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O ESPAGO COMO PALAVRA-CHAVE' @ DAVID HARVEY Universidade de Nova York Se Raymond Williams retomasse hoje g lista das entradas de seu célebre livro' sobre Keywords (palavras-chave)’, ele certamente incluiria a palavra “espaco”. Ele poderia muito bem incluf-la na curta lista de conceitos que, como “cultura” e “natureza”, esto “entre as palavras mais complicadas da nossa lingua” (WILLIAMS, 1985). Como, entdo, podemos decifrar 0 espectro de significagdes dadas & palavra “espago” sem nos perdermos em um labirinto (metéfora espacial interessante) de complicagdes? A palavra “espago” suscita, frequentemente, _ modificagdes. Complicagées as vezes surgem dessas modificagdes (muito frequentemente omitidas na fala ou na escrita), mais do que de uma complexidade inerente a propria nogdo de espaco. Quando, por exemplo, referimo-nos ao espaco “material”, “metaf6rico”, “liminar’, “pessoal”, “social” ou. “psiquico” (usando somente alguns exemplos), indicamos uma variedade de contextos que, assim, contribuem para construir o significado de espago contingente segundo esses contextos, De forma similar, quando construimos expressGes como espacos do medo, do jogo, da cosmologia, dos sonhos, da raiva, da fisica das particulas, do capital, da tensio geopolitica, de esperanca, da meméria ou da interagdo ecoldgica (mais uma vez, somente pata indicar alguns dos desdobramentos aparentemente infinitos do termo), os dominios de aplicagio sfo tio particulares que tornam impossfvel qualquer definigao genérica de espaco. Dentro do que se segue, contudo, irei deixar de lado " Original: Harvey, D. 2006. Space as a keyword. In: Castree, N. e Gregory, D. (org.) David Harvey: a critical reader. Malden’ e Oxford: Blackwell. Tradugao livre: Leticia Gianella. Revisio técnica: Rogério Haesbaert e Juliana Nunes. Dada a formaagio de nossa revisla, optamos por incorporar a divisié em t6picos presente na tradugio francesa (HARVEY, D. 2010. Géographie et Capital: vers um matérialisme histérico- géographique. Pais: Syleps). David Harvey se refere aqui ao livro “Palavras-Chave”, de Raymond Williams, publicado em portugués em 2007 pela Editora Boitempo (Sao Paulo). (NR) 8 essas dificuldades © arriscar uma decifragio genérica do significado do termo. Espero, assim, dispersar um pouco a névoa da falta de comunicagao, que parece atormentar o uso da palavra. © ponto de partida que escolhemos para esta investigagio nio é inocente, todavia, jd que ele inevitavelmente define uma perspectiva particular que destaca alguns t6picos enquanto encobre outros. Certo Privilégio, naturalmente, € concedido a reflexdo filosdfica, uma vez que a filosofia aspira estar acima dos varios e divergentes campos. das praticas humanas © dos conhecimentos parciais, a fim de atribuir significados definitivos as categorias as quais podemos recorrer. Parece-me que hé suficiente dissenso @ confusio entre os fil6sofos quanto ao significado de espaco para que ele possa constituir um ponto de partida nao problemitico. Além disso, j4 que ndo sou de modo algum qualificado para refletir sobre 0 conceito de espago a partir do interior da tradigao. filoséfica, parece preferivel comegar do ponto que conheco melhor. Por isso parto do ponto de vista do gedgrafo, no porque este seja um ponto de vista privilegiado que de algum modo disporia de um direito de propriedade (como alguns ge6grafos as vezes parecem reivindicar) sobre 0 uso dos conceitos espaciais, mas porque € af que se passa a maior parte do meu trabalho. E nesta arena que me depare mais diretamente com a complexidade’ que envolve © significado da palavra “espago”. Tenho, obviamente, com frequéncia, inspirado-me no trabalho de autores que operam em vérios campos da divisio académica e intelectual’ do trabalho, bem como no trabalho de muitos gedgrafos (demasiados para seem reconhecidos em um breve ensaio como este) que, ao seu modo, tém se engajado ativamente na exploracéo desses problemas. Nao tentarei fazer aqui nenhuma sintese de todo esse trabalho. Farei uma colocagdo puramente pessoal de como meus pontos de vista tgm evolufdo (ou no) conforme busco significagdes Operatérias, to satisfatdrias quanto possivel, em relagdo as teméti te6ricas e préticas que constituiram minhas preacupagdes bésicas. O espaco: absoluto, relative e relacional Comecei a refletir sobre este problema hé muitos anos. Em Social Justice and the City, publicado em 1973%, argumentei que era crucial refletir sobre a natureza do espago se estavamos buscando entender os ‘A justiga social ea cidade”, editado no Brasil pela editora Hueitee (Si Paulo, 1980). (NR) 9 processos iirbanos sob o capitalismo, Trabalhando sobre -ideias previamente sclecionadas de um estudo de filosofia da ciéncia ¢ parcialmente exploradas em Explanation in Geography, identifiquei uma divisio tripartite no modo como o espago poderia ser entendido: Se considerarmos o espago como absoluo ele se torna uma “coisa em si mesma”, com uma existeciaindependente da materia. Ele posui entdo una estrutura que podemos usar para clasficar ou distinguir fendmenos. A concepcéo de tspago relative propse que ele seja compreendido como uma Telogo entre objeios que existe pelo propria fato dos obctos cristirem e se relacionarem, Existe outro sentido em que 0 espago pode ser concebido como relative e éu proponho chamié-lo espago relacionl ~ espago considerado, 8 mancia de Leibniz, como estando contdo em objeios, no sentido de aque um objeto pode ser considerado como exitindo somente ria medida em que contém e representa em si mesmo as relagdes com outros objeos (HARVEY, 1973:13). Considero que esta divisio tripartite € bem sustentada. Assim, ” comecarei com uma breve elaboragio sobre o que cada uma dessas categorias pode implicar. Espago absoluto € fixo e nés registramos ou planejamos eventos dentro da moldura que o constitu. Este é o espaco de Newton e Descartes ¢ € usualmente representado como uma grade pré-existente e imével que permite padronizar medigies ¢ esté aberto ao célculo, Geometricamente & 0 espago de Euclides e, portanto, o espaco de, todas as formas de mapeamento cadastral ¢ priticas de engenharia. E 0 espaco primério de individuagiio — a res extensa, como afirma Descartes ~ ¢ refere-se a todos os fendmenos discretos ¢ delimitados, e do qual voc’ e eu fazemos: parte enquanto pessoas individuais, Socialmente, € 0 espago da propriedade privada e de outras entidades territoriais’ delimitadas (como Estados, tunidades administrativas, planos urbanos e grades urbanas). Quando 0 engenheiro de Descartes contempla 0 mundo com um sentido de dominio, trata-se de um mundo de espaco (e de tempo) absoluto onde todas as incertezas e ambiguidades podem em prinefpio ser banidas e onde 0 cdlculo humano pode florescer sem entraves. A nogdo de espago relativo € associada principalmente ao nome de Einstein ¢ 8s geomettias ndo-euclidianas que comecaram a set_mai + sistematicamente construfdas no século XIX. O espago € relativo em dois 10 sentidos: de que ha miltiplas geometrias que podemos escolher¢de-que 0 ‘quadro espacial depende estritamente daquilo que esté sendo refat e por quem. Quando Gauss estabeleceu pela primeira’ vez as-repras da geometria esférica néo-euclidiana para lidar com os problemas da descrico precisa da superficie curva da Terra, ele também afirmou a declaragdo de Euler.de que um mapa com escala perfeita de qualquer poredo da superficie terrestre é impossivel. Einstein tomou 0 argumento mais tarde pontuando que todas as formas de medigéo dependem do modelo de referéncia do observador. A ideia da simultaneidade no universo fisico, ele disse, deve ser abandonada. Deste ponto de vista, é impossfvel compreender 0 espago indépendentemente do tempo, e isto implica uma modificagao importante na linguagem, com uma passagem do espaco e do tempo ao espaco-tempo ou espago-temporalidade. Isto foi, claro, a realizacdo de~Einstein para chegar com termos exatos para’ cxaminar fendmenos como a curvatura do espago, a0 examinar processos temporais, operando na velocidade da luz (OSSERMAN, 1995), Mas no esquema de Einstein 0 tempo permanece fixo enquanto € 0 espaco que dobra de acordo com certas regras observaveis (da mesma maneira que Gauss elabora a geometria esférica como um modo de investigar através da triangulacdo a superficie curva da Terra). Em um nivel bem trivial da atividade do ge6grafo, nés sabemos que o espago das relagdes parece ser, ¢ €, muito diferente dos espacos da propriedade privada, O cardter vinico da localizagao ¢ da individdalizagao, definido pelos territ6rios limitados do espaco absoluto, oferece um caminho para uma multiplicidade de localizagées que sio equidistantes de, digamos, alguma localizagao central da cidade. Podemos criar mapas completamente diferentes de localizagdes, relativas diferenciando-as entre distincias medidas em termos de custo, tempo, modo de transporte (carro, bicicleta ou skate) e mesmo interromper continuidades espaciais ao olhar para redes, relagdes topol6gicas (a rota 6tima para o carteiro), ¢ assim por diante, Sabemos, dadas as fricgdes diferenciais da distincia encontradas na superficie terrestre, que a distancia mais curta (medida em termos de tempo, custo, energia gastos) entre dois Pontos nao é necessariamente dada pela linha reta frequentemente imaginada. Adeinais, 0 ponto de vista do observador joga um papel crucial, A tipica visio de New York no mundo, como.o famoso cartoon de Steinberg sugere, desaparece rapidamente quando pensamos nas terras do este do rio Hudson ou do leste de Long Island. Toda esta relativizacdo, & importante notar, no necessariamente reduz ou climina a capacidade de cAlculo ou controle, mas ela indica que regras e leis especiais sao necessérias para fendmenos particulares e processos em consideracio 1 Dificuldades aparecem, contudo, se ambicionamos integrar conhecimentos de diferentes campos em um esforgo mais unificado. A espago; temporalidade necessdria para representar fluxos de energia através de sistemas ecolégicos adequadamente, por exemplo, pode nao ser compativel com aquela de fluxos financeiros através de mercados globais. Entender os ritmos espago-temporais da acumulagdo de capital requer um quadro ‘bastante diferente daquele necessario para entender as mpdancas climaticas globais, Tais disjuncOes, que tornam 0 trabalho extremamente dificil, nao sio necessariamente uma desvantagem desde que as reconhecamos como tais. Comparagées entre molduras espago-temporais diferentes podem. iluminar os problemas da escolha politica. (Devemos favorecer a espago- temporalidade dos fluxos financeiros ou aquela dos processos ecolégicos que eles tipicamente destroem, por exemplo?). conceito relacional de espago & mais frequentemente associado a0 nome de Leibniz que, em uma famosa série de cartas a Clarke (efetivamente uma relagdo proxima de Newton), faz. sérias objegdes a visio absoluta do espaco e tempo to central as teorias de Newton. Sua principal objeco teolégica. Newton dava a entender que até mesmo Deus estava dentro do espaco ¢ do tempo absolutos mais do que no comando da espaco-temporalidade. Por extensfo, a visio relacional do espago sustenta que nao hé tais coisas como espacgd ou tempo fora dos processos que os definem. (Se Deus faz 0 mundo entiio Ele também escolheu fazer, fora de muitgs. possibilidades, espago e tempo de um tipo particular). Processos néio ocotrem no espago mas definem seu proprio quadro espacial. O conceito de espaco esté embutido ou é intemo ao processo, Esta formulagio implica que, como.no caso do espago relativo, é impossivel separar espago e tempo. Devemos, portanto, focar no caréter relacional do espago-tempo mais do que no espago isoladamente, A nogao relacional do espago-tempo implica a ideia de relagdes internas; influéncias externas so internalizadas em processos ou coisas espectficos através do tempo (do mesmo modo que minha mente absorve todo tipo de informagio ¢ estimulos externos para dar lugar a padrées estranhos de pensamento, incluindo tanto sonhos e fantasias quanto tentativas de célculo racional). Um evento. ou uma coisa’situada em um ponto no espago nao pode ser compreendido em referéncia apenas ao que existe somente naquele ponto. Ele depende de tudo o que acontece ao redor dele (do mesmo modo que todos aqueles que entram em uma sala para discutir trazem com eles um vvasto espectro de dados da experiéncia acumulados na sua relagio com 0 mundo. Uma grande variedade de influéncias diferentes que turbilham sobre 0 espaco no passado, no presente e no futuro concentram e congelam 12 em um certo ponto (por exemplo, em uma sala de,conferéncia) para definir a natureza daquele ponto. A identidade, nesta argumentacdo, significa algo bastante diferente do sentido que temos dela a partir do espago absoluto, Assim chegamos a uma versio ampliada do conceito de ménada de Leibniz. Medig6es se tornam mais e mais problematicas quando nos movemos em diregio a um mundo de espaco-tempo relacional. Mas por que seria presumfvel que’ .o espago-tempo somente existe se & mesurdvel e quantificavel em’ certas formas tradicionais? Isto’ nos leva a algumas reflexdes interessantes sobre 0 fracasso (talvez seja melhor falarmos de simples limitagdes) do positivismo e empirismo para desenvolver abordagens adequadas dos conceitos espago-temporais para além daqueles que podem ser mensurados. De certo modo, concepgées relacionais de espago-tempo nos levam ao ponto onde’ matemética, poesia e miisica convergem, se no mesmo se fundem, E isto, de um ponto de vista cientifico (em oposicéo ao. estético), € um-andtema para aqueles de inclinagao positivista ou materialista vulgar. Neste ponto, 0 compromisso kantiano de reconhecer 0 espago como real mas somente acessivel pela intuigio tenta construir uma ponte entre Newton e Leibniz, precisamente pela incorporago do conceito, de espago & teoria do. julzo estético, ‘ontudo, 0 retorno a popularidade e importancia de Leibniz, néio somente como o guru do ciberespaco mas também como um dos pensadores fundamentais para abordagens mais dialéticas do problema da relagao cérebro-mente e das formulagdes da teoria quantica, sinaliza ialgum tipo de impulso para além dos conceitos absolutos ¢ relativos e de suas qualidades mais facilmente mensurdveis, bem como do compromisso kantiano. Mas 0 terreno relacional é um terreno extremamente desafiador e dificil para se trabalhar. Ha muitos pensadores que, com o passar dos anos, aplicaram seu talento para refletir sobre 0 pensamento relacional. Alfred North Whitehead era fascinado pela necessidade da abordagem relacional contribuiu muito para o seu avango*. Deleuze também desenvolveu muitas dessas ideias tanto em suas reflexdes sobre Leibniz (com as reflexdes sobre @ arquitetura barroca © os matemiticos da dobra no trabalho de Leibniz), quanto naquelas sobre Spinoza. “Fitzgerald (1979); tentei chegar & um acordo com as abordagens de Whitehead em Harvey (1996) 3B Usos dos modos espaco-temporais ‘Mas por que ¢ como eu poderia, como um gedgrafo em atividade, considerar itil 0 modo de abordagem relacional do espago-tempo? A resposta € simplesmente que certas teméticas, como o papel politico das memérias coletivas nos processos urbanos, somente podem ser abordadas desta maneira. Nao posso encerrar as memérias politicas ¢ coletivas dentro de um espaco absoluto (sityé-las claramente em uma grade ou sobre um mapa), nem compreender sua circulagdo em fungao de regras, ainda que sofisticadas, do espaco-tempo relativo. Se coloco a questo: “o que significa a praca Tiananmen ou Ground Zero [Marco Zero}’?”, 0.tinico modo de encontrar uma resposta é pensando em termos relacionais. Este é © problema com o qual me confrontei quando escrevia sobre a basilica de Sacré-Coeur de Paris. Também, como mostrarei em breve, & impossfvel compreender a economia politica marxista sem adotar uma perspectiva relacional. ; Assim, 0 espaco (espago-tempo) € absoluto, relative ou relacional? Nio sei se existe uma resposta ontol6gica a esta questo, No meu trabalho, considero o espago como sendo os trés. Esta foi a conclusio a que cheguei hé trinta anos endo encontrei nenhuma razao particular para mudar de opinido. Veja o que escrevi 4 época: © espago niio € nem absoluto, nem relative, nem relacional em si mesmo, mas ele pode torhar-se uin ou outro separadamente ou simultaneamente em funcio das circunstincias. O problema da concepcao correta do espago & resolvido pela prética humana em relaclo a ele, Em outros termos, no hd respostas filoséficas a questdes filos6ficas que concernem & natureza do espago — as respostas se situam na pritica humana. A questio "o que € 0 espago?” € por consequéncia substivufda pela questio “como é que diferentes, priticas humanas criam e usam diferentes concepgdes de espago?”. A relagio de propriedade, por exemplo, cria espagos absolutos nos quais 0 controle monopolista pode ‘operar, © movimento de pessoas, de bens, servi¢os © informagio realiza-se no espago relative porque o dinheiro, tempo, energia, ete, slo necessérios para superar a fricgao da istincia, Parcelas de terra também inoorporam beneficios 5 “Marco Zero” € 0 local onde se encontravam as Torres Gémeas em Manhattan, Nova York. (NR) 4 Porque coiitém relagdes com outras parcelas... sob a forma do arrendamento, 0 espayo telacional se torna um aspecto importante da prética social humana (Harvey, 1973), Ha regras para decidir onde e quando um quadio espacial & preferivel a outro? Ou a escolha é arbitréria, sujeita’aos caprichos da prética humana? A deciséo de utilizar uma ou outra concepgao depende cerlamente da natureza dos fendmenos considerados. A concepeao absoluta pode ser perfeitamente adequada para as questdes de delimitacio da propriedade e determinagao de fronteiras, mas ela nao auxilia em nada na questo sobre o que ¢ a praca Tiananmen, Ground Zero (Marco Zero] ou a basflica do Sacré-Coeur. Por isso considero titil ~ a0 menos a titulo de teste interno — esbogar justificativas pela escolha de um espaca de referéncia absoluto, relativo ‘ou relacional. Além disso, muitas vezes em minhas préticas me vejo presumindo que ha alguma hierarquia no trabalho entre esses trés espacos no sentido de que o espaco telacional pode incluir os espacos relativo e absoluto, o relativo pode incluir 0 espago absoluto, mas que 0 espago absoluto € apenas absoluto. Mas, sem hesitacdo,, nao avangarei neste ponto de vista como um principio heuristico e, mais ainda, tentarei defendé-lo teoricamente. Acho mais interessante conservar os trés conceitos em tensdo dialética um com o outro e pensar constantemente nas interagdes que eles travam entre si. Ground Zero [Marco Zero] & um espaco absoluto ao mesmo tempo em que & relativo e relacional no espaco- tempo. Deixe-me tentar colocar essas ideias em um contexto imediato. Eu fago uma conferéncia em uma sala. O alcance das minhas palavras € limitado pelo espago absoluto de suas paredes particulares, e pelo tempo absoluto da conferéncia. Para me ouvir, as pessoas devem estar presentes no interior deste espago absoluto ¢ durente este tempo absoluto. As pessoas que ndo podem entrar na sala sio exclufdas ¢ aquelas que chegam mais tarde. no poderio me ouvir. Aquelas que estio presentes podem ser identificadas como individuos — individualizados ~ cada um em funcio de um espago absoluto, como, por exemplo, o assento que ele ocupa durante este perfodo de tempo. Mas me encontro igualmente em um espaco telativo em relago ao meu piblico. Estou aqui e ele esta Id. Tenté me comunicar através do espago por um meio —a atmosfera— que refrata minhas palavras de modo diferenciado. Eu falo com voz baixa e a clareza das’ minhas palavras se desvanece através do espaco: a tiltima fileira nfo escuta mais, nada. Se hd uma difusio da conferéncia por video em Aberdeen, eu posso ser escutado Ié mas ndo na Giltima fileira da propria sala. Minhas palavras so recebidas de maneira diferenciada no espago-lempo relative, A individualizagdo é mais problemética uma vez que so muitas pessoas 15 exatamente na mesma localizagio relativa que eu neste espago-tempo. Todas as pessoas que se encontram na primeira fileira so equidistantes em relagio a mim. Uma descontinuidade no espago-tempo surge entre aqueles que podem ouvir e aqueles que ndo podem. A anélise do que esté acontecento no espago e tempo absolutos da conferéncia na sala parece muito diferente quando analisada através da lente do espaco-tempo relativo, Mas entéo ha ainda 0 componente relacional. Individuos na \diéncia trazem ao espago e tempo absolutos da conferéncia todo tipo de ideias e experiéncias adquiridas a partir do espago-tempo de suas proprias trajetorias de vida e tudo isto esta co-presente na sala: ele ndio pode parar de pensar no debate que houve durante o café da manhd, ela ndo pode apagar de sua mente as terriveis imagens de morte e destruigdo que viu nas noticias da noite anterior. Qualquer coisa na minha maneira de falar lembra a cada uma dessas pessoas presentes um evento traumético perdido em um passado distante, e minhas palavras fazem lembrar uma outra reunido politica que ela frequentava nos anos 1970. Minhas palavras expressam __ certa raiva sobre o que est acontecendo no mundo, Percebo-me pensahdo enquanto falo que tudo o que estamos fazendo nesta sala € estlipido trivial, Hé uma tensio palpavel na sala. Por que ndo tentamos derrubar 0 governo? Eu me liberto de todas essas relacionalidades, me volto ao espago absoluto e relativo da sala ¢ tento abordar o tema do espaco como palavra- chave de maneira seca e técnica. A tensdo se dissipa e alguém na primeira fila cochila. Eu sei onde todo mundo se encontra no espago e tempo. absolutos, mas nfo fago a menor ideia, como diz o ditado, de “onde se encontra a cabega das pessoas”, Posso suspeitar que certas pessoas seguem minhas palavras e outras nfo, mas munca estou seguro, Eis af, contudo, seguramente, 0 élemento mais importante disso tudo. E aqui, sobretudo, que consiste a transformagio das _subjetividades _politicas. A relacionalidade € enganosa, se no mesmo impossivel de aprender, mas nem por isso é menos essencial. Com esse exemplo, espero mostrar que existe um limiar a respeito da propria espacialidade, porque nés nos situamos inevitavelmente dentro dos trés quadros de referéncia simultaneamente, ainda que nao necessariamente de maneira equivalente. Podemos acabar, muitas vezes sem notar, favorecendo uma ou outra definicao através de nossas agdes. Em um modo absoluto, vou realizar uma aco e tentar chegar a um conjunto de conclusdes; em um modo relativo, construirei_minhas interpretages diferentemente e farei algo a mais; e se tudo parece ser diferente através dos filtros relacionais, me conduzirei de um modo muito diferente. Aquilo que nds fazemos, tanto quanto o que compreendemos, € 16 integralmente dependente do quadro espago-temporal primério dentro do qual nds nos situamos. Consideremos a maneira como isto funciona examinaido © mais perigoso dos conceites sociopoliticos,.a saber, 0 conceito de “identidade”. As escolhas so claras no espaco e tempo absolutos, mas clas se tornam mais fluidas quando passamos ao espago- tempo relativo, ¢ niuito dificeis em um mundo relacional. Mas é somente dentro deste tiltimo quadro que nés podemos nos confrontar com numerosos aspectos da politica contemporainea, na medida em que se trata de'um mundo de subjetividade e de consciéncias politicas. Du Bois tentou, ‘hd muito tempo, formular o problema em termos do que ele chamou de “dupla consciéncia” — 0 que significa, ele perguntou, carregar em si mesmo a experigncia de ser tanto negro quanto americano? Podemos complicar ainda mais @ questo perguntando o que significa ser americana, negra, mulher, lésbica ¢ da classe trabalhadora? Como todas essas relacionalidades entram na consciéncia politica do sujeito? E quando consideramos outras dimensdes ~ de migrantes, grupos de didsporas, turistas © viajantes ¢ aqueles que assisiem A atual midia global ¢ parcialmente filtram ou absorvem suas mensagens cacofénicas — entio a questo priméria com que estamos lidando € entender como todo este mundo relacional de experiéncia e informagao se intérnaliza no sujeito politico particular (ainda que individualizado no espaco e tempo absoluitos) Para suportar esta ou aquela linha de pensamiento e de aio. Claramente, nao podemos compreender o terreno mutavel no qual subjetividades Politicas se formam e agdes politicas ocorrem sem pensar sobre 0 que acontece em termos relacionais. Se a distingzio entre as concepgdes absoluta, relativa ¢ relacional do espaco fosse 0 tirico meio para desvendar o significado de espago como palavra-chave, poderfamos permanecer af. Feliz ou infelizmente, ha outros modos igualmente convincentes de tratar este problema. Muitos geografos, por exemplo, recentemente sinalizaram uma importante diferenga entre 0 uso do conceito de espago como elemento essencial dentro de um projeto materialista de compreensio de geografias concretas sobre o terreno ¢ 0 emprego geral de metéforas espaciais na teoria social, literéria e cultural Estas metéforas, além disso, foram frequentemente’ utilizadas para submeter a critica as metanarrativas (como a teoria marxiana) & as estratégias discursivas nas quais a dimensio temporal predomina. Isso provocou um imenso debate sobre o papel do espaco na teoria social, literaria e cultural. Nao tenho a intengdo de entrar nos detalhes da discusstio sobre 0 que chamamos a “virada espacial” em geral, nem sobre sua relago com 0 pés-modernismo em particular. Mas minha propria v7 posi¢ao sempre foi bem clara: a prépria consideragdo do espago ¢ do espaco-tempo tem efeitos cruciais sobre como teorias abordagens sao articuladas e desenvolvidas. Isto ndo justifica, porém, absolutamente renunciar a toda tentativa de formulacdo de metateorias (a consequéncia seria nos fazer retomar A geografia dos anos 1950 — que é, de forma interessante, a tendéncia, ainda que inconsciente, de um significativo segmento da geografia britanica atual). Considerar 0 espago como uma ave consiste, neste sentido, em compreender a maneira pela qual to pode ser vantajosamente integrado dentro das metateorias sociais, literdrias e culturais existentes, e examinar os efgitos. Cassirer, por exemplo, elabora uma divisio tripartite dos modos humanos da experiéncia espacial ao distinguir entre os espagos orgdnico, perceptivo e simbélico (CASSIRER, 1944; ver tb. Harvey, 1973:28). O primeiro designa todas as formas de experiéncias espaciais biologicamente (logo, materialmente, © registradas pelas caracteristicas especificas de Tiossos sentidos) dadas. O espago pérceptivo se refere as maneiras pelas quais processamos neurologicamente a experiéncia fisica e biol6gica c a registramos:no universo do pensamento, © espago simbélico, por ‘outro lado, 6 /abstrato (¢ ‘pode’ supor o desenvolvimento de uma linguagem abstrata como a geometria ou a construcio de formas arquiteténicas ou pict6ricas), O espaco simbélico gera significagdes particulares através de leituras e de interpretagdes. A questo das praticas estéticas aparece neste campo. Neste dominio, Langer (1953), por sua vez, distingue 0s espacos “teal’.e “virtual”. Segundo a autora, este dltimo consiste em um “espago construido pelas formas, as cores, etc.”, a fim de produzir as imagens ¢ as ilusdes intangiveis que constituem o coragao de todas as praticas estéticas, A arquitetura, diz. ela, “é uma arte pldstica, e seu primeiro sucesso é sempre, inconsciente ¢ inevitavelmente, uma ilusdo: algo de puramente imagindrio ou conceitual traduzido nas’ impresses visuais”. Aquilo que existe no espago real pode ser descrito facilmente, mas a fim de compreender 0 afeto que acompanha a confrontagao da obra de arte nés devemos explorar 0 universo muito diferente do espago virtual. E este, diz ela, nos projeta sempre dentro de um dominio étnico particular. Esse é 0 tipo de ideias que cu primeiramenie abordei em Social Justice and the 18 O aporte de Henri Lefebvre E a partir desta tradigdo do pensamento espacializado que Lefebvre (quase certamente inspirado em Cassirer) construiu sua propria divisio tripartite: 0 espaco material (0 espago da experiéncia e da percepco aberto ao toque fisico a a sensaca0); a representacdo do espago (0 espaco como concebido e representado); e os espagos de representagao (0 espago vivido das sensagdes, a imaginagao, das emogdes e significados incorporados no modo como vivemos 0 dia a dia) (LEFEBVRE, 1991(1974}). Se me concentro em Lefebvre nfo é porque, como supdem muitos autores na teoria cultural e literéria, Lefebvre concede 0 momento origindrio do qual deriva todo 0 pensamento relativo & producZo do espaco (tal tese € manifestamente absurda), mas porque considero mais pertinente trabalhar com as categorias de Lefebvre do que com aquelas de Cassirer. O espago material corresponde simplesmente para nés, humanos, ao mundo. da interagio tétil e sensual com a matéria, € 0 espaco da experiéncia. Os elementos, momentos e eventos deste mundo so constitufdos da materialidade de algumas qualidades. A maneira pela qual representamos este mundo € outra coisa, mas ainda aqui nds nao concebemos ou representamos o espago de maneira arbitrdria; nds procuramos as descrigdes apropriadas, se ndo exatas, das realidades materiais que nos circundam por meio de representagGes abstratas (palavras, graficos, cartas, diagramas, imagens, etc.). Henri Lefebvre, como Walter Benjamin, insiste que nés nao vivemos como dtomos materiais flutuando ao redor de um mundo material; nés temos igualmente imaginagdes, medos, emogdes, psicologias, desejos © sonhos (BENJAMIN, 1999). Estes espagos de Tepresentagdo so uma parte integrante de nosso modo dé viver no mundo, Podemos igualmente procurar representar a maneira com que este espacd emocionalmente, afetivamente, mas também materialmente vivido através de imagens poéticas, composigdes fotograficas, reconstrugdes artisticas. A estranha espago-temporalidade de um sonho, de um desenho, de uma aspiragdo oculta, de uma lembranga perdida ou mesmo de uma sensagao ou tremer de medo quando andamos em uma rua, pode ser representada através de obras de arte que, em iltima instincia, tém sempre uma presenga mundana no espago e tempo absolutos. Leibniz, igualmente, colocou a questo da existéncia de mundos ¢ de sonhos espago-temporais, alternativos como de interesse considerdvel. E tentador, como no caso da primeira divisao tripartite dos termos espaciais que evocamos, considerar as trés categorids. de Lefebvre 19 ordenadas hierarquicamente. Mas af também parece mais apropriado conservar as ués categorias em tensio dialética. A experiéncia fisica e material da ordem espacial e temporal é mediada, em um certo grau, pela maneira com que espago e tempo sio representados. O oceanégrafo/tisico nadando entre as ondas pode experimenté-las de modo diferente do poeta enamorado de Walt Whitman ou do pianista que adora Debussy. Ler um livro sobre a PatagOnia afetaré a maneira como experimentaremos aquele espago quando formos até 1d, mesmo que uma dissondncia cognitiva considerdvel possa se instalar entre as expectativas geradas pela escrita ¢ modo pelo qual a experiéncia € efetivamente sentida. Os espagos © 05 tempos da representacio que nos envolvem ¢ nos rodeiam na nossa vida cotidiana afetam tanto nossas experiéncias diretas quanto nossa interpretagdo ¢ compreensio. Podemos nem mesmo notar as qualidades materiais dos agenciamentos espaciais incorporados na vida cotidiana, porque n6s nos conformamos espontaneamente as rotinas. No entanto, através das rotinas materiais cotidianas nds compreendemos 0 funcionamento das representagdes espaciais e construimos espagos de representago para nds mesmos (por exemplo, o sentimento intuitiv de seguranga em um bairro familiar ou por sentit-se “em casa”). Somente conseguimos notar quando algo aparece completamente fora Jo lugaé. O {que quero sugerir é que o que realmente importa é a relacdo dialética entre as categorias, mesmo que Seja uitil, com vistas ao entendimento, distinguir cada elemento como um momento separado da experiéncia do espago e do tempo. / Este modo de pensar-o espaco me ajuda a interpretar as obras de arte © a arquitetura. Uma pintura como “O grito”, de Munch, € um objeto material, mas ele funciona como um estado psiquico (0 espaco da representago ou espago vivido de Lefebvre), e tenta, através de um conjunto preciso de cédigos representacionais (a representagéo do.espaco ‘ou espago concebido) adotar uma forma fisica (0 espago material da pintura relacionado & nossa experiéncia fisica efetiva) que nos diz, alguma coisa sobre a maneira pela qual Munch vivia este espaco. Este, dé a impressio de ter. vivido um tipo de pesadelo horrivel, 0 género de pesadelo do qual acordamos gritando. E conseguiu exprimir algo desse sentido através do objeto fisico,. Muitos artistas contempordneos, utilizando multimidia ¢ técnicas cinéticas, criam espacos experienciais nos quais muitos modos de experiéncia do espago-tempo se combinam. Veja, por exemplo, como é descrita no catélogo a contribuigio de Judith Barry para a Terceira Bienal de Arte Contemporinea de Berlim: 20 No seu trabalho experimental, a video-artista Judith Barcy questiona sobre 0 uso, a construgio € a interagdo complexa entre espagos paiblico e privado, midia, sociedade © géneros, Os temas das suias instalagdes © de seus escritos te6ricos se Posicionam em um campo de observagdo que evoca a meméria hist6rica, a comunicagio de massa e a percepeao, Em um intervalo que se situa entre 0 imagindrio do espectador ¢ a arquitetura gerada pelas’ mfdias, ela criow cespagos imaginsrios, retratos alienados da realidade profana Na obra intitulada Voice Off ... 0 espectador penctra na estreiteza claustrofobica do espago de exibicio, se aprofunda na‘ obra e, forgado a mover-se pela instalago,” prova impresses nao somente cinéticas, mas cinestésicas. O espago de projegdo dividido oferece a possibilidade de entrar em ccontato com voces diferentes. O uso e a escuta da voz como elemento principal, e a intensidade da tensio psiquica — especialmente do lado masculino da projecio - evoca a forga deste objeto intangivel e efémero. As vores demonstram 40s espectadores 0 modo pelo qual é possivel mudar através delas, como procuramos controlé-las e a perda que sentimos quando nao as ouvimos mais catélogo conclui que Berry “poe em cena espacos de trénsito que deixam irresoluta a ambivaléncia entre sedugao ¢ reflexdo” (Terceira Bienal de Arte Contemporanea de Berlim, 2004:48-49), Mas para compreender plenamente a descricao do trabalho de Barry, € conveniente aportar os conceitos de espago e de espaco-tempo a um nivel de complexidade superior. Muitos elementos desta descrigaio \ nZo correspondem as categorias lefebvreanas, mas se referem mais as distingdes entre espago e tempo absolutos (a rigida estrutura fisica da exposi¢ao), espaco-tempo relative (0 movimento sequencial do visitante através do espaco) e espago-tempo relacional (as lembrangas, as: vozes, a tensio psiquica, o intangivel e o caréter efémero, bem como’ a claustrofobia). Nés nao podemos, contudo, abandonar as categorias lefebvreanas. Os espagos construidos possuem dimensdes materiais, concebidas e vividas, Proponho, por isso, efetuar um salto especulativo e colocar a divisio tripartite entre 0 espago-tempo absoluto, relativo e relacional em relagdo com a divisio tripartite entre espaco experimentado, conceitualizado e vivido, identificados por Lefebvre. O resultado é uma matriz. (de trés linhas 21 ¢ trés_colunas) cujos pontos de intersecio remetem a diferentes médalidades de compreensio dos significados do espago ¢ do tempo. Poder-se-ia objetar, com justiga, que estou aqui restringindo possibilidades porque um modo de representagio matricial esté auto- confinado a um espaco absoluto. Esta € uma objegao perfeitamente valida. A medida que me engajo em uma pritica representacional (conceitualizagao), ndo posso fazer justiga as dimensdes.experimentadas ou vividas da espacialidade. Por definigdo, portanto, a matriz que eu estabelego ¢ © modo como posso usé-la tem um poder revelador limitado. Mas com tudo isso esclare¢ido, penso ser titil considerar as combinacdes que surgem das diferentes intersegdes da matriz. A virtude da representagio no espaco absoluto é que ela permite identificar os fenémenos com uma grande clareza, E com um pouco de imaginago, é possivel refletir dialeticamente através dos elementos da matriz, de modo qut cada momento é imaginado com uma relaco interna a todas as outras. Proponho ilustrar 0 que tenho em mente (de algum modo condensado, arbitrdrio e esquematico) na figura 1. As entradas da matriz. t@m um cardter muito mais sugestivo que definitivo (os leitores poderdo querer construir Suas prdprias entradas para atingir algum sentido da significagao que proponho).. Espaco material Representacdes do Espacos de (espaco spaco (conceitualizado) | _representacéo ‘experimentado) (espaco vivido) Muros, pontes, Mapas cadastrais Sentimentos de portas, solo, teto, | administrativos; geometria | satisiacéo em tomo ‘as, edifcios, ‘euclidiana; descri¢ao de | do efrculo familiar; cidades, montanhas, | paisagem; metétoras do | sentimento de * continents, Confinamento, espaco sseguranga ou extensdes de agua, | aberto,localizagao, arranjo | encerramento devido Espaco | marcadores, € posigao (comando e a confinamento; absoluto | territoriais, ronteiras | controle relativamente ssentimento de poder ebarreiras fisicas, | téceis)— Newton e conferido pela condominios Descartes propriedade, comando fechados e dominagéo sobre 0 ‘espaco; medo de ‘outros que “nao sao 4 dail’ 22 Circulagao e luxo de | Cartas tematicase | Ansiedade por energia, agua, ar, | topolégicas (e> do chegar na mercadorias, povos, | sistema de metré de | aula no horario: informagao, dinheito, | Londres); geometrias | atracao pela 4 capital; aceleragdes | 'e topologias nao experiéncia da. ediminuicbesna | euclidianas; deseonhecido; {iogao da distancia. | desennos de frustragao num perspectiva; engarrafamento: metaforas de saberes | tonsdes ou Espaco (tempo) +| localizados, de ivertimentos relativo movimento, resultantes da mobilidade, ‘compressdo deslocamento, ‘espaco-tempo, aceleragao, {a velocidade, distanciamento e —_| do movimento. ‘compressao do ‘espaco-tempo (comando e controle Sofisicadas). Einstein e Riemann Fiuxos e campos de _| Surrealismo; Visées, energia cexistencialismo; fantasmas, eletromagnética; _| psicogeogratias; desejos, relagdes sociais; _| ciberespago; frustragoes, superticies metatoras de lembrangas, econdmicas ede | incorporacode —_—_‘|[+sonhos, Espago (tempo) —_| renda potencials; | forgas ede poderes | fantasmas, relacional soncentragées de | (comandoe controle _| estados poluigdo; potencials | muito diffceis —teoria | psfquicos (ex: de energia; sons, | do-caos, cialética, | agoratobia, odores e sensacées | relagdes internas, | vertigem, | trazidas pelo vento. | matematicas claustrotobia) ‘quanticas) ~ Leibniz, Whitehead, Deleuze, Benjamin, Figura I, Uma matriz dos possiveis significados do espaco como palavra-chave 23 Entre historia e meméria Parece-me interessante ler as categorias da matriz vertical ¢ horizontalmente, € imaginar cenérios de combinagdes complexas. Imaginem, por exemplo, 0 espaco absoluto de um condom{nio fechado [gated community] emergente na costa de Nova Jersey. Alguns de seus habitantes Se movem no espaco relativo diariamente, a0 entrar ou sair do distrito financeiro de Manhaitan, onde se inserem no movimento dos fluxos de crédito e de investimentos que afetam a vida social por todo 0 planeta, Eles adquirem assim um poder financeiro que Ihes permite trazer de volta para o espago absoluto de sua comunidade toda a energia, o exotismo alimentar e as mercadorias maravilhosas necessérias a seu estilo de vida privilegiado, Contudo, os habitantes se sentem vagamente ameacados, porque percebem que existe no mundo um édio visceral, indefinivel e impossivel de localizar,.para com tudo o que é americano — esse dio se chama “terrorismo”. Eles apoiam entéo um governo que promete protegé-los dessa ameaga nebulosa. Mas, ao mesmo tempo, tornam-se a cada dia mais paranoicos diante da hostilidade percebida no mundo que os rodeia, e procuram reforcar seu espago absoluto para se proteger, construindo muros mais ¢ mais altos e contratando vigilantes armados para proteger suas fronteiras. Enquanto isso, 0 consumo descontrolado de energia para fazer funcionar seus veiculos blindados que 6s Ievam a cidade todo dia acrescenta uma gota que faz. transbordar 0 copo em relacdo ao clima global. Os padrées de circulagiio atmosférica mudam dramaticamente, Entio, conforme 0 sedutor mas impreciso imagindrio popular da teoria do caos, uma horboleta bate as asas-em Hong Kong, desencadeia um ciclone devastador que atinge a costa de Nova Jersey e varre esse condominio fechado do mapa, Muitos de seus residentes morrem porque t@m tanto medo do mundo exterior que ndo escutam as mensagens de alarme que os convidam a evacuar a Area. Se se tratasse de uma produco hollywoodiana, um cientista. solitério perceberia 0 perigo e salvaria a mulher que ama, que até entao o ignorava, mas que agora, agradecida, cai de amores por ele.. ‘Ao se contar uma histéria simples como esta, percebe-se que & impossivel confinar-se em apenas uma modalidade de pensamento espacial e espaco-temporal. As agdes empreendidas no espago absoluto s6 fazem sentido em termos relacionais. Ainda mais interessantes, portanto, si0 as situagées em que momentos na matriz esto em uma tensHo dialética mais explicita, Deixe-me ilustrar. 24 Quais prinefpios espaciais e espago-temporais devem ser mobilizados para se redesenhar o lugar conhecido como “Marco Zero” em Manhattan’? Trata-se de um espaco absoluto que pode ser reconstrufdo materialmente ¢, para este fim, célculos de engenharia (informados pela mecénica newtoniana) e projetos de arquitetura precisam ser feitos. Hé intimeras discussdes sobre muros de contengdo e a capacidade. do local de suportar grandes transformagdes. Julgamentos estéticos sobre a maneira como 0 espago, uma vez transformado em um artefato material de certo tipo, pode ser vivido, bem como concebido e experimentado, tornam-se igualmente. importantes (Kant aprovaria). O problema € organizar 0 espago fisico a fim de produzir um efeito emocional e, ao mesmo tempo, compatibilizé-lo com certas expectativas (tanto comerciais quanto emocionais e estéticas) sobre como o espaco poderia ser vivido. Uma vez construida, a experiéncia do espaco poderia ser mediada pelas formas representacionais (como os guias e planos) que nos ajudam a interpretar os significados pretendidos do lugar assim reconstru(do. Mas mover-se dialeticamente apenas através da dimensio do espago absoluto é muito menos recompensador do que os insights produzidos ao se recorrer a outros enquadramentos espago- temporais. Os investidores imobilidrios capitalistas esto plenamente conscientes da localizacao relativa do sitio e julgam suas perspectivas de desenvolvimento comercial de acordo com uma légica de relacdes de troca. Sua centralidade © proximidade em relagdo as fungdes de comando ¢ de controle de Wall Street s4o atributos importantes, ¢ se 0 acesso 20s meios de transporte puder ser melhorado ao longo do processo de reconstruciio, melhor ainda, j4 que isso acrescentaria valor ao terreno e a propriedade. Para os investidores, o sitio nao existe meramente no interior do espago- tempo relativo: a sua reestruturacdo oferece perspectivas de transformagao do espago-tempo relativo, assim como perspectivas de elevacio do valor comercial dos espagos absolutos (através de melhorias no acesso a aeroportos, por exemplo). O horizonte temporal seria dominado por consideragdes relativas a taxa de amortizagio e a” taxa de interesse/desconto aplicada aos investimentos de capital fixo no ambiente construfdo. Porém, haveria, muito provavelmente objecées por parte da populacdo, lideradas pelas familias daqueles que morreram naquele local, para pensar-se ¢ construir-se apenas com base em Idgicas socioespaciais, absolutas ou relativas. Seja 0 que for que construirem ali, o edificio tem de dizer algo sobre sua histéria ¢ sua meméria. ‘Haverd_ também provavelmente presses para que se diga algo sobre os significados de comunidade © de nagao; bem como sobre possibilidades futuras (talvez. 25 mesmo a perspectiva de verdades eternas). Tampouco se poderia mais ignorar a questo de sua conectividade espacial e relacional com o resto do mundo, Até mesmo os investidores capitalistas no seriamavessos a uma combinagio de seus interesses comerciais mundanos com os relatos mais simbilicos e inspiradores (que enfatizam 0 poder e a indestrutibilidade do sistema politico-econémico do capitalismo global que recebeu tamanho golpe em 11/9) ao erigir, por exemplo, um imponente simbolo félico provocador. Eles também buscam um poder expressivo no espago-tempo telacional. Mas hé todo tipo de relacionalidades a explorar. O que saberemos sobre aqueles que atacaram e até onde vamos estabelecer . Ses? O sitio ¢ — eter — uma presenca relacional no mundo, independentemente do que ali for construfdo, e é importante refletir sobre como essa presenca funciona: seré, vivenciada como um sfmbolo da arrogincia dos EUA ou como um Signo de compaixio’e compreens global? Considerar. tais quest6es requer que abracemos uma concepgio relacional do espago-tempo. Se, como se referiu Benjamin, histéria (um conceito temporal relativo) nfio é 0 mesmo que meméria (um conceito temporal relacional), entdo temos uma escolha entre historicizar os eventos do 11 de Setembro ‘ou tentar submeté-los a um trabalho de memGria. Se o lugar é meramente historicizado no espago relative (por um certo tipo de monumentalidade) entio isso impde uma narrativa fixa no espaco. O efeito sera o encerramento de futuras possibilidades e interpretagdes. Tal fechamento tenderé a estreitar a poténcia geradora que permitiria construir um futuro diferente. Por outro lado, meméria é, segundo Walter: Benjamin, uma potencialidade que as vezes pode “brilhar” incontrolavelmente em momentos de crise para revelar novas possibilidaddes (BENJAMIN, 1968). modo como 0 local poderia ser vivido por aqueles que 0 encontram se toma enti imprevisivel e incerto. A memsria coletiva, um_difuso, mas poderoso sentido que tanto permeia uma cena urbana, pode desempenhar um papel significativo na animagiio dos movimentos politicos e sociais. O Marco Zero nio pode ser outra coisa que ndo um lugar de memoria coletiva, e o problema dos arquitetos é traduzir esta sensibilidade difusa em um espago absoluto de tijolos, cimento, ago e vidro. E se, como Balzac uma vez, colocou, ‘a esperanca é uma memoria que deseja”, entio a criaga0 de um “espaco de esperanca” naquele lugar requer que a meméria seja internalizada, ao mesmo tempo em que caminhos sao deixados abertos para a expresso do desejo (HARVEY, 2003: cap. 1). 26 A expressiva relacionalidade do Marco Zero em si mesma levanta questdes fascinantes. As forgas que convergiram no espaco para produzir 0 11 de Setembro foram complexas. Como, entiio, podemos considerar essas forgas? E poss{vel que algo experienciado como uma tragédia pessoal e ocal possa ser reconciliado com uma conipreensio de forcas internacionais que foram tio poderosamente condensadas naqueles poucos momentos de fragilidade, em um lugar particular? Conseguiremos perceber neste espaco © ressentimento generalizado a respeito da hegemonia estadvinidense-e da maneira egofsta com que ela se exerceu durante as décadas de 1980 1990? Conseguiremos saber que a administragdo Reagan desempenhou um papel chave na criagao e apoio aos talibas no AfeganistZo a fim de minar a ‘ocupagao soviética, e que Osama bin Laden passou.de aliado dos EUA a inimigo, em razio do apoio estadunidense ao regime corrupto da Arabia Saudita? Ou aprenderemos apenas sobre “outros” covardes, estrangeiros portadores do mal que odiaram os EUA e tentaram destruf-lo em razio de que tudo o que esta nado sustenta em nome da liberdade? A espago- temporalidade relacional do evento e do local pode ser exumada com algum esforgo de escavacio. Mas a maneira de representéla e de materializé-la € incerta. O resultado dependerd claramente de lutas politicas. E as batalhas mais violentas se travardo em toro do que a feconstrucdo do-espaco-tempo relacional iré invocar. Esse foi o tipo de questdes que encontrei quando tentei interpretar 9 significado da basilica de Sacré-Coeur em Paris tendo como pano de fundo a meméria histérica da Comuna de Paris, Isso me Jeva a fazer algumas observagdes sobre a ditnensdo politica do’ argumento. Pensar as diferentes maneiras como espago ¢ espago-tempo siio usados como palavra-chave nos ajuda a definir certas condigoes de possibilidade para o engajamento critico. Isso também nos abre caminhos para identificarmos reivindicagées contraditérias possibilidades politicas alternativas, além de nos incitar a considerar a maneira como moldamos fisicarmente nosso meio e © modo como o representamos ¢ o vivemos. Creio set justo dizer que a tradigdo marxista no tem sido suficiéntemente engajada em questdes deste tipo, e que essa falha geral (apesar de existirem, € claro, numerosas excegdes) tem frequentemente significado a perda de oportunidades para certos tipos de politicas transformadoras, Se, por exemplo, a arte realista socialista falha ao capturar a imaginagdo e se a monumentalidade alcangada sob os regimes comunistas do passado era tio pobre em inspirago, se comunidades planejadas e cidades comunistas geralmente parecem to mortas para o mundo, uma forma de se. pensar Griticamente sobre tais questdes seria entZo 0 de voltar o olhar para as 7 formas de se pensar sobre espaco e espago-tempo e os papeis nio necessariamente limitadores e constringentes que tais perspectivas desempenharam nas préticas de planejamento socialistas. O espago na tradi¢ao marxista Nio tem havido muitos debates explicitos sobre tais questdes no Ainbito da tradi¢do marxista, ainda que o proprio Marx fosse um pensador relacional. Em situagdes revoluciondrias como as de 1848, Marx se preocupoti com o fato de que 0 passado poderia ser um pesadelo no cérebro dos vivos, e imediatamente colocou a questo sobre como uma poesia revoluciondria do futuro poderia ser construfda naquele momento (MARX, 1963). Na época, Marx também suplicou para que Cabet néo levasse seus seguidores comunistas para 0 novo mundo, Para Marx os Icarianos iriam ali apenas reproduzir as atitudes e crencas interiorizadas da experiéncia do velho mundo. Marx aconselhava que eles deveriam permanecer na Europa como bons comunistas ¢ lutar pela transformagao revolucionéria naquele espago, mesmo que houvesse o risco de-uma revoluedo realizada “no nosso pequeno canto do mundo” ser vitima de forgas globais circundantes (citado em MARIN, 1984). Lénin, claramente agustiado pelo modo de apresentacao idealista de Mach, procurou reforgar as concepgdes absolutas e mecanicistas de espaco ¢ tempo associadas a Newton como a tinica base materialista possivel para a investigacao cientifica: Ele 0 fez ao mesmo tempo em que Einstein colocava em evidéncia concepgées relativas, mas igualmente materialistas, do espaco. A visio estrita de Lénin foi, em algum grau, atenuada pela virada de Lukécs para uma perspectiva mais flexivel da historia e da temporalidade. Mas a perspectiva construtivista de Lukécs na relago com a natureza foi categoricamente rejeitada pela afirmagao de Wittfogel de um materialismo nu e cru que assumiu as caracteristicas de um determinismo ambiental. Por outro lado, nos trabalhos de Thompson, Williams ¢ outros encontramos diferentes niveis de apreciagao, particularmente da dimensao temporal, embora espago e lugar estejam também onipresentes. No romance’ de Raymond Williams, People of the Black Mountains, a relacionalidade do espaco-tempo € central. Williams a utiliza para dar uma coeréncia & rarrativa, e enfatiza as diferentes formas de conhecimento que acompanham os diferentes sentidos de espago-tempo 28 Se vidas e lugares vinham sendo seriamente. buscados, uma poderosa ligago a vidas e lugares. era, plenamente demandada. © modelo do poliestireno e seys equivalentes textuas etedricos mantiveram-se diferentes da substincia que reconsirutram e simularam... Em seus livros © mapas na biblioteca ou na casa no vale, havia uma histria comum que poderia ser transposta a qualquer Iugar, em uma comunidade coneebidi em toro da busca de evidéncias e da racionalidade. Mas assim que cle se mudasse para a monianha, outro tipo de mentalidade se _afirmava; obstinadamente nativo e local, apesar do alcance de um fluxo amplo, em. qué toque e respiracio substtufam ; ni hist6ria como narrativa mas histérias como vidas. (WILLIAMS, 1989:10-12) Para Raymond Williams, a relacionalidade ganha vida & medida que se caminha para a montanha. Estabelece-se. uma _sensibilidade completamente diferente daquela construida a partir de arquivos. E interessante constatar que € apenas nos seus romances que Williams parece apto a entrar neste problema. No seio da tradiea0 marxiana, & exce¢ao de Lefebyre e dos gedgrafos, falta uma eompreensio mus vasa a espeto as problematicas de espaco ¢ tempo. Entdo, como tais perspectivas de espago € espago-tempo se tornam mais intimamente integradas em nossas leituras, interpretagdes e usos da teoria marxiana? Deixe-me colovar de lado todas, as ressalvas preliminares e nuafces para que possa apresentar_ um argumento em termos mais completes. 29 Espaco absoluto Espaco material | Representagdes do | Espacos de (da experiéncia) | espaco (espaco representacéo ‘concebido) (espaco vivido) Mercadorias uteis, | Valoresdeusoe | Alienacéo vs pprocesso de trabalho conereto | satisfacdo crativa; trabalho conereto, | Exploragao no individualismo notase moedas |_| processo de trabalho ‘| isolado vs (Ginheiro local?, | (Marx) vs trabalho | solidariedades propriedade privada | como jogo criativo; | socials; lealdade ao Hrontelras do Estado, capital fixo, usinas, ambientes cconstruidos, espagos de ‘consumo, piquete de greve, espacos ‘ocupados (sit-ins), tomada da Bastina ‘ou do Palacio de Inverno mapas de propriedade privada e de exclusbes de classe; mosaico de desenvolvimentos geograticos: desiguais, lugar, & classe, & identidade, etc’; privacdo relativa, injustiga; falta de dignidade; ralva vs salistagao. 30 Troca material Valor de troca (valor | Fotiche da comércio,crculagtoe | em movimento) mercadoria e do fluxo de mercadoras, dinheiro (desejo energia, forga de Esquemas de perpétuo trabalho dinheiro, | aoumulagao; cadeias | insatisfeto) crédito ou capital, de mercadorias, ansiedade / pereurso perieria- | modelos de migragses | euforia face & Centrodacidadee | ede dlésporas, compressao migrago, deprociagao | modelos de input espago- degradacao, flxo de | output, teorias de temporal; Espaco (tempo) | iniormacao e agitagao | “fixos” espago- instabilidade; relativo do fora temporais, aniqulagéo | inseguranca; 0 espaco pelo tempo, | intensidade da Sreulagto do capital" | agdo e do através do ambiente | movimento vs construdo: formagae | repouso; tudo 0 60 mercado mundial, | que é solo redes; relagées desmancha no geopaltcas © ar. estratégias revolucionavias Processo de trabalho | Valores-dinheiro Valores abstrato, capital ficticio; ‘movimentos de © valor como tempo de | Hegemonia resistencia; trabalho socialmente | captalista ‘manifestagbos necossario; como hd alterna repentinas e irtupgées | trabalho humano consciéncia Espace (tempo) | expressivas de objetvado em relagao | proletéra; relacional ‘movimentos poltices | como mercado soldariedades {ant-guerra, 1968, | mundial;asleis do | internacionais, Seattle...) °o espirito valor em movimento e | direitos revolucionario © poder social do universais; esperta’ dinheiro (globalizagao); | sonhos esperancas e medos | utépicas; revolucionaros, mulidao;s estratgias de fempatia com os mudanga outros; ‘um ‘outro mundo & possive Figura 2, Matriz espago-temporal para a teoria Marxiana a1 No primeiro capitulo do Capital, Marx introduz trés conceitos chave de valor de uso, valor de troca e valor. Tudo o que é valor de uso se inscreve no dominio’ do espago e do tempo absolutos (figura 2). Trabalhadores individuais, méquinas, mercadorias, fabricas, ‘estradas, casas, e processos de trabalho real, gastos de energia, etc., podem ser individualizados, descritos e compreendidos no Ambito’ do quadro newtoniano de espaco e tempo absolutos. Tudo o que se refere a valor de troca, por outro lado, inscreve-se em uma perspectiva de espago-tempo relativo, porque a troca implica movimentos de mercadorias, de dinheiro, de capital, de forga de trabalho e de pessoas através do tempo e do espago. a circulacdo, o movimento perpétuo, que importa. A troca, como observa Marx, derruba, portanto, todas as barreiras do espago ¢ do tempo. Ela remodela permanentemente as coordenadas em que vivemos nossas vidas cotidianas. Com 0 advento do dinheiro, esta mudana qualitativa radical definiu um universo ainda mais vasto e fluido de relagdes de troca através do espago-tempo relative do mercado mundial (compreendido no como uma coisa, mas como interag4o e movimento continuos). A circulagdo e a acumulagao do capital ocorrem no espaco-tempo relativo. O valor é, por sua vez, um conceito relacional. Sua referéncia é, portanto, o espago-tempo relacional. Marx estabelece (4s vezes surpreendentemente) que o valor é imaterial, mas objetivo. “Nenhum dtomo de matéria entra na objetividade das mercadorias de valor”. Em consequéncia, o valor “ndo possui um rotulo que descreva o que ele &”, mas oculta seu caréter relacional no fetichismo da mercadoria (MARX, 1967:167). A tinica maneira de aproximagio é via aquele mundo peculiar em que relagdes materiais so estabelecidas entre pessoas (nds nos relacionamos uns com os outros a partir do que produzimos e comercializamos), e entre as coisas (pregos si0 definidos por aquilo que produzimos ¢ trocamos). Valor é, em resumo, uma relagio social. Como tal, € impossivel medi-lo, exceto por meio de seus efeitos (tente mensurat qualquer relacdo social diretamente © voce veri que 0 esforco é vao). O valor interaliza toda a geografia hist6rica de inumeriveis processos de trabalho condicionados por ou em relacio A acumulagao de capital no espago tempo do mercado mundial. Muitos se surpreendem ao descobrir que 0 conceito mais fundamental de Marx é “imaterial mas objetivo”, dado o modo como Marx é geralmente retratado como um materialista para quem tudo que é imaterial € abomindvel. Esta definigdo relacional de valor, noto de passagem, toma discutiveis, seniio mal colocadas, todas as tentativas de darthe uma medida direta e essencialista. As relagdes sociais nfo podem ser medidas sendo por seus efeitos. 32

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