e acuidade a trajetória de Bilac, trazendo à tona fatos pouco
Gerais (UFMG). Já foi professor conhecidos do público sobre a história política do século XX,
universitário, secretário de estado, de- marcado por regimes totalitários e pela luta em prol da liberdade
putado federal e estadual e ministro de da qual Bilac participou ativamente com grandes contribuições
estado. Dentre suas obras já publi- ao país. Bilac também travou uma admirável batalha pela
cadas, estão José Maria Alckmin – transparência dos negócios públicos, que mais tarde se
Uma Biografia (1998), Milton Campos – transformou em projeto de lei para punir o enriquecimento ilícito.
O Pensador Liberal (2000) e Gustavo “Desde jovem, Bilac professou o credo democrático da liberdade
Capanema – A Revolução na Cultura e igualdade formal e material de todos os homens e da
(2000). supremacia do direito sobre todas as vontades”, define Célio
Borja no prefácio do livro.
Olavo Bilac Pereira Pinto, nascido em Santa Rita de Sapucaí
(MG) em 1908 e batizado em homenagem ao poeta carioca, foi
deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN), eleito
e reeleito nos anos de 1950, 1954, 1958 e 1962. Ascendeu à
presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 1965,
permanecendo no cargo até dezembro do mesmo ano. Como
deputado, fez a proposta de escala móvel dos salários – seu
aumento automático segundo o custo de vida; foi responsável
pelo projeto de lei nº 1.064 que dava regra à publicidade do
Governo, além de destinada à propaganda pessoal e partidária
visando à captação de sufrágios, e lutou no parlamento pela
instituição do monopólio da União sobre o petróleo e a total
nacionalização da Petrobras.
“Bilac não hesitou em assumir posições de comando e de risco,
mas sua atuação visou sempre à saída constitucional dos
impasses que se sucediam”, esclarece Badaró.

Bilac Pinto ao lado do Presidente Francês Charles de


Gaulle assume a Embaixada do Brasil em Paris em
1966. Esq./dir.: Bilac; De Gaulle.

Esq./dir.: Afonso Arinos de Mello Franco; Bilac Pinto; Adauto Lúcio Cardoso. Os três
brilhantes políticos e juristas foram integrantes da famosa “Banda de Música” da
UDN durante o governo Vargas.

Além da política nacional, o autor desfia a trama de sua vida


pessoal, o casamento bem sucedido com Carminha, o
relacionamento com os filhos, as dificuldades de seu
temperamento distante e calado e o caráter indômito. Com tino
empreendedor e gosto pelos estudos, Bilac também fundou a
Editora Forense e foi pioneiro no plantio do café e do trigo no
cerrado.

Bilac Pinto: O Homem que Salvou a República será lançado


no dia 15 de abril na Academia Mineira de Letras, em Belo
Horizonte, e no dia 28 de abril na Livraria Argumento, no Leblon,
Rio de Janeiro.

Bilac Pinto: O Homem que Salvou a República, de Murilo Badaró


Formato: 16 x 23 cm.
Extensão: 292 páginas + caderno de fotos com 16 páginas
ISBN: 978-85-60610-38-9 Bilac Pinto e d. Carminha comemoram Bodas de Prata em
Preço: R$ 49,90 1958.
Outro aspecto da vida pública de O impulso profundo que o movia a Brasil, por força da ditadura Vargas
Bilac Pinto que demonstrou sua pensar e agir vinha-lhe da consciência de 1937 a 1945, a dura face da
firme adesão à democracia social cívica e do estudo do direito admi- centralização do estatismo e do
foi sua luta no parlamento pela nistrativo americano, que cedo o autoritarismo ínsito na organização
instituição do monopólio da União empolgou. O pensamento social pós- revolucionária e na napoleônica.
sobre o petróleo e a total nacio- marxista iniciado com as encíclicas de Mais do que uma incompatibilidade
nalização da Petrobras. Por mais Leão XIII e cujo apogeu coincide com racional, era a ojeriza ao senti-
de uma vez, Bilac desenvolveu, o fim da Segunda Grande Guerra, a mento e à prática do liberalismo
não como uma abertura à esquer- voga do keynesianismo e o papel que dominava essa corrente do
da, mas como decorrência natural desempenhado pelo Estado durante o direito administrativo brasileiro.
do regime democrático, a necessi- conflito, no sentido de promover com o Porém, na outra vertente, Bilac,
dade de intervenções pontuais do esforço de guerra avanços científicos graças ao seu conhecimento do
Estado na atividade econômica, e técnicos de continuada repercussão direito americano, esforçou-se por
sem quebra da liberdade de em- na paz subsequente, mais explicam a implantar aqui a administração
preender, dos direitos individuais e conduta do homem público Bilac democrática comprometida com a
do princípio pacta sunt servanda. A Pinto, bem como seus esforços em justiça nas relações do Estado com
defesa do interesse nacional tam- favor dos trabalhadores, da ética seus administrados, da qual é
pouco foi concessão ao naciona- política e administrativa e da ordem exemplo a contribuição de melhoria
lismo fascista ou ao antiameri- financeira. por ele estudada, desenvolvida e
canismo, tática comunista de com- Bilac situou-se em vertente diversa da explicada como juspublicista, parla-
bate na guerra fria, mas nascia do que, inspirada no direito administra- mentar e juiz do Supremo Tribunal
dever de servir ao povo brasileiro e tivo e nas doutrinas de Conselho do Federal.
do amor à sua terra e à sua gente. Estado francês, viria a assumir no
ooooooooo
Henrique de Senna Fernandes

Em 2008, a Gryphus publicou pela primeira vez no Brasil


dois títulos do prestigiado escritor macaense Henrique de
Senna Fernandes. O lançamento das obras Amor e
Dedinhos de Pé e Nam Van – Contos de Macau deram
continuidade à Coleção Identidades – nossa língua é
maior que o Brasil, que traz para os leitores brasileiros a
literatura produzida em outros países de língua portuguesa.
Através desse projeto, também lançamos no país livros de
escritores consagrados, como José Eduardo Agualusa, Ana
Luísa Amaral e Manuel Rui.
Nesse mês de abril, publicaremos mais uma obra de Senna
Fernandes, o romance A Trança Feiticeira, no qual o
escritor narra o amor entre um jovem de origem portuguesa
e uma moça chinesa. Ambientada na pequena e
conservadora Macau, tão descrita nos livros de Senna
Fernandes, a história tem como pano de fundo as tradições
e preconceitos existentes nessa colônia portuguesa repleta
de contrastes, e que reafirmam o conflito entre duas
culturas que se estranham desde o século XVI. Temperado
pelas agruras do racismo, a paixão juvenil dos dois amantes
condenados e a intolerância que os faz sofrer, o romance
nos envolve com uma narrativa primorosa, poética, delicada
e irreverente, uma belíssima história de amor e de
superação.

No cinema Um dos mais importantes escritores de


Macau, Henrique de Senna Fernandes
nasceu em 1923, nesse território chinês que
Em 1997, o livro A Trança Feiticeira foi adaptado para o esteve sob domínio português por quase 500
cinema através da direção do macaense Cai Yuan-yuan. anos. Já publicou pela Gryphus os livros
Essa não foi a primeira vez que uma obra de Senna Nam Van – Contos de Macau e Amor e
Fernandes chegou às telonas. Em 1991, seu livro Amor e Dedinhos de Pé, nos quais retrata a Macau
Dedinhos de Pé também foi transformado em filme. dos anos 30, 40 e 50.
Dirigida por Luís Felipe Rocha, a produção tem em seu Senna Fernandes também é advogado,
elenco os atores Jean-Pierre Cassel, Joaquim de Almeida e formado pela Universidade de Coimbra.
Ana Torrent.
Entre as aguadeiras que “batiam a trando os dentes regulares, muito pouco. Dado que era a única, sobre
água” mais ativamente, no poço de brancos que esfregava com pasta quem nunca ninguém vira fustigar
Cheok Chai Un, destacava-se A- de alcaçuz, tagarelava incessante- aquela ira terrível, muita gente, para
Leng, na época, de 22 anos mente e dominava o grupo. Quan- solicitar um favor à abelha-mestra,
saudáveis e desabrochantes de do zangada, sua voz estilhaçava- fazia-o por intermédio da pupila. Por
vida. Incansável, ia e vinha, em volta se, de lés a lés, em torno do poço, consequência, a sua situação, no
do poço, desde manhã cedo, o rosto encandecido, as narinas bairro e naquele pequeno mundo
carregando os baldes de água, inflando no nariz pequeno. peculiar, gozava de prestígio
transportando-os, um em cada ponta Não dava trela aos rapazes. Aos assegurado.
do varapau que punha ao ombro, mais atrevidos, fazia-lhes frente A-Leng tinha a sua vaidade. Era a
equilibrando-se garbosamente, o com a língua, respondendo, taco a trança grossa dos seus cabelos que
corpo retesado com o peso, as taco, aos galanteios grosseiros. rolavam, uma vez soltos, até o fundo
ancas movediças, de cinzelada Quando isso não chegava, das costas. Tratava-a com extremo
curva sensual, rebolando no “tun- enfrentava-os com o varapau de apuro. Demorando-se na cabelerei-
sam-fu” apertado. transportar os baldes, pronta para ra-penteadora favorita, em cujas
Para ela, não havia estações do a cacetada. Ganhara assim respei- mãos estoicamente sofria tormen-
ano. Sempre a trabalhar, no inverno, to, no seu meio, embora sozinha, tos, sem murmúrio, dócil como a
cobria-se de uma jaqueta de lã, o sem outro membro de família para mais dócil das donzelas. Mas era
“tun-sam-fu” de pano grosso que a defender. Tacitamente, ascende- exigente. Enquanto a cor negra das
mal a defendia do frio, no verão, ra à categoria de princesa das madeixas, embebidas em óleo de
usava-o de pano fino, meio nu nos aguadeiras, já que a rainha era madeira, não alcançava o luzimento
braços, marcado nas costas e nas uma mulher avantajada, cerca de que desejava, enquanto houvesse
axilas pelo suor. quarenta anos, que imperava no um fio rebelde, fora do lugar, e os
No conjunto das companheiras do poço, a abelha-mestra de todo nós da trança não tivessem a
ofício, era a mais alta e a mais aquele mulherio, fazendo as vezes grossura ideal, não descansava.
esbelta. Por mais que enfaixasse de conselheira, casamenteira, cu- Sentada na calçada da rua,
pudicamente os seios, por baixo da randeira e parteira. rigidamente direita e composta, num
túnica, como era o costume da banquinho muito incômodo, diante
época, entre as classes humildes, o do pardieiro da penteadeira, não
vago contorno excitava a imagi- A abelha-mestra tratava A-Leng muito longe do poço, as mãos sobre
nação, como promessa de um como pupila. Considerava-a sua os joelhos, as pernas encolhidas,
tesouro escondido. Os olhos, em herdeira e passar-lhe-ia a posição gastava o tempo que fosse neces-
acentuada amêndoa, terminados em e os ensinamentos, se não hou- sário para o penteado. De todas as
bico, ligeiramente recurvados para vesse outros acontecimentos a cabeleiras que se submetiam aos
cima, tornavam a fisionomia oval, de alterar o curso normal das coisas. cuidados da penteadeira, era esta a
malares proeminentes, irresistível- Quando a abelha-mestra se enfu- preferida, pelo espesso manto ne-
mente atraente. Quando sorria, duas recia, calava-se o poço inteiro, o gro, pela voluptuosidade que sen-
covinhas da face emprestavam-lhe casario em volta recolhia-se, a tiam as suas mãos quando esti-
um ar ladino. criançada irrequieta debandava cavam os fios de cabelo, fortes e
Falava alto, com voz timbrada, tinha espavorida. Só A-Leng se atrevia a resistentes. Quando a penteava, a
as maneiras bruscas de uma chegar-se a ela, serena e con- penteadeira sorria, contava histó-
profissão dura, ao ar livre, houvesse vincente, enfrentando corajosa- rias, atraindo um grupo de ouvintes
sol ou chuva, a maior parte das mente o primeiro embate da sua que se acocoravam, em volta, como
vezes, exalava disposição. Ria, cólera e acalmando-a, a pouco e serviçais de uma princesa.
mos- sobre
Sérgio Bermudes

Primeiro livro de Sérgio Bermudes lançado pela Gryphus,


Mozart não Tinha Playback reúne crônicas e contos do
renomado professor e advogado. Nelas, Bermudes
passeia por assuntos variados, como as lembranças da
infância, o valor da amizade, as preferências literárias e o
amor pelo time do coração, o Fluminense.
Sem esconder sua estranheza, sua curiosidade, sua
erudição e até suas indagações diante das inovações, o
autor também critica a vaidade humana e a inexistência
de grandes gênios musicais, como Bach e Beethoven, na
música erudita dos séculos XX e XXI. Em crônica que dá
título ao livro, Bermudes revela sua admiração ao precoce
compositor austríaco, que escreveu mais de uma centena
de peças sem qualquer recurso que lhe possibilitasse
voltar a ouvir aquilo que sua criação o impelia a tocar.
Como voltar, repensar, reescrever…
Para o disciplinado autor, atento a todos os recursos que
lhe permitem criar, produzir incansavelmente, reler,
Sergio Bermudes é natural de Cachoeiro de regravar e registrar com sensibilidade o que lhe passa
Itapemirim, Espírito Santo. Formou-se em Di- frente aos olhos, partilhar seus escritos com os leitores
reito pela Universidade do Estado da soa como boa música. Como se Horowitz tocasse, ao
Guanabara e doutorou-se em História do Pro- fundo, apenas a Sonata Semplice em Dó maior, de
cesso Romano, Canônico e Lusitano pela Mozart.
Universidade de São Paulo. Aos mais próximos do autor, sempre fica a pergunta de
Foi professor da Universidade do Estado da onde este ocupadíssimo advogado, à frente de um dos
Guanabara, da Faculdade Brasileira de mais solicitados escritórios especializados do País,
Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro e da sempre ligado a importantes casos que nunca se encerram
Pontifícia Universidade Católica do Rio de ao final do expediente do Fórum, encontra tempo para
Janeiro. É membro do Instituto dos Advo- produzir memoráveis comentários técnicos ao Código do
gados Brasileiros e da Associação Inter- Processo Civil, Estudos, Pareceres, etc., enviar
nacional de Direito Processual. Durante dois colaborações a inúmeras publicações, e ainda reservar
anos foi Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do momentos para seus contos e crônicas, a exemplo dos
Rio de Janeiro. aqui reunidos.
Já publicou inúmeros livros, ensaios e artigos
na área jurídica. Recentemente, lançou seu
primeiro livro de crônicas, “As Uvas da Raiva”
(Nova Fronteira).
sivos de outra escritora, quando fessores, escritores, artistas só
Romancista ao norte, saíam juntas. conseguem ocupar-se dos assun-
O almoço começou e terminou tos do seu ofício. Imaginando que
ao sul com Rachel de Queiroz comendo os chás da Academia fossem
à beça. De certo, aproveitava a reservados a tertúlias literárias,
Não sei se foi Lúcia, minha irmã, distância dos olhos da família, uma deslumbrada questionava
quem perguntou, ou se eu mesmo preocupada em preservar-lhe a certo acadêmico sobre o tema das
imaginei esta pergunta: se Rachel, saúde. Dois pães, primeiro e se- conversas, nessas reuniões. Impa-
com ch, se pronuncia Raquel, com gundo pratos, uma lasca de ro- cientou-se o imortal: “a gente
qu, por que não escrever Cheiroz, cambole com baba de moça. De discute se Capitu deu ou não deu”.
para obter o mesmo resultado quebra, uma bagaceira, sorvida Lya Corrêa Dutra contava que
fonético, no sobrenome da escri- com gosto, gole a gole, depois do telefonou a Cândido Portinari para
tora cearense, falecida ainda há café e biscoitinhos. combinar um encontro. “Hoje à
pouco, a primeira mulher na Aca- Rachel falou, insistentemente, so- noite não, porque vem cá o Villa-
demia Brasileira de Letras? Isso bre a necessidade de vigiar os Lobos”. Ligou de novo, no dia
aconteceu na nossa infância. O “vermelhos” da Academia. Eu seguinte, e perguntou sobre a
meu pai mandava a gente copiar nunca tinha ouvido nada sobre visita: “Eu falei sobre pintura, ele,
um trecho da coluna de Rachel, na “vermelhos” na ABL. Lembrei-me sobre música... Conversinha cha-
última página da revista O de uma das prisões de Rachel, na ta...”.
Cruzeiro. Repeti a indagação à juventude, descrita pelo Padre Rachel de Queiroz é uma das
escritora, no nosso único encon- Casemiro Campos, conterrâneo minhas predileções na literatura
tro, um almoço, promovido pelo dela. De si própria falou pouco. brasileira. Antes de alfabetizar-me,
Alberto Venancio Filho, colega de Disse da sua preferência pela rede na hora de dormir, já ouvia
Rachel na Academia. Ela comen- cearense, para dormir. A cama narrativas extraídas dos seus
tou: “as crianças são lógicas.” servia para colocar livros e livros e crônicas e simplificadas
Mais não disse. escritos. Reclamou do diabetes. pelo meu pai, um exímio contador
Sinceramente, não a achei simpá- Ler comprido, agora, só mesmo de histórias. Aquela cena de “O
tica. Talvez porque o leitor vai for- Dostoiévski, com a ajuda de uma quinze”, o dono da terra atirando
mando, na cabeça, uma imagem lente especial. Comentei uma as tripas de uma cabrita, abatida
dos escritores e frustra-se quando entrevista, na qual ela dizia que o pelos retirantes mortos de fome,
os vê, em carne e osso, como seu livro preferido era o Diário, de era comovedora. Aí pelos 12 anos,
pessoas comuns, fora do mundo Samuel Pepys. Conhecia o livro, é li o livro, pela primeira vez, numa
onde os descobriu. Fomos buscá- claro, porém não se lembrava da edição da José Olympio, acrescida
la, Venancio e eu, no edifício onde preferência. de João Miguel e Caminho de
morava, batizado com o nome No almoço, a acadêmica fez-me pedras. O quinze foi anunciado
dela. Orgulhosa, dispensou o bra- apenas uma pergunta. Respondeu pela crítica de Alceu Amoroso
ço de um de nós, para mostrar a as minhas e ignorou-me o resto do Lima com a exclamação “Roman-
sua capacidade de movimentar-se tempo. Honestamente, não fiz cista ao norte!”. Nunca mais deixei
sozinha, apesar da idade e da caso disso. Nem esperei digres- de lê-la, nos seus livros, nas suas
vista, prejudicada pelo diabetes. sões literárias por parte dela. crônicas, muitas delas contos do
Reclamou dos cuidados exces- Certas pessoas acham que os pro- melhor lavor.
oooooooo
O Livro das Mutações
Alayde Mutzenbecher

Em maio, a Gryphus irá lançar uma nova edição da obra I


Ching: O Livro das Mutações, de Alayde Mutzenbecher,
publicado originalmente pela editora em 2002. Nele, a
autora nos ajuda a consultar em momentos cruciais da
nossa vida esse que é considerado o texto fundador das
ciências e artes chinesas.
Sua função mais difundida no Ocidente, que é a de oráculo,
não é, porém, a única. Livro de Sabedoria e autoanálise, o I
Ching configura as energias vigentes entre céu e terra e
tudo se resume à malha de conexões dos pólos positivo
(yang) e negativo (yin), em todas as variações possíveis. A
consulta ao I Ching amplia a liberdade de escolha,
permitindo-nos ser agentes do nosso destino.
Para se ter uma ideia de sua importância, grandes
pensadores e estrategistas basearam-se nele ao plane- Alayde Mutzenbecher fez mestrado em
jarem suas teorias e campanhas. Confúcio, o maior dos Antropologia Religiosa pela Sorbonne,
filósofos chineses, que viveu cerca 500 a. C., declarou no Paris. Foi tradutora do I Ching da versão
final da sua vida que se dispusesse de mais 50 anos iria alemã de Richard Wilhelm, assim como de
dedicá-los ao estudo deste Livro. O psicanalista C.G. Jung vários outros livros sobre budismo e
usou-o como suporte da sua teoria da Sincronicidade. E taoísmo.
Mao Tsé-tung só deflagrou a Revolução Chinesa quando o Formou-se no Instituto de Estudos em
oráculo lhe mostrou, através do hexagrama 49, que aquele Energética e Sinologia do Dr. Jean Marc
era o ano decisivo para a sua empreitada. Eyssalet, da França. Foi membro e
O I Ching também não é uma bola de cristal. Os seus textos colaboradora do Centro Djohi para estudos
mostram as possibilidades e as dificuldades de determinada e pesquisas sobre o Livro das Mutações.
situação, cabendo-nos optar pela trilha a ser percorrida. O Escreveu os livros Kuarahycorá, O Círculo
objetivo de Alayde é priorizar o sistema energético contido do Sol (1999), Pajé (2001) e Bichos da
neste Livro de Sabedoria milenar, divulgando – para os China (2003).
leitores desejosos de uma compreensão mais nítida – a A escritora faleceu em 2004.
maneira mais simples de consultá-lo.
além dessas formas imperfeitas que
Mutação constituem as suas moradas. Autoria do I Ching
Momentos de dificuldade e de
Tudo é Mutação, e nada existe perda interagem com momentos de Incontáveis eruditos chineses se
sem ela, – assim a China concebe encontros, e de ganhos. Ora nos debruçaram sobre o sistema ener-
o mundo. E nessa visão abran- aproximamos, ora nos afastamos, gético contido no I Ching, contri-
gente do Cosmo como um todo em ciclos contínuos e inter- buindo com valiosas abordagens. A
flutuante, um imenso caleidoscó- mináveis. Quem descobre como composição do Clássico (Ching)
pio, como se processa a Muta- sobreviver em situações limite e das Mutações (I) foi se desen-
ção? muito difíceis sai das perdas rolando no decorrer de grandes
Não pergunte quem sou; pergunte acrescido. Quem se insufla de espaços temporais, obra conjunta
quem estou sendo. prepotência pelo sucesso conquis- dos maiores sábios da antiguidade
Inexiste, no Oriente, o conceito de tado sai da prosperidade dimi- chinesa. Um só homem não poderia
entidade, de coisa, ou a noção de nuído. tê-lo escrito, pois comporta uma
substancialidade, mas sim proces- Ao contrário do Ocidente, que percepção energética contínua e
sos do vir a ser que se desenvol- pensa o universo em termos aprofundada, no decorrer de milê-
vem entre nascimento e morte. O materiais, o Oriente o pensa em nios. Assim, poderíamos considerar
fascínio de tudo o que brilha sobre termos de fluxos mutantes. Na este Livro que fundamenta todo o
a terra realça a função de reflexo a realidade, não há quem mude; há pensamento da China como fruto
conduzir os seres humanos para apenas a Mutação. de um crescimento orgânico.
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