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Qualidade na gestão de instalações desportivas

José Pedro Sarmento – psarmento@fcdef.up.pt


Seminário de Gestão de desporto – Universidade da Madeira. Fevereiro de 2005.

Introdução
Vivemos, nos dias de hoje, a assunção de competências e o aumento da capacidade de
intervenção do poder autárquico sobre o sistema desportivo nacional.
Este facto, que é para nós salutar, levanta-nos no entanto, um conjunto de preocupações
que urge debater e esclarecer:

. Que lógica seguir na implantação de novos equipamentos desportivos?


. Como reduzir os custos de construção e manutenção das instalações desportivas?
. Qual o perfil do gestor desportivo responsável por tais tarefas?

Um esforço de reflexão neste âmbito parece culminar na necessidade de reestruturar os


órgãos autárquicos, ao nível da sua organização interna. Com a ajuda de Covey (1990),
reconhecemos alguns dos cenários existentes e outros que podemos ajudar a criar. As
organizações desportivas passaram de um estado inicial anárquico, característico das
estruturas informais, para um outro, de cariz formal, respeitando inicialmente princípios
de dependência e, numa fase posterior, de independência. Neste momento parece-nos
essencial avançar para um novo postulado, o da "interdependência", através do qual seja
possível dar passos seguros nas seguintes áreas:

. a integração das acções do poder local numa política desportiva nacional;


. o ordenamento territorial dos equipamentos;
. a formação de equipas municipais de gestão e manutenção de instalações.

O paradigma da «Sociedade de Mercado» obriga-nos a encarar todo o processo de


gestão dos serviços municipais dentro de uma lógica de optimização de recursos e
satisfação da procura. Porter (1985) chama a atenção para a necessidade de criarmos
nos produtos/serviços, vantagens competitivas sobre os seus concorrentes directos por
forma a manter a sua posição dentro do mercado.

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A aposta em segmentos de mercado específicos, o aumento da qualidade dos serviços e
a diminuição do seu custo, são factores a ter em conta no planeamento e organização de
qualquer serviço.
Mas existe igualmente o papel social que o poder local tem de desempenhar e que o
obriga a satisfazer necessidades, por vezes, sem conseguir ultrapassar os custos de
produção.
O apoio ao movimento associativo, ás populações desfavorecidas e ás populações com
necessidades físicas especiais são parte integrante da programação de toda a actividade
autárquica. O equilíbrio entre as receitas possíveis e os custos sociais indispensáveis
deve orientar todo o nosso pensamento estratégico enquanto gestores públicos.

O ordenamento das instalações


Nos últimos tempos temos dedicado alguma atenção á forma, quanto a nós desajustada,
como as instalações desportivas proliferam no nosso país. A maioria das vezes apenas
conseguimos discernir motivações, muito longe das técnicas, para justificar o seu
planeamento e construção.

. Aonde nos levará este estado de coisas?


. Será possível continuarmos todos a pensar apenas nas nossas necessidades e sonhos,
sem ter em conta as dos nossos vizinhos e as do próprio mercado?
. Que importância tem para quem planeia, os níveis de utilização e os custos de
manutenção e conservação dos equipamentos desportivos construídos?

Por vezes, no que se refere ás instalações desportivas, parece não existir a necessidade
de corresponder a uma determinada procura nem de justificar os investimentos. É
suficiente construir e ir utilizando.
A passagem gradual das competências desportivas do poder central para o poder local
parece estar a ser um importante factor de desenvolvimento do sistema desportivo
nacional, permitindo um reforço da ligação entre o cidadão e o Estado. Tem facilitado
inclusivamente, a avaliação das carências e necessidades das populações, bem como, o
desempenho do exercício das funções aos líderes políticos.

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A construção de instalações é antes de mais um projecto social que pretende colmatar
um conjunto de necessidades tidas como essenciais para o bem estar de uma população.
A realização de estudos preliminares, a formação de equipas pluridisciplinares e a
consulta de peritos no sector desportivo, deve anteceder todo o processo de projecção e
construção de uma infra-estrutura desportiva (Walker, 1997).
O conhecimento sobre o ordenamento e construção das instalações desportivas já existe
há muito no plano internacional, e com provas dadas.
Num país onde aquilo que é originário do estrangeiro, é por norma estimado e por vezes
sobrevalorizado, observamos com estranheza a dificuldade que a informação acima
referida tem, em penetrar as nossas fronteiras.
No curto prazo, uma das grandes tarefas do gestor desportivo na autarquia, será garantir
a difusão de uma nova forma de pensar, programar e realizar as actividades no sector
onde desempenha as suas funções.
Parece-nos assim, fundamental apostar inequivocamente numa definição clara do papel e
das funções adstritas ao desporto autárquico. A ausência desta decisão poderá originar,
a curto prazo, a transformação das autarquias em mais um sub-sistema do desporto
nacional, o que não nos parece, de todo, aconselhável.
Embora, querendo apenas contribuir para o necessário e indispensável confronto de
ideias, parece-nos que o principal papel a desempenhar pelos departamentos de desporto
nas autarquias, está relacionado com a actividade de coordenar e interligar os diferentes
níveis de intervenção e a disponibilização de recursos (materiais, humanos e financeiros)
que permitem o normal funcionamento das inúmeras instituições de carácter desportivo
em cada concelho.

A gestão das instalações


Todos reconhecemos o aumento de exigência dos parâmetros de construção de
equipamentos sociais nos últimos anos. Actualmente, temos como principal vector, a
qualidade e multifuncionalidade dos serviços e instalações disponibilizados.
Esta situação exige investimentos avultados, não apenas nas fases de projecto e de
construção, mas também nas de manutenção e conservação, o que vai condicionar
definitivamente a rentabilidade da exploração e funcionamento desses mesmos
equipamentos.

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Reduzir os custos de manutenção das instalações e seus equipamentos desportivos
torna-se portanto, um objectivo de grande interesse para a gestão do desporto nos
municípios, o que obriga a que se invista na procura de soluções eficientes e integradas,
capazes de diminuir o seu impacto financeiro nos orçamentos (Pires e Sarmento, 1999;
Beleza e Sarmento, 2000).
Um esforço interventivo neste domínio exigirá sempre uma actuação qualificada ao nível
pessoal envolvido na gestão autárquica.
A nossa experiência na cidade do Porto mostra-nos que é possível aplicar com alguma
taxa de sucesso, políticas de gestão que tenham em conta a procura desportiva local e
adequar os serviços municipais á realidade existente (Sarmento, Caramez e Oliveira,
2000).

O sucesso parece estar ligado com:

. a relação entre os serviços e o local da cidade em que estão inseridos;


. a oferta desportiva existente no movimento associativo;
. a inserção de profissionais qualificados em áreas chave da nossa acção – gestão das
instalações, manutenção de equipamentos e organização de eventos.

Perante todas as condicionantes colocadas pela lentidão da acção do poder público


parece-nos ser de todo justificável a identificação precisa dos problemas existentes e o
estudo rigoroso de todas as soluções disponíveis para agir.

O perfil do gestor desportivo


A nossa experiência ao nível do poder local tem-nos mostrado que os quadros técnicos
que integram os departamentos desportivos municipais são sobretudo preenchidos por
licenciados em Educação Física. Apenas muito recentemente foram criadas as
licenciaturas e os mestrados em Gestão Desportiva, disponibilizando formação específica
para o exercício das tarefas acima referidas (Pires e Sarmento, 2001). É, no entanto,
com muito contentamento que assistimos à procura significativa deste tipo de formação,
em todos os níveis de ensino disponíveis.

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Enquanto coordenador de um dos mestrados na área, tivemos a oportunidade de
constatar que os conhecimentos relacionados com o ordenamento e gestão de
instalações são os mais procurados pelos alunos para as suas dissertações (Sarmento e
Oliveira, 2001).
Este facto é tão mais significativo quanto a grande maioria destas teses foram, ou irão
ser realizadas por alunos ligados profissionalmente ás autarquias.
A busca de formação em Gestão Desportiva por parte dos quadros do poder local,
parece uma tentativa de fazer face à reduzida oferta de pessoal com qualificação nesta
área.
As competências relacionadas com a gestão de recursos humanos, a organização de
eventos desportivos, a gestão de projectos desportivos e o direito desportivo parecem
ser essenciais num sector que tem como principais problemas: o excesso de burocracia,
relações pessoais complexas e um elevado número de programas e projectos para
concretizar.
O gestor desportivo no contexto autárquico terá de estar preparado para lidar
simultaneamente com os políticos e com a população (clubes, cidadãos, instituições,
etc.) e assumir-se como elo de ligação entre as necessidades (população) e as
possibilidades (poder político).
Este aspecto particular da sua actividade reforça a sua posição enquanto difusor de
novos pensamentos e formas de actuação – já referidos anteriormente – que possam
harmonizar o funcionamento das autarquias ao permitir a optimização dos recursos no
serviço ás populações.

Conclusão
Voltando a Covey (1992), reconhecemos alguns dos cenários do passado, do presente e
outros ainda que, eventualmente possamos criar.
Como referimos no início, o nível das organizações passou, numa primeira fase, por um
estado anárquico baseado no princípio da dependência.
Este tipo de organização é facilmente reconhecível em situações como as que foram
detectadas por Teixeira Homem, que num trabalho sobre o movimento associativo no
concelho de Aveiro em 1997, encontrou 32% de clubes sem sede, 48% sem telefone e

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18% sem qualquer tipo de instalação. Esta evidência demonstra claramente os
desequilíbrios que a fase da dependência criou no movimento associativo.
Numa etapa posterior, prevaleceram os princípios da independência, baseados num
espírito de políticas de completo isolamento, procurando essencialmente afirmações de
chauvinismo e superioridade, responsáveis pela existência, em muitos casos, de
equipamentos perfeitamente desajustados à realidade desportiva nacional e que num
futuro próximo, perante o reconhecido quadro de recessão económica mundial, poderão
vir a constituir-se em factores de regressão, contrariando toda a sua razão de existir.
Neste momento parece-nos essencial avançar para um novo princípio, o da
"interdependência", através do qual seja possível dar passos seguros nas seguintes áreas:

1. Ajustamento das políticas desportivas autárquicas a factores como:


. proximidade regional
. procura desportiva
. tendências demográficas

2. Sujeição do ordenamento das instalações desportivas a factores como :


. necessidades das populações
. complementaridade
. rentabilidade

3. Formação de equipas municipais ou intermunicipais de gestão e manutenção de


instalações e equipamentos desportivos
. equipas de tratamento de águas de piscinas
. equipas de manutenção de pisos artificiais
. equipas de manutenção de pisos naturais

O objectivo é permitir antever um futuro sustentado, em que a oferta desportiva esteja


dimensionada à procura e onde os investimentos estejam previamente acautelados, com
garantias de efectiva utilização e rentabilidade económica.

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Passámos de uma situação tradicional, caracterizada pelo reduzido número de
equipamentos desportivos, com qualidade inferior às necessidades, para uma outra, de
construção correcta mas quase sempre desordenada, sem qualquer tipo de interacção e
complementaridade entre os diversos municípios, o que originou a sobrelotação em
algumas regiões.
Sugerimos, nas zonas urbanas e rurais, o cruzamento de duas redes complementares de
instalações desportivas, uma de proximidade, em que o principal aspecto está ligado com
a acessibilidade das populações a uma prática de base, e uma outra de qualidade, que
garanta a satisfação dos padrões mais elevados, quer do desporto de alto rendimento,
quer das actividades de recreação e lazer.

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Bibliografia
Beleza V., Sarmento J.P. O parque de piscinas olímpicas em Portugal – uma experiência
na Piscina Municipal de Campanhã. XII Congresso da Associação Nacional de Técnicos
de Natação. Vila Real. 2000.

Covey S. The 7 habits of highly effective people – powerfull lessons in personal change.
Franklin Covey CO. EUA. 1990.

Pires P., Sarmento J.P. Estudo da rentabilização social e económica das piscinas do
Baixo Vouga (distrito de Aveiro) e do perfil de competências e funções das mesmas
piscinas. Revista Horizonte, vol. 15, n.º 90. 1999. pp. 33-37.

Pires G., Sarmento J.P.: Conceito de Gestão de Desporto: novos desafios, diferentes
soluções. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto. Vol. 1. n.º 1. Julho-Dezembro
2001. Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do
Porto. Portugal. pp 88-103.

Porter, M. Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. Free


Press. New York. 1985.

Sarmento, J.P., Oliveira, A. E., Caramez, R.P.: The management of sport in the city of
Oporto: a partnership between the local authorities, the university and the sport clubs.
Book of Proceedings of the 8th Congress of the European Association for Sport
Management. San Marino. Republica de San Marino. 6 a 10 de Setembro 2000. pp 242-
243.

Sarmento, J.P.; Oliveira, A.E. Sport Manager as a Human Resource: what to do and
where to do it? Póster apresentado no 9º Congresso da European Association for Sport
Management em Vitória, Espanha, 19 a 23 de Setembro de 2001.

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Teixeira Homem, F. O movimento associativo desportivo no concelho de Aveiro:
caracterização organizativa e funcional dos seus elementos estruturantes – clubes,
dirigentes, sócios, técnicos, técnicos e praticantes. Dissertação de Mestrado.
Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física. Porto.
1997.

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