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Capitulo 2 ADMINISTRAGAO PUBLICA 1. NOGOES DE ESTADO O Estado é pessoa juridica territorial soberana, formada pelos elementos povo, territério e governo soberano. Esses trés elementos sao indissociaveis e indispensaveis para a nog&o de um Estado independente: 0 povo, em um dado territorio, organizado segundo sua livre e soberana vontade. O Estado é um ente personalizado (pessoa juridica de direito publico, nos termos dos arts. 40 e 41 do nosso Cédigo Civil), apresentando-se ~ tanto nas relacées internacionais, no convivio com outros Estados soberanos, como internamente — como sujeito capaz de adquirir direitos e contrair obrigagdes na ordem juridica. A organizagaio do Estado é matéria de cunho constitucional, especial- mente no tocante a divisdo politica do seu territério, 4 organizagdo de seus Poderes, a forma de governo adotada ¢ ao modo de aquisigo do poder pelos governantes. 1.4. Forma de Estado A partir da organizagao politica do territério, surge a nogao de Estado unitario e de Estado federado (complexo ou composto). Caso no territério haja um s6 poder politico central, teremos 0 chamado Estado unitdrio; caso no mesmo territério coexistam poderes politicos distintos, estaremos diante do chamado Estado federado (complexo ou composto). O Estado unitario é marcado pela “centralizagao politica”, em que um s6 poder politico central irradia sua competéncia, de modo exclusivo, por todo 0 14 DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO * Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo territorio nacional e sobre toda a populagao e controla todas as coletividades regionais e locais (0 Uruguai, por exemplo, é um Estado unitario; existe em seu territério um s6 poder politico central). O Estado federado tem como caracteristica a “descentralizagao politica”, marcada pela convivéncia, num mesmo territério, de diferentes entidades po- liticas aut6nomas, distribuidas regionalmente (no Brasil, por exemplo, temos a coexisténcia, no mesmo territério, de esferas politicas distintas e auténomas — a Unido, os Estados, o Distrito Federal e os Municipios). A Constituigio Federal de 1988 adotou como forma de Estado 0 fede- rado, integrado por diferentes centros de poder politico. Assim, temos um poder politico central (Unido), poderes politicos regionais (estados) e poderes politicos locais (municipios), além do Distrito Federal, que, em virtude da vedagio constitucional a sua divisio em municipios, acumula os poderes regionais ¢ locais (CF, art. 32, § 1°). No Brasil, a forma federativa de Es- tado constitui clausula pétrea, insuscetivel de aboligao por meio de reforma constitucional (CF, art. 60, § 4%, 1). Nao existe subordinacao, isto é, nao ha hierarquia entre os diversos entes federados no Brasil. A relacao entre eles é caracterizada pela coordenacio, tendo, cada um, autonomia politica, financeira e administrativa. Em decorréncia dessa forma de organizagao, verificamos a existéncia de Administragdes Publi- cas auténomas em cada uma das esferas da Federagio. Temos, portanto, uma Administragio Publica federal, uma Administragao distrital, Administragdes estaduais e Administragdes municipais. Todas essas Administragdes Publicas, em sua aluagao, estao adstritas as regras e principios orientadores do direito administrativo como um todo. Além da sujeigaéo de todas as Administragdes as normas de direito administrativo constantes da Constituigaéo Federal, existem determinadas matérias, especialmente as concernentes a normas gerais, que devem ser disciplinadas por meio de leis nacionais, editadas pelo Congresso Nacional, de observancia obrigatoria por parte de todas as esferas da Federa- go. E 0 caso, por exemplo, da Lei n® 8.666/1993, que, regulando o art. 37, XXI, da Constituigéo, estabelece normas gerais sobre licitagdes e contratos administrativos que devem ser observadas pela Unido, pelo Distrito Federal, pelos estados e pelos municipios. 1. Poderes do Estado Integram a organizacao politica do Estado os denominados “Poderes”, que representam uma divisdo estrutural interna, visando ao mesmo tempo 4 especializagao no exercicio das fungées estatais e a impedir a concentragdo de todo o poder do Estado nas maos de uma tnica pessoa ou érgio. No classico modelo de tripartig0, concebido em 1748 por Charles de Montesquieu, esses Poderes do Estado so 0 Legislativo, 0 Executivo e 0 Judiciario. Cap. 2+ ADMINISTRAGAO PUBLICA 45 Seguindo a tradicional doutrina, a Carta de 1988 estabelece, expressa- mente, que “so Poderes da Unido, independentes e harménicos entre si, 0 Legislativo, o Executivo e o Judiciario” (CF, art. 2%); veda, ademais, pro- posta de emenda constitucional tendente a abolir a separacdo dos Poderes (CF, art. 60, § 42, IID), significa dizer, confere natureza de clausula pétrea ao principio da separag&o dos Poderes, ou principio da divisdo organica das fungdes do Estado. Na hist6ria do constitucionalismo, a idéia inicial de uma rigida sepa- ragdo entre os Poderes foi sendo substituida pela proposta de uma maior interpenetragaio, coordenagao ¢ harmonia entre cles. Com isso, cada Poder passou a desempenhar nao s6 as suas funcdes préprias, mas também, de modo acessrio, fungdes que, em principio, seriam caracteristicas de outros Poderes. A separagao rigida, aos poucos, deu lugar a uma divisao flexivel das fungées estatais, na qual cada Poder termina por exercer, em certa medida, as trés fungdes do Estado: uma em carater predominante (por isso denominada tipica), e outras de natureza acesséria, denominadas atipicas (porque, em principio, sio proprias de outros poderes). Esse modelo — separagdo de Poderes flexivel — foi o adotado pela Cons- tituigéo Federal de 1988, de sorte que cada um dos Poderes nao se limita a exercer as fungdes estatais que lhe sdo tipicas, mas também desempenha fungdes denominadas atipicas, isto é, assemelhadas as fungdes tipicas de outros Poderes. Assim, tanto 0 Judicidrio quanto o Legislativo desempenham, além de suas fungées préprias ou tipicas (jurisdicional e legislativa', respec- tivamente), fungdes atipicas administrativas, quando, por exemplo, exercem a gestdo de seus bens, pessoal e servic¢os. Por outro lado, 0 Executivo e 0 Judicidrio desempenham, também, fungdo atipica legislativa (este, na elabo- racéo dos regimentos dos tribunais; aquele, quando expede, por exemplo, medidas provisorias ¢ leis delegadas). Finalmente, 0 Executivo e 0 Legislativo também exercem, além de suas fun¢gdes proprias, a fungao atipica de julga- mento (o Executivo, quando profere decisées nos processos administrativos; © Legislativo, quando julga autoridades nos crimes de responsabilidade, na forma do art. 52, I, II, e pardgrafo unico, da Constituigao). Como se vé, a fungao administrativa é predominantemente exercida pelo Poder Executivo; mas, como nossa Constituigao nao adota um modelo de rigida separagdo, os demais Poderes do Estado também exercem, além de suas atribuigdes tipicas (legislativa ¢ jurisdicional), algumas fungdes mate- * 0 Poder Legislativo, a rigor, é 0 Unico ao qual a Constituig4o atribui duas fungdes tipicas, de igual relevancia: a fungao de elaborar atos normativos primarios (funcao legislativa) e a fungao de fiscalizar o Poder Executivo, sobretudo o exercicio da atividade administrativa desse Poder (vide, por exemplo, 0 art. 49, X, 0 art. 70, 0 art. 58, § 38, todos da Carta da Republica). 16 DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO + Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo rialmente administrativas. O desempenho dessas fungdes administrativas, seja qual for o Poder que as esteja exercendo, devera sempre observar as normas € principios pertinentes ao direito administrativo. Em suma, o ponto a ressaltar, tendo em conta o objeto desta obra, é a existéncia, no Brasil, de exercicio de atividades de natureza administrativa em todos os Poderes da Republica. Ha érgaos administrativos no Poder Legisla- tivo (denominados “mesas”, tais como a Mesa da Camara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, as mesas das assembléias legislativas) e no Poder Judiciario (sao as “secretarias” dos tribunais em geral). Por outras palavras, a Administragdo Publica brasileira nao se restringe ao Poder Executivo; temos Administragao Publica em cada um dos entes federados, em todos os Poderes do Estado. Seja qual for o érg&o que a exerga, a atividade administrativa esta sempre sujeita as regras e principios norteadores do direito administrativo. 2. NOGOES DE GOVERNO No Ambito do direito administrativo, a expressio “Governo” é usualmente empregada para designar 0 conjunto de drgaos constitucionais responsaveis pela funcdo politica do Estado. O Governo tem a incumbéncia de exercer a direcdo suprema e geral do Estado, determinar a forma de realizacio de seus objetivos, estabelecer as diretrizes que pautar&o sua atuacao, os planos governamentais, sempre visando a conferir unidade a soberania estatal. Essa funcdo politica, propria do Governo, abrange atribuigdes que decorrem dire- tamente da Constituig¢&o e por esta se regulam. Conforme se constata, a no¢do de Governo esta relacionada com a fungdo politica de comando, de coordenagao, de diregaio ¢ de fixagdo de planos ¢ diretrizes de atuagao do Estado (as denominadas politicas publicas). Nao se confunde com o conceito de Administragao Publica em sentido estrito, que vem a ser, conforme veremos adiante, 0 aparelhamento de que dispde o Es- tado para a mera execugdo das politicas do Governo, das politicas piblicas, estabelecidas no exercicio da atividade politica. 2.1, Sistema de governo O modo como se da a relagdo entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo no exercicio das fungdes governamentais representa outro impor- tante aspecto da organizagdo estatal. A depender das caracteristicas desse relacionamento, da maior independéncia ou maior colaboragao entre eles, teremos dois sistemas de governo: o sistema presidencialista e o sistema parlamentarista.

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