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GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 28/03/2016 1
NEOLIBERALISMO E KEYNESIANISMO, DOIS PRATOS DA MESMA GOROROBA
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Quem tenha o mau gosto ou a infinita paciência para esperar que a palavra capitalismo saia da boca de membros da classe política ou da escolástica universitária, é porque acredita que camaleões possam cantar Verdi.
Sumário 1 - A função financeira e as suas bolhas 2 - O neoliberalismo selvagem e genocida 3 - Haverá uma alternativa keynesiana anticapitalista? 3.1 – Uma moeda própria? 3.2 – O fomento do consumo privado? 3.3 - O gasto público, o choque keynesiano? 3.4 – A aceitação da dívida não será um acto de submissão? 4 - Como arquitetar uma solução anticapitalista  \\\\\\\\\\\\\\\+++/////////////// O capital não é abstrato e os seus donos são gente e instituições concretas que tudo fazem para o valorizar. Por muito pouco que essa gente represente face à população mundial, são eles que montam os bailados entre governos e oposições, correspondendo isso à objetiva contratação daqueles dançarinos como funcionários zeladores dos interesses essenciais do capital – a sua acumulação, a sua valorização em busca do infinito. Com as classes políticas ao seu serviço, o capital apossa-se dos aparelhos de estado e das instituições pluriestatais, com particular destaque para as que enformam a burocracia da UE; através deste controlo, o capital monta os circos eleitorais, apropria-se da punção fiscal, goza do monopólio da emanação de leis convenientes e da violência, por intermédio de entes tão pouco simpáticos como polícias, tribunais e cobradores de impostos. Nada disto teria um funcionamento sem contestação relevante por parte da plebe se não houvesse um tentacular aparelho ideológico público e privado, ou melhor, público-privado. Referimo-nos à escola em geral, à universidade em particular e aos
media 
, verdadeiros filtros promotores de ocultação, de mentira e deturpação.
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 No Brasil, significa mistela, comida mal feita, para encher a barriga dos pobres e mantê-los como força de trabalho
 
 
 
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É com este plano de fundo que a realidade no contexto económico e financeiro teima em não apresentar cores alegres. 1 - A função financeira e as suas bolhas A função de crédito baseia-se na captação de poupanças de pessoas e empresas para empréstimo a quem dele precise, mormente para investimento produtivo. Tradicionalmente são os bancos que desempenham essa função, tendo como remuneração o diferencial entre os juros pagos aos depositantes e os que cobram aos mutuários. Claramente, os bancos e instituições a eles ligadas evoluíram, de um caráter nacional para uma lógica global, formando um sistema financeiro em que milhares de milhões de registos, beneficiando das tecnologias de informação e comunicação, mudam de titular e de localização, numa cadência assombrosa e de modo instantâneo. Os bancos e o sistema financeiro em geral rodearam-se de capacidades únicas e desligadas da realidade social, atuando diretamente ou através de galáxias de entidades, com nomes obscuros para a maioria, tais como fundos de investimento,
hedge funds 
, fundos abutres, imobiliários ou de pensões, bancos de investimento, seguradoras, empresas de locação financeira, de factoring, de aquisição de crédito e outras. E ainda de instrumentos parasitários ou com funções especulativas como ações, obrigações, títulos de dívida pública, certificados de depósito, contratos diferenciais, de futuros,
forward 
 ou de opção,
swaps 
 (… o que nos traz à memória a Maria Luís) derivados sobre divisas, instrumentos financeiros, opções, papel comercial (onde se enrolaram clientes do BES) e outros, cujas definições se podem encontrar, por exemplo, na página da CMVM
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. Toda aquela vasta gama de “produtos” constitui uma cadeia de interpenetrações, em que uns dependem da evolução de outros, todos ignorando ou esquecendo a base real – um crédito efetivo, relacionado com a realidade económica e social. A compra, venda e recompra desses “produtos” faz-se através de decisões instantâneas, tomadas por supercomputadores, que se desenrolam em todos os momentos, promovendo escaladas geradoras de valorizações e ganhos; a que se seguem, inevitavelmente, períodos de queda, de desvalorizações e perdas em que os “papéis” parecem queimar as mãos dos seus detentores. Sublinha-se que nada mais há do que esses registos informáticos que se interpenetram uns nos outros, numa matriz de direitos e obrigações, que protagonizam transferências e mudanças nos valores, sem qualquer correspondência com a criação de bens ou serviços com destino à satisfação de necessidades humanas. No entanto, todos os intervenientes necessitam de fundos (próprios ou alheios) crescentes para essas transações cuja valorização alimenta uma bolha; e é aí, para evitar o rebentamento dessa bolha por falta de liquidez que Draghi interveio recentemente para aumentar, de € 60000 M para € 80000 M mensais, o financiamento pelo BCE do sistema financeiro, com uma taxa de 0%.
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http://www.cmvm.pt/pt/SDI/ProdutosFinanceirosComplexos/Pages/Gloss%C3%A1riodetermosrelativosaInstrumentosFinanceiros.aspx
 
 
 
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Há quem aponte para ciclos de oito anos os períodos em que as bolhas especulativas incham até rebentarem, voltando a iniciar-se um novo ciclo. Entretanto, ficam pelo caminho, os mais imprudentes, com ativos desvalorizados, obrigados a vendas com perdas elevadas, insuficientes para o reembolso dos capitais tomados de empréstimo e destinados à especulação, na perspetiva gulosa e demente de que a valorização dos títulos atinja o céu. Não chegará. E como nas bebedeiras, a ressaca não é agradável. Em três semanas de  junho de 2015 a bolsa de Xangai perdeu 30% da sua valorização, no equivalente a € 3 biliões, afetando drasticamente sete milhões de novos ditos investidores atraídos pelas grandes subidas das cotações que se verificaram nos poucos dias anteriores à queda. Como se sabe, na lógica das pirâmides de Ponzi, o seu fim é um dado certo, sendo incerto apenas o momento do fim da festa; e os jogadores pretendem sempre explorar ao máximo a fase ascendente do ciclo, tentando adivinhar o ponto de inflexão. Estamos, dentro dessa métrica, em ano de rebentamento de bolha, depois da crise derivada dos
subprimes 
 em 2008; credenciados analistas do mercado já previam, um ano atrás, que esse rebentamento ocorreria em outubro de 2015. Na Europa, Draghi trava uma luta desesperada contra ao tempo, tentando adiar o rebentamento da bolha, emitindo mais moeda, esperando que uma retoma (improvável) coloque o “mercado” a caminhar em cima dos próprios pés.
A onda Draghi
 Se o jogo especulativo permite lucros, valorização dos capitais aplicados, é para lá que os “investidores” se dirigem, pouco interessados nos verdadeiros investimentos, na criação de capacidades de produção de bens e serviços, na satisfação de necessidades. E não consta que as evidentes manchas de pobreza e a carência de estruturas nos capítulos da educação, da saúde, da ação social, ou a degradação do parque habitacional, comovam os tais “investidores”; excepto, quando a beneficência com a criação de fundações, sejam fontes de benefícios fiscais. Aliás, esses “investidores” bem integrados na racionalidade capitalista do curto prazo e da rendabilidade máxima, não se mostram interessados em comprar equipamentos, terrenos agrícolas, contratar trabalhadores, promover as vendas, etc., onde se evidenciam ciclos diferentes entre a contabilização de custos de capital e a recuperação ou a eventual remuneração dos

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