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VIDA DOS SANTOS

Santa Teresa de Ávila – II


TERESA SANCHES DE CEPEDA DAVILA Y AHUMADA - Acredita-se que o nome
Teresa vem da palavra grega “teriso”, que se traduz por "cultivar": A Cultivadora.
Ou da palavra “terao” que significa "caçar": A Caçadora. Teresa de Ávila
pessoalmente entendia que se tratava de uma variação do nome “Dorotea”, que
significa “Dado por Deus”, “Dom de Deus”, e considerava Santa Dorotea como sua
padroeira.

Alonso Sanches y Cepeda


Beatriz Davila y Ahumada
* Ávila, 28 de março de 1515
+ Alba de Tormes, 4 de outubro de 1582

POR DENTRO
As narrativas, sabemos, seja em forma de histórias inventadas ou de casos reais,
têm o poder de ordenar o caos primordial de emoções e sentimentos contraditórios
em que vivemos. Mais necessárias ainda são para as crianças, sobretudo aquelas
que, por sua natureza, diante da realidade mais mistérios e contradições detectam
e menos meios encontram para expressá-los.

É assim que cedo vemos Teresa incansável, sempre atrás de qualquer um mais
falante, pedindo histórias, outra história, mais uma...

Um dos preferidos era o de Jimena Blázques: no ano de 1109, a senhora Blázques


estava sozinha em seu castelo, apenas com suas criadas. Seu marido havia partido
com todos os homens para a guerra. Sabedores de tal fato, os mouros
aproveitaram para atacar. Mas, refugiada na mais alta torre do castelo, Jimena
providenciou para si e para as outras mulheres barbas falsas. Assim disfarçadas,
portando espadas e armas (quem sabe explicar de onde teriam saído tantas barbas
e tantas armas, mas que importância tem isso numa história?...) fizeram tamanho
banzé e tão destemido simulacro de defesa que os mouros fugiram em debandada!

Havia também as histórias de terror da época, como as de crianças assassinadas


pelos infiéis. As de bruxas que lhes arrancavam os pequenos corações ainda
mornos para fazer feitiços. A de um menino torturado por judeus, coroado com
espinhos e crucificado a pouca distância de Ávila.

Mal os adultos se afastavam, Teresa recriava na realidade os relatos: um dos


irmãos fazia de ímpio; outro, o delator; um outro, o inquisidor; outros, os mouros;
e Teresa, Jimena, claro!

Havia também as brincadeiras religiosas. No jardim da casa, Teresa construiu um


pequeno eremitério. Era ali que se recolhia por horas, sem falar, sem comer ou
beber, dedicada às altas elucubrações que seus cinco anos de idade lhe permitiam.
Então, era a eremita Teresa, e ai de quem lhe interrompesse o recolhimento
espiritual.

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Já para brincar de convento, era necessário chamar Rodrigo, apenas um ano mais
velho, mas totalmente subjugado pela irmã. No “convento”, a madre superiora,
evidentemente, era Teresa.

Uma palavra:
“Eterno”... Essa era a palavra favorita de Teresa. “Para sempre, eterno” eram
palavras mágicas para ela, que ecoavam algum mistério de suas imagens
interiores.

Muitos anos mais tarde, María de San José, aquela companheira inseparável de
Teresa, descreveria os relatos que a amiga lhe fizera a respeito disso. Ela e seu
irmão Rodrigo se escondiam no eremitério e ali confabulavam. Longas conversas
sobre Deus, sobre a vida eterna, sobre os mártires ardiam nas tardes de Ávila. As
conversas os deixavam em tal estado de excitação que costumavam terminar
repetindo incansavelmente a expressão “para sempre!” Repetiam a idéia de
eternidade até a vertigem, como um mantra, como uma oração secreta...

A força extraordinária que a expressão “para sempre” gravara no espírito de Teresa


a acompanhou pelo resto da vida. E não é improvável que, por isso mesmo, ainda
hoje estejamos a falar dela.

Uma aventura:
Um dia, Teresa expôs claramente seu plano: “Rodrigo, vamos nos tornar mártires”.
Sofreriam. Teriam os olhos arrancados, os corpos retalhados a chicotadas, seriam
estripados, a pele carbonizada como um pergaminho negro! No entanto, suavizava
ela, seria por pouco tempo. Em breve estariam mortos e teriam a glória eterna!
Para sempre, Rodrigo, sempre!

Rodrigo relutava. Não gostava tanto assim do projeto... Teria saudades dos pais...
Mas Teresa tinha argumento para tudo. Dizia-lhe: “Rodrigo, não há aqui mesmo em
Ávila uma basílica dedicada aos três pequenos mártires de Ávila? E basílica! Não
uma igrejinha. E logo se punha a descrever como seria a basílica dos mártires
Teresa e Rodrigo!

Rodrigo contra-argumentava. Nem mesmo por uma catedral estava certo de querer
se meter em tal empreitada. Mas tanto Teresa argumentou que conseguiu
convencer o irmão. Iriam à ilha de Rhodes, recentemente conquistada pelos turcos.
Lá, confessariam a palavra de Cristo, seriam capturados, decapitados... e pronto,
teriam a vida eterna!

Muito simples: era só sair da Espanha, atravessar o sul da França, o norte da Itália,
a Eslovênia, a Croácia, a Bósnia, e a Albânia, para entrar na Grécia pelo norte,
cruzar o mar Egeu e o mar de Creta para chegar então a Rhodes... Rodrigo
perguntava: “Sem cavalos?”

“Iremos a pé”, dizia Teresa, “e seremos mendigos em nome de Deus. Não nos
negarão um pedaço de pão”. Rodrigo deu-se por vencido. Ao alvorecer, assim que
as portas de Ávila foram abertas, lá partiram os dois mártires rumo a Rhodes.

Bem, iniciaram a peregrinação pela rota de Salamanca – que fica, por acaso,
justamente na direção oposta à que deveriam tomar. Por ali, se um milagre
acontecesse, talvez chegassem à fronteira com Portugal, mas nem isso. Pouco
depois do início da peregrinação, foram surpreendidos pelo tio. Francisco Alvarez de
Cepeda ficou furioso, não quis saber de conversa, segurou a dupla pelo cangote e a
devolveu a casa entre impropérios.

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Para quem buscava a carreira do heroísmo, Rodrigo revelou-se um fracasso total,
negou sua participação e culpou a mulher: “Foi ela quem quis, papai! Foi Teresa!”
A Teresa coube encarar sozinha e com estoicismo o castigo: uma terrível
reprimenda temperada com uma memorável surra da mãe e do pai.

COMO ERA ELA?


A filha mais velha de doña Beatriz herdou toda a sua formosura – à falta de haver
herdado sua modéstia... Em duas palavras, era bela e irresistível. Ribera oferece
esta interessante descrição: “Era de imensa graça e bem formada. Como muitas de
Castilla, tinha as faces rosadas como as do povo do Norte, e suas bem marcadas
sobrancelhas eram mais retas do que arqueadas e tendiam quase ao tom de ruivo
mesmo quando o tempo já as havia escurecido. Seu cabelo castanho e
encaracolado sugeria, por outro lado, uma raça meridional, enquanto que os olhos,
que pareciam rir e bailar em seu rosto quando sorria, eram quase negros. O nariz,
pequenino e simétrico, tinha a ponta redonda e era algo encurvado para baixo. Seu
rosto era um tanto gordinho, e com três discretas pintinhas que lhe davam grande
encanto: uma delas um pouco abaixo do meio do nariz. A segunda, na comissura
labial esquerda e a terceira logo embaixo desta, do mesmo lado. Seu sorriso
magnífico revelava alvos e perfeitos dentes. Suas mãos eram pequenas e
singularmente belas”.

Maria de San José diz assim: "Era esta santa de estatura mediana, mais para alta
do que para baixa. Na mocidade, teve fama de ser muito formosa e até seu último
dia ainda era. Tinha um rosto nada comum, na verdade extraordinário, nem
redondo nem comprido; sua testa era grande e também muito formosa. As
sobrancelhas eram de cor loura escura, largas e algo arqueadas. Os olhos, vivos,
negros e redondos, não muito grandes, mas bem postos. O nariz era redondo e
subia reto até os canais lacrimais, diminuindo até se igualar com as sobrancelhas,
formando um conjunto muito agradável de se ver. Era mais cheia do que magra, e
em tudo bem proporcionada. Tinha mãos muito lindas, embora pequenas. No rosto,
do lado esquerdo, tinha três sinais. O maior abaixo da boca, outro em a boca e o
nariz e o último no nariz, mais para baixo que para cima. Em tudo era perfeita”.

A beleza se misturava a um irresistível carisma. O padre Gracián de la Madre de


Dios, que tantos anos esteve ao lado de Teresa, disse dela: “Era formosíssima, tão
doce e tão agradável que atraia a todos os que se relacionavam consigo; e a
amavam e queriam bem”.

E, ousado (para um padre da época), vai adiante: “Era uma dessas belezas
morenas sempre acompanhadas de majestade; majestade, porém, encoberta com
tanto encanto que era impossível vê-la sem sentir por ela uma atração irresistível”.

E Maria de San José completa: “Sua muito grande beleza e os cuidados que tomava
com sua pessoa, a graça delicada de sua conversa, a suavidade de seu
comportamento contribuíam para embelezá-la ainda mais, de tal modo que o
profano e o santo, o mundano e o asceta, dos mais velhos aos mais jovens, todos
se sentiam prisioneiros, cativados por ela. Criança ainda e logo mocinha, ela foi,
para todos os que dela se aproximaram, o que o ferro é para o imã”.

O LUGAR - ÁVILA
Mudar-se de Toledo para Ávila significava uma mudança radical. Toledo, enorme
para a época, com seus 90 mil habitantes, era um importante centro comercial e
cultural. Por sua geografia e pela dinâmica da sociedade local, a cidade estava
sempre em movimento. Junto com as mercadorias, por ali circulavam livros,

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representações teatrais, filósofos, músicos, doutores, místicos, astrônomos,
viajantes...

Nada podia ser mais diferente de Toledo que a isolada e pequena Ávila, cidade-
fortaleza que se ergue diante da serra de Guadarrama, no alto do planalto de
Castela. A 1.127 metros de altitude, construída no século IX em meio a paredões
de rochas escarpadas, a cidade mantinha seus três mil habitantes protegidos por
uma impressionante muralha de granito rosa, sobre a qual se assentavam 88 torres
e 2.500 ameias.

Para reforçar a proteção da cidade, castelos fortificados dos nobres locais


formavam um segundo círculo de proteção pelo lado interno da muralha. Até a
catedral de Ávila parece uma fortaleza. Era a cidade inexpugnável.

Se Toledo era o epicentro do comércio e da cultura, Ávila era o centro da política e


da guerra. Acumulava títulos como “Ávila dos Leais”, “Ávila dos Cavalheiros”, “Ávila
do Rei”, concedidos em agradecimento às muitas provas de coragem de seus
habitantes. O lema de Ávila era “antes quebrar que ceder”. Desde tempos
imemoriais, Ávila sempre combatera por Deus, pela liberdade e pela honra.

Na Catedral de Ávila, a Santa Junta, composta de monges, padres e fidalgos que


condenavam os heréticos, se reunia. Também em Ávila Torquemada montava suas
tenebrosas fogueiras.

Autora: Marta Vieira P. de Almeida, médica, especialista em psicodrama e análise


Junguiana

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