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DB. Dene Bisel Aq 24,60 090308 pug SORES Olne 26356 Copyright© 208, una Franheto Yo de rita Lite ‘Copyright desta ego © 2006 orge Zar Eli Lida rus Meso 31 sre 2003-148 Rio de fanz tes (21) 22400226 fs (21) 2262-8128, ‘mai jeBraharcombr the wrmsaharcom be “Todor dts reer A reproduc nrautorza dts plies, 0 fod fouem pute, consul vlaio de dris autora Le 2610/98) Row. 0% Composgto detronic:TopTentos Fics Gufs Lda Inpro: Geogr Eitora Cap: Sérgio Campamte CPs. Caleaso-ne fone Sn Nai ares 0 Rl to Origens di inguagn Brus Handeto ¢Yonoe ate" de fans Jorge Zar, 208 ‘straps Fac igre 1. Ligne lngus — Origen 2: Linge uals Late Yon, 1955-1. Tt Se 1089 cries Sumario Introdugto Bm busca de uma explicacao uo comesow na Grécia Quando a linguagem € musica e paixto Quando Deus nto é mais explicagio. © encontro com a diversidade Quando a lingua éum produto histérico A procura da primeira ingua Ateoria da evolucdo ‘A origem da linguagem e a teoria da evolugto A origem da linguagem: uma agenda em aberto Inconclusto Glossério Referénciasefontes 2 5 v a 2 28 32 36 0 31 55 Leiturasrecomendadas Agradecimentos Sobre as autoras Introducao, ‘A busca de conhecimentos sobre 0 passado remoto da hhumanidade e sobre a origem de nossos ancestras esti presente, com diversas roupagens, em todas as épocas ¢ & ‘objeto de explicagdes da mais variada natureza, para varios povos. Para os kara, povo indigena que habita a itha de Bananal (10), sua origem vem dos aruands, peixes que hhabitavam Aguas profundas, Um arvana, afoito e curioso, sada para muito longe ¢ segue um raio de luz que The permite ver sua sombra. Diverte-se com ela, mas, com. ‘medo, volta 20 seu grupo. Sonha, entio, com estranhas regioes. Torna seguir oraio de luz e,a0 chegar a superficie, fascinado, depara-se com um mundo de luz. calor, drvores, péssaros, lagos, céu ¢ gua. Transforma-se em gente de verdade e corre pelos pradas, ouve 0 canto dos passaros, come as frutas silvestre, sente perfume das flores. Mas ali também estao o softimento,o perigo €a morte. Volta para © mundo dos aruands ¢ vira peixe de novo. Um grupo de aruanas, maravihado com o relato do companheiro, resolve repetir sua experiéneia. Um a um sobem a superficie e se a Bruna Franchetto ¢ Yonne Leite transformam em gente de verdade, Para que sua transfor ‘aga se complete, fim de se adaptarem as novas condi- ‘es ce vida na Terra, tém de adquirie a mobilidade que ja existia nos primeiros habitantes. Assim, no proceso de hominizacao dos arvands, um traco fundamental é 0 da aquisicio de movimento, que passa a constituir 0 trago) distintivo do homem de verdade, opondo-se, entio, imo- idade dos pré-humanos do mundo subaquético. Para os tapirapés, povo tupi que habitao rio Tapirapé, aluente do rio Araguaia (MT), os homens ¢ que sio trans formados em bicho. Peetora, um her6i mito, vai andando pela terra e “sopra palavras" para transformar em animais as duplas de tapirapés que encontra pelo camino. Dois tapirapés que faziam bordunas para enlrenté-lo, pois a vinda de Peetora havia sido anunciada, nao o reconhecem, por estar ele disfargado, e tomnam-se, pela palavra soprada por Peetora, tamandués. As bordunas passam a ser seus abos. Outros dois tapirapés so transformadas em quatise djs jovens adolescentes, usando a pintura corporal de jen apo, propria para sua classe etira, sto transformados em _macacos. Observe-se que, semelhantemente & arca de Noé, 6 necessiria uma dupla para garantie a sobrevivencia da espécie, E mais: a palavra “soprada” tem forga criativa. O ‘mito que celebra e mantém na meméria a antiga humani- dade terestre tapirapéseencerracom um canto, oumelhor, ‘com palavras cantadas, em que os atores-animais ou ani- ‘mais-atores rememoram sua transformasao. (Os povos indigenas que habitam a regiao do Alto Xin- gs, também no Mato Grosso, nos do uma versio propria Crigens da inguegem ° da frase biblica: no principio era 0 verbo. Os kuikuros, por exemplo, dizem que a linguagem sempre existiu, mesmo antes decxistira humanidade atual criada pelos gémeos Sol «Lua. mundo original era habitado por demiurgos, seres Ppoderosos que podiam fazer tudo ese transformarconstan- temente. Foram eles que criaram e nomearam as coisas importantes para a vida dos indios. Ao dar um nome, os lemiungos reduziam as dimensoes excessivas, quase mons- truosas, das coisas originais a0 seu tamanho de hoje. Desse ‘modo, os homens perderam a mandioca primordial, que dava bebida epolvilho diretamente de seus ratnos,e ficaram com as espécies atuais, uns poucos tubérculos enterradas para cada planta. No tempo mitico, todos eram seressobre- naturais; homens e animais falavam e se comunicavam, Assim,a linguagem sempre existiu i que ea estd na origer de tudo. Para os alto-xinguanos o problema a ser explicado € por que os animais perderam a capacidade de falar. O mundo dos seres sobrenaturais se apartou do mundo dos homens e dos animais, ¢ estes ciltimos se separaram dos homens em uma série de eventas cheios de confitos e vinganga, seguidos pelo castigo ou por um novo pact, Assim, as ongas, acuadas e atacadas em sua aldeia pelos ‘gémeos Sole Lua, cuja mae tinha sido por elas assassinada, resolveram, para nao seem dizimacls,Fugir paras floesta, tendo prometido ndo mais matar os humanos. Foi entio que as ongas comearam a rugir © grunhir © nao mais puderam falar. No Velho Testamento, 0 mundo é criado pela palavra dde Deus. No Genesis, no primeiro dia da ciagio, o Criador — 10 Bruna Franchetto Yonne Leite dir: “Faga-se a lua" Ba luz se fer. “E Deus viu que a luz era boas e separou a luz das trevas. E chamou a luz dia, © a8 trevas, noite’ foi com a palavra que Deuseriow osanimais, do harro que ele modelou © homem, & sua imagem ¢ semelhanga,“ecriou-os varao efémea’, com um sopro de | vida em seu rostotornou o homem “alma vivente’ “Tendo, | pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais | terrestres, e todas as aves do ou, levou-0s diante de Adao, / para ver como este os havia de chamar; € todo nome que | ‘Adio pos aos animais vivos, esse éseu verdadeito nome” ‘No mundo mitico, no hé uma cadeia evolutiva lent gradual, Antes, hd um salto transformador através do qual fs animais humans, antiga humanidade terrestre, foram transformados em animais verdadeiros ou em herdis mit «os, Os animais humanos falavam e, a0 serem transforma- ‘dos emanimais,perderam essa habilidade,queseconservou apenas nos herbs. Na Biblia, Adio foi criado jé dotado de Tinguagem. Deus, © Grados, também fila. E eria o mundo com a palavea,¢ 0 homens, com um sopro. f precsamente esa faculdade de falar ede nomeae que traga a linha divisria entre humanosverdadeiro eanimaisverdadeiros.£inapos- stvel se imaginar um ser superior ou um herd cviizador | ‘que no sea dotado da mais importante faculdade do ho sme inguagem. : ‘No pensamentocientiico moderne, descendemos no de pines, mas de macacos, numa longa cadea evolutiva que Se inciou hi pelo menos 25 milhoes de anos. Tivemos de ros tornarbipeds, assumir a poscio rea, lateralizar Crigens da tinguagem " cérebro, aumentar e modificar a estrutura de neurbnios para adquitt a faculdade que singulariza definitivamente 0 hhomem em relagio aos gorilase chipancts Convém ressaltar que a faculdade humana da lingua gem nto se limita’ nomeagio de coisas eo enfilerar linear aleatorio de palaveas, como contas num colar. A descrigio dessa capacidade humana exige mecanismos bem mais complexos do que 6 mero reconhecimento da associacio centre coisas e palavras, que teriam tido sua origem na imitaglo dos sons da natureza, como foi proposto muitas veres, Seria preciso explicar a evolugio dessa fase primeva,’ fem que uma palavra corresponderia a uma sentenca, € € {que isso avontecen, a6 a formagao de frases, evolugio de~ terminada por prinefpios bem menos aparentes do que 0 distanciamento gradual da criagao imitativa. Como expli- car dentre virios outros processos, a existencia nas Kinguas| hhumanas de mecanismos que permitem 0 encaixe de sen~ tengas uma dentro de outras, como em O enchorro que ‘orden o gato que matos 0 rato que roeu o queijo more cenvenenado, na qual a sentenca 0 rato que roew 0 queijo foi ‘encaixada em o gata matow o rato eambas foram embutidas na frase o cachorro morreu envenenadot Se a cigncia de hoje, com sua metodologia, tipos de argumentagio e provas,ofereceexplicagdes denossa origem bem diferentes das dos karajs,tapirapés, povos do Xingu c da Biblia, hi algo comum a esses mundos distantes: a evi déncia da universalidade de um mal definido “espirito” ‘humano, qual se, a nocessidade comum e perene de saber ‘quem somos, de onde viemos e para onde vamos. 2 Bruna Franchetto e Yonne Leite Em busca de uma explicagao |A questao da origem da linguagem ou, em outros termos, a evolugio do comportamento comonicativo humano & altamente controvertida, dada a inexistencia de provas € testemunhos factuas,diferentemente da evolugio da espe ‘ie humana, para a qual existem evidencias concreta. Isso tornou o tema sujeito as mais inusitadas divagagOes e p postas fantasiosas, Uma das primeiras teorias sobre a ori ‘gem da linguagem humana é que as palavras surgiram da tentativa de imitar os sons produzidos pelos animais, como qud- quai bem-te-vicuco,€ 0s sons da natuteza cicundante, como o farfalhar das fhas, o correr das guas, o barulho doventoeda chuva, por meio desons sibilantes ou chiantes, ‘como s,2.chydenasais murmurantes,como m, ede liquidas, como le r. Aimitagio tornava-sea palavra que designava 0 ‘objeto, Essa teoria, conhecida como teoria onomatopaics, cevoca a seu favor a existéncia de onomatopéias em todas as linguas. Além disso, € comum a mae, ao mostrar a0 filho pequeno um livro com animais, dizer: olka 0 au, ola 0 ‘miu, otha ¢ cocoric,olha 0 mut, nomes que muitas vezes «a eeianga usa para se referir ao cachorro, gato, galo e vaca. No entanto o elo perdido ests em se saber como de av-at passa-sea cachorro,de miaua gao, de cocoricéa gato, denna Cutra possibilidade proposta, muito semelhante & ex plicagdo onomatopaica, foi a de identificar o germe da linguaget nas interjigoes. Os primeiros sons produridos pelos homens teriam sido exclamagdes de dor alegria, de- ————— Crigens da linguagem 3 “espero, espanto, surpresa, o que também no explica como se passou do estigio dos gritos expressando emos6es @ Tinguagem articulada de frases como ert estou com dor, eu estou fli, ew estou desesperado et. De certo modo as teorias de uma origem imitativa propdem que a ontogénese é uma réplica da filogénese, Scja,0 desenvolvimento do individuo reproduz as fases da cevolugio da espécie. (Ouatrateoria um pouco mais laborada ecom base nos processos de produto das sons, mas também inverossimil ‘como as demas, sugere que o esforgo muscular exagerado ‘ou dificil especialmente os esforgosrtmicossio geralmen- teacompanhados por agio intermitente da glote da lingua, dos labios edo palato mole. Aalterndncia dos movimento de sequrar e soltar a respiracio, algumas vezes fazendo as ‘cordas vocas vibrarem, produzia vor. Assim, 0s primeiros ‘ons feriam sido 0s que acompanham o acasalamento, © comer, as lutas € ocasides festivas, € depois passaram a significar esses eventos. Esse quadro cientificamente desanimador, em que a {maginagdo nao tinha limites, fez com que a Société de Linguistique de Paris aprovasse uma mogao proibindo, em 1866, toda e qualquer mengio 2 origem da linguagem 90s estudos cientificos, ‘Desde entio, contudo, a situagio mudou bastante. Os avangos alcangados na biologia evolutiva, na genética e na psicologia cognitiva levaram 2 suspensio da proibigio do, tema e ao ressurgimento do interesse sobre a evolugao da linguagem, Tanto assim que, em 1996, a Universidade de “ ‘una Franchetto @ Yonne Leite Edimburgo, Eseécta, foi sede da 1 Conferéncia Internacional ‘sobre Origem da Linguagem, que teve continuagao bina: «em 1998, ocorreu na Universidade de Londres; em 2000,em Paris (mesma cidade em que, mais de um século antes, se proibira o tratamento do tema); em 2002 realizou-se na ‘Universidade de Harvard, Fm 2004 acontecers no Instituto Max Plank, em Leipaig, Alemanba, ‘As eas de conhecimento listadas nas circulares con vocat6rias dessas conferéncias lustram a perspectiva mul- tidisciplinar com que se procura encaminhar as possiveis ‘respostas centifica: antropologia, genética, biologia pop lacional, lingdistiea, psicologia, primatologia, etologia, paleontologia, aqueologia, vida artificial, modelagem ma- {emitica.O carstercientifico endo-especulativo fica garan- tido pelasinstrugdes dadas paraaapresentagao de propostas de comunicagdes, Assim, as propostas submetidas sho ava- tiadas segundo os padres usuais de qualidade académica & devem conter teses proprias, relacionadas a literatura cien~ tific rlevante, explicitandoo método, a natureza dos dados co ponto central do argumento teérico apresentado, Parece que o fantasma do imaginario do século xvit continua ‘ondando o tema da origem da linguagem e € preciso exor~ izi-lo, garantindo a centificidade das discussoes. ‘O-caminho percortido paralibertar oestudo daorigem da linguagem de explicagdes reigiosas ou filosficas e © cstabelecimento de padroes considerados rigorosamente cientfics é longo e tortuoso, com ids e vindas, ainda em. parte mal entendidas, mas é preciso percorré-Lo para avaliar ‘o quanto jé se fez e entender as novas roupagens de que 0 tema ¢revestid. rigens ds linguagem 5 E tudo comesou na Grécia [A civilizagao ocidental desenvolveu-se na conflutncia de dduas longas correntes de idéias: a judsico-crsta, no que concerne as crengas religiosas, € a greco-ltina, a quem ‘devemos os primeiros elementos racionais da ate, da lite~ ratura e das ciéncias, Os babilnios, por exemplo,emprega~ sama geometria, mas foram os gregos que estabeleceram os postulados da astronomia, da aritmética © da geometria, ‘tomando-as ciéncias independentes, ¢ que nos legaram © alfabeto ea terminologia para se descrever as linguas. ‘Com sua necessidade insacivel dequestionamento do ‘mundo, eles formularam também questoes bisicas sobre a Tinguagem, as quais até hoje intentamos responder. ‘Antes de Socrates (470/469-399 a.C.) falar eagir et ‘am intimamente associados. A palavra € agio, faz agis, conduz, mas também engana. Zeus, 0 deus supremo do, ‘Olimpeo, fala forte e age eficazmente. A linguagem servia a arte da persuasio © a0 homem politico. F na primeira imetade do século vil a.C., com 0 poeta Hesiodo, que a palavra passa ater a fungio de revelar a ordem do mundo, E como fildsofo ateniense Platao (427-347 a.C.) que controvérsia das relagdes entre nomese coisas éformulada de maneia explicita, em Critilo, dislogo que trata da ori- gem da inguagem. As perguntas que mover o debate entre (© prOprio e Hermégenes sfo: seriam as nomes (énoma) provenientes de uina afinidade natural com as coisas, em boutras palavras, mpostos aoshomens por uma necessidade dda natureza, ou seriam eles 0 resultado de uma convenes0 6 Bruna Franchetto e Yonne Leite fou de um contrato (némes), isto é origindrios de um ato

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