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A recente polémica sobre a possbilldade de uc “linguagem’ do video poste ser indicadora de um cena estqio de maturdade da comunidade dos videasas. Ao herdat da televisto © seu aparatoteenol6gico,o video acabou por herdar também uma eerta postr paraststa em selaplo aes ovirs mics, urna cert failidade em se deixar reduzir a simples velolo de outros procesios de significagio. Ainda hoje, 6 vdeo € largamente viltzado, no mercado de massa, como mero veiclo do cinema. Nesse sentido, videoarte foi pionera em demncia © negar essa tendPnciapassiva do Video, 0 mesmo tempo em que logos defnir para cle eovatepias © perspecivas prdprla, Mis recentemente, com a gencrlizacto da procura de uta “inguagemr espectica, © video detea de ser coneebilo praticado apenas corno uma forma de repsro on de documentagto, nos sentides mais inocentes do term, para ser encarado como ura sistema de expressto pelo qual épossvel ora cisursos sobre o real e sobre oie) fm outras palavmas, o carter textual, o canter de escritura do video, sabrepee-se tentamente sa fingto mais elementar de esto ‘Todavia, esse progresso pode ser enganoso se mo soubvermos entender correta- mente © que chamamos de “linguagem’ no universo das formas audiovisuais, Na 188 2 O VIDEO E SUA LINGUAGEM verdade, o nome ndo € muito adequado para dar conta dos provessuss de anicntige de sentido que ocorrem no video. O termo “linguagem”, de inspinasac insite, proce dat idiéia de um parentesco enganoso com as chamadas lings i, he extnacie) verbal € isso pode dar origem a uma compreensio equivocula iky views eeu sistema significante ou como processo de comunicagio. Muitas ve7es, nos meios audiovisuals num sentido puramente nora cuvimos dizer, a propésite de certos trabalhos, que “is nw view, & cinema’? Em fnome de tum conceito de linguagem nem sempre bey ui, condenamse certos trabalhos, por consideri:los pouco adequades as “especiliclades" ce meio, ou valori- ‘vam-se outros, supondo que exploram com eloquéncia essas nwsshyas “especificidaces" Mas © video poderia se ter consolidado culturalmente © se implantdo to profunda- iente na vida social se se Gvesse restringido a explorar apenus:1s suas especiicidade? vo. (Quumtas veres jf mio (ra, a5 regras de formar, no universo elo video, silo sig tio exatas e sisteméticas ‘como nas linguas naturals, A gramitica do video, se existir, nao tem o mesmo carater vo da gramética das mensagens verbais. Em portugues, por exemplo, a frase bonita” ¢ considerada correta, porque cumpre a regra de fzer concordat 139 © predicativo com 0 sujeito a que se refere, Nao posso dizer, na mesma iingua, uma coisa como “Maria esto bonitos” e quem fala desea maneira corre 0 risco de nao © fazer entender. No entanto, quando dligo que uma imagem videogrifica deve ter um. recorte fechado, deve tender sempre ao primeiro plano, essa afitmagao tem apenas um. valor indicativo, nto € uma reget alssoluta e o seu peso real vai depender da idéia goral que © videasta quer desenvolver. Um plano geral, excessivamente aberto, no é consideracio uma boa imagem «le video, porque tende a desmaterializar as figuras que estdo representadas, mas se © vicleasta visa justamente produzir um efeito de desper sonalizagtio das figuras, o recurso ¢ perfeitamente cabivel. De qualquer forma, nunca se pode dizer que o recurso estujt “erraclo”, pois nao existe, em lugar algum, wma taba de valores, uma gramftica normativa que estabeleca o que se pode € 0 que nio se pode fazer em video. © amerieano Richard Sem, 0 espanhol Antonio Muntadas, © portugués Melo Castro eo brasileito Arnaldo Antunes, utilizando predominantemente geradores de caracteres, produziram videos nos quais constam apenas textos para setem lidos. Acaso poderiamos dizer que tais trabalos so estrantios 4 especificidade do video? No entanto, sabemos que uma cas conquistas mais interessantes da video-arte foi just- mente a recuperacao do texto verbal, a sua insergo no contexte di imagem ¢ 2 descobesta de novas relagdes significantes entre eddigos aparentemente tao distintos, © gerador de caracteres, nic o esquegamos, 6 uma invengao da tecnologia do video. Com ele, & possivel construir textos iconizados, ou seja, textos que participam da ‘mesma natureza plastica da imagem, textos dotados de qualidades cinemiticas e que, ‘sem deixar de funcionar basicamente como discurso verbal, gozam também de todas as propriedades de uma imagem videogrdfica Sabemos, pélo simples exame retrospectivo da hist6ria desse meio de expressto, que © video é um sistema hibrido, ele opera com cédigos significantes distinios, parte importados do cinema, parte imporados do teatro, da literatura, do riclio ©, mais miodernamente, da computagao grifica, aos quals acrescenta alguns recursos expressi- vos espeefficos, alguns modes de formar idéias ou sensagées que Ihe sio exclusivos, ‘as que ndo sao suficientes, por si ss, para construir a estrutura inteiza de uma obra. Esse talvez Sejajustamente o ponto-chave da questic. O discurso videogréfico é impuro. Por natureza, ele reprocessa formas de expressio colocadas em circulaciio por outros miios, atribuindo:thes novos valores, © a sua “especificidade”, se houver, esta sobre tudo na solugio peculiar que ele di ao problema da sintese de toclas essis contribu 190 bes. Com excegao de certos trabalhos pioneiros e ji cnvelliecidos da video-arte, que consistiam apenas na exploracio de efeitos de fivaback de video, e que hoje poderiamos considerar exemplares raros dle video jar, 1 nvidia eletrOnica opera numa fronteira de intersegio de linguagens, donde 1 obsolescéncia de qualquer pretensto de pureza ou de homogeneidade. Ademuis, no terreno dos modemos meios :ulinvisuais, “linguagens” nunca io fenémenos naturais, como s4o ou parecem ser (ins isso também é um assunto muito controverso) as linguas chamadas “naturais", de-exiuicto verbal. Tudo, 20 universe das formas audiovisuais, pode ser deserito em terms ee fenémeno culoural, ou seja, como decorréncia de um certo estigio de desenvolvimento das ténicas ¢ dos meios de expresso, das presses de natureza socioccondmica c também das demandas imagi- frias, subjetivas, ou, se preferirem, estéticas, de: uma 6poca ou lugar. Isso que hoje nés chamamos, por exempio, de « *linguagem’ do cinema — um tipo de construgto narrativa baseado na linextrizagio do significante ic6nico, na hierarquizagio dos recortes de cimera e no papel modelador das regras de continui- dade — 6 0 sesultado de opcoes estéticas ¢ tle presses econdmicas que se deram na primeira década do século, quando a gerug ek: Grifith surgiv no eendtio, Para que © cinema deizasse de ser apenas uma diversio popular barat, rstita os citurdes indlustriais das grandes cidades,e se convertesse nunns prSspera incéstsia cultural, paa que pudesse atrair um ptblico novo, mais solistcado e sdlide economicamente, era preciso que fosse capaz de alinhar-se 2s ates moles clo periodor 0 romance € 0 teat citocentsias. A “revolugio” a que © nome de Grilli esta associado consist menos ra descoberts de uma linguagem prépsia part o cinema do que num empenko no sentido de radu para o cinema ceras estrus narrativas do teatro ou do romance do século XIX. Mas as conquistas ebtidas por Gritith « por seus contemporineos foram lo eficazes para a nascente indtstia cinemstogréfica, implanaram-se com tal poder para as geragbes posteriores e se estrtificaram tio solidamente no seio da cinemato- sgrafia que € dlifeil deixar de encaré-las hoje como “naturais", assim como € dificil imaginar como poderia 9 cinema ser praticado diferentemente, segundo uma "gram tia’ diversa. No entanto, poderia.E de fo 0 pOde, em certs ecunstncias hisirieas privilegialas, notadamente com a escola sovietica dos anos 20 (Dovjenko, Vertor, Eisenstein), que foi capaz de construir um grande cinema sem cumptir praticamente nenfum dos cones da “geamatica™ geifithizna (Busch 1979, pp. 77-96) 101 video surge num contexte histrico um pouco diferente do cinema, Quando ele comesa a ser praticado, em mexclos clos anos 60, a crenca inocente musa gramética “natural” ou "especifica” part os meos audiovisuais ji se encontrava em decadéncia, subvertida, de um lado, por wma explosiio criativa em todos os tetrenos € em todas as diregdes ¢, de outro, pela prolilericao incontrolvel de préticas auténomas, inde- pendentes ou altemativas, que se contrapunliam aos modos consolidados de producto: simbélica. Mesmo 9 modelo guilfichiano dle cinema, que havia se imposto sobre a producio dominante durante ceres «le 50 anos, como uma espécie de esteutura basica do aparato significante, come: 1 ser questionade e negado por varias frentes renovadoras, tais como a nonivile rmyre francesa, 0 underground norte-americano € (98 cinemas novos que estouram corn pipeca em varias partes do mundo, No teeno) especifico do video, a video-arte, de win hilo, ¢ as akernativas miltantes ov comuni tirias, de outro, experimentaram solugues de linguagem francemente opostas 208 modelos praticados nos canis ieleviswais, estes tambem ji bastante diversficados © hibridos. Por essa razao, a questo che win linguagem “natural” ou “especifica” para video nunca encontrou um terreney mui [éatil para germinar e, se alguém tentasse enfrenté-la com seriedade, muito brew: se desencorajaria diante da descomunal diversidade das experiéncias. Enfim, & preciso considerar tambom que, no universo das formas audiovisuais, © estatuto da signficagao est intimainenteliggclo 8 proposta “estética” da obra. Isso quer dizer que, num meio ce expressiry Com 6 video, os quesitos relatives & inguagem (ou seja, 08 recursos de expressto, as tegras de ulizagao e combinagaio dos elementos imagéticos) e as questées mais ampkis rekitivas A intervengio antstica (renovagao das formas, estilo, background ideokigico, Wetlanschawung) encontram-se to profunda- mente imbricados, que milo & possivel, seafio A custa de uma violencia contia a obt separilos ou traté-los como entictxlcs «listintas. Se for possivel falar em “cédigos" videograficos, eles nao se lio, jimais, com a mestaa consisténcia ou com a mesma estabilidacle das linguagens verbs, Na verdade, aguilo que chamamos de “linguagem’, no tocante as formas auciovisunis, & ji um produto ou um aspecto da invengio artistica (cf, Metz. 1971, p. 11), Uma semi6tica this formas videogrificas deve, portanto, ser capaz de dar conta desse fundamental hibridismo do fenémenc da significagaa na midia eletiSnica, da instabilidade de suas formas e da diversiclade de suas experi@ncias, sob pena de reduzir toda a riquezz co meio a um conjunto de regras esquemiticas € destituidas de qualquer funcionalidade. 192 Mas o video também um fenémeno de comunicagito ¢ aqui a discussto fica um pouco mais complicada. Nele, uma mensagem é trinsmiticks de uma comunicade de produtores ou emissores a uma comunidade «le consuinidores ou receptores. Na verdade, o video tende a se disseminar de uma forts processual ¢ ndo-hierirquica no tecido social e isso acaba por confundir os papcis «le produtores € consumideres, donde resulta, pelo menos nas experiéacias mais bem sucedidas, um processo de troca e de didlogo pouco comum em outros meios. De iqualqer Forma, se a comunicacto se da em alguma instancla, € porque certas esteuturas significantes so inteligiveis a todos, seam eles emissores ou receptores, o porque todos sio sensiveis a elas Portanto, algo se transmite pelo video, e esse alge 5 se transmite porque o video deve operar com certas formas e certos modos de aticukiclo que 40 comuns a todos os {mplicados no processo de comunicagio. Esve algo que se teansmite, mesmo nao sendo tfgido como uta lei nem estivel como uma lingn natural, € suficientemente sistema- tico para garantir a eficicia da comunicagao e « insereao do meio como uum canal de expresso dentio de uma sociedade. Poclemos chmmar a isso linguagem ou sistema significante, como queiramos, desde que tenfutnins em mente que se trata, como se costums dizer na fisica contempornea, de um sistema cadtico, ou seja, um sistema que manifesta coeréncia em cada obra particular, nts nao tem valor universal ov normati- Yo, nao pode ser reduzido 2 um conjunto de leis Isisicas de articulago; quando muito, apenas a um repert6rio geral de tendéncias. Metdforas, metonimias ima vex que se trata de identificar tendéncias, podemos detectar algumas das tendéncias gerais que se impdem no universo do video com predominancia cada vez. maior. Em primeiro lugar, e como j§ nos haviamos referido no inicio, a imagem de video — pelo menos a atual imagem de video, aquela que € obtida nos niveis atuais de tecnologia — tem uma definigio precéria, em conseqtiéncia do nimero de linkas de varredura que compora. Trata-se de uma imagem inadequada para anotar in- formagées abundantes, uma imagem que nao aceite detaihimentos minuciosos € na qual 2 profundidade de campo é continvamente desmantelada pelas linhas de vyarrcdura. © video é uma tela de dimensées pequenas, entendendo-se por tal uma tela ‘em que se pode colocar pouca quantidacie de informagao, jl que ha sempre o perigo de que uma imagem demasiaclo abundante se dissolva na chuva de linhas de varreduca. Multidées em plano geral so motivos pouco adequados ao video, assim como S80 inaclequados os cenéitios amplos ¢ as decoragdes muito minuciosas, pois todos esses motivos se reduzem 4. manchias disformes quando inseridos na tela pequena. Em decorréncia da baixa definicio da imagem videogréfica, a mancica mais adequada © mais comunicativa le tinbalhar com ela é pela decomposicao analitica dos motivos. A imagem eletr6nica, por sua propria natureza, tende a se configurar sob a figura da sinédoque, em que :t parte, 0 detalhe € 0 fragmento so articulados para sugerir o todo, sem que esse tod, entretanio, passa jamais ser revelado de uma s6 vez. Decorre dat que o recorte mais adequado para ela é o primeiro plano (clase up). A baixa definigao e a precariccacle cla profundidade de campo impedem o aproveitamen- to de quadros abertos © 1 ooorréncia de paisagens amplas. Iss nao quer dizer evidentemente que $6 possum exist primelros planos no video, mas que af todos os planos tendem para o recorte fragmentirio ¢ Fechado, cujo modelo € dado pelo primeiro plano. Por conseqiiéacia, © video tem de limitar o ntimero de figuras que aparecem a um s6 tempo nai tela e trabaihar sempre em espacos pequenos. E, do mesmo modo que a composigiia do quadro tem de ser a mais despojada possivel, os cenfrios nao podem parceer excessivamente realistas nem ostentar preenchimentos minuciosos; eles devem apontte para a sintese ou para o esquema. Em resumo, poems dizer que o vicleo tende a operar uma limpeza dos “cdigos" audiovisvais, alé reduzir a figura ao seu minimo significante (Machado 1988, pp. 45-50) Isso tudo quer dizer que, por suzs proprias condligtes de produgio, o quadro videogrifico tende a ser mais estilizado, mais abstraio e, por conseqiiéncia, bom menos realista do, que scus ancestrais, os quadros fotogrifico ¢ cinematogrifico. © campo visual extremamente fechado do quadro videogrifico tora visivel 0 recorte, suprin a profundidade de campo ¢ faz desintegrat a homogeneidade da cena perspectiva clissica. Trata-se de um quadro que pauco dia ver como significacdo “primeira”, con reflexo especular puro ¢ simples e que, inversamente, estimula 0 trabalho de “Ieitury da articulagdo dos planes c forga a emergéncia daquilo que Eisenstein chamava dle *olho intelectual’, o olho sensivel as estruturas significantes. Se o quadro se esvatzi, #¢ seu contetido tende & estilizagio ou A abstragio, a significacio migra necessarianente para fora de seus limites, ou seja, para a relacdo entre um quadro € outro, jxtnt UF processos de articulaglo de sentido. © video solicita montagem eloqiicnt, wn ‘montagem capaz de produzir sentido por meio da justaposico de planos singelos, 194 Na verdade, 0 video aponta para a mesma perspectiva da montagem intelectial de que Eisenstein foi o mais ardoroso defensor no terreno do cinema. Os principios dessa modalidade de montagem Eisenstein os foi buscar no modelo de eserita das linguas orientais. A Iingua chinesa, por exemplo, trabalha basicamente com ideogra- mas, que sio sobrevivéncias estilizadas de uma antige escritura pietérica, uma eseritura ‘que faz articular imagens para produzis sentidos. Essa lingua represcntava um desafio, para Eisenstein: ela nao tinha rigor algum, era desttuida de flexio gramatical ¢, por ser cescrita em forma semipictérica, nao contava com signos para representiir conceitos abstratos. Como puderam entio os chineses, com buse em uma escritura “ck: imagens construir uma civilizagio fo prodigiosa? A resposta esti. no mesmo proceso empre- zgaclo por todos 0s povos antigos para constmir seu pensamento, ou seji, no uso das metiforas (imagens materiais articuladas de forma a sugeris relagées inviferiais) e das metonimias (transferéncia de sentido entre imagens). Nas linguas ocidentais, as palavras designam dretamente 0s conceitos abstratos; no chinés, entretanto, pode-se chegar a0 conceito por uma via inteiramente outra: operando combinaches de sinais pictograficos, de forma a estabelecer uma relacsio entre eles. Por exemplo: para anotar © conceito de “amizade', a lingua chinesa combina os pictogramas de “cA0" (simbolo de fideidade) € de "mito dizeita” (com a qual se cumprimenta o amigo). Cada um cesses sinais isoladamente se refere apenas a uma "amizade” particular; a combinacto dos dois, entretanto, faz com que o signo resultante designe a “amizade” em geral vanov 1985, pp. 221-285; Granet 1968, p. 43), Esse é justamente o ponto de partida da montagem intelectual de Serguei Eisenstein: ‘uma montagem que, pattindo do “primitivo” pensamento por imagens, consiga articular onceltas com hase no puro jogo poético clas metaforas e das metonimias. Juntam-se duas imagens para sugerir unta nova relagdo nilo presente nos elementos isolados; ¢ assim, por meio de processos de associacio, chega-se & idéia abstrata ¢ “invisivel”, Inspirado nos ideogramas, Eisenstein acreditava na possibilidace de consiniir conceitos por intermédio apenas dos recursos cinematogrifices, sei passar necessariamente pela natraco, e chegou mesmo a realizar algumas experiéncias nesse sentido, em filmes como Ohtiaby (Outubrof 1928) © Starote i novoie (O velbo € 0 nowa/1929). Mas o mais belo ‘exemiplo cle montagem intelectual que o cinema nos legou esté em 2007: A space odissey (2001; ma odisséia no espaco/ 1968), notacamente naquele corte preciso que faz. saltar ‘tum 0880 jogado ao ar por um macaco pré-histérico para uma sofisicada espayonave, sintetizanclo quase uma dezena de milénios de evolucio tecnolégica do homem, Esse 195 ‘exemplo clogiiente mostra como uma idéia nasce com base na pura materiaidade dos caracteres brutos particulates: @ interpenetracio de duas representagbes singelas produz ‘uma imagem generalizadora que ultrapassa as paricularidades individuais de seus constituintes (Machado 1982, pp. 61-64). © projeto eisensteiniano cht montagem intelectual teve pouco sucesso no cinema, A imagem ampla de alta definico, associada as condicées psicolégicas particulares da sala escura, convidava mais propriamente ao ilusionismo, ao efeito de realismo da fotografia e & narrativa transparente com abertura para a projesio e para a identificacao. No grosso de sua produgio, o cinema preferiu contar historias & maneira da literatura, do século XIX. O tempo demonstrou que as idéias de Eisenstein para um espetdculo audiovisual de conceitos ¢ de sensagdes eram mais adequadas 20 video do que 20 cinema, A imagem do video, estilizada, reduzida ao essencial, pede um tratamento significante no plano sintagmitico, pede que se pense a articulagdo dos planos como uum trabalho de escritura, uma escritura de imagens, @ maneira do ideograma chins Entzetanto, poucos videastas se cleram conta até agora da familiaridade entre 0 método “metonimico” de seu particular trabalho de produgio de sentidos € o projeto eisenstel- nniano de um cinema “metaforico”. Mas, se atentarmos para exemplos como o scraich video britinico, cestas collages com o efeito zapping da televisto (como os de Antonio Mustadas de Dara Birnbaum) ¢ alguns procedimentos utilizados em programas alternativos como Paper tiger television (no canal de acesso ptiblico do Manhattan Cable de Nova York), em que se lanca mo de imagens da televisio para produzir montagens cxfticas, que dio novos signficados 2 Iconografia ordindria da tela pequena, veremos «que basicamente € 0 método de Bisenstein que esta em operaco. O mesmo pode ser dito de certos trabalhos nio-narrativos (mas a grande maiotia da produgio videosrfica nao tem caréter narrativo), em que a inexisténcia de uma histéria para amarrar os planos conduz os realizadores a imaginar associagbes mais complexas e mais abstratas, conforme se pode consiatar, por exemplo, na obra do norte-americano Doug Hall e do chileno Juan Downey. Algumas verificagGes. Storm and stress (1986), impressionante trabalho de Doug Hall inspiracdo no conceito de Sturm und Drang que marcou o tomantismo alemio do século XIX, coloca em conflito duas forgas igualmente devastadoras, que atormentamn ‘© sono de nossos contemporiineos: as da natureza e as da tecnologia. Tempestades marcadas por rafos fuiminantes, ciclones capazes de varrer uma cidade ou incéndios que devoram uma loresta inteir sdo alinhavados com imagens do avango tecnologico 196 forjacio pelo homem, seja no sentido ce domar 2 natureza, seja no sentido de superar a sua forga € © seu poder. Uma descarga elétrica produzida por uma tempestade ressurge em seguida simulada artficialmente por uma bobina de Tesla instalada em laboratorio industrial. Espécie de ensaio sem palavras, Storm and stress cliscute esse mmisto de terror e deslumbramento que marca a experiéncia do homem contemparineo diante da liberagdo de forcas cade ver, mais poderosas, gracas a0 conllito c/ou & colaboragio entre o homem a natureza, Numa outra perspectiva, Antonio Muntadas realiza em Media ecology ads (1982) uma espécie de anticomercial ou anti-spot publicitério, para “convidar 0 espectador a refletir e interrogar sobre as normas ‘invisfveis’ da linguagem televisual padronizada quanto 20 uso do tempo, tht nareacdo edo fiuxo de informacdes* (Bonet 1988, p, 66). Numa das partes desse trnhullio, vemos. apenas uma tomeira despejando um grande fluxo de agua, enquanto © geracor de caracteres faz correr dos dois lados dessa imagern, em alta velocidade, palavras isoladas tals como slow, down, mages, making, money, media, consume etc. Mas a velocidade com que as palavras comrem na tela compromete a sua inteligibilidacle, tornanca impossivel a leitura e a inter-relacio. A medida que o video evolwi, ¢ fluxo de Agua que cai do chuveiro vai sendo controlado ¢ a velocidade das paalavras diminui, permitindo a leitura e a interpretacao dos vocébulos. Dessa forma, Muntadas realiza algo assim como uma intervensao “ecol6gica” na paisagem da midia, que permite vvisualizar, go mesmo tempo, o seu modo de funcionamiento c a sus insercao industrial Ha, todavia, uma grande diferenca entre 0 processo aponiadlo por Eisenstein e 2 sua continuidade no terreno do video. O cinema conceitual, tal como imaginado pelo ‘ineasta russo, € um projefo de natureza cartesiana e visa a um controle o mais restrito possivel dos significados, a0 paso que sua expresso videogrifica se dé numa pempectiva mais andrquica ¢ polissémica. H4 mesmo um trabalho que tematiza essa sracteristica do vieleo no plano da metalinguagem: trata-se de Information withheld (85). Nessa obra, 0 sealizador Juan Downey explora varios niveis diferentes de ‘ocigSes conceituals, desde as mais simples © univocas até as mais bizarras © peracas, evocadoras de leituras miltiplas, demonstrando, entre outras coisas, que 1 ambiguidacle & uma caracteristica intrinseca de meios audiovisuais mais complexos. Jreninasirs também que a interpretaco dos jogos associativas & sempre funcao do ceailexts cultural em que ocorre: a imagem de um grupo de ndmades egipcios ‘asoen lash itnagem de ur desfile dle modas exibindo roupas ocidentais em estilo rave cvixlificada diferentemente se 0 paiblico espectador € frabe ou europeu. pone 197 Nesse sentido, Downey explora algo assim como uma economia dos meios videogr- ficos, ao mesmo tempo em que estuda as suas relagdes com o universe inteito dos signos visuais, dos sinais de trafego & obra pictérica de Michelangelo. Processos Uma outra tendéncia que se verifica na pritica generalizada do video & a estrutura circular ¢ reiterativa de sua forma sintagmética. Ao contrérlo do cinema moderno, que ‘exige 0 concurso da sala escurt como condicao fundante do ilusionismo e que, em consequéncia disso, dirige todos os olhares para um tinico ponto luminoso do espaga — 2 tela onde sao projetadas as imagens —, o video em geral ocorre em espacos ituminados, em que o ambiente circundante concotre diretamente com o lugar simbélico da tela pequena, desviando a atengio do espectador @ solicitando-o permanentemente (nesse senticio, os micios eletrGnicos zetomam a tadieao do primeito cinema, tal como foi praticado nos saudevilles). Acemais, o espectador de cinema ‘executa um ato deliberado de comprar um ingresso ¢ se intcoduzir ma sala escura com a finalidade exclusiva de assistir a um filme, a0 passo que o eapectador da imagem cletrénica 6, em geral, un espectador involuntirio, que se enconira “de passagem” no cespago cla exibicio, que chega depois que © espeticulo fi comegou e que provavel- mente j terd se setirado antes que ele acabe, conforme o modelo do telespectacor “passeando” pelos canais televisuais com seu controle zemato, mas também o do transeunte de um aeroporto ou de uma estagio de mete, momentaneameme fisgado pela tela dé um circuito fechado de TV. Tem-se tentado, em varias instancias diferenciadas, montar salas permanentes de exibigio de video, segundo © mecelo da sala cinematografica, mas raramente a idéia se concretiza com sucesso, porepic 0 video se presta muifo pouco 20 mesmno tipo de recepgzo cativa do cinema e, por outro lado, © espectador de video em geral resiste a se ditigit a um espaco paiblico de exibicio, sobretudo quando pode levar a fita para ver em casa on assist diretamente na televistio. Tudo isso quer dizer que 2 atitude do espectador em telagko & mensagem. videogrifica ¢ nio apenas eventual e acidental como também, na maioria das vezes, dlispersiva e distrafda, Por fim, & preciso considerar também que o equipamento ce videocassete possibilita « manipulago: o espectador pode assisir a uma fita na ordem 198 fem que preferit, pulando os trechos que considerar desnecesstitios e, em alguas casos, até mesmo reeditando o trabalho, acrescentando ou elimimando partes Diante dessas contingéncias, a produso videognilica se v@ permanentemente ‘constrangida a levar em consideragao 25 condigdes dle recepsio, ¢ essa presto acaba finalmente por se cristalizar em forma expressiva. Um produto adequado aos modelos comentes de difustio no pode assumir uma forma linear, progressiva, com efeitos de ‘continuiclade sigidamente amarrados como no cinema, sendo o espectador perdert 0 fio ‘da meada cada vez que a sua atengao se cesvias ca telt pequena. O video logra melhores resultados quanto mais a sua programag2o for do (ipo recotrente, circular, reiterando idéias e sensagdes a cada novo plano, ou enti «tiando ela assume a dispersio, organizando a mensagem em paingis fragmentivios « hibridos, como na técnica da collage: Se o trabalho se destina 2 exibigio em elevissio — canal, alls, mais adequado 0 produto videogréfico —~ hi que considerar também 2 incorporagio do break & estrutura da obra. © break — *intervalo comercial” — no € apenas uma formataczo de natureza econémica, imposta pelas nevessidades ck finunciamento na televisde comercial ele tem uma funcao organizativa mais precisa, qu’ ¢ it, de urn lado, um momento de “respitagio” para absorver a dispersio (ninguém suportiri, por exemplo, uma ou

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