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GEOMETRIA E ARTE: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

Eleonôra Cyntia P. de Mélo Brito1


Luciana Ferreira dos Santos2
Gilda Guimarães3
_________________________________________________________________

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo investigar o que vem sendo trabalhado nas
escolas em relação ao ensino da geometria e das artes visuais e, a partir disso,
analisar possibilidades de crianças da alfabetização realizarem atividades que
explorem as representações bi e tridimensionais. Em nossa pesquisa realizamos
um primeiro estudo no qual entrevistamos professores da região metropolitana do
Recife e, no segundo, realizamos uma seqüência de aulas. Constatamos em
nossas análises que os professores apresentam pouco domínio sobre o trabalho
interdisciplinar com geometria e arte. Entretanto, verificamos nas aulas
ministradas que é possível esse trabalho a partir de atividades desafiadoras que
provoquem a reflexão e a construção de novos conceitos tanto matemáticos
quanto artísticos pelas crianças. Concluímos, no entanto, que o professor precisa
ter uma formação inicial e continuada que assegure suportes teóricos-práticos
para consolidação desse trabalho.

Palavras-chaves: Artes - Geometria - Interdisciplinaridade

O nosso empenho em escrever este artigo surgiu a partir da escassez de


atividades relacionadas à área de geometria verificada em nossa formação
acadêmica, mais especificamente nas aulas das disciplinas de metodologia de
Ensino da Matemática I e II, e nas observações feitas nas escolas, através da
disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica do curso de Pedagogia, da
Universidade Federal de Pernambuco.

1
Graduanda de Pedagogia - Centro de Educação – UFPE. cyntia_pmbrito@yahoo.com.br.
2
Graduanda de Pedagogia - Centro de Educação – UFPE. felufak@yahoo.com.br
3
Doutoura em Psicologia Cognitiva e Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da
UFPE. gilda@ufpe.br.

1
Durante o nosso curso, percebemos a pouca atenção dispensada a essa
área e tal fato nos chamou atenção, levando-nos a investigar o que vem sendo
trabalhado nas escolas.
Diante dessa escassez, resolvemos realizar um trabalho relacionando às
áreas de geometria e artes, explorando as representações bidimensionais e
tridimensionais com crianças de 5/6 anos de idade, pois acreditamos que um
trabalho interdisciplinar, envolvendo duas ou mais áreas do conhecimento, pode
enriquecer o trabalho docente e auxiliar na compreensão de questões que
ocorrem dentro das salas de aulas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e pesquisadores da
área da Educação Matemática, como Guimarães e Selva (2004) e Vasconcellos
(2005), recomendam que a escola deve proporcionar às crianças o acesso ao
conhecimento geométrico do espaço e da forma, visando a compreensão dos
conceitos e a interação das mesmas com o mundo em que vivem.
Entretanto, como afirmam Miguel e Miorim (1986), Guimarães e Borba
(1996), Guimarães e Selva (2004), apesar da geometria estar presente em
diferentes campos da vida humana, seja nas construções, nos elementos da
natureza ou nos objetos que utilizamos, e que o mundo é composto por formas
geométricas, podemos considerar que a geometria que vem sendo ensinada nas
escolas é muito distante dessa realidade.
De modo geral, Vasconcellos (2005) aponta que tem havido nos últimos
anos, por parte dos professores e da comunidade científica, o interesse em
resgatar o ensino da geometria nas escolas, mesmo existindo paralelamente o
desconhecimento de alguns acerca das diversas habilidades que essa área de
conhecimento pode desenvolver nas crianças, auxiliando-as na sua formação
geral e capacitando-as para o exercício da cidadania.
Miguel e Morim (1986) afirmam que o ensino da geometria a partir do
movimento renovador do ensino da matemática, denominado “matemática
moderna” das décadas de 60/70, foi negligenciado, sendo considerado abstrato e
de difícil aprendizagem para as crianças. Gálvez (2001), e Kaufman e Nunes

2
(2006), também reforçam esse desprestígio com relação ao ensino/aprendizagem
da geometria.
Tais fatores geraram uma marginalização, determinada pelos manuais
didáticos que não articulavam a geometria a outras áreas matemáticas, diminuindo
a quantidade de assuntos abordados por série, relegando essa área aos capítulos
finais do livro didático. A falta de integração entre a geometria e os demais temas
provocaram uma ausência da mesma nos currículos de formação de professores,
e, conseqüentemente, uma deficiência na formação do professor em geometria.
Esses mesmos argumentos são levantados por Almouloud e Mello (2000),
onde acrescentam que ainda hoje os cursos de formação inicial de professores -
tanto os cursos de magistério como os de licenciatura - continuam não dando
conta em discutir, com seus alunos, uma proposta mais eficiente para o ensino de
geometria. Embora os currículos mais recentes destaquem a importância de se
resgatar o trabalho com Geometria no Ensino Fundamental, esses autores
afirmam que o professor não sabe claramente o que fazer. Apesar dessa tentativa
de resgate, poucas são as pesquisas encontradas, na atualidade, sobre a
temática, como afirmam Broitman e Itzcovich (2006).
Manrique (2003) vai além e salienta que os poucos estudos existentes
apontam diversas dificuldades para sua efetivação, dentre elas está a prática
descontextualizada, a falta de conhecimento por parte dos professores em relação
aos conteúdos específicos.
Para entender de que forma esse trabalho pode acontecer, pesquisadores
como Pires (2000) e Pontes (2003), em Vasconcellos (2005), “ressaltam que os
professores precisam ter a consciência de que a aquisição de conceitos
geométricos deve ocorrer mediante a realização de atividades que envolvam as
crianças na observação e na comparação de figuras geométricas, a partir de
diferentes atributos”. (p.11-12) p
Já o PNLD (2007) afirma que “o pensamento geométrico surge da interação
espacial com objetos e os movimentos do mundo físico, e desenvolve-se por meio
das competências de localização, de visualização, de representação e de
construção de figuras geométricas”. (p.15)

3
Conforme Guimarães e Selva (2004), “o ensino da geometria visa à
construção pela criança do entendimento de aspectos espaciais do mundo físico,
raciocínio espacial, além da capacidade de utilizar a geometria para representar
conceitos e relações”. (p.12)
A formação do professor, que está na sala de aula, necessita garantir a
ampliação de sua visão acerca do espectro da geometria. Lorezato (1995) apud
Manrique (2003) afirma que “sem conhecer a geometria, a leitura interpretativa do
mundo torna-se incompleta, a comunicação das idéias fica reduzida e a visão da
matemática torna-se distorcida” (p.1). Assim, acreditamos que a partir do momento
que os professores tiverem maior domínio desse campo de conhecimento, os
mesmos terão segurança em desenvolver trabalhos relacionados ao ensino de
geometria, dentro de suas salas de aula.
Agravando essa situação, Pavanello (2001) argumenta que essas
limitações existentes na formação dos docentes podem ser fator determinante
para o aprendizado das crianças. Visto que, maioria das dificuldades
apresentadas pelas crianças está relacionada, intrinsecamente, com as
intervenções didáticas dos professores que, em muitos casos, restringem o ensino
da geometria a nomenclaturas de figuras geométricas.
Em função desse tipo de afirmação é que Guimarães e Selva (2004)
argumentam sobre a importância da interligação entre geometria e outras áreas do
conhecimento, como por exemplo, as artes, uma vez que possibilita a
aprendizagem de relações geométricas de forma significativa. Segundo as
autoras, ”o estudo da geometria está, intrinsecamente, relacionado à área de
artes, a qual permite uma reflexão nas diferentes formas de expressão, tais como
pintura, escultura e etc”. O trabalho com geometria e artes visuais surge como
possibilidade de completar a leitura interpretativa do mundo e ampliar as idéias, e
as visões sobre a matemática e o ensino da geometria. (p.12)
Kaufman e Nunes (2006) acrescentam dizendo que essa relação
desenvolve a intuição e a imaginação do aluno, já que para elas “são instrumentos
importantes para a construção do conhecimento”, propiciando naturalmente um
diálogo permanente com a vida cotidiana. (p. 15)

4
De acordo com Gadotti (1999) e Fazenda (1994) a interdisciplinaridade é
uma forma de pensar, uma atitude, que implica na integração de conteúdos e
ultrapassa a concepção fragmentada do conhecimento, possibilitando uma melhor
compreensão da realidade, já que se impõe tanto à formação do homem como as
necessidades de ação, principalmente do educador.
Dessa forma, podemos considerar de suma importância à relação entre
áreas diferentes, pois essa afinidade pode provocar reflexões que vão além da
sala de aula e da formação desses professores.

A geometria na escola
Inicialmente, precisamos saber o que é geometria, e depois, entendermos
a necessidade do ensino da mesma. De acordo com Miguel e Miorim (1986), “a
geometria é o estudo das propriedades dos objetos e das transformações que
podem ser submetidas, desde as transformações mais simples, que alteram
apenas a posição de um objeto, às mais complexas, que destroem a sua forma
até descaracterizá-la por completo” (p. 66).
Segundo Broitman e Itzcovich (2006), “a geometria não é somente um
conjunto de saberes formalizados ao longo da história, é também um modelo de
raciocínio e dedução muito importante para a formação cultural dos sujeitos”.
(p.175).
Como afirmam os PCN’s (1997), o trabalho com a geometria possibilita não
apenas a vinculação do conhecimento geométrico com outras áreas, mas também
com conceitos matemáticos inseridos em situações problemas. A geometria deve,
de acordo com Guimarães e Borba (1996), partir da exploração de figuras
tridimensionais, enfatizando a construção dos conceitos e suas propriedades,
explorando diferentes visualizações e transformações no plano (congruência e
semelhança), proporcionando atividades lúdicas e incentivando a exploração
experimental, ao invés de valorizar apenas demonstrações.
Contudo, como argumentam Guimarães e Selva (2004), o ensino da
geometria nas séries iniciais tem-se limitado à identificação das figuras planas
regulares, como círculo, triângulo e retângulo, esterilizando os sentidos da

5
geometria para as crianças. Porém, segundo as autoras, um dos trabalhos
necessário de ser desenvolvido na escola é o da composição e decomposição de
figuras bidimensionais ou tridimensionais. Uma figura tridimensional é aquela que
tem, como o próprio nome diz, três dimensões: comprimento, largura e altura. Já
as figuras bidimensionais, apresentam duas dimensões.
Pavanello (2004) afirma não ter encontrado pesquisas que abordem
especificamente as dificuldades das crianças, dessa faixa etária, em interpretar/
construir representações bidimensionais de objetos tridimensionais. Em nosso
trabalho, também não encontramos pesquisas que abordem essas dificuldades,
mas relatos de experiências que obtiveram um resultado positivo.
Pires, Curi e Campos (2000), apresentam um relato de experiência de uma
professora trabalhando com crianças de 1ª série, na qual realizou uma seqüência
de atividades que trabalhavam com representações bidimensionais (desenhos) de
figuras tridimensionais (caixas de creme dental). A professora declara que as
atividades permitiram uma auto-avaliação de seu trabalho, pois não acreditava
que pudesse surtir bons resultados. As crianças foram capazes de identificar as
figuras necessárias à composição das caixas, observando os modelos
planificados, sem muita interferência da professora. Houve também a
possibilidade de mostrar aos alunos que a geometria está inserida no cotidiano.
Martins e Silva (2006), também com a intenção de trabalhar com seus
alunos a transposição de planos, realizaram uma seqüência de atividades com
crianças de alfabetização. Elas iniciaram contando a biografia de mestre Vitalino4
e mostrando algumas de suas obras, a fim de proporcionar às crianças uma
reflexão sobre as características do ambiente. Em seguida, solicitaram que cada
uma desenhasse uma cena de que gostavam em suas vidas, e em seguida,
reproduzindo esses desenhos em esculturas de argila. As professoras iam
instigando os alunos a refletirem sobre as proporções e simetrias das figuras.
Finalmente, pintaram e montaram uma exposição na escola. As autoras concluem
que seus alunos refletiram sobre as diferentes formas a partir da confecção das

4
Artista popular de Pernambuco que retrata cenas da vida cotidiana

6
mesmas e que quando o ensino de geometria está associado à realidade dos
alunos, criam-se possibilidades de aprendizagens significativas.
Como afirma Adlai Detoni, em artigo de Ribeiro (2005), "Quem vive a
geometria de forma lúdica ganha prazer e produz conhecimento — em vez de
colecionar conceitos”.

O envolvimento entre geometria e artes visuais


O envolvimento entre a geometria e a artes teve inicio na Pré-História, pois
como afirma Luz (2005), as primeiras manifestações de criatividade humana que
simulavam o apelo do homem, desejoso de materializar o objeto de suas
necessidades, foram quando os seres humanos representavam as formas dos
bisões, pintando-os no interior das cavernas. No período neolítico, os seres
humanos conseguiram gravar, no osso ou na pedra, o símbolo abstrato de suas
próprias indagações. Ao longo da história, o homem buscou na geometria
soluções para equacionar suas indagações, em busca de uma arte que
abandonasse o ilusionismo da expectativa e reafirmasse a bidimensionalidade do
quadro.
Diante desse contexto, surge a pergunta: por que a escola distancia a
geometria da arte? Será desconhecimento da possibilidade de aprendizado que as
duas áreas apresentam?
Identificamos que o PCN de Matemática (1997) sugere que o ensino do
espaço e da forma “deve ser feito a partir da exploração dos objetos do mundo
físico, de obras de artes, pintura, desenhos, esculturas e artesanatos, ele permitirá
ao aluno estabelecer conexões entre a matemática e outras áreas de
conhecimento” (p. 55-56).
Da mesma maneira, o eixo de artes plásticas do RECNEI (1998) aponta a
possibilidade de trabalho com as representações bidimensionais e tridimensionais,
que para ele deve nascer no fluir da imaginação e do contato com novos
materiais. Afirma ainda que, “é possível realizar trabalhos em formas geométricas
por meio da observação de obras de artes, artesanato (cestas, rendas de rede) de
construções de arquitetura, pisos mosaicos, vitrais de igreja, ou ainda de formas

7
encontradas na natureza, flores, folhas, casa de abelha, teias de aranha etc”.
(p.230). As criações, principalmente, tridimensionais e bidimensionais devem ser
feitas em etapas, pois exigem diversas ações como colagem, pintura e montagem.
Fazer brinquedos ou maquetes de cidades são exemplos de atividades que
podem ser realizadas e que envolvem a composição de volumes,
proporcionalidade e equilíbrio.
Cunha (2002) acrescenta que “o conhecimento visual não vai se dar de
uma forma espontaneísta ou na forma de adestramento manual, mas sim com
intervenções pedagógicas que desvelem e ampliem os saberes individuais e
coletivos, relacionando-os com os elementos da cultura da qual emergem com
aqueles historicamente acumulados” (p.16).
Pais (1996) em Passos (2001) “distinguem quatro elementos fundamentais,
no processo de representação plana do espaço tridimensional, que intervém
fortemente na aprendizagem da geometria, exercendo cada um deles uma
influência considerável nessa representação, ou seja: objeto, desenho, imagem
mental e conceito” (p.2).
A articulação entre estas duas áreas, como podemos observar, deve
acontecer por meio de um fazer artístico que diz respeito à “um processo criativo
que envolve a interpretação e a representação pessoal de vivência do aluno
através da linguagem plástica” (Barbosa, 1999, p.8).
A partir desses estudos, resolvemos investigar o que vem sendo trabalhado
nas escolas em relação à geometria e as artes, e a partir disso, analisar as
possibilidades de crianças de 5/6 anos de idade realizarem atividades que
explorem representações bi e tridimensionais.
Para tal, nesse trabalho realizamos dois estudos. No estudo I, buscamos
mapear e analisar os conhecimentos dos professores acerca do tema “geometria e
artes”, a fim de subsidiar o trabalho a ser proposto no Estudo II. Foi realizada uma
entrevista na qual previa um roteiro de perguntas, mas permitia adaptações
segundo o aprofundamento de pontos levantados pelos entrevistados.
Participaram do mesmo treze professores de escolas públicas da Região
Metropolitana do Recife que estavam lecionando em turmas do 1º ciclo.

8
Neste primeiro estudo, as perguntas buscavam investigar a formação dos
docentes, o que eles compreendiam sobre o ensino da geometria e da arte, e
solicitamos que descrevessem suas práticas realizadas em salas de aula.
Verificamos que 92% dos professores entrevistados diziam trabalhar artes
em sala com diversas finalidades, como por exemplo, adquirir conhecimentos,
socialização, interdisciplinaridade e desenvolver a criatividade e a livre expressão
dos alunos. Ao serem questionadas se associavam o ensino de artes a outras
áreas de conhecimento, as mesmas confirmaram realizar esse trabalho, mas
raramente explicavam os seus objetivos. Afirmaram também trabalhar com a
geometria em sala, mas quando se referem a esta área da matemática, apenas
38,4% diziam trabalhar as formas geométricas articuladas a objetos presentes no
cotidiano dos alunos.
Dessa forma, ao serem questionadas se realizavam trabalhos relacionando
geometria e artes, todas afirmaram terem tido experiências, mas apenas 15,3%
perceberam e explicitaram que as áreas se relacionavam. Ao exemplificarem
essas atividades, surgiram trabalhos com caixas, palitos de fósforo, blocos lógicos,
leitura de imagens e pinturas de objetos com formas geométricas, na sua maioria,
de forma descontextualizada.
Quando perguntadas se trabalhavam com desenhos, dobraduras,
esculturas e ampliação/redução de figuras, todas afirmaram trabalhar com
desenho. Entretanto, em relação aos demais tipos de atividades, o quadro se
distribuiu dessa forma:
Gráfico 1:

Sò desenho
Desenho e dobradura
desenho, ampliação e redução
Desenho, dobradura e escultura
Trabalha com tudo

9
Os dados do gráfico nos apresentam que a maior parte dos professores
entrevistados (46,1%), além do trabalho com desenho, afirmaram propor
atividades com dobraduras. Em menor intensidade (7,7%), aparece os que
também trabalham com ampliação/redução, e com o mesmo percentual, os que
afirmaram trabalhar com tudo.
Entretanto, ao compararmos esses dados com as respostas obtidas nas
entrevistas, sobre qual a importância do ensino da geometria na sala de aula,
verificamos que os professores sempre fazem menção ao trabalho com as figuras
geométricas e as suas relações com o cotidiano, como podemos perceber nos
exemplos a seguir:
• Que aspectos você considera importante no ensino da geometria na sala de
aula?
“- O ensino das formas geométricas que estão muito presentes no cotidiano
dos alunos”.

“- Acho importante os meus alunos conhecerem o que é quadrado, círculo,


triângulo e retângulo, e como isso está no cotidiano deles”.

Apesar de estar presente nas respostas, não foi possível perceber nas
atividades descritas por elas a relação entre o trabalho com figuras geométricas e
o cotidiano. Observe os exemplos:

• Descreva uma atividade que você desenvolveu em sala de aula?


“- Eu peço para que eles pintem de cores diferentes as principais formas
geométricas (quadrado, triângulo e retângulo) e peço para eles colocarem a 1ª
letrinha de cada forma”.

“- Trabalho as formas: quadrado, triângulo e retângulo. Explorando cor,


tamanho e forma”.

“- Pintar um palhaço, onde cada forma geométrica será pintada de uma cor.
Pintar o desenho observando a relação cor e formas geométricas”.

Assim, podemos concluir através das respostas dos professores que o


ensino da geometria está acontecendo de forma restrita nas escolas, limitando-se
ao reconhecimento de figuras regulares, uma vez que eles revelaram trabalhar

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apenas com identificação de formas geométricas, esquecendo dos conceitos
geométricos que poderiam ser abordados nas atividades.
Concluímos ainda que o professor demonstra desconhecimento, no que diz
respeito ao desenvolvimento de atividades (com geometria) a serem trabalhadas
em sala de aula. Talvez, exemplos como estes ilustrem o que Miguel e Miorim
afirmavam desde a década de 80, que o desconhecimento na área de geometria
gerou uma descrença em relação à mesma e que passou a ser vista como algo de
pouca importância no dia-a-dia. Logo, poucas atividades de qualidade são
pensadas.
Em função dos resultados apresentados acima, pensamos propor um
trabalho com geometria que envolvesse outras habilidades. Resolvemos, então,
investigar como os alunos de 5/6 anos podem desenvolver-se, a partir de
atividades que explorem transformações de representações bidimensionais em
tridimensionais, e vice-versa, através das artes plásticas.
Para tal, foram ministradas três aulas em duas turmas de alfabetização, por
duas graduandas do curso de Pedagogia, sendo que em uma turma, uma
ministrava e a outra observava, e na outra turma, invertiam-se os papéis. As três
aulas trabalharam o tema “bichos” e seguiram uma seqüência de atividades:
ƒ 1º Dia – No primeiro dia de aula, realizamos a leitura de vários poemas
sobre o tema5, com a finalidade de introduzi-lo de forma lúdica e
interessante, buscando a motivação dos alunos. Depois, apresentamos
figuras de bichos a partir de suportes diferentes como revistas6, jornais,
livros7 e cartões, pois segundo Cunha (1999), é essencial ampliar o
repertório de imagens objetivas e subjetivas da criança. Ao desenvolver o
repertório da criança, o professor abastece a mesma de outros elementos
produzidos em outros contextos e épocas.

5
Livro: MORAES, Vinicius – A arca de Noé – Companhia das letras, 2004.
6
Revista Ciência Hoje das Crianças - Pôsteres de vários exemplares - Instituto Ciência
hoje – SBPC. <chc@cienciahoje.org.br> CH on-line: www.ciencia.org.br
7
BURTON, Jane – Fantástico universo: Filhotes – Edições Sicilianos, São Paulo, 1983.

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Em seguida, cada aluno escolheu um bicho de sua preferência para
desenhar e foi fornecido material como papel, lápis de cor, giz de cera e
canetinha para a realização da atividade. Conforme Gomes e Moraes
(2006), o desenho dentre outras formas de representação desenvolve nas
crianças suas noções de localização e seus modos de representar o
espaço e objetos, conhecimentos estes que não são, muitas vezes, levados
em consideração como sendo geométricos, uma vez que as produções
infantis não são valorizadas da forma que deveriam. Derdyk (2004) nos
revela que “o desenho é exercício da inteligência humana, (...) traduz uma
visão, porque traduz um pensamento, revela um conceito”. (p.46 e 112), e
dessa forma, acreditamos que essa opção torna-se interessante para a
construção do conhecimento. Ao fim da aula, os desenhos foram
recolhidos.
ƒ 2º Dia - No segundo dia, com a utilização de um livro de curiosidades8,
realizamos uma roda de conversa, cujo tema era as curiosidades dos
bichos escolhidos pelos alunos para desenhar. Nosso objetivo era que eles
refletissem e conversassem no grande grupo, sobre algumas
particularidades dos animais (habitat, alimentação, pelagem, tamanho, cor,
peso, etc.), pois, segundo Saiz (1996), é importante que a criança tome
consciência sobre as características do que ele está representado, para
que desta forma possa evoluir no desenho.
Num segundo momento da aula, formamos duplas e devolvemos os
desenhos para que os autores refletissem se os mesmos podiam ser
melhorados. Depois das verificações, solicitamos que os alunos trocassem
os desenhos com o colega para que esse pudesse sugerir novas
modificações. Nesse momento, passamos nas duplas para perguntarmos o
que estava sendo sugerido por cada um, para que depois fosse devolvido
o desenho ao autor e este realizar tais modificações. Para Cunha (1999), o
conhecimento visual não acontece de forma espontaneísta ou por meio do
adestramento manual, mas através de boas intervenções pedagógicas que

8
Livro: RANDALL, Ronne – O grande e espetacular livro dos animais – Ed. Todo Livro, 2006.

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se desenvolve o saber individual e coletivo. E dessa forma, ao conceber os
desenhos, as crianças estavam refletindo, inconscientemente também,
sobre conceitos matemáticos como simetria, isometria, profundidade e
proporcionalidade. Novamente, os desenhos foram recolhidos por nós.
ƒ 3º Dia – Iniciamos a terceira e última aula apresentando um livro de artes9,
e novamente, realizamos uma roda de conversa, para lembrar o que foi
discutido nas aulas anteriores e para apresentar os materiais com que eles
iriam trabalhar (pedras de variados tamanhos, durepox, massa de
modelar). Para Cunha (1999), as crianças devem ter acesso a uma
diversidade de materiais e suportes, e por isso, essa nossa escolha.
Espalhamos todo o material no chão, em cima de um tecido,
devolvemos os desenhos que haviam sido melhorados para seus
respectivos donos e solicitamos que eles representassem os mesmos com
aqueles materiais. Escolhemos trabalhar com pedras para fazer a
transposição do bi para o tridimensional, porque este material nos dá uma
grande variedade de formatos, permitindo às crianças escolherem a pedra
mais próxima à característica de seu bicho. Depois, os alunos tiveram que
confeccionar uma etiqueta de identificação, contendo o nome da escultura e
do autor. Ao fim da aula, realizamos uma exposição para ser apreciada por
toda à escola.

Trabalhamos nas duas turmas com 46 crianças, dessas 67,4% participaram


das 3 aulas, 10,9% participaram da 1ª e 2ª aula, 4,3% da 1ª e 3ª aula e 17,4%
da 2ª e 3ª aula. As aulas foram realizadas com sucesso, nas duas salas, já que as
crianças apresentaram-se bastante motivadas, apesar da professora da turma “A”
considerar os seus alunos dispersos. Ela tinha dúvida em relação ao êxito do
trabalho pelas atividades serem voltadas para área de matemática e artes
plásticas.

9
Livro: LOHF, Sabine – Vamos criar com pedras – São Paulo, Difusão Cultural do Livro, 1998.

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Contudo, na medida em que as aulas aconteceram, acreditamos que houve
uma mudança na forma dessa professora compreender o ensino da geometria
articulado com o ensino de artes. A mesma percebeu, a partir das atividades,
novas possibilidades de trabalho nessas áreas. Diante disso, ela demonstrou
satisfação em ver as produções das crianças na exposição, que teve como público
os alunos e profissionais da escola que também vieram prestigiar as esculturas.
Nesse momento uma das professoras comentou:

“- Você diz que seus alunos são virados e que é difícil trabalhar com
eles. As meninas conseguiram através da arte. Olha ai um caminho, é
só aproveitar!”.

A desconfiança da professora pode ser compreendida, pois, conforme


Kaufman e Nunes (2006), os processos de ensino e aprendizagem na área
matemática têm sido “associado muito mais a sofrimento e repetição, do que ao
prazer e a criação”, pois a matemática é considerada uma disciplina complexa,
destinada a poucos que nasceram para aprendê-la. Essa forma de ver a
matemática gera resistência e, conseqüentemente, repúdio, já que muitos de nós
não tivemos oportunidade em perceber sua aplicação no cotidiano, bem como,
vivenciar experiências criativas e prazerosas. (p.10)
Podemos perceber ainda, que a interdisciplinaridade entre geometria e as
artes pode ser vista como uma nova possibilidade, “um caminho” por qual o ensino
e o aprendizado da matemática possa acontecer sem, necessariamente, causar
sofrimento, mas oportunizar aos alunos novas formas de fazer, de perceber, de
sentir e se relacionar socialmente e culturalmente. No entanto, as autoras também
salientam que, construir essa nova relação de ensino e aprendizagem, sobre uma
outra perspectiva cognitiva e afetiva, “é um desafio complexo e urgente”, mas
necessário, uma vez que educar não se constitui em repetir e memorizar, mas sim
criar algo novo e encantar. (p.10).
Como já foi mencionando antes, Guimarães e Selva (2004) nos indicam que
o ensino da geometria nas séries iniciais tem se restringido, tornando a geometria

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sem sentido para as crianças, fazendo-se necessário desenvolver, na escola,
alguns trabalhos interessantes.
Baseado nisso, percebemos que durantes as aulas ministradas, grande
parte dos alunos mostraram-se concentrados em reproduzir os pequenos detalhes
desses animais em seus desenhos, como é possível observar nos exemplos a
seguir:
• Exemplos: A

Em contra-partida, outros não demonstraram atribuir tanta importância para


detalhes na construção de seus desenhos.

• Exemplos: B

Percebemos que algumas crianças, como as do exemplo A, apresentaram


mais requintes de detalhes na hora de desenhar o seu bicho escolhido, como por
exemplo, as rosetas da onça-pintada e os dentes/língua do cachorro. Enquanto
que, as crianças do exemplo B não obtiveram o mesmo sucesso na hora de
representar o seu animal, salientamos que o único comando dado nessa hora foi
que o bicho escolhido fosse desenhado.

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No primeiro momento da segunda aula, fizemos uma roda de conversa com
os alunos, na qual nossa finalidade era socializar os conhecimentos prévios, além
de chamar a atenção para as principais características de cada bicho. Utilizamos
os próprios desenhos dos alunos para serem confrontados com as informações
contidas no livro de curiosidades apresentado por nós.
Ao mostrar o desenho, perguntávamos: que bicho é esse? Ao recebermos a
resposta, indagávamos novamente: o que mais vocês sabem sobre esse bicho?
Depois das respostas apresentadas, concluíamos com as curiosidades contidas
no livro. Exemplo:
P - Que bicho é esse? É uma tartaruga ou jabuti? (a criança levanta a
mão)
AD – tartaruga do amazonas.
P - vocês sabem qual a diferença entre tartaruga e jabuti?
AE – a tartaruga vive no mar e bota os ovos na areia, ai eles saem da areia
e correm riscos?
P - risco de quê?
AE - de morrer, porque o homem mata.
P – E o que podemos fazer para que isso não aconteça?
AE – Salvando a vida deles...
P – Muito bem! Mas, a diferença entre o jabuti e a tartaruga quem sabe me
falar?
AE - São as patas, as tartarugas têm para nadar e andar na areia para
colocar os ovos na praia.
P - E o jabuti quem me explica?
A E - Ele tem unhas para andar na terra...
Durante a análise dos dados, foi constatado que na atividade de reflexão
dos desenhos em dupla, a maioria das crianças fez algum tipo de modificação nos
seus desenhos, sendo que: 52,2% fizeram modificações referentes somente ao
contexto do desenho, colocando outras figuras, como se fosse necessário
marcar/preencher todo papel (Exemplo 1), enquanto 43,5% fizeram modificações
referentes às características físicas dos animais (Exemplo 2). Outros 4,3% não
participaram dessa atividade, construindo sua escultura a partir do desenho que
fez na primeira aula.
Exemplo 1:
Antes Depois

16
Várias figuras

Exemplo 2:
Antes Depois

Pernas e braços Pernas e braços

Diante do exposto, podemos observar que boa parte dos alunos aceitou,
de alguma forma, as sugestões feitas pelos colegas sobre seus desenhos. Os
comentários foram categorizados e estratificados por nós, conforme demonstrado
abaixo:
Gráfico 2:

comentatios referentes as
caracteristicas fisicas
Comentários refentes ao
contexto
Comentários referentes ao
contexto e Carc. Fisicas
Não fez comentarios

Como podemos observar, a maior parte dos alunos (67,4%) teceu


comentários apenas sobre as características físicas dos bichos (partes do corpo

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do animal), por exemplo, asas, bico, pernas, dedos, cabelo, rabo, carapaça etc.
Percebemos que, neste momento, as crianças refletiam sobre conceitos de
proporcionalidade, quando se referia ao tamanho e largura de braços e pernas;
simetria, quando sugere ao colega que faça correspondência entre a forma e a
posição relativas ao lado oposto do animal, como podemos perceber no diálogo a
seguir:
Exemplo 1:
Y - ele precisa melhorar o rabo e agora...a pata.
A – já fiz.
Y – está feia. Modifica a cabeça. Olha o gato de boca aberta. Pinta também.

Antes Depois

Exemplo 2:
M – Aumentar as asas.
Ajeitar essas antenas.
Pintar toda e só.

Antes Depois

Podemos perceber que tanto no primeiro exemplo, quanto no segundo, as


crianças aceitaram as sugestões feitas pelo colega, sendo que no exemplo 1 o
aluno não se satisfaz apenas em realizar as modificações sugeridas, mas refaz
totalmente o seu desenho, apagando o anterior.

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Silva (2002) salienta que o intercâmbio entre professor/aluno e aluno/aluno
é muito rico, porque permite uma troca de “experiência gráfica” informal e lúdica.
As sugestões geram além de mudança no próprio desenho, também em seu autor,
possibilitando à criança acrescentar detalhes ou até mesmo mudar a figura,
podendo dar origem a novas formas. (p.90)
Já 6,5% dos alunos teciam comentários apenas se referindo ao contexto,
sem relacioná-los às características físicas do animal em questão, como por
exemplo:
P - O que precisa mudar no gato de T?
E – Por a flor e árvore.

Antes Depois

Como podemos observar no dialogo, a aluna “E” sugere apenas que a


colega desenhe mais coisas para ocupar toda a página sem fazer referência ao
bicho desenhado.
No entanto, 15,2% dos alunos fizeram comentários que se referiam tanto aos
aspectos físicos, quanto aos relativos ao contexto, como por exemplo:
P - O que precisa mudar na cobra de T?
Th - A folhinha da árvore, ajeitar a cabeça.
P - O que mais?
Th- Boca, olho.
Th- Por um sol, os matos.

19
Antes Depois

Como foi observado no diálogo acima, o aluno além de sugerir modificações


centradas nas características físicas elas sugerem também a construção de um
contexto para preencher toda folha de desenho.
Encontramos também em nossa análise alunos que não teceram
comentários, porque não quiseram ou não acharam necessário. Foi constatado
ainda, que além desses tipos de comentários categorizados por nós, a maioria dos
alunos pediam para os colegas pintarem o bicho por julgarem algo de extrema
importância, pois o animal tinha que ter uma cor.
Na terceira e última etapa do nosso trabalho, apresentamos um livro de
Sabine Lohf, a fim de que os alunos percebessem as várias possibilidades para
construção de esculturas em pedras apresentada no mesmo. Depois disso,
pedimos que eles fizessem a transposição do bi para o tridimensional,
transformando em esculturas os desenhos. Várias foram às formas de
observações feitas pelos alunos ao manusearem os materiais, como por exemplo:
W – Professora, esta pedra parece com o corpinho da borboleta de R (pedra
cilíndrica).

L – Pega duas pedras grandes, porque esta está pequena para fazer a onça.

E – Esta pedra parece com o jabuti de W (carapaça, pedra meia esfera)

Questões relacionadas à proporção, equilíbrio, tamanho e forma, foram


constantemente discutidas entre os alunos durante a construção das esculturas.
Porém, devemos estar cientes que cabe ao professor estabelecer quais são os
objetivos que deseja alcançar com tal atividade, analisando e refletindo sobre
quais os comandos serão dados ao longo do trabalho, sua qualidade e em que
situação eles aparecem. Por opção nossa, resolvemos não intervir muito durante

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as atividades, principalmente na última aula, preferindo comandos mais gerais,
como por exemplo:
P – Agora, vamos construir as esculturas em pedras. Vocês lembram dos
desenhos que fizemos e depois melhoramos?

P – Sim. Com pedras, vocês vão procurar fazer a cabeça, o corpo, os braços e
pernas dos animais. E com a massinha, podem fazer os olhos e a boca.

Preferimos deixá-los livres tanto para construção dos desenhos, como


também das esculturas, pois acreditamos que seria mais viável analisar os
conhecimentos prévios dos alunos, assim como os adquiridos durante o nosso
trabalho. Diante do exposto, podemos observar, no gráfico abaixo, o resultado ao
final da terceira aula:
Gráfico 3:

Esculturas (transposição Total)

Esculturas (Traços bidimensionais)

Um total de 54,3% dos alunos não conseguiu fazer a transposição total


porque confeccionou sua escultura tal como estava no desenho, ou seja, os
alunos traziam a bidimensionalidade de seus desenhos para sua escultura, sem a
preocupação de observar questões relativas à altura, comprimento, profundidade,
equilíbrio, proporcionalidade, etc. Vejamos no exemplo a seguir:

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Como podemos observar, a criança apesar de realizar a representação do
leão em pedras, na hora da construção não considera alguns dos aspectos
matemáticos importantes acima citados. Por exemplo, o número das pedras
usadas para as pernas além de ser insuficiente, não dava sustentação ao corpo,
isso porque o tamanho das pedras não era proporcional e, conseqüentemente,
não permitia a escultura ficar de pé.
No entanto, uma considerável parcela do grupo (32,6 %) conseguiu realizar
esta atividade de transposição com êxito, demonstrando preocupação com os
aspectos matemáticos já mencionados. Isso confirma que é real a possibilidade
desse tipo de trabalho, principalmente, se realizado desde cedo com as crianças,
como ressalta o RCNEI e Cunha. O exemplo a seguir nos mostra a qualidade
dessa reflexão feita por um aluno.

1 2

22
2a 3

Este exemplo ilustra bem como foi o caminho percorrido por esse aluno para
construção de seu desenho, suas reflexões e, conseqüentemente, a confecção de
sua escultura. No primeiro desenho, ele reproduz o que viu na imagem do livro.
Depois, com as sugestões feitas pelo colega, ele modificou o seu desenho
(exemplo 2):
R – Tem muita pata o jabuti, só são quatro.
Desenha diferente aqui em cima (carapaça).
Fazer o rabo.
Não ficando satisfeito com o resultado, ele nos pediu outra folha para
refazer o desenho (exemplo 2a). Por último, ele escolheu as pedras e
confeccionou a escultura (exemplo 3), que contemplou a maior parte dos aspectos
matemáticos citados antes e que julgamos importantes.
Por conta de exemplos como esse é que Pavanello (2004) não encontra,
freqüentemente, pesquisas que abordem as dificuldades especificas de crianças
nessa faixa etária em interpretar e construir representações bi de objetos
tridimensionais e desse modo podemos perceber que com um trabalho mais
consciente e de qualidade, o inverso também é possível de ser feito com facilidade
e entusiasmo por essas crianças.
Em outro momento, houve uma situação que nos chamou a atenção. Um
dos alunos da turma A só percebeu que sua escultura não estava tridimensional
na hora da exposição, pedindo à professora que o ajudasse a deixá-la de pé:

A – Professora eu quero que ele fique em pé.


P - O que está faltando para isso?

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A – Ajeito os pés?

Então, a estagiária confirmou movimentando a cabeça. Ele pegou a escultura e


ajeitou os pés. Em seguida, ela tirou outra fotografia.

Antes Depois

Vale salientar que ao observar esse exemplo, percebemos que não foram
aguçadas, no aluno, apenas questões de artes e matemática, mas também a
imaginação e intuição, já que essas, como afirmam Kaufman e Nunes (2006),
“estão na base de qualquer investigação cientifica, pois para chegar a uma
verdade nova” o investigador necessita infringir, aventurar, investigar o que é
considerado certo e provável (p.14). Nesse caso, particularmente, a criança além
de testar possibilidades, foi capaz de questionar e refletir sobre a própria
produção, usando a intuição para construir um novo conhecimento.
Durante a análise dos dados, percebemos que talvez se tivéssemos
chamado atenção das crianças com comandos mais específicos para questões
como comprimento, altura, equilíbrio, proporcionalidade, simetria etc., o resultado
no momento da confecção das esculturas poderia ter sido diferente.
E dessa forma, como uma das pesquisadoras tinha acesso a uma das
salas, surgiu a possibilidade de ter mais uma conversa com as crianças sobre
suas esculturas, dando mais uma chance às crianças de refletirem sobre as
questões acima citadas. Depois da conversa, as crianças tiveram um tempo para
pensar o que fazer e melhorar suas esculturas. Então notamos que algumas
crianças conseguiram realizar a transposição de suas esculturas, como podemos
observar no diálogo abaixo:

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P - Gente! vocês estão vendo estas esculturas?
A - È a girafa de H.
P - O que tem de diferente nelas?
AC - Tem que colocar as quatro pernas.
P - Porque?
A - Girafa tem quadro pernas.
H - Eu não estou conseguindo por a girafa de pé e o pescoço cai toda vez que
coloco de pé.
P - Não é porque está comprido demais? E as pernas estão do mesmo tamanho?
H - Não. Tem perna grande e pequena.
P – E tem que ficar como?
Em silencioso o aluno volta para o lugar.
H - Diminui o pescoço e coloquei as pedras na perna pra ficar igual.
P - Certo.

Antes Depois

Na primeira escultura, o aluno colocou apenas duas pernas, o pescoço ficou


longo e a pedra que formava o corpo era pesada, não ajudando no equilíbrio da
escultura. Depois de suas reflexões, podemos perceber que além de acrescentar
as pernas que faltavam, ele diminuiu o pescoço do animal dando equilíbrio a
escultura, permitindo que ela ficasse em pé, acrescentando também o rabo.
Diante disso, vale salientar que a intervenção do professor é de extrema
importância, assim como, a qualidade das perguntas que são feitas no momento
da aula que devem levar as crianças a refletirem sobre os desafios propostos. É
através de um trabalho como esse, que poderemos oferecer às crianças um
suporte para novas aprendizagens e consolidação de novos conceitos,
modificando as velhas propostas de ensino dessas áreas.

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Considerações Finais

Diante do exposto concluímos que o ensino da geometria articulado a


outras áreas do conhecimento como as artes plásticas pode facilitar o trabalho do
professor e o aprendizado dos alunos em relação a conceitos ditos complexos,
permitindo que os mesmos realizem uma leitura interpretativa do mundo. Nossa
pesquisa mostra essa possibilidade de um trabalho interdisciplinar, no qual as
crianças refletiram sobre conceitos como equilíbrio, simetria, proporcionalidade,
etc, de forma lúdica e significativa.
Acreditamos que o grande desafio para um novo fazer matemático é
modificar as atuais práticas que ainda contemplam apenas as figuras regulares
planas de maneira descontextualizada. No entanto, reconhecemos que o êxito de
um trabalho como esse não depende somente da boa vontade do professor, mas
também a formação inicial e continuada desse docente. Formação essa que deve
assegurar suportes teóricos-práticos para que este possa refletir sobre sua prática,
criando e recriando o seu fazer pedagógico.
Outro ponto que requer nossa reflexão são as estratégias didáticas
utilizadas pelos professores, pois entendemos que quando o professor tem
consciência e domínio sobre o campo do saber que está trabalhando poderá
propor atividades mais desafiadoras, assim como intervir de maneira mais positiva
com comandos e questionamentos que estimulem a reflexão dos alunos.
Sugerimos que o trabalho com geometria deva acontecer desde a
educação infantil, uma vez que esse propicia uma ampliação da forma da criança
ver e pensar o mundo.
Desejamos que o nosso estudo gere mais pesquisas sobre a área, tendo
em vista que este é um tema interessante e que não é impossível de ser realizado
em sala de aula. Esperamos também que ele traga contribuições relevantes para
nossos colegas de profissão que desejam se apropriar do tema.

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