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Os filhos da rua

As praças públicas abandonadas na cidade de Maputo são, geralmente, sítios cobiç


ados por dementes e algumas pessoas cuja condição social é precária. Por via dis
so, muitas vezes, esses lugares são conotados pelo cidadão comum como refúgio de
criminosos. Mas, nem sempre é assim...
Os lugares que encontraram para residir são, no mínimo, originais. Fica no meio
de um jardim e, por vezes, no fim do expediente – mendicidade – instalam-se onde
calha, especialmente nas noites quentes de Verão quando é possível pernoitar ao
ar livre. O Jardim da Malanga, um mundo à parte, é o local onde residem 11 jove
ns que largaram tudo, família inclusive, e mudaram-se de armas, mas sem bagagem,
para um modo de vida duro: ganhar a vida na rua.
Na verdade, são três mulheres e oito rapazes com idades compreendidas entre os 6
e os 27 anos. Porém, chamar de residência a um punhado de estacas cobertas por
plásticos, cartões e alguns farrapos é um eufemismo. As duas cabanas, montadas n
o centro do jardim, não oferecem nenhumas condições de habitabilidade. Aliás, pe
rnoitar no interior daquelas duas cabanas é um desafio à existência, pois 11 ser
es humanos dormem em cima de cartões num espaço exíguo para corpos que pedem mai
s. No entanto, os homens e mulheres que, por falta de condições, escolheram aque
la praça para habitar, transformando-a num lar com características próprias e o
ponto de partida para os duros combates da vida provêm, uma parte, das província
s, e a outra é oriunda dos bairros suburbanos da capital do país.
Pedro Pango, por exemplo, é da casa, tem 18 anos e veio do bairro de Chamanculo.
Chegou ao local com 14 primaveras e deixou para trás o conforto do lar paterno.
Voltar à casa dos pais não está no horizonte do jovem até porque acredita que a
vida ao ar livre torna as pessoas adultas: “Foi aqui que me fiz homem”, afirma.
Quando chegou em 2006, diz, tinha em mente deixar para trás uma relação conflit
uosa com o seu progenitor. A justificação para se ter instalado na praça é espir
itual: “aqui tenho paz”. “Às vezes encontro o meu pai na rua e não me reconhece.
Mas, tenho a certeza de que um dia se vai lembrar de mim quando eu mudar de vid
a, pois pondero regressar à escola”, desabafa. Conversando com outro jovem, ficá
mos a saber que veio de Inhambene. A sua presença no local foi como que obra do
destino.
Para Cremildo João, a sua história começou em 2008 quando deixou a sua terra e d
ecidiu rumar à capital, onde, com ajuda da sua tia, pretendia encontrar o norte
da vida. Algum tempo depois, tudo mudou. Os seus sonhos começaram a ruir quando
os tios se separaram. Sem alternativas, foi parar na rua e posteriormente na Mal
anga. Nos dias que correm, o jovem não se queixa e diz que, não fora as investid
as da polícia que por falta de bilhete de identidade lhe complica, os seus dias
seriam pacatos.
Convivência com os moradores do bairro
De acordo com alguns moradores, os residentes do jardim são calmos e ordeiros. S
obre si não vieram ainda relatos de práticas criminais. A convivência com a comu
nidade é pacífica. Defende-se que respeitam as liberdades alheias e a ordem públ
ica. Vivem o seu mundo e do seu suor.
Segundo Abdul Carimo, um cidadão que acompanha de perto o seu quotidiano, o maio
r problema por ali é o consumo excessivo do álcool. Aquele residente lamenta o t
riste fim a que aquela juventude está votada. Na sua óptica faltam políticas con
cretas para lidar com casos do género. Ao contrário do primeiro, Vicente Sitoe,
outro morador do bairro acredita que as autoridades deviam tomar medidas no sent
ido de impedir que “eles habitem na praça”. Primeiro, porque constituem uma amea
ça. Segundo, por darem um mau aspecto ao local e, por último, porque são imprevi
síveis. Para Sitoe a solução é reabilitar o jardim e depois encontrar outro luga
r para eles. “O facto de serem calmos hoje não significa que serão sempre assim;
a partir do momento em que bebem e consomem droga, representam um atentado cont
ra a integridade pública”, disse.
No entanto, para Carmelinda Manhiça, psicóloga social e de organizações, as cois
as não devem ser vistas dessa forma. Os sobreviventes da Malanga não constituem
ameaça para a comunidade. Pelo contrário, pessoas assim deviam ser, cada vez, ma
is reintegradas na sociedade. “A sociedade deve procurar adaptar-se aos outros.
O que está em jogo aqui é a falta de relação nas famílias. Eu penso que a partir
do momento em que os filhos não estão em casa os pais devem-se preocupar, mas o
que vemos aqui é diferente. Muitos destes jovens têm familiares e a pergunta qu
e sobressai é: onde é que estão eles?”, questiona.
Segundo aquela especialista, a sociedade civil deve reflectir bastante sobre a p
roblemática da reinserção social. Portanto, como em muitos lugares desde que o m
undo é mundo e os aglomerados humanos precisam de chefes, naquele pequeno mundo
também existem normas. Essas regras funcionam com base nas relações de poder e m
uitas vezes beneficiam os mais astutos.
Por via disso, os mais fortes controlam os cenários e gerem o espaço, incluindo
as mulheres que pululam por ali. Segundo eles, a convivência é orientada por doi
s grupos rivais. “Aqui, há pessoas que consomem drogas e a nossa luta é sanar es
sas práticas, no mínimo toleramos o consumo do álcool”. E assim se faz o seu dia
-a-dia naquela praça que outrora foi uma grande atracção e motivo de orgulho par
a os moradores dali.
Aunorius Andrews in Jornal “A Verdade”

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