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62 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentas na Vida Humana -Shaver,P. etal (1987): Emotion Knowledge -Further exploration of prototype approach . Journal of Personality and Social Psychology, As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 63 CAPITULO 1 AS EMOGOES E A EMOTIVIDADE: 0 impacto dos eventos e da situacdo na sensibilidade “Depois de todo o que me aconteceu, me tornci muito emot parece que os fracassos me deixaram muito vulneravel; antes me sent mais estével sem esses sismos que me sacodem em qualquer momento, como se todo o que construi continuasse desmoronando. Perdi a cal muita coisa que antes via com serenidade agora me afeta até as | mas. E como se houvesse perdido meu eixo de sustentagfo e como se a crianga insegura que fui estivesse de novo comigo”. 1, Os eventos inesqueciveis estio impregnados de emosiio ¢ sentimento Se vocé se pergunta quais sdo os eventos ¢ fatos que vocé coloca= ria no repertério dos momentos inesquectveis, ni vai demorar em res~ ponder trés ou quatro que de imediato se destacam no cenério de ‘meméria. Veja algumas respostas que tenho encontrado quando formt- lo esta questdo aos clientes que me demandam orientagao terapéutica, mencione trés lembrangas que se destaquem na sua vida, neste momento, aqui ¢ agora, Bis algumas respostas, cuja esséncia pro- ‘cur manter 4 uma lembranga que sempre reaparece ¢ me leva para foi a primeira vez que vi o mar, 14, quando tinha uns 5-6 uma impressdo tremenda; entre 0 assombro e o medo. Ver aquela al liquido, imenso, chegando até a praia, lambendo a areia c fustigando as rochas proximas; foi algo que me espantava ¢ me atraia. Me assombrava essa imensidao de 4gua que ia e vinha em ondas interminaveis. Acho que percebi que todos sentiam alegria e um certo medo por esse monstro da natureza. Vi por primeira vez a minha mie 64 As Formas da Sensibilidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana sem saia, em traje de banho, corendo com as outras mulheres até as ondas ¢ logo fugindo para fora como se essas Aguas escondessem uma ameaga terrivel, porém, tentadora. Até hoje © mar me provoca senti- mentos contraditérios. indo pelos 14-15 anos, regiao; estava com 0 peiio da fu.....da, o Chindo, homem rude e de tragos primitivos; estavam no galpao do fundo. Na época, quase nada sabia dessas coisas, mas em seguida entendi o que ali se passava, Se retorciam como dois desesperados, nus, agitados, estendidos no chio, coberto de palha numa luta muito estranha para mim; estranha, fasc tou aquela menina de aparéncia timida e delicada. Ser que 0 sexo rom- pe com todos os limites? Sera que os contrastes estimulam a atragio? Tinha uns 9 anos. -A terceira se refere a primeira vez que andei de avid; eu no alto do céu, olhando a geometria caprichosa da paisagem térrea; eu um mogo simples, tendo o privilégio de contemplar toda essa beleza incomparavel, chorando de emogao. Tinha 21 anos. (professor, 45 anos) subindo ‘A primeira: eu subindo as escadas de um pt com o coragio palpitante até 0 3° andar; toco a campait nervosa, Sera que ele esté me esperando? Rubens me tinha dito que morava 86, que estava separado de sua mulher faz um ano, e se no fosse verdade? Abre-se a porta, devagar; uma mulher me pergunta 0 que pro- curo, Deus, ser a mulher do Rubens? O que digo? Falo primeiro que ‘me passa pela mente. Desculpe, mas 1é embaixo me falaram que aqui estavam por alugar um apartamento. A mulher me olha com desconfian- a. A senhora é a dona do apartamento? Por favor, moga, deixe-me des- cansat em paz; ainda ndo me separei do babaca de meu marido. Infor- me-se melhor. E bateu a porta na minha cara. ~ A segunda... Eu frente ao cara, que olha meus antecedentes. Era a 5* entrevista a procura de emprego. Estou sentada na frente do cara que tem em suas mios meu destino; preciso ser simpatica, jogar um pouco de charme para ele, insinuar que sou uma mulher séria mas aces- sivel. £ um senhor de uns 50 anos, desses que ainda esperam uma se- gunda oportunidade. E casada ?, pergunta. Nao, senhor, sou desquitada faz dois anos. Tem filhos? Nao, senhor. O homem me sorri; ensaio meu melhor sortiso. Capto onde quer ir. Cruzo discretamente as pernas, s6 para destacar um pouco as coxas; estufo um pouco o peito; arrumo meu cabelo. Nao quero sair deste lugar com a sengagdo de derrota machucan- As Formas da Sensibllidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 65 do-me o peito. Sé mais uma coisa —diz ele- esta firma é muito séria; nossas empregadas no podem se encontrar com seus namorados no recinto da empresa, nem receber telefonemas. Entendo, senhor, mas atu- almente nao tenho namorado. Otimo, dona Sole, ficard trés meses a pro- ‘ya; se se adapta ao servico seré contratada. Fig is anos naquele ‘Com algum jogo de cintura a gente se adapta. O que aconteceu nqiientio? Bom essa é uma outra hist6ria. “A terceira cena comega a surgir na minha mente. Estou dando os ‘iltimos retoques a minha figura. Estou bem embonecada, discreta mas sem descuidar dos efeitos que todos os homens apreciam. E a segunda ‘vez. que vou encontrar-me com Rubens. Desde que 0 conheci a semana passada circula por minha cabeca como uma melodia. Tem tudo o que uma mulher deseja. Boa aparéncia, ar de macho ¢ um nfo sei o que de ternura, além de um bom emprego. Nos encontramos num bar da Ala- ‘meda Santos, perto da Paulista. Algo memoravel; tudo correu como s¢ 0 roteiro jé estivesse tragado. Ouvir falar um homem de voz varonil, colo- cando no verbo uma inteligéncia brilhant ‘des, foi demais para cara falava nfo para uma piiblico imaginério, nem para si mesmo: falava para mim, Era maravithoso. Depois de duas horas, entre um drinke e outro, ele me diz, como se fossemos antigos amantes: perto de aqui, ha um lugar lindo e acolhedor, quero sentir a voc® como mu- Ther. Ainda sinto, cinco anos depois, as caricias daquela noite tinica. (ecretéria, 30 anos) ~ Curioso, esté surgindo uma imagem na minha mente; estou com uns 17 anos; estou chegando a casa de minha mie; é de noite, estou cansado, com fome e com essa tristeza que marcou minha vida naquela Epoca. Faz. uns dois meses que no vou visité-la. Ela me olha; adivinha fo que estou sentindo, Voc deve estar com fome, filho. Vou preparar algo para voc®. Fla vive com muita modéstia; vamos até a cozinha. Es- quenta o arroz, frita um par de ovos, prepara uma xicara de cha. Esse foi um jantar mais inesquecivel que me brindou a vida. Foi 0 de ternura ¢ dessa compreensdo que brotava dos olhos de minha mie. Com 0 pas- sar dos anos e com a melhoria de minha situagdo material, ja experimen- tei todo tipo de iguarias, mas nenhuma tio especial como aquela = Outra cena, Estamos nadando numa praia, minha filha de 15 ‘anos, minha esposa ¢ eu. De pronto, nos apercebemios que a corrente nos levou longe da praia. Compreendemos de imediato que estamos em gra- ‘ve perigo; estamo: stanciando-nos cada vez mais da beira. Minha fi- Tha nada mal, apenas sabe flutuar; precisamos escapar deste perigo. Nade para fora!, grito para minha mulher, que nada com alguma facilidade; eu 66 As Formas da Sensibilidade - Emocdes e Sentimentos na Vida Humana tentarei sair com M. Agarre-se a meu caledo, filha! Ela sente a ameaga mortal que nos esta espreitando, Luto, nado com toda minha energia para escapar da corrente. Sei que teremos que sair os dois vivos ou fica- Temos os dois mortos; se passam 10, 15 minutos; sinto que minhas for- as se esgotam. Invoco a Cristo para que neste transe me ajude, Estou com medo; nao posso sair sozinho; os dois ou nada. 25, 30 minutos. Luto, a praia parece mais proxi ha tenta manter-se flutuan- do, agartada a meu calgdo. Me acalmo. Saimos da corrente e nos aproxi- mamos da praia. Sinto que a morte vai embora. Pela terceira vez na minha vida a morte me concede um adiamento. - Estou com 17 anos, na praga da pequena cidade; so as 17 ho- ras. E a hora em que a menina de meus sonhos passa por esse lugar de regresso a seu lar. Veste seu uniforme escolar e me parece de um encan- toe de uma beleza incompariveis. Pelo menos uma vez por semana fico a sua espera, apenas para vé-la passar. Talvez ela nunca reparou na mi- nha presenga € nunca imaginou como sua passagem iluminava meus As vezes, 25 anos depois ainda a vejo passar nas imagens de fantasia. (psicdlogo, 42 anos). Nao ¢ dificil perceber 0 que tem em comum estas lembrangas inesqueciveis. Todas elas apresentam uma forte carga afetivo-emocio- nal. Poderfamos simplesmente pedir & pessoa que nos narrasse a primei- ra lembranga que emerge na sua mente, algo talvez sem maior importin- aparente, O mais provavel que a cena que surja estivesse igualmente mpregnada de emogio, ou implicasse algum aspecto sentimental. As ‘rs pessoas revelam uma certa unidade de estilo quanto a sua sensi dade. Todos eles revelam uma forma peculiar de encarar o que Ihes acon- tece. Uma sentimentalidade nostalgica no psicélogo; um modo de pro- curar aconchego nas cenas mais marcantes de sua historia, Na secretéria hd uma certa visdo entre pragmitica e funcional das coisas, uma aceita- 40 tranqiiila das manhas e artimanhas da vida junto com um abertura bem disposta para o erdtico. O professor coloca na infancia e na adoles- céncia sua maiores descobertas; a visio do grandioso no mar; a ascen- alturas como promessa de dominio; 0 mistério do sexo na crua cena de um ato sexual; a intuigdo de que o impeto do desejo pode rom- per todas as barreiras. Lembrangas neutras, som um lastro afetivo, so raras; existem, ‘mas como meros decorados de um evento de escassa ou nula ressonan- cia. “Faz uns cinco anos estive um dia nessa cidade, mas nada se destaca na minha mente daquela visita; apenas lembro que chovia e as ruas esta- vam desertas, Ah, sim, quando ia tomar o trem de regresso, uma moci- nha muito nova me ofereccu seus servigos sexuais; acho que tive pena s Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 67 i recusei seus servicos; apenas Ihe dei uns trocados e entrei na esta- go”. 2. Emogées especificas e emogées associadas Lembro-me, vocé diz: te esperarei enquanto viva. Foi uma bela promessa, um voto impossivel, Pois o tempo é esquecimento, mas mesmo Aquelas palavras me comovem; ainda hoje Essa promessa distante me toca. (techo de uma carta que encontrei numa gaveta) sim ‘Nao importa quanto tempo passe, certas palavras e algumas agdes. nos comovem, inclusive quando julgamos as palavras uma promessa impossivel, pois sabemos que o tempo é esquecimento. Muita coisa se escoa, se esfuma, se descolora, mas hé certas experiéncias que se fixam memenirie: emocionando-nos assim que reaparecem no. campo da cons- cigncia, Emogdes ¢ sentimentos. Nem todos os autores estabelecem uma iferenga entre estas duas modalidades afetivas. Eu julgo importante esta distin¢ao, embora reconhega que todo sentimento se caracteriza por seu potencial emocional: Quase todos os autores enfatizam o cardter motivacional destas vivéncias. De fato, além de introduzir um fator dra- mitico ¢ cromatico na existéncia, elas mobilizam ao sujeito; o mol zam e o desmobilizam - razio pela qual nao sfo simples motivagoes. Nos mobilizam em todas as diregdes; para o circulo do resguardo, da prevencao, da desconfianga e da agonia trémula, quando agimos sob o dominio do medo; na diregio do ataque, da crueldade, da imprudéncia ins6l ita, da destruigdo absurda, quando agimos nos momentos de ira - e do ddio, seu derivado crénico. E na alegria festejamos a vida, que nos exalta e nos convida. Fuga, resguardo preventivo, atitude ameagante, ataque, exaltagdo radiante: eis as amostras comportamentais das emo. ‘ses primérias, jentos nos mobilizam na medida em que nos comprome- tem, Neles observamos esta dupla func‘io de ancoragem, de lago de sus- tento, e de movimento prefixado. Os sentimentos delatam os modos de ‘ancoragem e de vinculagio; no so meras reagdes psicossomaticas como sto as emogdes. Reagdes ora difusas, ora especificas. Mais que de sentimentos especificos - amor ¢ 0 6dio, a admira- SSSCSCSSCSSCSSCSSCSCSCSSSsssssseeseseseseeessesee' 68 As Formas da Sensibilidade - Emogbes e Sentimentos na Vida Humana ‘iio e 0 desprezo, e tantos outros- focalizo neste parte as emoges primé- rias, embora me refira a determinados sentimentos quando eles entram na esfera emocional. Num capitulo posterior trato em detalhe os senti- mentos. Neste capitulo tratarei das emogdes basicas - que esto direta- mente ligadas a vitalidade, em particular ao instinto de conservagao - ¢ das emogées associadas, que decorrem de sentimentos ou entram na esfera das paixdes e dos estados de animo. Contudo, nao entro no capi- tulo dos sentimentos ¢ dos estados de humor, embora estabelega uma ponte entre eles ao referir-me aos aspectos sintométicos das emogées. Na terceira parte deste livro enfoco jimentos. Alguns autores costumam incluir algum capitulo dedicado a ex- pressio facial ¢ corporal de emogdes ¢ sentimentos. Penso que é um aspecto interessante, mas nao fago nenhuma consideracdo a esse respei- to. O leitor que deseje informagdes sobre este tépico pode consultar a b grafia indicada aqui (em particular o livro de C. E. Izard ¢ bastante competente). Um outro capitulo que goza de particular atencao, se rela- ciona com os concomitantes fisico e neurolégico das manifestagdes ‘emocionais tipicas. Nao negamos a importancia deste tipo de pesquisas, mas elas igualmente no entram no campo de nosso enfoque. Para o leitor interessado nos aspectos bioldgicos das emogdes 0 livro do neurofisidlogo Joseph Le Doux (1996) ¢0 de Anténio R. Damasio (1999) sto muito interessantes. Como jé temos indicado em paginas anteriores, nosso enfoque segue os principios de uma psicologia compreensiva mais que explicativa, orientando-se, por um lado, numa perspectiva fenomenolégica e, por outro, apoiando-se em recursos dialéticos. ‘Uma tiltima observacaio: embora mencione a alegria entre as emo- ‘ges basicas, no faco nenhuma consideragao a seu respeito. Tentei mostrar neste capitulo os aspectos sintomaticos, perturbadores, deste tipo de reagdes vivenciais. Como mencionei em paginas anteriores ndo devemos entender as emocdes como 0 conceito abrangente de todos os afetos, como costumam fazer alguns autores. Emogdes ¢ emotividade sio aspectos especificos da afetividade —todo o importante que se quer, ‘mas apenas um capitulo de uma dimenséo mais ampla. Proto-emogées, emogées associadas e emogdes difusas ‘As emogdes pertencem ao circulo da vitalidade, em cujo mbito surgem também as necessidades bioldgicas e os impulsos - movimentos espontdncos da vitalidade. ‘Na emogao se articula 0 somitico ¢ o psiquico, 0 biolégico e 0 “As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana 69 ‘Nilo hé emogiio que nao seja comogio orgénica; pode ter um te sutil, como o leve rogar do vento na superficie da agua; ou concoi pode emanar das entranhas do organismo como lava ignea que nos afo- tremece até as ‘a -como sucede quando temos uma revela¢ao que nos est egjulas do sangue. Ha individuos que experimentam suas emogSes mais pelo lado orgénico que por sua face vivencial; suam, se ruborizam, rea~ gem com sintomas alérgicos, ¢ assim por diante. Outros, pel ontrario, fousam escassa resposta somatica, inclusive quando sao envolvides por emogées fortes. cabe a questo inevitavel: 0 que ¢ isso, aemogao? Como i iplica uma forma de relagiio homem-mun- & preciso responder algumas perguntas: (Qual é a esséncia da emogdo, isto é, 0 que é 0 mais distintivo de ‘um fendmeno que qualificamos com esta palavra? Como se relaciona o homem na emogio com 0 objeto-situagao que Ihe provoca essa reacao? que significa emocionar-se? z . {eracdo da pessoa com scu meio atual ¢ possivel, a maneira pacto da situagao-e: ‘imulo na qual se encontra (real ou {magindria), com o conseguinte efeito subjetivo € o que chamamos emo- (a0. Nos emociona tanto uma situasio imediata, externa, quanto uma Situagao meramente possivel, real ou imaginéria, passada, presente ov futura, Emocionar-se, como 0 étimo da palavra o indica, é mocionar-se, mmovimentar-se para fora ~pois é dificil permanecer impassivel quando ‘sentimos o impacto de um evento. ‘Sempre algo delata 0 efeito do fené- meno. As vezes a emogiio surge como um simples toque que nos agita, rogando-nos as visceras oe mio leve; outras nos submerge num mar e nos confunde e desnorteié Sa A eae ‘a consciéncia de ser atingido psicossomaticamente por um evento, um estimulo-situagao, de tal maneira, que 0 sujeito sen- fe-se envolvido e como que apanhado pela situagao segundo seja o grau fe sua reagao, O tipo de relagao homem-mundo que estabelecemos na temogio & de envolvimento, de subordinagao, geralmente passageira, a0 evento que nos provoca a reacdo, subordinagao que até pode chegar @ ser sujeigao —temida, detestada ou, inclusive, desejada e procurada. ‘Ei necessirio distinguir as emogbes especificas, ou proto-emocdes, que sio as experiéncias paradigmAticas do emocional, ¢ as emogdes a5 sociadas. As proto-emogdes sao: : ae » 6 medo, com toda sua escala progressiva: pavor e panico - i ), © susto. ah Be oe raiva (ou ira), com sua progressdio: a célera ¢ a fitria - © seus derivados, a indignagio e a irritabilidade. de sentir 0 70 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana -___ Aalegria - e sua nota maior: 0 jibilo. O leitor atento deve perguntar-se: e onde fica a surpresa ¢ 0 as- sombro? A surpresa é uma reagao de suspenso momentanea da capaci- dade de ago perante um evento inesperado; pode ter um carater desa- gradavel ou agradavel segundo seja o significado do evento para o sujei- to, Diferencia-se do assombro, pois este supée um matiz de admiragao, que incita geralmente a pessoa a examinar mais de perto o objeto que ‘oca 0 assombro. Do assombro, ensinavam os gregos, nasce a lade ea filosofia. Nos assombra a natureza com sua infinita com- plexidade ¢ riqueza, com sua aparente sabedoria e 0 mistério de seus processos. Nos assombra isso que chamamos nosso destino, com seus i que nem as rotinas mais corriqueiras con- lades tipicas do emocional, Também falamos de emogio associada, que acow~anha um sentimento ou um estado de 4nimo. Como indicamos anteriormente, os sentimentos traduzem vineu- igdes. Amar ou detestar uma pessoa € ter um liame de afeto /0 ou de rejeicdo ativa, mas o fator emocional est presente no rento apenas quando mexemos no afeto. Reconhego que amo a la representa um supremo bem para mim, mas dizendo ihuma emogao nesta constatagao, nos une acima de qualquer contingéncia; sei que ainda na hipétese dolo- rosa de que ela venha a morrer antes de minha extingio, para além de sua morte, cla viverd em mim. A emogdo pode surgir, se comego a me- xer neste sentimento; se comego a lembrar-me de alguns momentos es- peciais que jd vivemos juntos, ou se uma melodia que a representa emerge em meu momento de nostalgia; entio a emogao surgiré do fundo de meu set. Surgira como uma onda sismica que se impde a minha conscigncia, Eoquema das diterencas sxistontes entre emagdes 9 sentimentos sequndo stores Fatt Egos or eigen | SSorpras da oapcie SLOT OTGaT ‘egen Come tas no sto reiatele ors cade —] St om do eacio pom ‘rans que env isto de For eon draiie | Sto passagaras, mas roa hamacaa | Ea ives pla Danae Bra GOON Bsstousomtvea se mantestam eam | para constul-e, Una ves conatucoos open Severe mange im constant fetes, regan minporsa Taleionanio | Tapes podem amare Fermentor | Or soniorios una var aivedos por ones ‘Stamm ester prseres nes outs | emagees A motto vetema secre ‘osalaades sabre al, comegam parece trang uum dos parceiros parece interessar-se p viver um perfodo com pou tarda em aparecer; este é um sentimento s4o. O que provocou esta reai ico por um amigo para que nos irrite ouvir qual- Seu respeito; e os menos ponderados se ale com a desgraca de seus inimigos. e a Hé diferentes maneiras de apreciar o i grau de compromisso de um sentimento, certamente. Nem sempre 1o¢io é o melhor teste ‘para. Gvaliar a qualidade de um afeto, Nao & pois ha pessoas hiper emerges Prasoas hipo-emotivas, o que no significa que as menos emotivng se, fham umn Compromisso afetivo menor - até se poderia seater con- io, languidez, de expectativa e receio; 6 0 que nos acon. tece quando 10s um namoro, que parece apontar para uma fase do encantamento. Acontecem também quando nos elogiam; o elogio nos ‘agrada e nos embaraga, sem que possamos dizer 0 que predoraye Antes de entrar no: ' aspectos medulares de nosso assunto quero lo talvez algo monétono; mas eis que acontece algo novy; or outro. A reagao de citime nao fortemente carregado de emo: go emocional foi um sentimento oie ill lll 72 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana situé-lo em seu contexto mais geral. Vou repetir algumas idéias ja colo- cadas em outros capitulos, mas 0 leitor amigo entenderd meu propésito. Para um visio esquemética das diferencas entre emogoes e sentimentos examine-se 0 quadro acima. Mais adiante, na 3° parte, entraremos no tema dos sentimentos. 3. As emog@es e sua presenca nas outras modalidades afetivas ‘Nem tudo 0 que por ai acontece me emociona: jé no sou mais crianga, época na qual tudo tinha um toque magico, toque que me entra- vapelos olhos e pelos olhos me invadia 0 corpo inteiro. Nem sempre era algo amével, embora tudo fosse intenso. Estavam os medos , que os adultos gostam de incutir na mente das criancas para assim domind-las melhor. Estavam os medos dos adultos, que eles mesmos nao sabem dominar, ¢ que a crianga absorve com sua sensibilidade de alma aberta ao mundo. Mas também estava o encanto das coisas e dos bichos, com suas formas caprichosas e suas cores tio variadas; e sobretudo estavam ‘0s humanos, com seus gestos e seus ritos, com suas regras ¢ seus jogos - ora previsiveis, ora surpreendentes. Ja longe da inffincia e com a ju- ventude olhando-nos as costas, no outono da vida, nossa pele se tora menos sensivel ao contato com 0 mundo externo; torna-se mais seletiva. ‘Mas mesmo assim muita coisa me toca e me comove. Continuo sensivel a dor dos outros e a imensa miséria de meus semelhantes. Irrita-me a tolice e a irracionalidade disparatada do sistema social; detesto a injus- ica, sobretudo aquela que se disfarca nos gestos de aparente boa vonta- de dos donos do poder. Hoje, na maturidade tardia, as coisas e os even- tos perderam essa aura excitante e essa intensidade envolvente que an- tes tinham. Isto é 0 que constatamos: ha uma notéria diminuigao do fator emocional a medida que atravessamos as diversas etapas da vida. Ob- servamos também que as emogdes se misturam com outras modalidades afetivas, aparecendo o emocional como o fermento que agita ¢ amplifi- cao movimento intencional das outras vivencias. Como veremos em seguida, as emogdes permeiam todas as mo- dalidades afetivas, embora tenham um cariter funcionam como ‘08 correlates psicossomiticos das outras vivéncias. Seja por via dos sen- timentos ou das paixdes, continuamos permedveis aos impactos do mun- do, inclusive quando jé aprendemos a lidar com os vaivéns da realidade, em termos mais funcionais e praticos, 14 pelos anos adultos. Rej emogiio entendida como essa agitagSo psicossomatica que como uma As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 73 onda de baixa ou de alta freqiiéncia que percorre nosso campo vivencial std presente nos sentimentos. Vocé seguramente ama a 10, mas neste instante esse amor implica apenas numa a de relagao; nada o altera no reconhecimento de seu amor. A emogo surgiré somente quando os liames desse sentimento sejam tocados, mexidos por algum evento: Meu pai acaba de sofrer um enfarte, ‘As emogdes esto igualmente associadas aos estados de animo. Quando estamos tristes nos tomamos mais sensiveis a uma série de motivos que ordinariamente nfio nos tocam. Neste transe, sentindo 0 calado lamento que emana do fundo de todas as coisas, é freqiiente que as lagrimas nos anuviem e nos limpem os olhos. ‘Na ansiedade e na angustia a emocio é vivida de diversas manei- ras; ora como uma mera efervescéncia tensionant que na lingua- gem corriqueira se chama “sentir-se neryoso”; ora como irritabilidade pronta para estourar perante qualquer incémodo; ora como agitagio motora e como reagdes fisiol6gicas, agitacZo palpitante e quase sempre me sobe desde as spécie de grito surdo, ‘que me corréi as visceras e me sufoca a mente”. 4, As proto-emogies e outros afetos semelhantes ‘Por sua propria forca dificilmente se sustentaria a virtude. No fundo, sé 0 temor ao castigo é 0 que contém ao homem dentro de certos limites, nos quais cada individuo possa gozar em paz o que é seu.” (Cédigo de Mani, uma das fontes da ética indiana, séc. ITA. C.) O medo e, em menor medida, a ira, operam na vida humana como, motivadores e reguladores do comportamento. O medo como fator de contengdo e de prevengao; a ira como faior de ameaga e de agressdo. Os dois implicam no castigo. Nao apenas o legislador indiano julgou indis- pensavel o binémio temor-castigo para manter as normas sociais. Pou- Cos sio os fundadores de religides que nao enfatizam este binémio para a manutengdo da ordem social - nfo importa quao arbitraria e absurda seja esta ordem. f coisa sabi ai por senso moral mas pelas conseqiiéncias punitivas que imy frag. Apesar de todas as recomendagées que o bom senso, a cia ea azo recomendam, nunca conseguimos superar inteiramente ¢s- tas duas emogdes, No importa quanto nos perturber porta quanto seja nossa vontade de ficar fora de sua influéncia, logo percebemos que 74 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana estio operando em nossa mente. Elas so nossa heranga animal. Como veremos em seguida, tm seu lado ruim ¢ seu lado bom. Nao so exclusivas da espécie humana Apesar de ser oriundas da espécie, fazendo parte de nossa heran- seam nas araiva € 0 medo encontram escassa aceitagio social, Senn, monte culos especiais estas duas emogdes se justificam como inewe, mente compreensiveis. Qualificamos de covarde a quem se entrega ao edo, sem uma tentativa de'luta honrosa; e como tole e estipido um sujeito que se d ira. Tentamos dissimular seus efeitos S. O medo, 0 receio ea ansiedade dominam aos seres humanos fo omen comportamentos motivados pelo medo nao gozam de presti- Sim cone for NUNC® 8 covardia foi entendida como uma vittude, eas sa infegrgyinfamnia, Porém, sentir medo em situagbes que ameavan nant interne akde fisica ou que nos expdem a condigdes humilhantes & algo inteiramente natural. Gritar e chorar pedindo cleméncia para que nos séja poupada a vida pode parecer extremamente vergonhoso, sobretudo. Auando consideramos nossa conduta aps uma atuagio doses género; tos a tata ROS defrontamos com dois assaltantes (ou raptores) dispos- ‘05 a tudo para conseguir seus propésitos, 0 medo pode resultnr muito As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 75 ‘mais forte que qualquer outro valor, Ja se viu marido fechar os olhos em silencio enquanto dois malandros violavam sua esposa. Covardia censt. rivel? & facil julgar aos outros, sobretudo quando nunca se passou por uma situagdo de vida ou mort em tiltima instancia, Nao devemos confundir medo com “Tenho medo de contrariar ao meu chefe, pois ele pode tomar de represi inclusive mandar- Perdesse meu emprego?”. © que ela est4 experimentando ¢ receio de perder seu ganha-pdo, e sé pensar nesta possi asiip. O receio é a proocupagao de que algo negativo venha anc cer. Bo primeiro degrau da ansiedade. Med e ansiedade slo igu 'e confundidos no uso corriqueiro, Ouvimos por ai: tenho medo do ani, hf, temo que minha mulher me deixe, me amedronta a idéia di pil fisica de aflicto que se experimenta perante wma situagio que a¢a no plano fisico, sentida como tal pelo sujeito. Implica a ser um petigo iminente. O perigo esté ai, batendo a poria do suj ‘mos que nos machuque, nos fera, nos submeta a uma dor som vez nos aniquile, possivel; éuma ameaga qui nossa existén imaginamos nosso embara de um despreparo injustificavel. Tememos ficar por baixo, passar ‘gem de um camarada incompetente. Perder a cr ‘as Pessoas compromete nosso futuro. Ficamos an: iva de perder o emprego; dependentes de um salir n6s num futuro proximo? Apalavra paura (palavra italiana que se costuma usar como {ule Valente de medo), se refere sobretudo ao enor, mais que a0 medo, No femor se inclu tudo aquilo que ameaga a existéncia, incluido tam! Plano fisico - isto é, inclui tanto o medo como qualquer forma de a dade. Posso temer pela sorte do outro, no apenas pela minh 0 temer pelo destino de um ser amado - uma pessoa, a patria, inclusive (© que vai ser 16 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana ‘Deus. £ 0 que nos diz Rainer Maria Rilke: “Senhor, eu sou teu célice, que fards se eu me quebro? Eu sou tua fonte, o que te aconteceré se eu me turvo? ‘Temor me invade” La paura domina gli uomini, dizem 0s italianos. Temem perder os bens, a saiide, um lugar ao sol, a graga dos deuses. Temem que a sorte se mostre mesquinha, que todas as tentativas sejam puros fracassos. Eu diria que todos queremos conseguir e manter determinados bens. Po- rém, viver dominado pela paura é algo doentio, neurético. Vivem domi- nados pela paura aqueles que se apegam demais a esses bens, sendo por eles dominados, Nao sofrem aqueles que estimam e usufruem as gragas da vida sem apegar-se a elas. Esta é justamente a sagesse da vida: supe- rara raiz do desejo - que é pura representagao do ego - para usufruir das gragas da vida. De qualquer modo, o temor - seja na forma do medo ou da ansie- dade - motiva uma série de téticas de conduta; entre outras: a esquiva de situagSes perigosas ou incomodas, algumas formas de duplicidade (a simulagao e dissimulagao de intengdes e planos, a mentira), 0 receio ea desconfianga. E inclusive algumas medidas autoprotetoras - como a pre~ visdio de um futuro incerto, a poupanga, a legitimidade dos contratos, 0 seguro contra acidentes, 0 acetr~ento inteligente da lei, 0 afastamento da sogra, etc. Os fatores motivantes do medo sio varios. Como indicava Bowlby (1973), as causas de uma reagiio de medo podem ser tanto a presenga de uma ameaga quanto a auséncia de algo que proporcione seguranga. A crianga manifesta temor perante a ausén- cia da mie ou perante estranhos e figuras grotescas; Gray (1971) apon- tava que o medo também surge perante a nao ocorréncia de um evento no momento e 0 lugar esperados; eu ditia que neste caso 0 que se expe- rimenta é alguma forma de ansiedade. S6 em casos muito especiais se da a situagao assinalada por Gray ~como sucede na guerra, quando os suprimentos de armas no chegam e o inimigo avanga, entio serio mas- sacrados. Muitas mulheres ficam ansiosas quando a menstruacdo se atra- sa; mesmo quando o filho nao regressa a casa na hora certa as mics ficam com receio de que algo anormal possa ter acontecido com ele. Os homens ficam ansiosos perante a possibilidade de nfo ter um desempe- nho esperado no ato sexual, sobretudo quando anteriormente ja Ihes acon- teceu. Tudo o que se apresente como ameaca meramente possivel nos introduz no circulo da ansiedade. Repito: 0 medo surge perante situa- ‘ges de ameaga sentidas como certas ¢ iminentes; pode ser im como quando a crianga—e alguns adultos- sentem medo na escuridao, O As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 77 medo nos diz que 0 perigo esta na espreita ou jé na nossa frente, como algo presente e factivel. 6. A raiva: sua motivacao e dinamica bisicas “Assim que nossa patroa, a senhora de Pereires, soube da not fatal (a ruina econémica do marido), no perdeu tempo, rumou para 0 esoritério... Eu nunca a tinha visto... (no escritério). Era preciso mesmo uma catéstrofe para ela tomar uma decistio daquelas... Depois de parla- mentar um pouco acabei pedindo-lhe que se sentasse na grande poltrona dos clientes... Recomendei-lhe que tivesse paciéncia, pois o patrio (0 Pereires) nfo devia demorar... Mas ela comegou logo a me fazer mil erguntas! : “Ah! Entéio vocé é que é Ferdinand? Nao é engano meu, nio? E vocé mesmo! ah! Mas entao vocé sabe da tragédi ‘Nao é uma coisa horrivel?... Coitado do meu vanas!... Chegou onde queria... Nao quer fazer mais nada, nfo 6?... Mantinha os punhos fechados sobre as coxas! Aboletada na poltrona, fazia-me passar por uma inqui le quer ficar de papo para'o ar?... J4 se cansou de trabal .Acha que dé para vivermos assim? Com o qué? De rendas? Ie pé-rapado! No tem onde cair morto! Aquele desgracado! dito! Onde & que ele anda a esta hora?” Ela foi a procurar atrés da lojat -Ble nio est4, senhora, __-Com quem? Com o Mi falar com 0 Ministro! de mim, nfo!... Fu conhego aquele patife Ah, essa no! Num bordel pode ser que esteja! Na cadeia, voce quer dizer! Num bar! Isso sim! Ou entdo nas corridas, mas falando com 0 Meteu-me o guarda-chuva na cara.. “E vocé é cuimplice dele, Ferdinad! Ciimplice! Ouviu? Vocés vio acabar na cadeia! E para la que vocés vao com todas essas pat Essas safadezas!... Essas falcatruas vergonhosas!” ( Louis Powinend Céline: Morte Crédito, 1932) ‘A menos que se alcance a iluminagio biidica, tarefa nada fé para um ocidental, me parece dificil evitar a raiva. Varios motivos justi- ficam esse impulso de ataque, caracteristico desta emogdo. Trés grandes 78 As Formas da Sensibilidade - Emogoes e Sentimentos na Vida Humana motivos tendem a provocar sua manifestago: a agressio softida, a frus- tragdo © a injustiga experimentada em came propria —e As vezes, em pele alheia, a) Um dos motivos geradores de raiva ¢ a agressio sofrida ~agres- sto fisica ou moral, atentatéria a dignidade. & quase impossivel perma- necer sereno ¢ trangiiilo quando estamos sendo agredidos. Entendemos que Cristo fosse capaz de oferecer a outra face se jé foi esbofeteado num lado, mas nem o mais pacifico camarada consegue seguir o exemplo cristico. Pelo contrério, julgamos indigna uma pessoa que nao responda a altura quando agredida. Pode ndo reagir por medo de ser ani por um adversdrio mais forte, mas entendemos que o que ela experimen- ta no momento da agressio (insult, humilhagio, castigo fisico) é uma mistura mal diferenciada de medo e raiva. Julgue uma experiéneia muito simples feita com um grupo de estudantes de psicologia. Com o objetivo de avaliar a reagao que provo- ca a incapacidade para experimentar raiva, reagindo adequadamente contra o agressor, lhes pedi para assistir um filme de Werner Herzog chamado Strozeck. O filme narra a histéria de um modesto cidadio nada favorecido pela fortuna, envolvido em uma série de peripécias que 0 levam sempre a apanhar dos outros. Apanha mesmo, seja de seus supos- tos amigos e colegas, seja de sua mulher. O incrivel € que nfo consegue reagir; deixa-se humilhar e machucar, sem mostrar raiva, Qual foi a impressio provocada nos 40 estudantes que viram 0 filme? 80% julgaram que Sirozeck devia ser meio pancado, pois nao diam entender sua incapacidade para reagir como um ser humano sa ‘© é, com raiva, ¢ até com dio. Todos eles nao simpatizaram com sua conduta; o acharam molenga, tonto, covarde, coitado. Os 20% res- {ante tentaram justificar sua conduta pelas circunstncias que o perso- hagem vivia, Sentiram antipatia pelos agressores e tristeza por Strozeck. Ontra experiéncia, Nos anos 70 foi exibido o filme “Serviddo Hu. inspirado no romance de Somerset Maugham do mesmo titulo. (autobiografica do autor) de Carey, um rapaz de boa familia, Por ter um defeito fisico no pé manca de modo ostensivo. Este defeito he gera todo um complexe que se reflete em sua falta de autoconfianga € numa baixa auto-estima, Termina apaixonando-se por Mildred, uma gargonete bastante ordindria, que o menospreza chegando a zombar de seus sentimentos. Apesar de todas as humilhagdes, Carey sempre se Prontifica a servir 4 moga, tentando agradé-la para ver se desta maneira consegue conquist A conduta bastante quista € carente de dig- nidade por parte do protagonista vai progressivamente irritando aos es. ectadores, que terminam por considerd-lo um otério, Finalmente, de~ As Formas da Sensibilidade- Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 19 pois de muitas decepedes, num gesto libertério, Carey deixa a gargone- te. Este gesto de auto-respeito provocava aplausos nos espectadores, Jim todas as culturas se exige e se espera que os individuos (@ ows) que sofrem algum tipo de agressio respondam a altura, seja exi. gindo uma reparagao, seja vingando-se, seja aplicando a lei de Taliao. E uma duestio de honra, no apenas de sobrevivéncia. Nem preciso dizer que se julga como agressio as mais diversas forma de ofensa, Em deter, Iminados casos se julgam as agressdes fisicas de menor importancia, considerando a ofensa verbal mais grave; nfo apenas isso; a deslealdade obrenudo como franca traicdo), o desrespeito, a caltnia, a duplicidads af Quitas formas de agressdo moral, sto passiveis de uma agi dora e punitiva. Quem no reage a i um covarde e como um sujeito sem da pessoa, : Nio & preciso ser agredido de maneira ostensiva para experimen lue estamos sendo desconsiderados e desrespeita- Na procura de um documento no escritério da Sexualizados de um casal num lugar piblico nos parece uma forma aberta de destespeito, provocando-nos uma reagao de ira. Os programas idi {as da TV nos resultam itritantes, pois entendemos que sio um insultea nossa inteligéncia. Talvez ndo cheguem a provocar raiva mas intitagao, ane ¢ um grau menor, ou indignagtio que € a raiva experimentada por uma conduta incompativel com a moral e com as normas in los costumes. b) No texto transcrito acima, é ostensivo que a senhora Pereires G3 fora de si pela falta de responsabilidade do marido, cujos projetos so quase sempre um desastre; al perceber a peca que tem por Tarido, cla esta frustrada ante sua prépria incapacidade para colocar wm limite numa pessoa que a esté levando para a faléncia total, John Dollard ¢ Neal Miller se tomaram famosos por uma tese bastante dbvia, que estabelece que um fator gerador da agressio é a frustragdo (1939). De fato a frustragdo est na origem tanto da ita quan toda agressio - pelos menos de certas formas de agressto. Lembro aqui © ue ja dizia em alguns pardgrafos anteriores: raiva e agressio sao fe. nomenos que podem coincidir, mas so diferentes, pois ha agressdes som qaiva ¢ raivas que no se expressam em agressdes, De qualquer modo, quando nos frustramos, experimentamos uma espécie de raivan Seja contra o agente frustrador, seja contra nés mesmos, Sabemos como surge a frustragio: experimentamo-la quando nfo Sseeeeeeeeeeeeseeeeeeeeeseeeeeeeeeseeewe 80 As Formas da Sensibilidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana conseguimos um determinado objetivo e quando vemos malogrados nossos esforgos. Eo sentimento consecutive e decorrente do fracasso, ou de uma contrariedade que simplesmente impede conseguir um obje- tivo. Nao se pense que & necessdrio um fracasso de vulto para experi- ‘mentar essa espécie de revolta corrosiva; mistura de protesto e impotén- cia, que ¢ a frustragao. HA sujeitos que se frustram perante qualquer obstéculo ou barreira que Ihes impega a passagem. Porque é inverno e Porque 6 vero. Hé outros que lidam com o lixo e as barreiras que obs- truem 0 transito com bastante boa vontade e humor. Os primeiros 830 vulnerdveis demais; os segundos aprenderam a conviver com a adversi. inicio para um desenvolvimento sadio. Raiva tragdio se assemelham, mas no esquegamos que as se distinguem por sua seta intencional, nao importa quo sutil jt. A esséncia da frustragao é ser uma mistura de revolta ¢ impo- decorrente de um fracasso ou da simples excluso de um bem desejado. E um sentimento, isto é, uma atitude afetiva que predispde o sujeito a perceber-se e avaliar-se de uma certa maneira, E um sentimento quando persiste, ficando 0 sujeito sensibilizado pelo fracasso, Neste caso a pessoa tende a reagir com raiva, com extre- ma facilidade, pois deste sentimento para a ira agressiva s6 hi um passo inimo. £ um sentimento ego-assinténico, isto é, perturba e diminui « Pessoa, Existe um teste que permite avaliar o grau de frustrago de uma pessoa. E 0 Teste de Frustragéo, de Rosenzweig. A raiva, como qual- quer emogao, passa, é passageira. A frustragdo é persistente, mais dura- doura, como sao todos os sentimentos. Podemos viver a vida toda carre~ gando certas frustragées (ter perdido um emprego por um erro tolo, nao ter conseguido terminar uma carreira, nfo ter aproveitado uma boa opor. tunidade, otc.), As frustragdes no superadas sao uma das fontes da neu rose- da ansiedade e da depressio. A rigor, do fracasso decorrem varias reagdes possiveis; de menor & maior grau: sensagao de inedmodo, decepgio, frustragdo, raiva (céle- ra, firia), ou santa resignagao e paciéncia. que acontece 6 que 0 ho- mem frustrado tende a ficar mais susceptivel a expressar seus impulsos agressivos, ficando também propenso a erupgées de mau humor. ©) O sentimento de ter sido injustigado gera varias constantes afetivas; todas elas esto associadas a raiva: o ressentimento, o espirito de vinganga, o ddio e inclusive a depressio - que pode ser entendida em parte como uma forma de auto-agressiio, Estes so alguns dos efeitos da injustiga. Hé outros no menos nocivos, que se encaminham pelas vias do temor: o receio, a desconfianga, 0 medo - que sio os componentes imprescindiveis da parandia. As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 81 Todos nés temos um certo conceito de justiga, que vamos adqui- indo paulatinamente no percurso do desenvolvimento, Um componen- te basico deste conceito é que temos direitos e deveres similares aos dos individuos da nossa mesma categoria ou agrupamento. So usufruir dos mesmos bens ou de um tratamento similar outorgado a nos- sos semelhantes. Assim a crianga percebe se esté sendo tratada com justiga em relago a seus irmaos, se goza dos mesmos beneficios e deve- res que eles. ‘Nao apenas no circulo familiar vamos pereebendo se reina ou nao © senso da justiga. Logo aprendemos como se dao as coisas na escola, na i ihanga - que s&o os quatro lugares habitualmente freqiien- tados pela maioria da populagao. A rua, o clube, a fabrica, o escritério, as casas dos parentes, estes so lugares de estar para uma certa porcen- tagem da populagio jé desde a infancia. Por muito ingénuos que seja- mos, nem sempre observamos nestes lugares 0 exercicio correto da jus- tiga. Nem sequer no seio do lar, onde se supde que o amor parental oferega as dirctivas corretas para sermos justos. Vemos e comprovamos ‘que nossos pais tém suas preferéncias, que gostam mais de um irméo e menos de outro, que repartem prémios e castigos de mancira desigual. As vezes a conduta dos pais nao adquire esta fei¢ao, Pode ser pior; pode manifestar-se como rejei¢&o, franca ou encoberta - 0 que é também uma outra face do injusto. Se no circulo familiar nos deparamos com a inigiiidade, ainda com maior facilidade a encontraremos nos outros circulos. E possivel que apenas seja ocasional e leve, disfarcada inclusive com os enfeites da mera casualidade e do mal entendido; entio seus efeitos so menos nocivos; perdoiveis e esqueciveis. Mas também acontece de no dar para esquecer nem perdoar. E 0 que me refere Virgilio: “Em casa viviamos num clima de revolta, de raiva e de medo, O filho da puta do meu pai sempre estava apror uma, Eram agressdes constantes, especialmente contra minha mi ndo 86 contra ela, também contra nés. Meu irmio do meio 0 odiava *Sanguessuga degenerado, nao trabalha e ainda come nossa comida, bri- ga e bate na gente’. Eramos pobres e o sacana nfo trabalhava. Vivia a nossa custa, trangi nds tinhamos que nos virar de qualquer maneira. Fazendo bicos, todos éramos criangas; eu tinha uns 6 ou 7 anos quando percebi mente qual era 0 quadro de nossa fami inha mie costurava o dia todo; a avé nos ajudava, pois tinha uma boa situagdo. Mas éramos cinco bocas ¢ aquele sem vergonha comia por dois. Tudo seria aceitavel se ele fosse pacifico ¢ de boa vontade. Mas no, exigia. Tinha que ser tudo a smente, sem importar-se com nada. Minha mie e jue 82 eee rive, comida, roupa limpa e até silencio, pois o beleza gostava & cr livtos esotéricos (de astrologia, cabala, numerologia). Até hoe detesto este tipo de literatura, pois esta Tes que meu pai dizia possuir gracas a essas. tinha era viver como um Parasi poder!” “Quando via como era a vida do pessoal da vizinhanga eu me Tevoltava. As outras criancas tinham pais responsdveis, que trabalha- vam ¢ se preocupavam com a manuteng&o da casa, Dava-ine ve Tgonha quando mie perguntavam o que ele fazia. Geralmente mentia; dizia que Sanhava a vida dando palestras - pois as vezes era convidado para pales, {2s na escola, numa igreja protestante ou em outros lugares (inclusive em enterros, para despedir o defunto). Alguma coisa ele ganhava, mas Bastava em seus livros ou bebendo com outros esotéricos no melhor Ponto do bairro, pois ele vendia a imagem de um homem de boa familia E éramos, s6 que arruinados, na pobreza”. * As vezes eu 0 detestava. Nur como costumava fazer meu irmio, desaparecesse, ‘Senhor abusa de nés, Nao permi tirando nosso sustento’, agdo como profundamente Sem querer dramatizar, isso é 0 que se chama sobretudo quando sofridas no inicio, xam prof las amarg. na infancia. Via de Tegra, d¢ quem passou por essas peripécias, O com mais de 40 anos, continuo per- Suntando meu pai “por que vou8 se importou to poco conosco, por que foi tio sem alma, deixando que nos virassemos na dureza, mostine dlo-se agressivo e sem considerago? Por que semeou a migoa eo tea, sentimento?* Ha outra formas de injustiga, além da oriunda da familia e dos dcterminismos econdmicos - que privilegiam uns e condenam & precare edade material outros. Existem também as injustigas oriundas ae nar reza, talvez mais terriveis que as que sofremos como efei humana. Deficiéncias fisicas e mentais, doengas créy litas, eagit com ira; isso depende de nosso temperamento e da avaliagio da fittacao ameacadora, Passado um certo limite, também o medo pode transformar-se em raiva, e até em fliria espantosa. Num primeiro mo, ‘mento posso acovardar-me diante de um agressor mais forte; desculpar. € uma emogao normal Provoca. Em certas ocasides d te quando adquire as Ek indignagio perante um ato ou espetéculo Yomednne intolerivel, Foi o que aconteceu com Jesus, que so indignes a ct onto frente ao destespeito dos comerciantes, que os expulsou chines das portas do templo, Sentimos indignagao quando sofremos cx Presenciamos um ato injusto ou incompativel com nosso senso moral. Amitide nos indig- mung opr radce 28 Yariadas formas de injustiga c de imoralidade wie quuns em todos os sistemas sociais, mas especialmente gritantes no mundo contemporaneo, ndo uma determinada se- 's comum pode ser exposto da maneira se. 86 As Formas da Sensibilidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana nilo desses infelizes trangiiilos. Depois mudei; continuo sentindo-me desgragado, mas tento disfare>~ tento ser bom amigo; ser um fulano Prestativo, sem complexos. Sou um baixinho simpatico, como diz a tur- ma. De que outro modo poderia ser? Andar mostrando por ai que nao detesto meu fisico, que nada pode compensar minhas ia ainda mais ridiculo, Tenho uma boa posigao econd- que nem sequer tem um pénis que compense sua aparéncia me voeé, que mulher iia gostar de alguém como eu? Diga- tar consolar-me. ~ Por acaso seu pai, tio parecido com voc8, no conseguiu uma mulher, sua mie? Otha-me com a expressio de crianga desamparada Encolhe-se no sofa, chora. Jadir ¢ atormentado por um complexo de sentimentos negativos, gue 0 colocam no cfrculo da neurose, Tem oc: surtos de ira con- tra o pai ¢ contra o mundo, mas sua vivéneia ja ultrapassou as fronteiras da emogio ¢ se transformou num sentimento - isso que chamamos res- sentimento, neste caso, principalmente contra o genitor. Insistindo no que jé escrevi anteriormente, esclarego que uma emo- 40 & uma reagdo momentinea perante uma situagdo envolvente; ¢ um sentimento supde que o sujeito estabelece um laco, negativo ou positi- Yo, coin um objeto ou pessoa. Como veremos nas paginas seguintes, uma emogiio, momentanea Por sua propria configuragio an{mica, pode devir um sentimento, A rai- va ou o medo surgem amide diante de situagdes comp Que tenham maiores conseqiiéncias posteriores. Mas tamb: efeitos duradouros, gerando n patia © avers, no caso da ira, e de receio medroso (e inclusive f6bico) no medo. 7. Aspectos sintomaticos das emogdes O que entendemos por sintomitico, no ambito do psicolé; precisa ser esclarecido segundo seja a drea que nos interesse examinar, De qualquer forma, o sintomético nao é entendido simplesmente como 5 OCT irantes, ou quando apresenta uma conduta es- do esquizofrénico. Na area dos sentimentos podemos afirmar que um afeto é sinto- As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 87 mitico, quando é conflitante ou acentuadamente perturbador, num sen- tido negativo, do fluxo vivencial (nos citimes, no édio, na culpa e ou- tros). Mas este critério nao nos serve em relagio as emogdes, pois as emogdes bisicas (medo e raiva) sto perturbadoras em si mesmas. A alegria, igualmente uma emogao elementar, pode ser excitadora, pueril e inadequada, mas raramente se exibe como algo anémalo - salvo , onde o sujeito mostra uma alegria extravagante, € sem motivo (a moria é um estado afetivo que se apres: {tes com lesdes do ldbulo frontal, na paralisia geral e nas psicoses Quatro indicadores nos proporcionam pistas dignas de considera- do para uma avaliagdo do catater sintomatico da emogdo: 1 - Quando 0 sujeito se entrega a emogao na forma de medo ide faceis; 2.- Quando nfo correspondem & situago ameagado tece nas fobias; i 3 - Quando a emotividade se impée ao sui de e freqiiéncia que nao corresponde a faixa etdria: hiper-emo! ow apatia, i 4 - Quando 0 sujeito nao sabe lidar com suas emogdes, pi mente a raiva, ¢ elas se convertem em manifestagdes psicossor 8. Aspectos sintomiticos da emogao: as emogies de medo ¢ raiva oriundas de uma predisposi¢ao vivencial prévia. a) a irtitabilidade constante : ~ A raiva se transforma num sentimento difuso de efervescé corrosiva quando 0 sujeito a vive na forma de uma itritabilidade c lade se encontra a frus fadiga facil ¢ ansiedade. 3 Nos periodos de intensa ansiedade - reativa ou neurética - algu- ‘mas pessoas caracterizam seu comportamento por uma irrital que se expressa perante a menor provocagio ou barreira. Neles existe revolta e frustragao, além de uma marcada tendéncia a pér para fora sua lade. Nos casos extremos podem chegar aos piores abusos até o crime. ze Zampané, a personagem de “A Estrada” (0 fi ‘nos mostra bem essa conduta. © mesmo constatamos no assassino vio- 88 As Formas da Sensibitidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana » que liquida 4 pessoas de uma mesma familia num ato de raiva, Gonseqiiente de uma frustragao, na obra de Trumam Capote, “A sangue fr lds, inspirada em fatos reais de um vilarejo de Arkansas), era psicopata; ambos carregavam a morte na alma; is, ali onde se sobrevive sempre que Se renuncic a dignidade e a benevoléncia. No filme de F € uma espécie de artista popular, que ganha a vida exit fisica de cidade em cidade, em lugares publicos (pragas). E um sujeito a sive mata outro colega, sem razio su: apenas vive na raiva e na frustragdo. E um individuo imples, com dificuldades para conter seus impulsos, sua companheira (primeiro a abandona) sente todo ldo. Termina chorando como uma erianga desampa- ada, sozinho, numa praia deserta. Na depressio € comum que a pessoa tenha reagGes de célera e de agressividade, em especial contra as pessoas de seu circulo afetivo mais proximo-familiares, esposa. Isto é igualmente compreen mos que a depressio j4 6 uma forma de aut taiva equivale a descarregar e vomitar o que est Mas niio precisamos ir tao longe. Ha individuos facilmente inrita jue estouram pela menor provocagio; so conhecidos como ct Tustragdo, cansago e desgostos acumulados, sio ingre: 's para tornar um pacifico cidadao em alguém nada tole intoxicando ao sujeito. cos supe- a0 que tudo ira caracterial psicopatica - no caso do psicopata © agressivo - ou em determinantes neurofisiolégicos - nos su. jeitos epileptoides, © psicopata agressivo goza de uma certa fama nas ruas da opinifio publica. Nao ¢ insdlito que a midia ventile algum crime atroz ou algum ato de violéncia, com requintes de crueldade, protagonizado por esse tipo de agente. De fato, uma percentagem nada desprezivel de individu. ‘os ¢ cruéis entram nesta categoria. J4 0 classico Th. Ribot (que logia dos senti- em 1896) observava que na ira ha um elemento de prazet, ironii inteligente de agressio; e con- m toda raiva se expressa As Formas da Sensibilidade - Emogées ¢ Senimentos na Vida Humana 89 Participagio m: nados casos isto é, destrutiva contra Entrevistado por uma rede de se torna quase compreensivel seu Siig? uma méquina mortifere. Observar sua postura, olhar, seu modo de i £m nenhum momento, durante todo o tempo que durou a entre- orenbrace Comem sorriu ou teve um gesto minimo de simpatin paracom tants tine) que diga-se de passagem, soube levar as pesquisag een hon Wo cent) Panos a impressio de que jd perdeu qualgucr conta osi- Oreos ognano. Sério, tenso, arisco, musculoso, inguictor Exbressa 0 durdo implacdvel. Sei olhar era semethaate co ae h curando sua presa, gumas (atuagens; Lemos numa delas: "Mato por praze” Indagado so- bre este ponto, ratifiea com o mesmo tommneutto, frre ne muito simples, é vocé ou el 90 As Formas da Sensi responde: normal, como todo o mundo. O jorn; mundo? O preso ratifica: sim, normal, ist6ria; muito pouco. Filho de mie ao parecer pouco afeta & Resultado © pai que entao teria uns a to o pai fugiu, Pensa fugir da prisio, achar seu genitor e cumprit sua promessa, Com estes dados se toma compreensive nalguma medida, 0 pro- Je fundamental dessa criarura? Fort, musculoso, abandoned ore cendo de maneira Precoce todas a: las as formas de lénciz apenas o mais forte sobrevive, sem nenhum ponto de spre ee de apoio afetivo - nem de parentes, nem de is terconhecido Dee Trg Chutra open rae ein de arnigos, som jamais er conhecide Deus, Tina Este homem carrega trés cadave i fi eres de do pai - motto antecip: oe ‘iteando sua liberdade. £ provavel que tenha si dvogado para dar uma boa impressio, Alega que sempre liquidou ‘ Simate oy crn espécie de justiceiro, que inclusive seu primer © assassinato foi provocado por uma reagao de indi aballoe de pee por Seu Pai. Mas adverte que continuars farendo soe slo de ante axia, matando mais criminosos. Contudo, sua expres- “animal solitétio, alheio a qualquer contato, no tem mudaas, aconselhado por bya 4 ) a medrosidade constante (como expresso de uma ansiedade bé- A medrosidade é facilmente confundivel i indivel com a ansied: 7 ssiguem nos informa auc anda com moda de tudo, sent po sta acontecendo, nos est4 expressando que estado generalizado de ansiedade. Desta fc ontectnen eee | As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 9 A pessoa medrosa geralmente é um ansioso que reage com um movimento de fuga ¢ de resguardo perante qualquer situagao nao fami- liar ou que ‘que seu repertério de res- postas habituais, Trata-se de um ansioso com tragos infantis, que preci- sa de apoio e ratificagao freaiiente para que se sinta tranqiilo; tende a exagerar as dificuldades, vendo empecilhos em obsticul 0s. Também no ansioso min seguro (sem tragos infantis) aparecem me- dos diversos, nas circunstncias mais corriqueiras; isto se acentua nos periodos de crise, quando ele pressente arcias movedigas ¢ 0 solo escor- regadio. Basta um simples sinal irregular em seus circuitos de transito para que ja vislumbre o a , 0 perigo de uma coliso, a queda O chamado da campainha numa hora inesperada 6'deixa com as an em pé, temeroso de uma visita desagrada as piores intengSes, Um simples trote plo telefone o leva as mais inqui- etantes conjeturas; uma viagem interurbana Ihe sugere toda classe de precaugdes para evitar supostos percalcos, Insisto: todos estes medos delatam a ansiedade, que se concretiza assim no temor de intimeras situagdes supostamente ameagador sujeito experimenta inclusive boa parte dos concomitantes fisio do medo (aumento das palpitagdes cardiacas, aumento da pressi transpiragao, etc.) ‘ Na angistia, que entendo como o grau maior da ansiedade, como © naufrégio da existéncia em seu proprio abismo, pode acontecer um ataque de panico. Sartre descreve muito bem este momento de A\ Requentin, o personagem de “A Néusea” : “Apoderou-se de mim um verdadeiro panico. Jé nao s ir, Corti pelas docas afora, entrei pelas ruas desertas do bairro Beauvoisis; as casas viam-me fugit com seus olhos sem brilho. Repetia para mim mesmo com angiistia: para onde é que hei de ir?, para onde estou indo? Tudo pode acontecer, De vez em quando, com 0 coragio a bater, dava bruscamente meia volta; que se passava nas minhas costas? Talvez a coisa comegasse por tras de mim e, quando me voltasse, fosse ja tarde, Enquanto pudesse fixar os objetos, nada se passaria; olhava todos os que podia, pedras do chao, casas, candeeiros a gas; 03 meus olho: rapidamente de um para os outros para os surpreender e os deter a mi de sua metamorfose. Nao estavam com um ar eu dizia com forca, para comigo: é um candeeiro, é um marco font e tentava, pelo poder do meu othar, reduzi-los ao seu aspecto co! Varias vezes encontrei bares em meu caminho: 0 Café dos Bretdes, 0 Bar da Marinha, Parava, hesitava diante de suas cortinas de tule cor de rosa; talvez. estas salas bem calafetadas tivessem sido poupadas, talvez 92 As Formas da Sensibilidade - Emogoes e Sent ientos na Vida Humana Gontinuassem ainda uma parcela do mundo de ontem, isolada, esqueci- «la. Mas era preciso empurrar a porta, entrar. Nao me attevia; ¢ contina: ava assim a corrida, As portas sobtetudo, metiam-me medo. Receavas ue se abrissem sozinhas. Acabei por andar pelo meio da tua”. (pig, ) Nido se pense que o pardgrafo transcrito é um mero exercicio lites ‘0; € 0 que experimentam os que passam por longos periodos de Eram os medos de um Sartre quando comegava sua carreira de escritor, ainda uma voz sem palavras. Nessa obra ele consignou suas 1as descobertas sua procura de um sentido que ase sua vida do naufragio e seu desencanto irremediivel. Ali esta o Com a penetrag: do de ocast mundo que desliza perpetuamente para horizontes ¢ Rilke nos revela as feigdes que adquiria por vezes nO quinto andar, ¢ meu dia, que nada in- 'gio sem ponteiros. Uma coisa hé muito per- aa jazer no seu lugar costumeiro, poupada ¢ is nova do que no tempo em que foi perdida, lada por alguém: assim jazem sobre meu cober. for coisas perdidas na infaincia, ¢ tudo é como se fosse novo. Todos os medos perdidos esto novamente aqui © medo que um pequeno fio de 12, que se destaca na beira do Cobertor, seja duro, duro e afiado como uma agulha de ago: medo que gsse diminuto botao do meu pijama, seja maior que minha cabega, gran. dee pesada; medo que essa migalha de pio que agora cai de minha sama chiegue lé embaixo vitrea e despedagada para todo o sempre. Medo que a borda de uma carta aberta seja algo proibido, que ninguém deva ver, algo indescritivel e precioso, para o qual no ha lugar bastante seguro neste quartinho; medo de que, adormecido, eu engula o pedaco de car. vao que jaz diante do aquecedor; medo de que algum nimero no meu cérebro comece a crescer até nao haver mais espago em mim; medo de Estar deitado sobre granito, um granito cinzento; medo de gritar e de que as pessoas se reunissem diante de minha porta, finalmente a arrombas. sem; medo de que eu pudesse me trair e medo de no conseguir dizer alguma coisa, porque tudo ¢ indizivel; e os outros terrores.. terrores, Rezei pela minha infancia e ela retornou; fo que ainda 6 tao As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 93 dificil como outrora, e que nada adiantou envelhecer” (pag. 40). Medo de que um diminuto botdo seja maior que minha cabeca. Medo de que algum mimero no meu cérebro comece a crescer até. Medo de que eu pudesse me trair e medo de nao conseguir dizer coisa alguma, porque tudo é indizivel. Aqui o medo ja trilha 0s roteiros do delirio; do delirio iluminado de quem teme se trair, sabendo que nos traimos em cada esquina, em cada encruzi io de que no hi nenhum instinto que preserve a vida de sua propria destruigao e finitude, Contudo, ainda é um delirio Nicido, feito de descobertas sombr as, oriundas da estranheza que provoca o mistério ¢ 0 absurdo qi subjazem por tras da tranqilila fisionomia das coisas. Corresponde ap. is a um momento de revelacdo; revelago de que a existéncia é s6 um breve fuulgor de luz entre o ser e o nada. O medo de Antoine Roque corresponde a uma reacao de panico, sindrome téo em moda hoje, Os medos de Rilke sio absurdos, desvarios da imaginago; so parecidos com os medos infantis, alguns dos quais persistem na idade adulta (me da escuridio, que leva ao adulto a dormir com luz. O medo a estranhos, que se prolonga na idade adulta como acanhamento e receio de situa. Ges sociais,) O medo parandide jd se movimenta no plano do terrivel. No est do parandide - na fase do delirio persecutério - o agente sente que ja no hd amparo contra a hostilidade do outro; apenas distingue trés tipos de pessoas; os , que ignoram o drama sinistro que se trama por algumas entidades malévolas; os ciimplices, que se fingem neutros; ¢ os inimigos, cujo objetivo unico é destruir, prejudicar e inclusive assassi- nar ao sujeito. Toda a atividade da pessoa neste estado se centraliza na tarefa de escapar, evitar, defender-se ¢ também atacar a seus persegi dores. Sente-se num estado de guerra sem trégua possivel, onde o ini g0 esta a espreita de qualquer oportunidade que facilite seus propésitos ‘malignos. Nao ha lugar suficientemente seguro; num primeiro momento do processo, 0 sujeito pode achar um amparo provisério na sua casa, talver noutro lugar que até Ihe oferecia resguardo - uma igreja, um re~ canto retirado do piblico, Mas ao final, 0 mundo todo estard corroido pela ameaga sinistra, Akira é um nissei (2) de 25 anos; engenheiro, trabalha no | departa- a 94s Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana mento de computagio numa firma nipénica em Sao Pz Companhia de um colega num apariamento; vez per ooh wee pais no interior do estado - camponeses simples, fechados om ni mens mos, fon nos es © na palavra; distantes nos afetos. ja Sob pressiio de seu chefe, que o tem percebido meio esquisi evasivo demais, Akira me pede ajuda. Coloca com mui dificeldade due Ihe esti acontecendo. Desde a primeira consulta olha com certo reccio o ambiente do consultério; deseja obter algumas informages do ferapeuta; no esté seguro se pode confiar o que Ihe est ovonendcs auem quer que seja. “Sei que é anormal o que estou sentindo, mas tenhe cerieza que alguns fulanos da firma estio me prejudicando. As vezes Penso que é pura imaginagao minha; talvez meu eétebro ndo esteja fun- cionando bem; nao consigo dormir bem, acordo varias vezes na noite, tenho pesadelos; fico acordado, com a sensagio de que alguém entrou aorPartamento ¢ esté esperando que eu durma para matar-me, talves abrindo o gas da cozinha, talvez afogando-me com uma almofada, Pec 6 uma idéia maluca, Dr., ou algo que pode acontecer? Tenho que fechar 8 porta do quarto com chave, ainda assim nao fico trangiilo; oasearving Pode entrar com outra chave; preciso encostar o criago mudo; ultima- nenfe deixo uma faca debaixo da almofada, assim poderei defendetme Dé olhadas de soslaio; examina-me com certo receio, Akira é ano Veste-se de maneira apropriada; diz-me que vacilou muito an- A ere ett & consulta; ndo gostaria que seus colegas, muito menos 1 chefe, ficassem sabendo do que esté se passando com ele, Nae ses Fe dese eam daquela turma, Suspeita que so um bando de invejo. ‘08, desejosos de ocupar seu posto, sempre dando risadinhas o mages A socapa. ae “Sei que no gostam de mim; antes eu néo i : antes Pensava assim, mas na Sei que todos esto procurando algum ganho & custa dos outros: ; xlos querem 08 favores do chefe; todos o bajulam ¢ no finde 6 detes- m. Eu ascendi répido, me entende? Isso nao engolem, © SS. sentiu a inveja Jd sentiu como todos queers (enka na oan momento), querem tirar proveito das fraquezas ¢ erros dos oulreg? < Que proveito querem tirar de vocé, Akira ?- The indago. Levanta-se da cadeira, vai até a porta, verifica se est fechada: parece fenso ¢ algo agitado; em vez de responder pergunta-me se j ter: Iminou a consulta; nfo, temos (. “0 tempo que for necessirio. Lhe wen, {to @ cadeira. Senta-se na ponta, um pouco como equilibrando-se. Re i= toa pergunta. As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 95 ~ Nao sei, querem ocupar meu posto; querem ver-me fora da fir- ma; querem manchar minha honra. - Como esto querendo manchar sua honra? Levanta-se; diz que precisa ir embora; marcard uma outra hora na préxima semana, Examina os livros na estante; é notério que esta nesse momento sob os efeitos do medo parandide. Deixa o liyro; de longe me faz um sinal de despedida. O alcango na porta, Quero indicar-Ihe o en- dereco de um psiquiatra; precisara de algum médico que o trangiiilize com medicamento adequado. Esta num periodo critico e ha remédios eficazes para neutralizar certos medos. Se quiser voltar ¢ s6 confirmar um horério. Voltou a quatro sessdes no lapso de trés sertianas. Dey ma sesso, 0 psiquiatra recomendou 0 seu pois estava precisando de um tratamento vigiado. Resumo seu depoi mento, complementando-o com alguns dados proporcionados por seu colega de apartamento, que o tratava nestes tiltimos dezoito meses, co- nhecendo inclusive os pais de Akira. Akira comegou a evitar a ingestio de alimentos; primeiro no res- taurante da firma; depois noutros lugares. Suspeitava que a comida pu- desse estar envenenada. “Eles esto querendo liquidar-me; simulo co- mer 0 que me server no restaurante, s6 para despisté-los; tém que pen- sar que no percebo nada, para que assim se tomem mais abertos em seus planos. Quero saber se Morikoto o cabega de tudo; quero saber se meu chefe também faz parte do grupo que quer eliminat-me. ~ Por que estariam querendo climiné-lo por envenenamento, Akira? Olha-me com desconfianga; examina os quadros da sala; tespon- de-me com uma pergunta; quer saber se conhego seu chefe; ndo, nunca falei com ele; mas ele conhece 0 Sr., como pode ser? Ele falou muito bem do Sr, sinal de que deve existir algum relacionamento entre os dois. Compreendo: Akira esté suspeitando que talvez eu faca parte do bando inimigo. Procuro trangiiilizé-lo. O chefe deve saber de mim ape- nas por meu trabalho profissional. Repito a questio do envenenamento. - Eo procedimento mais facil; pode ser feito de maneira gradual; a gente s6 sente dores de cabega, vomita, se anuvia a vista. Depois di- zem que foi apenas um acidente. Tudo fica como algo natural, me enten- de Seré que seria melhor deixar a firma? O pior é que estio querendo emporcalhar minha honra; se eu saio agora dirao que fuji porque fui eu quem violou a correspondéncia. O Sr. sabe, a correspondéncia... Fica olhando-me, como que esperando minha reagao. Nao, nao sei da correspondéncia. ~ O Sr. no sabe mesmo? Meu chefe nio Ihe contou que alguém 96 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana violou a correspondéncia confidencial? (9") O Sr, sabe que fazer isso 6 criminoso. Houve uma reunido urgente. Alguém da casa fez isso. Assim Que soube pensei que tudo isso ia sobrar para mim. Eles iam colocar a culpa em mim. Nao falaram nada, mas notei que me davam olhadas de soslaio ¢ que entrelagavam os dedos das mos, como dizendo, é ele, 0 Akira. Ao final nao agiientei mais. Tinham que parar com esse teatro. Era indtil que andassem com meias palavras, 0 que estavam tentando cra incriminar-me; Antes que terminassem a reunio sai, cheio de rai- va.(10") Eu ndo era um ladrao, cu no era agente de outra firma compe- tidora, eu ndo queria conhecer os segredos de ninguém; eu queria paz.” A partir daquele incidente, Akira comegou a faltar ao trabalho. Segundo Sérgio, seu companheiro de apartamento, sempre havia sido timido e reservado, mas nestes iltimos trés meses se mostrava esquivo e desconfiado, com ele e com todo o pessoal da firma. Pensava que 0 rompimento do noivado 0 tinha afetado demais, pois parecia bastante igado com sua namorada, mas ela preferiu viajar para 0 Japao, recusan- do assim 0 casamento. As coisas se agravaram mais ainda quando uma colega de servico tentou ajudii-lo, aproximando-se carinhosamente dele. Era uma moga casada, que agiu apenas para aliviar a evidente dor que Akira experimentava em razio do rompimento do noivado. Mas o nissei nao interpretou o gesto da colega nesse sentido. Pensou que se tratava de uma manobra para desqualificd-lo moralmente, A moga era uma isca para que ele agisse como safado, transando com uma mulher casada, Desde entdo os colegas entenderam que Akira no era normal, que pre- cisavam tomar algumas precaugdes para evitar mal entendidos e confli- tos. Contudo, apreciavam seu profissionalismo, seu carater introvertido, sua dedicago por inteiro ao trabalho. Por hora quero caracterizar apenas sua vivéncia tal como ele mes- ‘mo a expressou nas quatro sessdes. ~ Sua timidez, desconfianga e sensibilidade: “Sim, sempre fui fe- chado com as pessoas; japonés é assim, fala pouco; assim era em casa; aliés, meus pais nao falam bem o portugués e a gente nao aprendeu japonés (cram dois irmios); entio havia ainda menos comunicagao, me entende? Pai japonés é autoritério, manda, nao ha discussdo. A gente vai ficando calado, por temor de entrar em atrito com os maiores; eu come- cei a falar mesmo foi na Faculdade; um pouco mais, néo muito. La na Faculdade era dificil o contato. Pessoal gostava de fazer brincadeira, se podiam fazer gozagao ¢ escarnio da gente, faziam trangiiilamente. Eu sou um homem simples, criado no campo; eles cram filhos de gente rica, com maiores posses, mais... mais autoconfiantes, me entende? Nao era facil ld tampouco; mas agiientava, agiientava porque queria ser alguém, As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 97 ndio um homem da roga. A gente da roga 6 boa, mas nao é apreciada; pelo contrario, € desprezada; eu no queria ser como meu pai, um sim. ples caipira, Queria ser como meus primos, gente da cidade, engenhei_ Tos, comerciantes respeitados. Desde que conheci meus primos notei a diferenca, era pessoas distintas. Eu seria desse jeito, nio um homem grosseiro da roga, me entende? Posigio social é tudo na vida; dai se origina o respeito, 0 valor ¢ o poder da gente, Por isso agora tenho que defender-me dos que estio tentando me afundar na porcaria, Sempre ha gente assim, que quer emporcalhar o bom nome da pessoa decente; em todas as partes acontece isso, no é verdade doutor? Eu diria que este é © quadrinémio do cardter pré-parandide: - Timidez; ~ Descontfianga do outro (¢ falta de autoconfianga); ~ Hiper-sensibilidade (em conseqiiéncia, maior vulnerabilidade), - Altas aspiragées. Agregue-se dois componentes mais a esse quarteto bisico e tere- mos um episédio de tipo psicético persecutorio. O primeiro é que exista no individuo uma historia de injustiga - que de fato tenha sido injustigado de alguma maneira. Nunca encontrei nos casos examinados por min uma tinica pessoa que escapasse a esse fator negativo. O segundo com- Ponente é que existe um elemento desencadeante: um fracasso, uma decepeao, um confronto ou conflito declarado, com algum personagem de seu ambiente. inda agregaria um outro fator: uma necessidade acentuada de autovalorizagao ¢ de afirmagao de sf perante 0 outro - que em muilos casos se relaciona com isso que desde os tempos de Adler se conhece como complexo de inferioridade. Desta necessidade de autoafirmagiio - {taco nitidamente egéico ~ e da frustragdo decorre sua agressividade, Pronta a disparar em situagdes que o deixem por baixo, ~ O cfreulo do medo: “E como viver no inferno, sabendo que niio hd ninguém verdadeiramente amigo. Eu pensei que o Sérgio era um cara Dacana, que era meu amigo; que meu chefe era uma pessoa imparcial, incapaz de maldade. Nao é assim. Todos querem seu proveito, sem im. Portar-se se tem que ferrar o vizinho, 0 colega”. “34 no consigo comer nada, tampouco em casa; quando estou com muita fome vou a uma lanchonete o mais longe possivel, ¢ ainda assim com muitas precaugSes. Eles podem seguit-me, podem interferit subornando ao cozinheiro, ao atendente”, terrivel viver assim; sinto-me como quando tinha uns dez anos © uma tormenta me pegou em pleno campo; os raios caiam a meu lado ¢ cos de fobias, Ante um cio raivoso é normal sentir med. 98 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida ‘Humana eu Comria tratando de chegar até a casa mais préxima para encontrar um ‘efisios parecia que nio chegaria nunca até Id; chotava © prtave por Soeerro mas nao hava ninguém para socorrer-me. Assim vieo hele me gindo dos {aios, numa tormenta que ndo acaba nunca’ A wamada sindrome de pdnico & uma erise de ansiedad 2 £ m Feaaiseata na forma de medos diversos. De acordo com a caracterieaeas cain ele, DSM-1V (1994), a maoria dos sintomas deste quae ip Ss fisiolégicas. Dos 13 sir indica a SataoobesSelolbg sintomas indicados 10 sao de natureza 1) palpitagdes ou ritmo cardiaco acelerado; ae em abalos; 4) sensagées de falta de ar; ‘or ou desconforto tordcico; 7) néusea ou desconforto abdominal; GGauAses de tontura,instabilidade, vertigem ou desmaio; 9) paces Be Gost ou sensagdes de formigamento); 10) Calaftios ou ondas de calor; 11) sensagio de irrealidade (desrealizacao); 12) medo de perder 0 contale ou enlouquecer; 13) mao de morrex ‘tata-se de individuos -guro-ansiosos ensos Tr a intensas re- agées fisiologicas, geralmente inibidos na sua ances famocianal: © 2) sudorese; 3) tre- 5) sensagdes de asfixia; 6) 9. Cardter sintomiitico da reacio emocional: as fobias 2) Medo comum e reago fébica Até aqui me referi a emogdes sintomaticas oriun sposi¢ao vivencial prévia, seja dominada pela ansi \da por tragos caracteriais altamente conflituantes, \das de uma pre- iedade, seja domi- n suar frio quando se tem que 11 sentir-se em pnico quando se anda sozinho na seme bisamente freatientada por outras pessoas, sio exemplos tip Reagir com medo perante uma situagio petigosa nfo é algo fobico, 10; andar por uma rua reconhe- As Formas da Sensibilidade - Emocdes ¢ Sentimentos na Vida Humana 99 cidamente freqiientada por malfeitores e batedores de carteira, num bairro perigoso, provoca receio justificado. ‘O que chama a atengdo no medo fobico é seu carater irracional - nio guarda relagdo com o suposto perigo - e 0 intenso efeito emocional que provoca no sujeito; a intensidade do efeito geralmente o deixa fora de si. Ha ainda um terceiro elemento inerente a fobia: leva o sujeito a uma conduta evitatéria, tio evitatéria que a pessoa nao gosta sequer de pensar por um instante na situagdo ou objeto gerador de seu mal estar. Uma coisa é, obviamente, desgostar de certas situagdes-estimu- los; outra experimentar fobia. Uma barata é um bicho desagradavel; sentir nojo ¢ logo querer esmagar este inseto é inteiramente compreen: vel; nfo ha nada fobico nisso. Sentir desagrado niim elevador cheio de gente é igualmente entendivel; nada sintomatico. Torna-se sintomatico quando o agente se nega a entrar neste artefato sob qualquer condigao. b) _ Fatores geradores da reagao fobica - A maioria das reagdes fobicas so geradas por condicionamen- tos aversivos, isto é, por experiéncias originariamente trauméticas - que provocaram uma forte impressio de medo, ansiedade ou desagrado no individuo, Esta ¢ a origem mais freqiiente das fobias a cies, ele dores, avides, sangue e outras. De qualquer maneira ¢ conveniente reter aqui 0 principio dialético da totalidade: nao basta Ter softido um even- to traumético para experimentar uma fobia persistente. Depois que se ficou fechado por um par de horas num elevador ou vocé acordou uma noite qualquer pelo movimento de uma lagartixa na suas pernas, é com- preensivel que passe um tempo com notério receio de elevador e peran- te o bicho. Mas uma coisa & experimentar receio e outra é sentir fobia. O receio logo vai passar; a fobia nao. Neste caso é preciso examinar 0 todo ~c0 todo da pessoa é justamente sua personalidade. Sem algum fator da personalidade, tipo predisposigao para a ansiedade ou uma inseguranca basica, dificil justificar uma reagdo fobica crénica, prolongada. ~ Algumas fobias sio a sintese simbélica da ansiedade basica do sujeito, que assim condensa num determinado objeto ou situagao os sen- timentos negativos que o afligem. Os medos expressados nelas so a manifestagio da ansiedade e dos conflitos que dilaceram o individu. Todas as fobias relacionadas com o espago emergem desta ori- ‘gem: agorafobia, claustrofobia, vertigem (medo de altura), espacos obs- curos. ‘Nao é demais observar que esta distingdo quanto as origens nem sempre se cumpre, muito menos com respeito ao objeto fobigeno. Lem- 100 As Formas da Sensibilidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana bro-me aqui de Iracy, uma mulher de 50 anos, que sentia verdadeiro horror de formigas; tal era o grau de sua inquietagdo ante este inseto, que tinha chegado ao extremo de vender uma casa de sua propriedade, depois de constatar que estes himendpteros eram inextinguiveis; prefe- iu vende-la a prego de sucata a ter que conviver com estes seres diabo- licos. Certamente esta senhora (alias, esta solteirona) nao havia softido nenhum episédio traumatieo com formig iplesmente elas repre- sentavam ¢ simbolizavam a degradagao do corpo, uma vez privado da energia vital que o anima, Era insuportavel para ela a idéia de que uma almente devorada ¢ invadida por todo tipo de inse- senga das formigas prenunciava esta fatalidade inexordvel, que & nossa condigaio mortal, e a decomposig&io do corpo com tudo de tepulsivo que isto tem para algumas pessoas. Era, al dade neurética. is, uma personali- dos tragos obsessivos - 0 que significa que regia ios tigidos de ordem, dade, formalidade, sobriedade, obstinagao estes tragos nao Ihe permi ir com 0s aspectos menos atrativos da transpiragiio) e seus a). Era uma mulher escrupulosa, tanto no sentido moral quanto no sentido fisico-cheia de escriipulos, nojos e repulsas. Ignorava que a vida é uma mistura de ele- mentos opostos, ignorava que nossa condi condena a uma impureza insuperavel, Alguns obsessivos conseguem controlar sua ansiedade mantendo uma vi ra uma mulher visivelmente ansio- ‘igida; isto implica que nao sabia encarar suas dificuldades com idade, bom senso, hum perante um obstacul ‘a5 negava (“esté tudo bem, tudo bem”) ou fugia (“no vamos em coisas ruins”, “Deus escreve direito por linhas tortas”). Ade- carecia de interocepgao , que & a capacidade para estar atento as préprias motivagées internas para assim compreendé-las, ¢ sua icadora demais. Para completar seu perfil, diga- introspecedo era si 10s que Iracy mantinha relagdes de dependéncia infantil com sua fami- de origem. Indico todos estes tragos de Iracy porque considero que eles nos As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana permitem entender este tipo de reages, nido apenas desta pessoa, sendo dos casos semelhantes. As reagdes emocionais nfo se dao a toa; surgem num terreno propicio, que é justamente toda a urdidura afetiva que ca- racteriza e direciona a visio da vida peculiar a cada pessoa. Hé urdiduras jente responderiam fobica ou compulsivamente (a s), embora possam ficar receiosos em situagdes ia de sempre procurar primeiro a origem de uma fobia em fatos trauméticos; s6 quando este tipo de expe rigncias ndo existam devemos apelar para a hipétese de que se trata de uma manifestagdo simbélica de ansiedade. Nao devemos repetit os er 103 do velho Freud, que postulou um complexo de Edipo para o pequeno. Hans (um menino que tinha medo de cavalos, que na idéia de Freud representavam 0 pai quando na yerdade 0 menino havia presenciado uma cena de espancamento e queda de cavalos que o impressionou até as lagrimas; foi esta cena que The gerou essa reagdo, no seu supos de neurose fobica, tentando inclusive des- crever alguns tracos peculiares a um suposto cardter fSbico. Considero sem fundamento suficiente esta tese. E bastante discutivel falar de uma sm gerar uma reago deste género, de um caréter fobico nfo impede verificar que ha certos tipos caracteriais mais propensos a demonstra- ‘des panicas descontroladas. Trés consiclagdes caracteriais exibem este tipo de reagio com maior freqiiéncia: o inseguro-ansioso, o imaturo~ infantil e 0 absessivo. tos eventos aversivos marcantes p\ Entretanto, o fato de questionar 10. A defasagem etéria da emotividade: hiperemotividade e apatia ‘Quando se est préximo da morte por velhice a gente comega a se distanciar dos vivos cada vez mais; eu jé me perguntei vez se valeu a pena viver e s6 0 que ouvi, lé do fundo de minha divida, foi um grito abafado, como um lamento. Agora estou quieto, na penum: bra, distante de todos, até que a obscuridade completa apague a can ainda acesa em mim’ (confissdes de um passageiro do trem da meia- 102 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana noite). sag") M8 tondéncias dominantes da emotividade segundo as eapas da vida Na ‘sua interag4o com o mundo, o homem & afetado de al; maneira na sua subjetividade, isto 6, na prépria conseiéncia de si; avo grau em que o afeta esta interagio varia notoriamente ao longo da vida individual. Na infaincia somos hiper-emotivos; na adolescéneis e idee juvenil somos simplesmente emotivos; jé adultos somos sub-emotivas © que no significa que sejamos apaticos e frios; apenas observamos as coisas dle um modo mais funcional c pratico, sem envolvermo-nos tanto gm seus apelos ¢ instigagGes. Idealmente, a idade adulta seria uma etapa de eutimia, de emogdes bem temperadas, sem a exaltagdo juvenil e tam. bam sem a notéria apatia da idade seni, apatia alternada com algo do ‘melancolia e, nos casos benignos, com a tranqililidade sorridente de quem sabe que ainda no ocaso hé suficiente luz. O grau de emotividade varia gradualmente de uma etapa ida inde. Este € 0 principio geral. Mas também ha variasoes individuars dey tor emocional, As pessoas sentem os eventos de maneiras diferentes, nto em intensidade como em duragfo, tanto na ressonancia como na expressii. Podemos avaliar a emotividade considerando dois fatores: a teceptividade, ou ressonfincia, ea expressividade. A receptividade emo. cional se refere ao grau de intensidade com que experimentamo: fen ha relagdo eu-mundo; € o grau de permeabilidade ou sensibilidace s estimulos que esta relagio implica, © discutivel é se ha uma correspondéncia entre grau de xpressividade e grau de receptividade emocionais. B sustentdvel a tese ‘; due quanto maior & a expressividade maior é a receptividade? E difi- il de sustentar por uma razo bastante simples: o fator expressividade lcpende tanto da emotividade como da tendéncia extrovertida, Indivi. luos extrovertidos so normalmente expressivos, sem que por isso se possa afirmar que tem maior ressonancia emocional que os introvertidos. que se expressam bem menos. i Cabe perguntar-se o que é ser emotivo. A resposta mais simples ¢ Obvia seria dizer que somos emotivos quando nos emocionamos com As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana 103 facilidade. E que € emocionar-se? E deixar-se atingir psicossométicamente pelos eventos que, de maneira inevitével, aconte- ‘cem na nossa interag4o com o mundo. Inversamente, no ser emotivo significa que os eventos nos tocam bem menos, com menos intensidade e duracdo. Propriamente nao existem individuos ndo emotivos; apenas sub-emotivos e fleugméticos (lembremos que na tipologia temperamental hipocratica o fleugmitico é tranqiiilo, sereno, geralmente reflexivo, s6- brio). Denominamos como sub-emotiva uma pessoa que ja nao regula sua conduta por motivos paticos (ou dominantemente desta natureza) seniio por fatores priticos e racionais, o que no exclui emocional; s80 08 cupaticos, (os que sabem dosar adequadamente. jogo dos diferentes motivos que direciona nossa conduta), Certamente € discutivel a tese de que a velhice se caracteriza por uma certa apatia. O que constatamos é que pela propria condigaio do velho - que se desliga notoriamente de seus compromissos sociais ¢ tra- balhistas, isolando-se - hd uma desmotivacio em relagao aos apelos do ambiente. Vibra pouco com seu contorno. Seus afetos se voltam mais passado, tornando-se assim sentimental, nostalgico de seu ser Quando isso acontece € possivel que se manifeste uma certa Os testemunhos das pessoas que se encaminham por essa et corroboram a tese que aqui sustentamos: “Sim, nfo é 0 mesmo que antes; antes as coisas me chegavam com muita intensidade; entusiasmava-me com pequenas propostas - uma reuniio com a turma para um bate-papo, uma partida de futebol, a vinda dos netos, até uma ida a0 teatro. Depois dos sessenta percebi que as coisas me chegavam bem menos intensas, como que perdiam seu brilho. Agora quase nada me entusiasma; como vocé sabe, faz jé sete anos que tenho uma amante bastante jovem; ela continua excitando-me, e pasar algumas horas juntos é agradavel, mas jé no € o mesmo que antes, 3 ou 4 anos atrés. Endo me considero um cara deprimido, concorda comigo? ‘Nao, vejo o mundo com otimismo, por seu lado bom - sempre foi assim. Continuo trabalhando, mais por habito e para evitar o excesso de tempo livre, que me afundaria no tédio; trabalho por rotina, nao mais por voca- 0” (dono de uma agéncia de automéveis; 68 anos; consulta um psicé- logo para tratar algumas dificuldades conjugais). “Bom, deve ser velhice, embora eu ache que ter 70 anos nao é ser propriamente um velho. Entretanto, alguma coisa aconteceu com 0 pas- sar do tempo; como Lhe diria? Fui perdendo 0 teso pela vida; sim, esta é a palavra certa; perdi o tesio para um monte de realidades. Perdi 0 tesio pela politica, pelos problemas sociais, pelos esportes e até um pouco SSCSCTCSCSCSCSCSCSSCSCSTSCTCSSCSSSSseeseseseesesessesss | 106 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana quando aparegam outras manifestagé: comportament is ‘ a es tais - tais como ipolamento, Condutas esquisitas, perda de interesse pelos aspectos grati. ieantes de qualquer proposta vital podemos pensar no inici ima problemitica maior. : aes Nos estados mascarados de depressii Agio ini »s de depressfo e no estégio inicial que po- dlemos qualificar como destnimo, observamos duas vivenein biegny sgmelhantes: 2 apatia eo tédio, Tanto em uma como na outta omendece foma plano, incolor e insipido, Perde seu cardter excitante, Bin ambos Zamente, como se estivesse num adiamento de si indefinido- 6a ‘suspen- Provocar reagdes emocionais, tendo apenas breves mome, i fan cn sa ote sete or em afetivo precoce que foi reforgado por uma falta acentuadie de vitalidade vualidade entendida como forga dos impulsos, eapacidade energereg sejene G80 Para responder aos desafios instigagdes da realidadey Nac Se deve confimdir este temperamento com o fleugmdiico, que é nana pdue teservado, quieto, calmo, mas de boa sensbilidade, embors pocea recer frio e nada efusivo, O apético pode levar uma vida nomrat nexe {ando suas atividades rotineiras com responsabilidade e persistéacin chas aparece com algo insipido, embora essa impressio possa atoms. Me cate ssul uma boa inteligéncia. (6) Estes tiltimos anos se cunhow haa cutra palavra para designar pessoas que apresentam escassa fluides Happs S80 de seus afetos: alexitimia. (Sifneos, 1991) A diferencis da Simples apatia, a alexitimia traduz. sobretudo aigum tipo de bloqueio tipo de pessoas, Na velhice a apatia pode tornar-si : i se um estado constante, radio da mie Com a desmotivagao que acompanha este periode ax, Bele tt falta de possibilidades, o isolamento vital e.a fale de seivie les. Um bom antidoto contra esta desmotivagio generalizade € sae As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentiments na Vida Humana 107 tengo de contatos sociais, atividades programadas, estimulagio perceptiva e, se posstvel, libidica, A manutengao de um ideal, embora dificil, pois tudo o tempo corrdi, talvez seja o melhor antidoto contra a decadéncia do corpo. Nao se deve confundir apatia com abulia; a abulia também pode ser uma outra manifestagao de desdnimo e inclusive de depressio; su- poe uma falta de vontade para fazer e tomar iniciativas; 0 apatico pode ser ativo ¢ typbalhador, apenas tem menos ressonancia emocional ¢ & menos expressivo. Existem igualmente temperamentos abtilicos que se entregam a preguiga com a consciéncia tranqilila, levando uma vida contemplativa e agindo por pura pressio das ciréunsténcias. Muitos va- gabundos desses que deambulam pelas ruas, sem destino nenhum, sio abiilicos (0 que ndo impede que também tenham um componente de apatia, debilidade mental leve e outras ervas do mesmo mato) ©) Sensibilidade e hiperemotividade “Desculpe-me falar Ihe assim, vocé parece uma pessoa calejada pela vida, mas ¢ como se as veias de minha alma se houvessem aberto ¢ ‘como se a pele que protegia minhas feridas se houvesse desprendido, ‘Uma das queixas que apresentam os adultos que solicitam auxitio psicoldgico & que so demasiados emeiivos. Apesar de estar na beira dos 30, ou mais, nio conseguem olhar o percurso dos eventos com sufi ciente serenidade e tranqiilidade de espirito. Volta e meia se sentem envolvidos em situagSes embaragosas e inconvenientes. Como resulta- do dessa impericia para regular suas emogdes, terminam por ter condu- tas erradas e insatisfat6rias nas éreas mais valorizadas do relacionamen- to interpessoal: relacionamento amoroso, vinculos familiares ¢ contatos com colegas de trabalho, ‘So pessoas que sofrem por serem ainda demasiado emotivas quando ja esto num estégio que Ihes exige maior objetividade na sua intera¢do eu-mundo, Sao adultos que continuam sendo impactados pelo acontecer animico como o faria um adolescente ou uma crianga. A etapa adulta impée tarefas que supde isso que se costuma chamar de maturi- dade. A maturidade é um conceito que inclui o exercicio de varias atitu- des; uma delas ¢ a devida ponderacio nas decisées e compromissos. Espera-se um relativo equilibrio entre razio e emogiio; sem esse equil brio 0 agente se tora vulnerdvel demais as peripécias que de modo inevitdvel enfrentamos na atividade cotidiana. “E natural ser ingénuo e brinealhao na infincia - ensina o sébio Maim6nides - ¢ exaltado 108 as yrmas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana imprevisivel nos anos mogos, aus no anos da produtividade nem pela melane: A emotividade exacerbada acompanha os primeiros estégios do vetor depressivo e constitui o solo fragil do sujeito inseguro e ansioso. Faz parte do drama histérico ¢ irrompe com forga no obsessive quando se quebram suas defesas - erguidas justamente para protegé-lo. Esta pre~ sente na tristeza. Ricardo, um homem de 42 anos, que passa por um. riodo de fragilida “E quando me lembro de todas as oportunidades perdidas, choro. Pelo que pude ter sido e ndo fui; choro, por aquela moca que me amou e nao estive a altura de seu amor; pela auséncia do meu pai, a quem nunca retribui seus sacrificios para dar-nos uma vida melhor; choro pelos anos idos a toa, Tudo me fere; desde a visio de um desamparado na rua até 0 olhar cansado de minha mie. Desculpe-me Ihe falar assim, voeé pare- ia pessoa calejada pela vida, mas é como se de minha alma juvessem aberto ¢ como se a pele que protegia minhas feridas se jouvesse desprendido”. Assim se sentem as pessoas hiper-sensiveis, como se a pele que as protege se houvesse desprendido, ou fosse fina demais. Quando pele é fina demais, procuram fugir ou prevenir-se da rudeza nada gen dos contatos humanos com uma cortesia algo distante e com condutas de resguardo. E a figura do timido. Mas ainda ha outra forma. Vocé pode ter a pele calejada e ainda assim softer em came viva as afligdes dores do infortinio. Um aciimulo sucessivo de peripécias infelizes ter- resisténcia melhor elaborada. Todo um pouco e, segundo seja seu estra- deixes levar pelo humor nos go, nos quebra. O individuo cronicamente ansioso vive na inseguranga; dé-nos a impressdo de que caminha pela vida como por sobre solo escorregadi -s¢ a0 timido, mas o timido apenas se apavora perante fe quando tem que expor-se perante gruy nismos autoprotetores, como fazem outros tipos de neuréticos; de ma- neira que experimenta o desamparo A céu aberto; sensivel, sabe-se vul- nerdvel. Para atenuar as rupturas imprevistas e os desafios perigosos, procura trilhar circuitos conhecidos. Quando roda por trilhos fami es, com regras de transito bem definidas, a ansiedade fica em surdina, ada inquietante, Sé que nem sempre os refiigios sio duradouros e 0 inseguro volta a sentir que o navio sempre flutua num mar calmo apenas As Formas da Sensibitidade- Emogées e Sentimentos na Vida Humana 109 na superficie. A ansiedade, essa expectativa tensa perante uma ameaga inquie- tante, meramente possivel, deixa o sujeito extremamente sensivel tanto as imagens interiores - que formam os cendrios de uma historia jé vivida = como as provocagées do momento, oriundas de um ambiente quase sempre deslizante. O ansioso vive num redemoinho agitado, num estado de permanente alerta para nao afundar-s Cansado, se deprime. Deixa de lutar por um lapso brev: corrente das coisas, mas logo o clamor de sua conscié novo para uma luta de Téntalo. (Para uma exposigao mais completa da ansiedade e da angistia, leia-se 0 capitulo pert so “Os estados de animo”) Por assim dizer, o drama do histérico & que dramatiza; coloca os trés elementos classicos do drama em suas peripécias e jogos, alls, quase sempre banais: conflito, emogio e softimento. Falo do drama, nao comédia, na qual o niicleo do jogo & 0 mal-entendido ¢ o equivoco. N drama real o elemento representacdo & quase inexistente, os atores sim plesmente vivem 0 sofrimento ¢ os conflitos que os afligem. Nao se desdobram entre o que so ¢ 0 que fingem ser. Quando este desdobra- mento se torna claro o drama se mist com 0s mas de Jean Genet, especialmente em onde as duas mulheres mais que viver o drama de sua inferioridade social, o repre- sentam de maneira grotesca). © histérico sofre; a emogao é também ‘componente forte -nem sempre tio forte como ele pretende, pois o exa- gero expressivo faz parte de suas taticas de interago pessoal. HA exage- ro também em seu sofrimento: quer comover ao espectador, atrair su atengio, talvez ganhar uma considerago a m: Onde reside ento a parte suspeita de seu drama pessoal? Na re- presentago, no desdobramento que ele opera entre o que ele experi- menta ¢ sua expresso: ha uma nota de tal exagero na sua attuagdo, que somos forgados a pensar em impostura, em fingimento ou simplesmente num mero artificio, Essa impostura fica nua e crua em duas figuras co- muns da histeria: 0 homosexual maneiroso, bichoso, e no travesti, No quero dizer que estas duas figuras vivam em permanente drama; longe disso. Vivem geralmente na farsa, imaginando-se numa intermindvel passarela; mas nada os exime de serem protagonistas do drama, basta que emerja neles o fator adversidade, 11. EmogGes e perturbagées psicossomaticas "0 As Formas da Sensiblidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana “Qualquer perturba ranga ou temor, & causadi estende ao coragao.” “AS pessoas modestas (timidas) se rubori 3 8 ruborizam. E na luxti - {aciio sexual) o membro se enche de sangue rapidamente ficavde con ¢ liam Harvey: De motu cordis - Séc. XVI -apud Howard & Le so da mente associada a dor ou prazer, lora de agitacao (somtica) cuja influéncia se ) tes fisiolégicos das emogdes so conhecidos des- gue ndo é surpreendente, pois o efeito biofisico da sentido imediatamente pelo sujeito que a experi- Os concomitant de a Antigitidade, fagdo emocional menta, um sentimento, um cial que acontece ao u lades mais espe- i supdem, todas elas, um substrato or- la linguagem), mas nenhuma delas influi como a emogio, or para mostrar os concomitantes fisi i no¢io. Todos nbs sentimos as alteragdes assim que somos iver nae agontecimente, Indo ao volante, numa estrada interurbe- q ‘sentiu um calafii ,.ando subitament nobra para evitar um acidente? ee Quem no sentiu que a emo, ic go de uma despedida anuvis 1s € que as palavrasficavam mudas no fundo te boa on es Quem ndo sentiu que a raiva fechados, em desfiguragao faci se transformava em grito, em punhos em atitude de ataque ? e tua vida em duas grandes partes: antes 's de dor de cabera. Antes do surgimento das incémodos gastricos e vesiculares, pode-se lor de todas as caracteristicas do psiconeurstico ‘maniforme e de um comportamento obsessivo-compulsivo, enquanto que a partir da mudanga jé mencionada, sem modificar sua estrutura basica de pensamento ¢ comportamento sobre um mesmo fundo obsessive, 0 ‘manfaco se torna depressivo. Na ampla explorago psicolégica que rea- lizamos, destacaram-se os seguintes vetores de personalidade: 1. Desenvol negativo, a inveja, que se mat inio poder seguir estudando, o que o faz adotar uma iva de superacdo e conquista. 2, Atitude defensiva, hostil e agressiva, nem tanto para a conse- ‘cugio de metas concretas e construtivas que pudessem dim seguranga, porém para destruir possiveis inimigos e competidores. 3. Extremada insinceridade consigo mesmo ¢ com os demais, aos quais precisa manipular em fungo de seus interesses de promogao pes- vel e calorosa, embora no fundo, escondesse uma profunda frieza, difi- culdade de entrega e incapacidade de contatos humanos francos ¢ per- manentes. 4, Necessidade de ser protegido a um nivel muito regressivo pessoas que ele nao considerava competentes profissional e intelect mente, ¢ se istoacontecia, buscava-uma maneira indireta de dita pessoa dando a impressio oposta. Seu contato humai mente estimulante, alegre e lisonjeiro, se converteu em irri mente hostil e isolado. S. Sempre mostrou una extraor negar qualquer realidade que se opusesse a seu tos que, por agressivos, Ihe pudessem produzir ansiedade; manifestou sua agressividade através de una conduta disfarcada e aparentemente colaboradora e amigavel. 6. Sendo sua atividade eminentemente comercial, demostrou sem- pre uma ambivaléncia ante a obtengdo de bens; culpa-se por sua aquisi- 40 normal e acaba por obter seus maiores ganhos através de m que o faziam muito mais culpado, como por exemplo, apropriar- trabalho alheio por meios encobertos. 7. As crises de cefalalgia se desencadearam até agora, auxiliadas ou nfo por fatores meteorolégicos, sempre que no podia manejar a ansiedade produzida por um éxito alheio; no podendo destruir a pessoa invejada por métodos ocultos para evitar assim a culpa. 8. Sua atividade geral foi marcada por uma grande necessidade de valorizar-se, ineapacidade de descansar, nao reconhecimento da ne~ cessidade de ser amado, pessoas que no competissem com ele, e, em 112 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana sintese, por sua ambigao e falsidade. 9. Com um tratamento farmacolégico, como se fosse um verda- deiro depressivo em que predominavam as dores, 0 quadro organico erdeu a forga ¢ o paciente passou, a partir de entdo, a ser a pessoa jalmente maniforme, sem qualquer somatizagio. E perante uma pessoa que nos comove com sua presenga gentil, insinuando um romance anelado, nao sentiu seu simples olhar como uma caricia corpérea ? E nos momentos extremos, de incerteza e de temor, onde a angiis- tia se mostrou mais opressiva a ndo ser no peito e na respiragao ? E quando 0 medo bateu em nossa porta por acaso nao apanhou todo nosso corpo, reduzindo-o de tamanho, levando alguns a serem pou- cod as ? Por acaso alguém ja foi tao dono de si que pudesse evitar 0 rubor no rosto perante uma situagao constrangedora, talvez. vergonhosa ? Todas esta sio reagdes psicossomiticas normais. Revelam que a emogao é igualmente comogao organica. Comocio certamente variavel; suave, quase imperceptivel para o préprio. detectavel por um aparetho apropriado, como 0 chamado “det usado em criminalistica); por vezes to forte que o individuo pode ter uma parada cardiaca ou uma reagio diarréica, Nao sao estes tipos de reagdes os que tém provocado discussdes, teorias, pesquisas ¢ resultados incertos, Sao as chamadas doengas ou perturbages psicossomiticas (D. Pss.). E precisos dizer que este capi- ilo da psicologia ¢ da medicina esta bastante marginalizado no atual periodo -periodo caracterizado pelo auge dos enfoque bioldgicos e de queda dos enfoques psico-sociais. Contudo, vejamos como se apresen- tam as coisas. Como ja 6 bem conhecido, este tipo de perturbagiio se caracteriza Por apresentar perturbagdes funcionais sistémicas, em alguns casos, € por lesdes organicas peculiares, em outros, todas elas de origem psico- Iogica emocional. Parece um ponto pacifico que o fator determinante destes distiir- ios seja 0 emocional, embora outras modalidades afetivas possam in- igualmente - determinadas constantes afetivas (ou sentimentos) € iguns estados de animo, como a ansiedade e a depressiio. Falei que parece um ponto pacifico a origem emocion: bem assim. Existem divergéncias nada pacificas entre os especialistas. Alguns autores afirmam que o fator emocional é meramente desencadeante, um mero disparador de um fator organico; outros afir- iste uma constelagdo de tragos de personalidade que predis- ‘0 a uma reacdo desse ti seria a personalidade Psicossomética. Seria um tipo geral (assim como hé um tipo geral psicopaitico, neurético e psicético), nao uma configuragao peculiar para cada distirbio psicossomitico, como queriam os primeiros pesquisado- res neste campo (que se permitiam tragar o perfil psicolégico do astniti. co, do enxaquecoso, do ulceroso e assim por diante). Quais seriam os tragos mais comuns deste tipo geral? Apresenta um perfil psi muito parecido com 0 sujeito obsessivo compulsivo. E-um sujeito tenso, com dificuldades para conscientizar seus conflitos, colocando-os nia es. fera corporal, auto-exigente e com escasso trdinsito pelo espago imagi- natio. cussdes e as diividas surgem imediatamente elementar acordo. Nesta discussio alguns pontos se destacam: @) Que tipo de emogées influem ivas na origem destas perturbagdes? b) Por que as emogées afetam a determinadas pessoas ¢ néo a outras, de modo que algumas adoegam e outras nao ? Nesta questo se Coloca um fator que parece decisivo neste tipo de distirbios: a persona. lidade do sujeito. Qual é 0 tipo de personalidad que predispoe para esta classe de doengas? Atualmente a maioria dos autores concordam que apresenta tragos obsessivo-compulsivos. ©) Por que as pessoas afetadas se mostram especialmente vulne~ niveis num determinado sistema fisiolégico, sendo menos freqiiente que um mesmo individuo mostre perturbagdes em diversos sis 4) A emoco é um fendmeno vivencial, psicoldgico, isto &, algo diretamente experimentado pelo sujeito, mas tem um reflexo variavel em todos os sistemas fisioldgicos; como acontece este enlace entre o puramente vivencial eo biofisico? Os autores contemporaneos, descar. tando a velha nogao de paralelismo psicofisico, falam de unidade psicossomatica; em que sentido devemos entender esta unidade? ‘Nao entrarei na discusstio destes quatro pontos; apenas farei um comentario sobre o primeiro. Em tese, toda emogo provoca alguma alterago organica, mas sto as vivéncias negativas que tendem a produzir distirbios Psicossomaticos crdnicos. Certamente cabe perguntar o que entende- mos por vivéncias negativas. Eu diria que so todas as emogdes que afligem ao sujeito, seja pela via do medo e da raiva, seja por via de sentimentos que 0 desgastam, 0 deprimem ¢ o tensionam. Lembro uma 114 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana vex mais: hé emogdes especificas e emogdes associadas- a sentimentos e estados de animo. Entre as emogies especificas estéo 0 medo ea raiva. ‘Hii sentimentos negativos como a culpa e a vergonha e a subestimacio de si que s6 adquirem uma tonalidade emocionante em determinados momentos - quando a voz da consciéncia acorda para seu proprio julga- mento, nio sendo assim a emo... no emerge. Mas ha sentimentos que carregam um forte lastro emocional, como 0 ressentimento e 0 ddio. ‘Outro tanto ocorre com alguns estados de animo. A ansiedade e a angiistia (que podemos entender como uma forma de ansiedade genera- lizada, que denuncia 0 naufrigio do sujeito, dominando-o; diferencia-se assim da ansiedade que perturba ao agente de maneira setorial e restrita) sio estados de Anime, isto €, complexos afetivos que tingem nosso cam- po vivencial com uma tonalidade dominante, na qual est presente um componente emocional varivel - dependendo do grau de ansiedade ¢ da fase depressiva (hd fases na qual s6 experimentamos vazio e desmotivagao, ou simples tédio). ‘Os autores discrepam no que se refere a importincia do fator afetivo especifico. Certos autores, como Lépez Ibor (1950), postulam que tanto as neuroses como os distirbios psicossomiticos derivam do fator angistia; a diferenga entre um quadro e outro seria dada pelo perfil de personalidade e pelo fator organico, que no caso do disturbios psicossomiticos se relaciona com a chamada vulnerabilidade somatica. Para alguns psicanalistas - como Franz Alexander e Carlos Seguin - 0 distiirbio surge de acordo com 0 mecanismo de conversio: 0 conflito emocional se somatiza. O distirbio funcionaria como um exutério do conflito. Além da angiistia. outros autores procuram na constelagio depressiva o fator determinante. Angel Martinez Pina (1973) postula que a ansiedade depressiva (0 ciclo depressio-angéistia, que costuma alternar-se). & a responsavel pela patologia psicossomatica, Em nosso pais, Haim Griispun (1980) opta pelo fator depressivo, tese que ele ba- seia na observaco tanto de criangas que apresentam distirbios dessa natureza quanto em depressivos adultos - que segundo o testemunho dos entrevistados sofreram na etapa infantil reagdes deste tipo. Outros autores, como A. T. W. Simeons véem no trindmio ansiedade - medo - sentimento de culpa, o determinante decisivo. Para Martinez Pina oD. Pss. nfio existe como categoria nosogrifica autnoma, no é uma doenga especifica; o distirbio deriva ou esti asso- ciado a um quadro maior, do qual faz parte como uma manifestagio sintomatica. Para 0 médico espanhol o sintoma psicossomatico é um derivado da angistia e da depressio, por um lado, e de uma certa confi As Formas da Sensibilidade - Emoges e Sentimentos na Vida Humana 15 ‘guragao da personalidade por outro. Como tal, est presente em todos 03 tipos de neurose, nos quadros borderlines (fronteiricos entre a neurose & apsicose, que este autor qualifica como psiquéticos), nos pré-psiceticos, nos psicdticos. Como se pode apreciar, boa parte dos especialistas concordam, em tiltima ou primeira insténcia, que so as emogdes que “geram” (ou apenas disparam mecanismos fisiolégicos) deste tipo. Como se produz © sintoma que se qualifica correntemente como psicossomatico é uma questo controvertida e mal definida. Existem os autores que afirmam trangiiilamente a génese do sintoma num fator emocional complexo (que inclui além das emogdes propriamente, outros componentes afetivos, junto com determinados tragos de personalidade), thas também existem 0s que negam tal génese, mostrando que o fator emocional é meramente coadjuvante, sendo o fundamental certa disposigo organica jé sensibi lizada por perturbacées fisiolégicas prévias, atuando o fator patico como simples ativador ou gatilho de um padrao pré-estabelecido, No Brasil, 0 porta-voz eminente desta tese & Nelson Pires. (1979) De qualquer forma, ai esto as pesquisas que enfatizam a impor- tancia do emocional nalguns distirbios somaticos, seja a titulo de gene- se ou de mero fator disparador. Os psicanalistas afirmam que se trat emogdes reprimidas, que operam por via inconsciente. Os que rejeitam a teoria freudiana do inconsciente, sustentam que se trata de controle ou inibigdio de emogdes que 0 sujeito julga inconveniente expressar, pois sabe que sua manifestagdo Ihe provocara problemas ¢ conflitos. Das duas emogdes basicas é a raiva contida ou mal aceita a que provoca com maior probabilidade estas reagdes fisiolégicas. Como a ira tende a ex- pressar-se sob a forma de agressividade, sao os individuos acentuada- mente contidos, com pouca espontaneidade, rigidos os que tem maior dificuldade para lidar adequadamente com o impulso agressivo: ou ten- tam racionalizé-lo - procedimento tranquilizador - ou o constringem; ainda mais: quando 0 expressam, logo em seguida se arrependem, se culpam, se irtitam ainda mais por terem dado vazio a seu mau humor. De alguma maneira, terminam direcionando a raiva contra si mesmos. Em apoio ao fator raiva ndo direcionada para o agente provoca- dor, 0 que leva o sujeito a alguma forma de autoagressdo, existem varias pesquisas, feitas tanto em animais quanto em humanos. F. O. Ring (apud Howart & Lewis), procurou testar esta tese de um modo bastante sim- ples, observando como reagiam os sujeitos que sofriam de alguns trans- tomnos desta natureza quando eram agredidos. “Depois de repetidas observacdes, Ring acabou concluindo que no s6 existem determinados tipos de personalidade, como esses podem As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana ser classificados em trés grandes categorias, Em algumas moléstias 0 doente tipico mostra-se excessivamente expressivo. Expressa voluntari- amente as suas opinides, reage livremente aos sentimentos de medo ou ira. Em quase todos os setores de sua vida mostra-se fisica e verbalmen- te ativo. A um representante deste tipo foi feita, entre outras, a seguinte. pergunta; ‘Se o senhor estivesse sentado no banco de uma praga © de Tepente se aproximasse um estranho, mais ou menos de sua altura, idade e sexo, ¢ Ihe desse um chute nas canelas, o que € que 0 senhor faria?”. A maioria dos pacientes dessa categoria, em vez. de dizer que exigiria um: explicagao satisfatéria, respondia: ‘Eu armaria um barulho dos diabos’ ou, ‘Eu The daria uma surra homérica’, O Dr. Ring rotulou esse tipo de paciente como sendo um ‘reator excessive’. Descobriu, que nessa cate- goria poderiam ser enquadradas quase todas as vitimas de oclusio coronariana, artrite deformante e uileera péptica. Outro tipo de paciente é justo o oposto. Procura reprimir o medo © a ira, mas na realidade tem escassa consciéncia de tais sentimentos. Inibe suas ages € recua em seus pensamentos. Como reagiria uma pessoa desse tipo caso levasse um chute nas canelas dado por um estranho? ‘A maioria responde: ‘nada'. Quase todos os que padecem de neurodermatite, artrite reumatdide e colite ulcerativa enquadram-se nessa categoria de ‘reatores deficientes’. O tiltimo grupo é 0 constituido pelos ‘reatores refreados’. Estes tém consciéncia de seus temores e iras, mas raramente os expressam. A reacao caracteristica decorrente de um chute nas canelas seria: ‘ew ficaria furioso’, ou entdo, “Talvez the desse um muro’, Deste grupo fazem parte os que sofrem de asma, diabete, hipertensdo, hipertireoidismo e enxaqueca. ‘Sem negara importncia das discussdes que suscitam o postula- do da chamada abordagem psicossomitica, é inegavel a influéncia das emogGes nas perturbagdes orgiinicas. Penso que a raiva e o medo, per Se, no provocam distirbios permanentes; as chamadas doengas dessa natureza precisam de toda uma constelagdo de tragos, os que apontam para 0 tipo obsessivo, principa...unte, ou depressivo-ansioso, como in- dicam alguns autores. Mas 0 que destaca na pessoa propensa a desen- volver um distirbio desta natureza é uma escassa capacidade de interocepg&o ¢ uma notéria alienago de seu lado subjetivo. Essa espé- cie de distanciamento de si compromete igualmente seu corpo: nao sto pessoas que se encontram em trangiiila sintonia com seu corpo; pelo menos um aspecto Ihes resulta inaceitavel. Tudo parece indicar que este As Formas da Sensibilidade - Emogbes e Sentimentos na Vida Humana 117 tipo de distirbio expressa uma forma de autoagressao, seja pela incapa- cidade do sujeito de manifestar sua raiva contra 0 agente provocador, seja pela censura que ele exerce contra si apds t@-la manifestado, Quadro das perturbagées psicossomiticas mais comuns, em 4 sistemas fisiolégicos (7) (tanto funcionais como lesionais, segundo esquema de H. Ey) Distirbios funeionais ~Sindromes Iesionais, Aparelho Respiratério 1) Sensag&o de opressao toréxica 1) Asma 2) Dispnéias 2) Tuberculose pulmonar 3) Afonias 4) Gagueira 5) Tosse neurética Aparelho cardiovascular 1) Infarto do miocardio 2) Hipertensio arter 3) Taquicardia paroxistica Aparelho digestivo 1) Palpitagdes 2) Dores précordiais 3) Sincope cardiaca 1) Nauseas e vomitos 1) Ulcera gastro-duodenal 2) Constipagao 2) Retocolite hemorrigica 3) Diarréia 3) gastrite 4) Anorexia mental 4) colite espasmédica 5) Bulimia (Célon inritével) Aparelho cutineo 1) Placas eritematosas 1) Eezemas 2) O prurido (a coceira) 2) A psoriase 3) As hiperestesias 3) A pelagra descalvante 4) As anestesias A)distixbios da vasoconstrigdo: 5) As alergias (que também se mani- 0 rubor, os suores festam em outros sistemas) profiusos (hiperidrose), a palidez 6) Aunticéria 7) O prurido anal Notas: 118 As Formas da Sensiblidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana ()Uso a palavra alema Dasein (0 ser-ai) como equivalente de existéncia © de existente. A manutengao de alguns voodbules lingua original é uma pritica amplamente aceita, sobretudo quando no exis uma tradugo precisa para eles, (2) Denomina-se nisei um filho de japoneses nascido no Brasil (3) William Harvey foi o médico inglés que descobriu s citeala- gio maior do sangue, a que vai do coragao para o resto do corpo. Nessa rican €Poca 0 médico espanhol Miguel Servet descreveu a eitculagie Feenok, 8 due vai do coracdo aos pulmdes. Servet morreu queimade na fogucira por ordem de J. Calvino, na Suiza, (4) Nem sempre o conceito de vivéncia esta claro para as pessoas Nig due emana e se constitue mediante o percurso temporal do sujene, Nao qualquer experiéncia é uma vivéncia; estamos eontinuamente en: Porgnentando os mais diversos acontecimentos mas s6 alguns se tornern Yagcias na medida em que adquirem um significado para a peseon Vivéncia no € sindnimo de afeto, pois existem vivencios ern: eeeee a gas. Préticas, interpessonis, rligiosas, metafisicas, ete. O que sucede é que todas as vivéncias passam pela dimensio afetiva, (S) apalavra grega pathos pode ser traduzida como afeto, incluin- istentes. Apatica 6 uma pessoa pouco avetiva, Simpética é a pessoa que sabe sintonizar com os outros; sujei- ‘o eupatico mostra-se em harmonia com seus sentimentos, sem maicres conflitos nem exageros. Eutimico equivale a ter um bom controle dee finesses, pois o timos designa qualquer expressio emocional Mipertimico é uma pessoa emotiva, alegre. (6) Na tipologia temperamental de René Le Senne, tanto 6 ti abiilico © apético s4o passivos, primérios (com pouca restonannry iarencia), hipo-emotivos. J4 o fleumitico é ativo, secundario (com for, Held onaincia vivencial), hipo-emotivo, Aristételes, Kant, Renan, Berson, Heidegger slo tipicos fleumsticos. Para maiores informagdex solve ebm de Le Senne consulte-se o livro de Roger Gaillat “Chaves de CEmcterologia” Zahar edit. Rio, 1976), que complementa e amplifies g obra de Le Senne, (7) Os transtomos funcionais (sem lestio demonstravel) so co- nhecidos também como transtomo da regulacdo vegetativa, sindrone psicovegetativa e distonia vegetativa. Consulte-se P Christian (1989) Para uma ampla exposigao deste tema, Observacdo complementar: Dos livros indicados sobre As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 119. psicossomitica, 0 mais médico e erudito é o de Martinez Piaa, proprio nse orn gure fs ni so ds cope alsa pany) testo de Howard e Marta Lewis esta escrito num estilo ameno, grato ara quem) deseja ter uma visio geral de uma casuistica rica e ilustrativa. ae nho comportamentalista. O livro de Nelson Pires é polémico, evo por um profissional notoriamente critic dos enfoques Palooaeendtios,@ fpresenta argumentos@ fatos ruito permunsivos em favor de aun tse sobre o carter basicamentesomftico desse tipo de fendme es Nas tno de Henry ae enconta um panorama bastante bem desenkdo das questdes basicas dos transtornos psicosomaticos; inclui na sua cla: cacao alguns distirbios indicados por Obras mencionadas: ner = Ajuriaguerra, 1 de (1986); Tratado de psiquiatria Infa -Atheneu, Rio) : pe Dia at ND arene Psiquiatria: Manual Diagndsti- co e Estatistico de Distirbios mentais DSM-IV (1994) (Artes Médi- P. Alegre, 1996) i he Toba (4971): Attachment and Los, vol. 1. Separato anxiety and anger (Basic books, N. York), Hé trad, pela Martins Fonte Pan apte, Truman (1965):Ta Cold Blood (Random House, Ine. N. yet Colina, Lous Ferdinand (1951) Morte A Credito (Bait Nova Fronteira, Rio, 1982) ; : a Front Ghrstian, Paul (1989): Medicina Antropolopia (Ed. Univers ia, Santiago - Chile, 1997) ; Bes Damier anane Fe (1999) The Feeling of what happens — Body and Emotion in the Making os Consciousness (Harcourt & N. York : on Bonin ecaue (1939); Frustration and Aggression (N. Haven, iversity Press) ae ae He cee ((1920): Manuel de Paychintie (Masson Editeur, Paris » Fellini, Frederico (1982) “La jinn e G.Masinni) Se City LALLID/ 1) Te Pry chology of fear oud prose RECON ; ! BUztS" Grama HE (960k: Diststios Reeoreoekicta de Crianga (Liv, Atheneu, Rio) da” (filme protagonizado por 120 As Formas da Sensibilidade - Emogoes e Sentimentos na Vida Humana “Harris, Paul L. (1989): Children and Emotions (Basil Blackw Oxford). Hé trad. portuguesa. ~ Haynal, A.., Pa Psychosomatique (Mass - Howard R. e Le = Izard, Carrol York) = Le Doux, Joseph (1996): 0 Cérebro Emocional (Edit. Objetiva, . (1976): Human Emotions (Plenum Press, N. Rio, 1998) - Lopez Ibor, J.J. (1950): La Angustia - Martinez Pina, Angel (1973): Pat nica Médica y psicol R ~ Pires, Nelson 1979) (Madrid) icosomitica en la Cli- a (E*" “ientifico médica, Barcelona) 979): Biocibernética na Clinica Prética(Rio, ~ Ribot, Theodule (1896-1908): La psychologic des is) ; Rilke, Rainer Maria (1910) Os Cadernos de Laurids Malte Brigge (Edit, Nova fronteira, Rio, !979) Somerset Maugham, William (1915): Servidio Humana (Circu- lo do livro, S.Paulo, sid) ~ Sartre, Jean Paul (1938): La Naussée (Galim ~Sifneos, Peter (1991): Affect, emotional de! Psychotherapy and Psychosomatic, 56 Paris) an overview. 4s Formas da Sensiblidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana 121 CAPITULO I OS SENTIMENTOS COMO ViNCULOS E DISPOSICOES AFETIVAS + Lnganaria a voc8 se Ihe falasse que sob minha aparnoia de homem tranqi setes humanos e da vid: igualmente toda uma s vem a manifestar em pill detesto a muita gente; em econdmic 122 As Formas da Sensibilidade - cido) (Ges ¢ Sentimentos na Vida Humana 1. Os sentimentos como reveladores do mundo Pessoal , Uma pessoa nos fornece pistas 1m de si mesmo quando nos revela seus s cer uma pessoa que nos neira de pensar; Jem alguns even ‘mum que os individuos afirmem idéiag ¢ expresse na pritica de uma forma verdadei Sabemos que conhee: significativas a propésito imentos, a por nilo querer expor-se -© entrega Porque alimentam um projeto de obj que os subtrai todo contato Mais intimo; ora porque nao sabem lidar com seus senti- mentos em situagio interpessoal E certo também q trama afetiva, © que uma pessoa sobre- Néo 6 tarefa facil conhevui os sentimentos de uma Pessoa, As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 123 tudo aqueles que constituem sua arquitetura i interagao prolongada, além de uma certa perspicécia psicolégica, para chegar a perceber suas modalidades de vinculagao peculiares. Podemos apreciar seu grau de sensibilidade geral e sua forma de expressio predo- minante -espontinea-inibida, intensa-superficial, calma-agitad: ta-soterrada, rica-pobre,mas uma série de sentimentos basicos situagdes especificas para que se manifestem. HA certos lagos afetivos que so notoriamente observa duta corriqueira; a arrogancia é perceptivel na postura fisica: posigao vertical algo forgada, movimentos de baixo para cima da cabega, olhar distanciador, tom de voz imperativo. O sentimento de frustragao nio exige maior perspicdcia para ser detectado: manifestagdes de desanimo ¢ itritagdo perante o objeto, ou pessoa, frustrador. Contudo, ha senti- mentos que requerem um contato mais assiduo e uma observagio bas- {ante atenta para serem detectados. Em que aspectos de seu mundo pes- soal coloca o sujeito seus sentimentos de auto-valor? Que atributos pes- soais Ihe sustentam sua auto-estimagio? Sua aparé habilidades e capacidade:? Sua origem familiar? Seu status social e pro- ial? Seu histérico de vida? Os resultados de suas ativii gumas fantasias compensatérias? Quais so 0s pontos mais vuln de sua auto-aceitagao? Nem sequer so muitas as pessoas que chegam a interessar-se por um conhecimento de si que Ihes permita esclarecer estas questoes. A Proposta de auto-conhecimento ndo é um objetivo comum, © habito da introspecedo. S6 uma minoria nar estas passagens do labirinto pessoal, embora muitos acreditem que esta seja a via correta para alcangar um desenvolvimento integral ¢ sa~ dio. 2. O predominio de certos sentimentos numa pessoa traduz tragos importantes de sua personlidade sm a maneira caracteristica de vincular-se e terminadas experiéncias. Uma vez consolidados na estrutura da sensibilidade passam a formar parte da personalidade do sujeito como predisposigdes vivenciais ¢ comportamentais. Ser com- assivo ou depreciativo, gentil ou arrogante, indicam predisposigdes para ‘com o préximo muit0o marcantes como formas de relagaio homem-mun- do -como tragos de carter. Os sentimentos se expressam em atitudes e comportamentos. Se uma pessoa se sente a ou excessivamente exposta em situagdes sociais, dizemos dela que hada, 0 que sera provave ide de esquiva perante e Ha pessoas que di ipo de situagdes mente expetimentam algumas formas icas; ora porque nunca se defrontam com situagdes que provavel- mente as teriam provocado; ora porque seu projeto de mundo no dé lugar a essa possibilidade. Tal acontece com 0 amor e o ddio, que so sentimentos extremos -e como tais bem menos comuns do que a gente acredita.. Pode-se sentir os graus intermédios do amor e do édio. porque os senti 0 que poderiamos chamar escalas de afet seguintes em rela¢io A simpatia e a antip: Algumas pessoas nos impressionam pelo tipo de sentimentos que alimentam; no tanto porque sejam extremos, ou carregados desse ele- mento corrosivo chamado édio, mas porque revelam conflitos e nés que prejudicam ao proprio sujeito. Todos os sentimentos que em nossa clas- sificagao identificamos como ego-assinténicos apresentam estas carac- is: a vergonha, a culpa, a frustragAo, a autopiedade —apenas para nar os mais destacados. O mesmo acontece com os afetos da antipatia e da desvalorizagao do outro: a aversio, a rejeigao, 0 6dio, 0 desprezo, a desconfianga'-para lembrar os mais perturbadores. Ha individuos que sio cegos ou muito pouco sensiveis para for- mas de expresso em torno das quais surgem diversos sentimentos. Exis- tem pessoas sem senso de religiosidade, que nunca experimentaram o sentimento do sagrado, ¢ que inclusive hes custa compreender o fato de que tantas outras o manifestem. Chegam a pensar que a religiao é ape- uma mistificag%o monstruosa, uma espécie de consolo para bobos ¢ 1a boa ocasido para espertos. So insensiveis a idéias de pecado e nunca suspeitaram 0 que pudesse ser o estado de graga, Hi pessoas que lhes custa sentir admiragao por alguma figura de contexto cultural € nacional; até podem gostar de algumas pessoas item nao experimentar por ninguém esse tipo de afeto. E algo surpreendente, mas nao é nada insdlito. Outros sé conseguem admirar idolos distantes, aureolados pelo prestigio que lhes presta a midia. Eo que vemos nos adolescentes. Basta observar a conduta de tantos jovens quando um desses idolos aparece num show; sm ficar fora de si, inteiramente transtomnado pelo objeto de sua idolatria: choram, clamam. por um fiapo de sua roupa, desmaiam perante sua presenga. HA outros que so pouco menos que insensiveis as expressdes da arte, E 0 que acontece com boa parte da populacZo em relacaio 4 musica erudita, pelo menos nos paises subdesenvolvidos. E que para gostar de certas produgdes da arte é preciso um minimo de educagao artistica. como mosiro nas paginas ‘As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana 125 Sem um certo preparo senso-perceptivo muitas obras pictéricas e musi- ais resultam incompreensiveis, ou completamente fora do aleance do sujeito leigo, Em tese, até o indivi is elementar é capaz de sentir © apelo esiético; apenas precisa ser iniciado, O que acontece é que as massas, em nossa cultura, estZo condicionadas as formas mais digeri- veis do consumismo sentimentaldide, que é a chamada cangdo popular ¢ as tele-si E claro que nem todas as cangdes deste género so mero artificio alienatério; algumas expressam anscios e necessidades muito imas. Na verdade, todos os sentimentos precisam ser educados ¢ elaborados; desde os luais até os mais s6cio-culturais. O res- peito -para tomar um exemplo da socializiigio dos um laco que a crianga vai estabelecendo com seus pais; desde este circu. 10 pode estender-se para os outros planos. Muitos pais apenas en fatizam a necessidade de respeitar as figuras de autoridade ou de prestigio, sem em geral, pelos semelhantes. O conhecimento da vida Permite reavaliar as figuras do respeito, ndo sendo insdlito que aquelas Perante as quais nos inclindvamos sojam destronadas e aquelas que nos cram indiferentes ocupem um sitio de honra, 3. Ha uma génese e um desenvolvimento dos afetos hascem, crescem, se esta: mdxima expresso logo se extinguem —como é 0 caso da afeigio ent 08 cénjuges ¢ namorados, ou os sentimentos de solidariedade e do si. grado (quase) inexistentes em muita gente. Isto ndio acontece com as emogdes: as trés grandes emogdes ‘humanas, 0 medo, a raivaea alegria, aparecem logo do nascimento ¢ nunca desaparecem da vida do sujeito, fo. wo’ Sentimentos também podem ser provocados por uma imprey- sfo, uma emogo ou por uma atrago -de simpatia ou de erotismo. Como tudo o que vai cobrando forma em nés, seguem um proces- so varidvel. As vezes surgem de um modo rapido e avassalador. Conhe. SSSCSCCereeseresesesesesesesesesesesesesesssessessees 126 ds Formas da Sensiblidade - Emocdes e Sentimentos na Vida Humana Sindee tims Pessoa. Nos impressiona por algumas qualidades extraor- infras ‘sao. Percebemos que essa pessoa nos encantou p aro; Seu charme, sua beleza, nao importa, Esta admiragio mpresso de encanto. Sera preciso de u = : ae erigi® maior com 0 objeto para ir se configurande de umn mode nas ‘0 nao acontece, a impressdo ndo tomara Possivel sua extineao posterior, ce imos seus atributos fis de especialmente atrativo nele (2), mas isso 30 sentimento, O que vai acontecer de- importantes 0s pontos possi- lagao oferece, Hi situagdes que interagao depen- onte, produto de um primeiro jimpat lade se desenha ge um sentimento mais firme: a rimar uma pessoa; fullano é prestativo, hhenesto, competente na sua profissio; todas estas ual de seu caréter, ipatia que serve para rdadeiro em especial sejo surge apés algum embora muita mulher As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 127 lidade, ausente de um real compromisso. Do entendimento erético emergem, geralmente, uma série de sen- timentos, que vio numa escala progressiva: estimagiio ~> afeigao (carinho) ~> amor. Nao preciso insistir no fato de que esta progresso nem sempre se da, Uma boa parcela dos amantes passa apenas ao primeiro e ao segun- do degrau da escala. No caso que em seguida exponho com miis detalhes (o dey mento de Mauricio) a estimagao que ele sentia por sua companheira “se limitava a seus magnificos dotes como fémea, a uma certa arte de man- ter acesso o impeto, 0 tesio, nos meses que manteve a ilusfo de um entendimento minimo com ela (os primeiros 6 meses) nao descobri ou- tra virtude relevante a nao ser sua beleza fisica, bem do tipo que cu gosto, ¢ sua devogéo pela cama”. Que afetos experimentava por el The pergunto. “Citimes, pois ela sempre dava um jei minha desconfianga. Raiva, quando me enchia a pai mudangas de humor ¢ seus lamentos neuréticos. Compaixo, poi de me parecia uma crianga perdida, precisando de protegao, procura um objetivo que dignificasse sua vida (na época que ficou comigo nem sequer trabalhava). As vezes, carinho -uma mistura de ternura, esperan- ga € ilusio de que apesar de tudo formavamos um casal. Nao sei se houve outros afetos. Apenas o que sei é que nunca nos amamos, mos ligados pelo carinho, pelas sensagdes, pelos genitais, ges, pela troca de impressdes, por vagas promessas. Nao se se chama tudo isso. Nunca senti que ela se importasse realmente go. Estava demasiado enfronhada em seus problemas”. HA sentimentos que decorrem de emogdes tipicas ou de er associadas. Do medo e da raiva. Das emogdes ligadas ao desejo e as motivagdes mais variadas (como aconteceu com Mauricio na sua paixdo por Jany). Uma motivagao forte por um objeto (coisa ou pessoa) nos deixa num estado de excitagao ¢ tens que nos torna muito susce| veis A emogao. E uma emocdo difiisa, montada no interesse que nos Provoca 0 objeto ou objetivo perseguido. E o que nos sucede quando os estamos preparando para uma viagem, longo tempo desejada; do vamos a um encontro que julgamos importante por qualquer m Dizemos que estamos nervosos, com uma leve ansiedade pelas expecta- tivas que colocamos no objetivo visado (Seré que vou me sair bem na- 128 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana quele pats? Seri que essa pessoa gosta mesmo de mim? Seré que vou conseguir esse emprego?). Quanto maior a expectativa maior o grau de inquietude emocional. s Fi velasnon 6 taukb pragrensive dence ninw wince sinegp para i Soma bie, nents aso un eetrientn nega nso de seu movimento. apenas a progressio sem entrar na dialética ee tr Teala‘on de uni etuooio qu todet Folie, eabara a intensi. dade e frequéncia sejam algo varidvel de uma pessoa para outta: a raiva. Como reapio emociona, a riva estfassociad &agrensividade © como tal €geralmenteintensa fogez (diferente da ieritabilidade que ee i ento de frustrago, que adquire as feigde ).V selva Bode tente e tenaz -contra um objeto mente isto ndo acontece por uma sorte de crescimento maligno. Para que ocorra esta transformagaio & necessério que o sujeito aciimulo continuo e reiterado de agressdes, hun ize regra, este transito nao é imediato -salvo quando o dano sofrido é int a Saecar intermediario entre a raiva e 0 dio: éa avers, que & menos ativaeintensa que o 6s, No édio queremnes destruc o objeto ou pessoa odiada. Sentimos sua existéncia como um mal radics qe ameaga nossa propria vida ou alguns valores para n6s essenciais. versa 4 ‘Uma determinada figura publiea, um cidade ecm quem tivemos una briga, um camarada que nos denegriu, um parceiro que nos traiu -todo: clementos negativos no que nos suscita aversio, algo que nos parece insuportavel. Recapitulo o dito num esquema: Raiva ~> Aversdo ~ (outras formas de agressdio)— 6dio Nao € insélito que um sentimento surja de uma simples impres- sio. Numa primeira conversa com um colega 0 percebemos como As Formas da Sensi lidade - Emogées e Sentimentos na Vida Humana 129 Contudo, s6 em casos muito qualificados chegamos ao circulo do édio propriamente, embora nos resulte alguém detestavel. Vocé pode dotestar a0 ‘© X por julgé-lo um sacana sem vergonha, mas nfo chega a sentir ddio por essa figura. Nem todos podem amar, nem todos odiat: Estimo pertinente transcrever o depoimento de Mauricio, que lus, {ra bem a montagem de diversos afetos, comuns nas pessoas que entram em parceria sentimental-erdtica. Ele nos indica a formago de uma rel Gio deste tipo e sua k solugao. Exponho o mais éssencial de st historia. Vejamos como se formam e se transformam os sentimentos -Formagiio de um lago sentimental e sua dissolucdo ‘ar uma mulher que me provocou primeiro uma grande 8 larger minha esposa por ela. Era uma moga sensual e bonita; envolvente Ssberta nas lides do sexo. Me agarrou por esse lado. Vocé sabe, depois de cinco anos de casado, a gente comeca a ter saudades dos fogos do Verio, jé extintos com a companheira do pao cotidiano. Assim que ex. Perimentei os frutos de sua horta, entrei numa onda psicodélica. Pareeia minha segunda adolescéncia (¢ tinha 40 séis em minhas veias), El tomou de assalto: abandonou seu marido e filhos. apartamento (outro que eu tinha desocupado). Fo: a rabo -de cabo a rabo mesmo. Queriamos possu Sentiamos um teso muito forte, Nossas peles se entendi © fogo; roximavamos e ardiamo em seguida até os ossos. Vocd sabe como ¢ isso, O desejo queima, e o que se queima se transfortna om Ghats ou se volatiza no ar. As cinzas podem adubar a terra para que flores¢a alguma planta mais nobre, ou para que aparega a ma erva, Mas n6s nao tinhamos nada que plantar, apenas queriamo: aueimar a floresta. Pronto descobrimos que nos havia juntado 0 desejo que © tinico ponto de tangéncia eram os gen por ai ninguém se agai Por muito tempo; vocé sabe, nessa zona tudo 6 muito escorrega- dio sncia que Ji tive. Digo tdo s6 que nao quero repeti-la -porque uma hora de prazer implicava cinco de softimento. Vou resumir a histéria, para que vooé phrecie como a paixio se foi extinguindo para logo tornar-se decepgdo, frustrago, mégoa e toda uma série de sentimentos negativos, 130 As Formas da Sensi lidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana “°B uma relagdo que acabou 3 anos atrds © ainda me parece que a © um pouco. E no sou homem de guardar rancores. Tente! sait impamente dessa armadilha, Mas nao foi facil. Nunca vi, nem y a ver, um ser mais infantil que aquel instavel, caprichosa, geniosa, egoista; na egocéntrica. Agora entendo que nao deve ter rei entender na época Brigdvamos todos os di; motivo. Termindvam demasiado envolvido; px ramento forte; sai ias, sempre hi a algum agredindo-nos. Ela me exasperava, Eu estava erdia 0 control la era moga de tempe- Nilo digo que tenha sido uma He. Acredite-me: tentei tudo para conciliar, tentei tudo para mo. Mas nfo... era como se 0 mesmo s. Porque ela também as vezes se es- * ndo era uma moga ruim; simplesmente estava num Tonurento de sua evolugdo e de sua vida que no Ihe permitiam ir maie lorge. Emocionalmente era uma crianga e havia dado um passo demact. la de um dia ristes para mim, e sem divida para as vezes penso que a compreendi ». Procuravamos alguma forma de en- hanes, Iamos dormir trangilos e gerenos vt hemes slguma ura ilusio, No dia seguinte ela amanhecia sombria Ou simplesmente esquiva e agressiva. Bra ss neureee cane Propuz que trouxesse seus filhos. No 0 dia da chegada deles me vitou que fosse embora, por motiv e tinha dito que nfo podia ng-Center em razfo de meu traba ingas voltaram a casa dos avés. Eu ja sabia que essa relacdo era impossiyel. ramos um ano em separar-nos completamente. Che. no senti Sdio por ela porque eu também reconhecia a 'a mim foi uma ligdo muito amarga, mas aprendi muita | As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 131 coisa com esta historia”. “Vocé deve perguntar-se como é que cheguei a experimentar uma clara aversio por uma mulher que me tinha provocado uma paixao bas- tante entusiasta. Sim, foi uma paixdo entusiasta. Tanto que eu me arris- mais entrando num affaire com uma mulher casada. Voc sabe, se o marido é um galo de briga pode correr sangue. Eu o sabia, Arris- quei-me deixando-a habitar meu apartamento: ela se apossou um iquer de minha moradia, alegando que se nio a deixava ficar comigo iria para outra cidade. Tinha deixado 0 marido e os dois filhos (0s filhos foram para a casa dos pais dela). Quando avaliei esta decisio percebi que estava lidando com uma mulher problematica. Largar os filhos para viver uma paixdo no € coisa que se faz. Foi o que falei na ocasiio. Fazia apenas 4 meses que estivamos de caso e jd estava numa situagao quente ¢ perigosa. Mas topei o risco. Dez anos antes tinha vivido outra paixo semelhante, s6 que muito bonita (com riscos. avent {ros clandestinos, disfarces de amantes e com um fim trangiiilo, quase trangiiilo), Agora tinha uma nova ocasiao de embarcar-me numa bela travessia em mar agitado. Tudo prenunciava um naufragio, mas 0 desejo quando se origina nos horménios nao mede conseqiiéncias, verdade?”. “O problema é que nao nos entendiamos. Era incompatibilidade de caracteres, Nos entendiamos no plano do desejo; dai tentévamos manter-nos em pé. Mas largar tudo para comecar uma outra vida com uma pessoa quase desconhecida era uma loucura. Nos dois sabiamos isso. Ela me valorizava; nao queria largar-me. Queria esgotar todos os esforgos. Bu apreciava sua beleza, e também me dofa scu. .. como diria? me doja seu desamparo. Ao final, havia deixado tudo para correr uma aventura de amores (esse belo mito que tanto ilude as pessoas, em espe- cial as mulheres). Depois de uma briga, tentavamos de novo. O entendi- mento durava pouco. Surgia logo um motivo de ruptura. Isso me frustra- va". “Foi um actimulo de frustragdes mtituas, de tentativas initeis, Foi isso 0 que acabou com a paixdo, 0 que acabou com 0 respeito. Houve um momento que minha maior preocupagao consistia em terminar todo esse drama sem agir como um cafajeste -simplesmente deixando-a na imos meses foram todo um trabalho de paciéncia para que ela sse materialmente, Nesse periodo ela acentuou seu lado obscu- i marada, mentindo para mim, Estava tio cansado que esse fato me aliviou um pouco: ela mostrava até onde podia chegar. Haviamos comegado dessa maneira; ela terminava repetindo a ‘enso que nfo é facil expor como vio acontecendo as coisas 132 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana num relacionamento, Talvez Ihe dei a impresso que tudo se limitou a simples tesio entre nés. Tudo se iniciou pela atragio. Mas tivemos 4 meses de namoro furtivo, com todas as emogées de um romance. 1580 cria sentimentos, no é verdade? Na época eu estava precisando de um romance intenso, que renovasse meus ardores juvenis (tinha 40 anos, me havia separado de uma mulher com quem nao restava sengio uma amizade), Néo sou um fulano que fica parado na esquina olhando a vida passar. Periodicamente preciso de uma certa aventura; um desafio que mexa comigo, que me coloque numa ceria tensio. Tenséo-tesio, por ai vai a coisa. Essa moga foi a ocasitio para uma nova navegagao. Para onde ia no me importava. De modo que quando ela chegou com suas malas em casa, num ato de ultimato, ‘ou vai ou racha’, isso formava parte do desafio -ndo importa quao pirada parecesse. Apreciei seu ato de audacia, também, Haviamos tido belos momentos juntos e 4 meses de expectativas, de fantasias e de curtigao. Tudo isso nfo gera também a paixio? Foi a convivéncia quotidiana a que nao resultou. Ambos éra- mos temperamento fortes; ambos éramos de briga”. “Talvez tivemos uns 3 meses de convivéncia pacifica, mas num determinado momento ela comegou a relacionar-se com os homens de um modo pouco pertinente; no digo que se insinuava, deixando uma deixa; no era discretae reser "+, como eu gosto que sejam as mulhe- res. Confesso que isso me provocava citimes. E ela gostava de provocar- me essa reagiio. Penso que assim sentia que me dominava, Eu nunca aceitaria uma camarada que agisse dessa maneira, Olha: nao pense que nossas desavengas eram por citimes. Bu dissimulava esse sentimento, embora nas brigas eles colocassem um pouco de veneno a mais. Citi- mes, frustrages, brigas verbais e de (me eusta dizé-lo) bolachadas (até a isso chegamos). Seu eterno descontentamento me irritava, e olha que eu Ihe dava do melhor. Era imutil; ela nao percebia todos meus esforgos para agradé-la” “Espero nio vé-la nunca mais. Nao the desejo mal. Simplesmente nunca deviamos ter ido além de algumas transas. Como simples aman- tes as coisas teriam sido melhores. A loucura foi tentar a convivéncia...” Embora fragmentétio, 0 relato de Mauricio (45 anos, advogado, culto, com sensibilidade musical e grande interesse pelas artes) nos di senha o percurso de um relacionamento sentimental, Verificamos aqui uma seqiiéncia bastante freqiiente: Atragaio Formagao de lagos Tentativas — Evoluglio As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana 133 Inicial e afetivos numa de ajuste numa Simpatia segunda etapa mituo —_determinada diregdo 4.0s afetos: liames invisiveis, amarras e ponto de ancoragem ___ 08 afetos revelam o significado subjetivo que outorgamos aos objetos © pessoas de nossa relacao. Sdo os liames invisiveis, de valor Positivo ou negativo, que estabelecemos com as diversas realidades que constituem nosso mundo pessoal. Por seremiames geralmente nos amar ram, isto é, nos comprometem de maneira intrinseca e geralmente dura- doura. Amitide nos amarram contra nossa vontade ¢ em contraposigao nosso critério racional, Uma vez estabelecidos nao podemos aboli-los Por um simples decreto de nosso ego. E que um sentimento nunea umn mero fio independente: ele esté inscrido numa rede afetiva. que o condiciona e justifica. que 0s amantes, num periodo de rupt 1a, se queixem de no conseguir desligar-se de seu parceiro cuja condi {a os decepciona e os fere. Como é possivel que ainda continue ligado a esse desgracado mentiroso e falsério?, se pergunta a amante ofendid: nela a decepeao e um certo desprezo por esse ser téo pouco respeitoso para com sua pessoa. O sentimento pareceria que existe independente do eu do sujeito, De fato, assim que um relacionamento entra pela via de uma experiéncia em comum chegando a ter uma histéria com a out pessoa, o sentimento assim formado tende a existir fora do comando egoico. $6 quando essa histéria em comum com o outro é superficial e 9 sentimento a ela relacionado é fraco 0 eu pode cortar os liames sem maiores dores. Em geral, o sujeito tende a ancorar no objeto que Ihe suscita um lago afetivo determinado: instala-se no lugar que o objeto oferece, Via de regra, os sentimentos demoram em se constituir, Vio-se formando num processo de experiéncia. Hi um enfraquecimento ou robustecimento dos afetos segundo sejam as peripécias da interago com © objeto. A afeigao que sentimos por um amigo se incrementa se ele a fortalece com condutas que ratificam seu valor, ou simplesmente em razio do grau de interacdo positiva que mantemos, Falamos de profundidade de um afeto, querendo indicar com isso seu grau de firmeza e de compromisso ou significado que ele implica ara quem o experimenta. Esta profundidade depende de dois fatores. ~ Da capacidade vivencial da pessoa que é um aspecto caracteris-

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