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A prática da desistência amorosa

Por Carmen Padma Jinpa 4 julho 2009

Converso com muitos praticantes de meditação sobre o que aconteceu em suas vidas depois que tiveram acesso
aos ensinamentos budistas. Às vezes, as respostas podem ser resumidas com uma mesma palavra: desistências.

Tem aquele que desistiu de matar animais como meio de vida. Outro que pensou melhor e resolveu não fazer
uma segunda faculdade que tomaria todo seu tempo livre. Uma grande amiga recusou um cargo que lhe
aumentaria o prestígio profissional, mas também a carga horária (e numa proporção bem maior). Soube de
outro que frequentava três ou quatro centros de estudos espirituais e focou só no budismo, mesmo sabendo que
esta doutrina não se pretende sectária. E tinha aquela que desistiu de ter TV a cabo e acompanhar meia dúzia de
seriados e mais os jogos importantes do campeonato europeu (sim, confesso que essa era eu, mas foi na década
de 90 e já prescreveu; compaixão, por favor!).

A pergunta que me faço agora é a seguinte: será que precisávamos mesmo de todos aqueles projetos que
tínhamos e dos quais fomos aos poucos abrindo mão?

Provavelmente não, e foi a prática budista que nos ajudou a ver isso. Tenho a sensação de que existe um sentido
de urgência no ensinamento, embora seja uma urgência gentil. É como uma voz suave de vez em quando se faz
ouvir por trás do ruído usual do mundo: “Vamos lá, pratique, aproveite seu tempo, transforme sua vida humana
comum numa vida humana preciosa”. E à medida que nos comprometemos com a prática, nos tornamos cada
vez mais sensíveis a este novo sentido de aproveitar o nosso tempo.

Sobre a facilidade com que passamos a desistir de planos que antes nos eram caros, lembro de um comentário
do lama Padma Samten numa palestra no templo do Caminho do Meio, em Viamão. Ele explicou que pode
surgir a sensação de que nossos objetivos empalideceram e citou o exemplo de alguém que sonha viajar para o
norte do Brasil parando em cada capital para conhecer novas pessoas, novas culturas. Não há nada de errado
nisso, inclusive pode ser uma prática de darma fabulosa! Mas suponha que a pessoa mudou o olhar.
Desconfiou, questionou a própria motivação, repensou tudo a partir do eixo oferecido pelo ensinamento. Ela
não sofreu nem se esforçou; ela se colocou numa paisagem diferente e… voilà! – a viagem dos seus sonhos
perdeu todo o brilho.

Ainda estou refletindo sobre esta desistência amorosa e seus efeitos em nossas vidas, eu que me interesso por
coisas tão distintas quanto o cinema e a marcenaria. Imagino que seja um belo desafio passar a ânsia das
atividades pela peneira da motivação, pelo filtro do dharma; distinguir o que é fanfarronice e perda de tempo
daquilo que surge a partir da aspiração elevada de trazer benefícios. Destes nossos planos de hoje, o que será
transformado? O que será mantido? O que será descartado? São pequenos ajustes que podemos fazer no mundo
convencional e que vão nos ajudar a ter mais tempo e dedicação na nossa prática.

Quero muito aprender isso. Mas acabo de me apaixonar por um cara que sonha dar a volta ao mundo num
veleiro, então vocês podem apostar que minhas chances são mínimas…

 Sabe, eu não sou conheço muito do budismo, embora tenha interesse. Com o pouco ouço falar aqui e ali, eu
me identifico. Quando citou o comentário do lama Padma Samten, me vi ali. é algo natural meu encontrar esse
empalidecimento constante. Eu estou sempre com minha cabeça olhando tudo, e sempre tentando sentir as
coisas, não me fixar em meros planos, pois eles às vezes só persistem por orgulho ou desatenção ao fluxo
natural. No entanto, isso não é nada tranquilo ou gratificante.
Na verdade, eu tenho tentado fazer exatamente o inverso: tentar fixar coisas, e segui-las, mesmo que elas
empalideçam, pq, mesmo que eu sinta que tudo é aprendizado, tudo nos leva pra frente, ainda assim, sinto como
se eu não pudesse enxergar o que tenho em mãos, e sinto que não estou construindo nada e, quem sabe,
desprediçando muito.
Hoje em dia se fala muito em foco e, ao mesmo tempo, há essa coisa do 'questionar'. Eu, que questiono tanto
[não só com a cabeça, mas tb com o sentir - se é que sei o que é sentir... rs], estou me sentindo perdida.

Gostei muito do seu texto e gostaria de ver a sequencia. Pense um pouquinho nisso ao prosseguir.
Mantenhamos esse diálogo.

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