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JORNADA DO ATEÍSMO À CRENÇA


FILÓSOFO EX-ATEU ANTONY FLEW CONCEDE
ENTREVISTA A GARY HABERMAS

Tradução, Revisão e Edição: Eliel Vieira

Antony Flew e Gary Habermas se encontraram pela primeira vez em Fevereiro de 1985 em
Dallas, Texas. O encontro se tratava de uma série de debates entre teístas e ateístas, envolvendo muitos
filósofos, cientistas e acadêmicos de influência1.

Algum tempo depois, em Maio de 1985, Flew e Habermas participaram de outro debate, desta
vez na Liberty University, diante de uma grande platéia. O tema do debate era a ressurreição de Jesus2.
Embora Flew fosse indiscutivelmente o filósofo ateu mais famoso do mundo na época, ele curiosa-
mente recebeu a distinção de ser o filósofo a mais comentar sobre a questão dos milagres3. Habermas
se especializou sobre o assunto da ressurreição de Jesus4. Desta forma o diálogo sobre a evidência his-
tórica para a afirmação central do cristianismo era um ponto em comum na pesquisa de ambos.

Durante os vinte anos seguintes Flew e Habermas desenvolveram uma amizade, escrevendo
dúzias de cartas um ao outro, se falando frequentemente e novamente debatendo sobre a ressurreição.
Em Abril de 2000 eles participaram de um debate ao vivo na Inspiration Television Network, modera-
1
Christianity Challenges the University: An International Conference of Theists and Atheists, Dallas, Texas, February 7–
10, 1985, organized by Roy Abraham Varghese.
2
See Gary R. Habermas and Antony G. N. Flew, Did Jesus Rise from the Dead? The Resurrection Debate, ed. Terry L.
Miethe (San Francisco: Harper & Row, 1987; Eugene, OR: Wipf and Stock, 2003).
3
Alguns exemplos de Antony Flew incluem Miracles and Methodology, em Hume’s Philosophy of Belief: A Study of His
First Inquiry (London: Routledge and Kegan Paul, 1961); The Credentials of Revelation: Miracle and History, em God
and Philosophy (New York: Dell, 1966); Miracles, em Encyclopedia of Philosophy, ed. Paul Edwards (New York:
Macmillan, 1967); The Impossibility of the Miraculous, em Hume’s Philosophy of Religion, (Winston-Salem, NC: Wake
Forest University Press, 1985); Neo-Humean Arguments about the Miraculous em In Defence of Miracles: A
Comprehensive Case for God’s Action in History, ed. R. Douglas Geivett e Gary R. Habermas (Downers Grove, IL: Inter
Varsity Press, 1997).
4
Alguns exemplos de Gary Habermas incluem The Risen Jesus and Future Hope (Lanham, MD: Rowman and Littlefield,
2003); The Historical Jesus: Ancient Evidence for the Life of Christ (Joplin, MO; College, 1996); The Resurrection of
Jesus: An Apologetic (Grand Rapids, MI: Baker, 1980; Lanham, MD: University Press of America, 1984); Knowing that
Jesus’ Resurrection Occurred: A Response to Stephen Davis, Faith and Philosophy (1985): 295–302; Resurrection
Claims in Non-Christian Religions, Religious Studies (1989): 167–77; The Late Twentieth-Century Resurgence of
Naturalistic Responses to Jesus’ Resurrection, Trinity Journal 22 (2001): 179–96. Para uma abordagem mais popular da
questão, ver Habermas and Michael R. Licona, The Case for the Resurrection of Jesus (Grand Rapids, MI: Kregel, 2004).

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do por John Ankerberg5. Em Janeiro de 2003 eles novamente participaram de um debate sobre a
ressurreição na California Polytecchnic State University – San Luis Obispo6.

Durante algumas conversas telefônicas depois deste último debate, Flew confessou a Habermas
que estava considerando se tornar teísta. Enquanto Flew não tinha ainda mudado sua posição, ele já
sabia que certas considerações filosóficas e científicas estavam o levando a repensar alguns pontos
sérios. Seu ateísmo na época, ele descreveu, estava em tensão com várias questões importantes.

Então, um ano depois, em Janeiro de 2004, Flew falou a Habermas que ele de fato havia se
tornado teísta. Embora ainda rejeitasse o conceito da revelação especial – fosse cristã, judaica ou
islâmica – não obstante ele concluiu que o teísmo era verdadeiro. Nas palavras de Flew, ele sim-
plesmente “seguiu as evidências para onde elas o levaram”7.

A entrevista seguinte aconteceu no início de 2004 e foi editada por ambos os participantes
durante aquele ano. Esta discussão não-técnica procurou engajar Flew no curso de vários pontos que
refletem seu movimento do ateísmo à crença8. O principal objetivo não foi obter os detalhes de
qualquer questão em particular, então nós contornamos várias avenidas que poderiam conduzir a
conversa para outros rumos. Tampouco tentamos persuadir qualquer dos participantes a quaisquer
posições alternativas.

Nosso único propósito foi explorar e reportar a nova posição de Flew, permitindo a ele explicar
vários aspetos de sua jornada. Pensamos que isto por si só é um objetivo válido. Durante o caminho,
um benefício adicional emergiu, uma vez que Flew se recordou de vários momentos de sua infância,
graduação e carreira.

ENTREVISTA

HABERMAS: Tony, você recentemente me disse que passou a acreditar na existência de Deus. Você
poderia comentar sobre isto?

5
Gary R. Habermas and Antony G. N. Flew, Resurrected? An Atheist and Theist Debate, ed. John Ankerberg (Lanham,
MD: Rowman and Littlefield, forthcoming).
6
O debate pode ser assistido no <http://www.veritasforum.com/talks/htm>.
7
Conversa telefônica, 9 de Setembro, 2004.
8
Ambos participantes concordaram com o título da entrevista.

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FLEW: Bem, eu não acredito no Deus de nenhuma revelação especial, embora eu esteja aberto a esta
possibilidade. Mas parece a mim que a defesa de um Deus Aristotélico que possua as características de
poder e inteligência, é agora muito mais poderosa do que parecia ser antes. E foi de Aristóteles que
São Tomas de Aquino buscou material para produzir suas Cinco Vias de, esperançosamente, provar a
existência de seu Deus. Aquino pegou estas fontes, suficientemente racionais, para provar (se provam
alguma coisa) a existência do Deus da revelação cristã. Mas o próprio Aristóteles nunca produziu uma
definição para a palavra “Deus”, o que é um fato muito curioso. Mas este conceito ainda nos leva aos
básicos elementos das Cinco Vias. Parece a mim que da existência do Deus de Aristóteles você não
pode inferir nada sobre o comportamento humano. Assim, o que Aristóteles tinha a dizer sobre justiça
(justiça, claro, como concebido pelos Pais Fundadores da república americana como oposição à
“justiça social” de John Rawls9) era uma idéia muito humana, e ele achava que esta idéia de justiça era
que deveria governar o comportamento individual dos seres humanos em suas relações com os outros.

HABERMAS: Você uma vez me disse que sua visão poderia ser chamada “Deísmo”. Você acha que
esta seria uma designação justa?

FLEW: Sim, absolutamente. O que deístas, como o Sr. Jefferson, que rascunhou a Declaração da
Independência americana, acreditam é que, ao mesmo tempo em que a razão, principalmente na forma
de argumentos do Design, nos assegura que Deus existe, também não há espaço para qualquer
revelação sobrenatural ou transações entre este Deus e seres humanos.

HABERMAS: Sendo assim você poderia comentar sua “abertura” para a noção da revelação teísta?

FLEW: Sim. Eu estou aberto a esta possibilidade, mas sem entusiasmo para a potencial revelação de
Deus. Do um lado positivo, por exemplo, eu estou muito impressionado com os comentários do físico
Gerald Schoroeder sobre o primeiro capítulo de Gênesis10. Se o relato bíblico puder ser cientificamente
demonstrado, isto levanta a possibilidade de que se trata de uma revelação.

HABERMAS: Você muito gentilmente disse que nossos debates e discussões influenciaram sua
mudança em direção ao teísmo11. Você mencionou que esta influência inicial contribuiu em parte para
seu argumento de que os esforços naturalistas nunca tiveram sucesso em produzir “uma conjectura
plausível de como qualquer destas moléculas complexas puderam ter se envolvido sendo entidades

9
John Rawls, A Theory of Justice (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971)
10
Gerald L. Schroeder, The Science of God: The Convergence of Scientific and Biblical Wisdom (New York: Broadway
Books, 1998).
11
Carta de Antony Flew, de 9 de Novembro de 2000.

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simples”12. Em sua recente nova introdução para a reedição do livro God and Philosophy [Deus e
Filosofia], você disse que a versão original do livro encontrava-se obsoleta. Você menciona um
número de pontos na argumentação teísta que você considera convincente, como a cosmologia e o Big
Bang, o fino ajuste do universo e os argumentos a favor do Design Inteligente. Quais argumentos a
favor da existência de Deus você considera mais persuasivos?

FLEW: Eu acho que os argumentos mais impressionantes para a existência de Deus são aqueles que
são baseados em descobertas científicas recentes. Eu nunca fiquei muito impressionado pelo argu-
mento cosmológico kalam, e não acho que ele tenha melhorado nem um pouco atualmente. Entretanto,
eu acho que o argumento do Design Inteligente está incrivelmente mais forte do que ele estava quando
o vi pela primeira vez.

HABERMAS: Então você prefere aqueles argumentos que procedem da cosmologia do Big Bang e do
ajuste fino no universo?

FLEW: Sim.

HABERMAS: Você recentemente me disse que não considera o argumento moral muito persuasivo.
Estou certo?

FLEW: Sim, está. Eu penso que para se ter um argumento moral forte, você tem que ter Deus como a
justificação para a moralidade. Para isto você tem que considerar o bem moral uma questão puramente
de prudência além de, como os filósofos morais de minha juventude chamavam, um bem em si
mesmo. (Compare com a clássica discussão no diálogo Eutifron de Platão)

HABERMAS: O que me diz sobre o argumento de C. S. Lewis sobre a moralidade presente em


Cristianismo Puro e Simples13. Você o achou impressivo?

FLEW: Não, não achei. Talvez eu deva mencionar que, quando eu estava no colégio, eu participava
frequentemente das reuniões semanais do clube socrático de C. S. Lewis. Durante todo meu tempo em
Oxford estas reuniões eram presididas por Lewis. Eu acho que ele foi de longe o mais poderoso apolo-
gista cristão pelos sessenta ou mais anos seguintes à fundação do clube. Até o fim dos anos 70’ eu
descobri que, nos Estados Unidos, em pelo menos metade das livrarias, nas universidades e nos cole-
gios de arte liberal que visitei, existia ao menos uma longa prateleira devotada para seus vários livros
publicados.

12
Antony Flew, God and the Big Bang (lecture, 2000), 5–6;
13
C. S. Lewis. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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HABERMAS: Embora você discorde de Lewis, você o considera alguém racional?

FLEW: Ah sim, bastante. Um eminente homem racional.

HABERMAS: E o que você acha do argumento ontológico para a existência de Deus?

FLEW: Todo o meu pensamento e minhas palavras sobre filosofia foram grandemente influenciados
pelos meus anos de pós-graduação sob a supervisão de Gilbert Ryle, o então professor de Metafísica
da Universidade de Oxford, bem como editor da revista Mind [Mente]. Isto foi na época em que seu
muito influente livro The Concept of Mind14 [O Conceito de Mente] foi publicado. Me disseram que
nos anos que se passaram durante as guerras, sempre que alguma versão nova do argumento
ontológico surgia, Gilbert imediatamente a refutava.

Minha primeira falta de entusiasmo para com o argumento ontológico se deu na forma de
repulsa, quando percebi (através da leitura de Theodicy15 [Teodicéia], de Leibniz) que o argumento era
a identificação do conceito de Ser com o conceito de Bondade (o que no fim das contas deriva da
identificação de Platão em A República da Forma ou idéia do Bem com a Forma ou a idéia do Real), o
que habilitou Leibniz em sua Theodicy a concluir validamente que um universo no qual a maior parte
dos seres humanos estão predestinados a uma eternidade de tortura é o “melhor dos mundos
possíveis”.

HABERMAS: Então, de todos os argumentos teístas, tais como o cosmológico, o teleológico, o moral
e o ontológico, os únicos que realmente te impressionaram são as formas científicas de teleologia?

FLEW: Absolutamente. Me parece que Richard Dawkins negligencia constantemente o fato de que o
próprio Darwin, no décimo quarto capítulo de A Origem das Espécies, assinala que todo o seu argu-
mento começa com um ser que já possui de antemão poderes reprodutivos. É sobre o surgimento de tal
ser que uma teoria da evolução verdadeiramente compreensível deve nos dar uma explicação. O
próprio Darwin estava bem ciente que ele não havia produzido tal explicação. Agora, me parece que as
descobertas de mais de cinqüenta anos de DNA proveram material para um novo e incrivelmente
poderoso argumento para o Design.

HABERMAS: Se me lembro, você também se refere a isto na sua nova introdução ao seu livro God
and Philosophy.

14
Gilbert Ryle, The Concept of Mind (London: Hutchinson, 1948).
15
G. W. Leibniz, Theodicy, ed. A. Farrer, trans. E. M. Huggard (1710; London: Routledge and Kegan Paul, 1965).

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FLEW: Sim, eu me refiro a isto lá; ou, uma vez que o livro não foi publicado ainda, eu me referirei!

HABERMAS: Uma vez que você afirma o conceito aristotélico de Deus, você acha que podemos
também afirmar as implicações de Aristóteles de que a Causa Primeira consequentemente conhece
todas as coisas?

FLEW: Eu acredito que podemos dizer isto. Eu não estou nem um pouco certo sobre o que uma
pessoa deva pensar referente a algumas destas questões fundamentais. Parece existir uma razão para a
Causa Primeira, mas eu não estou certo sobre o quanto devemos explicar aqui. Qual idéia de Deus é
necessária para prover uma explicação para a existência do universo e tudo que há nele?

HABERMAS: Se Deus é a Causa Primeira, o que me diz sobre a onisciência e a onipotência?

FLEW: Bem, a Causa Primeira, se existiu uma Causa Primeira, produziu muito claramente tudo o que
está acontecendo. Eu suponho que isto implica criação “no princípio”.

HABERMAS: Nesta mesma introdução você faz uma comparação entre o Deus de Aristóteles e o
Deus de Spinoza. Você está sugerindo, com alguns interpretes de Spinoza, que Deus é panteísta?

FLEW: Eu estou observando que God and Philosophy se posicionou fora do tempo e ele deve ser
visto agora mais como um documento histórico do que como uma contribuição direta para as discus-
sões correntes. Eu sou simpático com Spinoza porque ele fez algumas declarações que me parecem
descrever corretamente a situação humana. Mas para mim a coisa mais importante sobre Spinoza não é
o que ele diz, mas o que ele não diz. Ele não diz que Deus possui qualquer preferência sobre esta ou
aquela intenção no que se refere ao comportamento humano ou sobre os destinos eternos dos seres
humanos.

HABERMAS: Que papel seu amor pelos escritos de David Hume podem competir na discussão sobre
a existência de Deus? Você teve algum novo insight sobre Hume, uma vez que agora você acredita em
Deus?

FLEW: Não, não.

HABERMAS: Você acha que Hume alguma vez respondeu à questão sobre Deus?

FLEW: Eu penso nele como, vamos dizer, um não-crente. Mas é interessante notar que ele próprio
estava perfeitamente disposto a aceitar uma estranha condição para sua nomeação, se ele tivesse sido
nomeado, para uma cadeira de filosofia na Universidade de Edinburgh. Esta condição era, grosso

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modo, prover algum tipo de suporte e encorajamento para pessoas fazendo orações e executando
outros atos de adoração. Eu acredito que Hume pensava que a instituição da crença religiosa poderia
ser, e em seus dias era, socialmente benéfica16.

Eu também, por ter crescido como um metodista, sempre estive ciente desta possibilidade e em
várias oportunidades e locais vi o benefício da instrução religiosa objetiva. Já se passaram várias déca-
das desde a primeira vez que eu tentei chamar a atenção ao perigo de se confiar em um modesto ensino
religioso obrigatório nas escolas para atender a necessidade de educação moral, especialmente em um
período de declínio constante da crença religiosa. Mas todos estes avisos individuais eram, claro, igno-
rados. Então agora nós temos na Inglaterra uma situação na qual qualquer requisito obrigatório
estabelecido para instrução dos alunos em escolas públicas no ensino de religiões é largamente igno-
rado. A única tentativa oficial de construir um substituto social foi viciada pela inabilidade do filósofo
moral no relevante comitê do governo para reconhecer a diferença fundamental entre justiça sem
qualquer prefixo ou sufixo e a “justiça social” do livro de John Rawls, A Theory of Justice.

Vou te enviar qualquer dia uma cópia do capítulo do livro que estou escrevendo (provável-
mente meu último), no qual eu ofereço um sumário e um programa de estudos para uma educação
moral em escolas seculares17. Isto é relevante e importante para ambos os países, Estados Unidos e
Reino Unido. Para os Estados Unidos, pois a Suprema Corte interpretou de forma completamente
equivocada a cláusula da Constituição sobre a não-pressuposição da religião. Interpretou equivocada-
mente ao impor proibição a qualquer referência sobre religião. No Reino Unido qualquer programa
efetivo de educação moral tem de ser secular porque a descrença está bem difundida atualmente.

HABERMAS: Em God and Philosophy, e nas várias outras vezes que conversamos, eu percebi que
sua motivação primária para rejeitar os argumentos teístas era o Problema do Mal. Nos termos de sua
nova crença em Deus agora, como você conceitualiza a relação de Deus com a realidade do mal no
mundo?

FLEW: Bem, à parte de alguma revelação, por que nós deveríamos perceber qualquer coisa como
objetivamente má? O problema do mal é um problema apenas para os cristãos. Para os mulçumanos,
qualquer coisa que os seres humanos percebam como má, assim como qualquer coisa que percebamos
com bem, tem de ser obedientemente aceitados como ações produzidas pela vontade de Allah. Eu
admito a hipótese de que no momento (aos 15 anos de idade) em que ficou claro para mim que a tese

16
Donald W. Livingston, Philosophical Melancholy and Delirium: Hume’s Pathology of Philosophy (Chicago: University of
Chicago Press, 1998), 150.
17
Antony Flew, Social Life and Moral Judgment (New Brunswick, NH: Transaction, 2003).

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do universo criado e sustentado por um Ser de poder e bondade infinitos é infinitamente incompatível
com a ocorrência de inegáveis males em massa neste universo – acredito que neste momento eu dei o
primeiro passo rumo à minha futura carreira como filósofo! Obviamente, foi apenas muito depois que
eu aprendi sobre a identificação filosófica da bondade com a existência!

HABERMAS: Em sua visão, portanto, Deus não fez nada em relação ao mal.

FLEW: Absolutamente nada. Nada além de ter produzido muito dele.

HABERMAS: A partir de sua concepção de teísmo, o que me diz sobre a controvérsia mente-corpo?

FLEW: Eu acho que aqueles que querem falar sobre uma vida após a morte precisam encarar a
dificuldade que existe em formular um conceito de personalidade incorporal. Aqui eu tenho que me
referir novamente aos meus anos como um graduando, supervisionado por Gilbert Ryle, no ano em
que ele publicou The Concept of Mind. Durante este tempo havia muitos comentários, geralmente
hostis, na imprensa britânica sobre o que chamavam de “Filosofia Linguística de Oxford”. A objeção
geralmente era que estas questões constituiam uma trivialização de uma profunda e importante
disciplina.

Desta forma eu me senti impelido a falar no clube dos pós-graduados em filosofia sob o tema
“Matéria que Importa”∗. Neste discurso eu argumentei que na medida em que a linguística ignorou o
que Immanuel Kant descreveu como os três grandes problemas dos filósofos – Deus, Liberdade e
Imortalidade –, ela conseguiu promissoras e substanciais abordagens sobre estes problemas.

Eu mesmo sempre me tencionei a trazer contribuições em todas estas três áreas. Na verdade,
meu primeiro livro filosófico publicado foi relevante aos três pontos18. Não muito tempo depois eu
consegui meu primeiro emprego como filósofo profissional e confessei a Ryle que se eu fosse alguma
vez convidado a escrever para a Gifford Lectures eu escreveria um artigo com o título de The Logic of
Mortality [A Lógica da Mortalidade]19. Tratou-se de um extensivo argumento cuja conclusão era de
que era simplesmente impossível se criar um conceito sobre um espírito incorpóreo.

HABERMAS: Este conceito de ser incorpóreo é exigido para a noção de uma vida após a morte?

FLEW: O dicionário do Dr. Johnson define morte como o momento em que a alma abandona o corpo.
Se a alma for, como o Dr. Johnson e quase todos atualmente acreditam ser, algo sobre o qual podemos

Há um jogo de palavras aqui, que não pôde ser traduzido para o português – título original: Matter which Matters. N.T.
18
Antony Flew, Selves, Mind (1949): 355–8.
19
Antony Flew, The Logic of Mortality (Oxford: Blackwell, 1987)

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dizer que deixa sua presente residência e se direciona ou vai à força morar em outro lugar, então a
alma deve ser, em um sentido filosófico, uma substância além de simplesmente uma característica ou
qualquer coisa.

Meu texto para a Gifford Lectures foi publicado depois que Richard Swinburne publicou o seu,
sobre The Evolution of the Soul [A evolução da Alma]20. Quando o meu texto estava sendo reimpresso
sob o título Merely Mortal? Can You Survive Your Own Death? [Simples Mortal? Você Consegue
Sobreviver à Sua Própria Morte?]21 eu estava pronto para responder a qualquer crítica que Swinburne
fizesse sobre minhas publicações anteriores na mesma área. Mas a verdade embaraçosa é que ele não
encontrou nenhum escrito relevante de minha parte ou de qualquer outro desde a II Guerra Mundial.
Não ajudaria muito procurar por livros ou artigos anteriores à data que Swinburne e eu escrevemos
para a Gifford Lectures para tratar da questão de uma vida futura pelos sessenta anos anteriores. Mais
impressionante ainda, Swinburne em seu texto para a Gifford Lectures ignorou a decisiva observação
do Bispo Butler: “A memória pode revelar, mas não constitui identidade pessoal”.

HABERMAS: Em algumas oportunidades você e eu conversamos sobre experiências de quase-morte,


especialmente sobre aqueles em que as pessoas que as relataram se encontravam verificavelmente bem
distantes de nós. Algumas vezes estes relatos até ocorrem com a ausência de batimentos cardíacos ou
ondas cerebrais22. Depois de nossa segunda conversa você me escreveu uma carta dizendo, “Eu consi-
dero estes relatos de experiências de quase-morte muito desafiadores... esta evidência certamente en-
fraquece, se não refuta totalmente, o meu argumento contra as doutrinas de uma vida futura...”23. À luz
destas evidências de experiências de quase-morte, o que você pensa sobre a possibilidade de uma vida
após a morte, especialmente dado o seu teísmo?

FLEW: Um ser incorpóreo pode ser suposto. Pode se supor que ele possua uma memória. Mas antes
que possamos confiar em sua memória ou até mesmo em suas próprias experiências nós devemos
explicar como este suposto ser incorpóreo pode ser identificado em primeiro lugar e então – depois do
que os advogados chamam de concorrência de tempo – como ele pode se reidentificado por ele mesmo
como um e mesmo ser individual espiritual. Até que tenhamos evidência de que aquilo que tem sido
presumivelmente – como Dr. Johnson e muitos outros menos importantes acreditaram – identificado
como espíritos incorpóreos eu não vejo porque experiências de quase-morte devam ser tomadas como

20
Richard Swinburne, The Evolution of the Soul (Oxford: Clarendon, 1986).
21
Antony Flew, Merely Mortal? Can You Survive Your Own Death? (Amherst, NY: Prometheus, 2000).
22
Para vários casos ver Gary R. Habermas and J. P. Moreland, Beyond Death: Exploring the Evidence for Immortality
(Wheaton, IL: Crossway, 1998; Eugene, OR: Wipf and Stock, 2003), capítulos 7–9.
23
Carta de Antony Flew, de 6 de Setembro de 2000.

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forte evidência para a conclusão de que seres humanos desfrutarão de uma vida futura – ou mais
provavelmente se alguma das duas grandes religiões for verdadeira – sofrer tormento eterno.

HABERMAS: Eu concordo que as experiências de quase-morte não constituem evidência para as


doutrinas de céu ou inferno. Mas você acha que estes casos evidenciados aumentam a possibilidade de
algum tipo de vida após a morte, novamente, dado o seu teísmo?

FLEW: Eu ainda espero e acredito que não existam possibilidades de uma vida após a morte.

HABERMAS: Mesmo que você deseje que não exista vida após a morte, o que você acha das
evidências que podem existir, como porventura indicadas por estes casos de experiências de quase-
morte? E mesmo que não haja uma noção clara de que tipo de corpo pode ser implicado aqui, você
considera esta evidência útil de alguma forma? Em outras palavras, aparte da forma que uma vida após
a morte possa ter, você ainda considera estas experiências evidentes para alguma coisa?

FLEW: É complicado oferecer uma interpretação para estas experiências. Mas eu presumo que elas
devem ser tomadas como percepções extrasensoriais da pessoa de carne e sangue, que é o sujeito das
experiências em questão. O que não pode ser é a hipótese do espírito incorpóreo que você desejaria
identificar com a pessoa que chegou perto da morte, mas que na verdade não morreu. Pois não se pode
supor deste conceito de espírito incorpóreo que ele tenha dado sentido até que, e a não ser que, em
primeiro lugar, alguns meios sejam providos para identificar tais espíritos, e reidentificá-los como um
e mesmo indivíduo incorpóreo após o conjunto do tempo. Até que, e a não ser que, isto seja feito, nós
sempre deveremos nos lembrar da objeção do Bispo Butler: “A memória pode revelar, mas não pode
constituir identidade pessoal”24.

Talvez eu deva frisar aqui que muito antes de eu cursar minha primeira graduação em filosofia
eu já era muito interessado no que no Reino Unido, onde isto começou, ainda seja chamado de
pesquisa psíquica, embora o termo “parapsicologia” esteja agora sendo usada em todo lugar. Talvez eu
deva confessar aqui que meu primeiro livro era toscamente intitulado A New Approach to Psychical
Research [Uma Nova Abordagem da Pesquisa Psíquica]25 e meu interesse neste assunto continuou por
muitos anos seguintes.

24
Joseph Butler, Butler’s Works, ed. W. E. Gladstone (Oxford: Clarendon, 1896), 1:387.
25
Antony Flew, A New Approach to Psychical Research (London: C. A. Watts, 1953).

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HABERMAS: Na verdade você também me escreveu que estas experiências de quase-morte
“certamente constituem uma evidência incrível para a possibilidade de ocorrência de consciência
humana independente de qualquer ocorrência no cérebro”26.

FLEW: Quando eu comecei a considerar o que me pareciam ser as mais impressionantes destes casos
de experiência de quase-morte eu me perguntei qual era a primeira pergunta tradicional para fazer
sobre fenômenos “físicos”, que é, “Quando, onde, e por quem estes fenômenos foram reportados?”.
Algumas pessoas parecem confundir experiências de quase-morte com experiências de pós-morte.
Qualquer experiência de quase morte se tornará relevante para a questão de uma vida futura apenas
quando ela mostrar “a ocorrência de consciência humana independente de quaisquer ocorrências
cerebrais”.

HABERMAS: Novamente, você gentilmente observou minha influência em seu pensamento aqui,
tratando estes dados como sendo evidências dignas de consciência humana independente de “impulsos
elétricos cerebrais”27. Se algumas experiências de quase-morte forem reais, experiências que indepen-
dentemente confirmadas durante um estado de quase morte, até mesmo em pessoas nas quais o cérebro
ou o coração poderiam não estar funcionando, não seria isto uma evidência bastante impressionante?
As experiências de quase morte são, assim, a melhor evidência para uma vida após a morte?

FLEW: Ah sim, certamente. Elas são basicamente o único indício existente.

HABERMAS: Que avaliação crítica você faria das três religiões monoteístas? Existe algum ponto
filosófico forte ou fraco no Cristianismo, Judaísmo e Islamismo?

FLEW: Se tudo o que eu sei ou acredito sobre Deus vem do que eu aprendi de Aristóteles, então eu
devo assumir que tudo no universo, incluindo a conduta humana, é exatamente o que Deus quis que
fosse. E este é inclusive o caso, já que tanto Cristianismo e Islamismo pregam a predestinação – uma
doutrina fundamental para ambos os sistemas religiosos. O que era verdade para o Cristianismo na
Idade Média certamente não é mais igualmente verdade depois da Reforma. Mas o Islamismo não tem
tristeza ou alegria, nem uma Reforma ou Iluminação. Na Summa Theologiae podemos ler:

Como os homens estão ordenados à vida eterna através da providência de Deus, do


mesmo modo é parte desta providência a permissão de alguns se afastarem deste

26
Carta de Antony Flew, de 6 de Setembro de 2000.
27
Flew, God and the Big Bang, 2. A influência de Habermas na declaração de Flew é observada na carta de Flew de 9 de
Novembro de 2000. (ver nota 11, acima).

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fim, isto é chamado “reprovação”... A Reprovação implica não apenas presciência
de Deus, mas algo mais...28

O que e quanto é este “algo mais” a Summa contra Gentiles deixa claro:

... como Deus não apenas dá o ser às coisas quando elas tomam a existência, mas
também – como a Causa conservadora do ser – é a Causa de ser das coisas por
quanto tempo elas durarem... Cada operação, portanto, ou qualquer coisa é traçado
até Ele como Sua causa.29

Aquino, entretanto, é sempre o cego devoto complacente. Ele não vê problema algum de justiça
em penalidades infinitas para ofensas temporais e finitas, nem nas aflições que as criaturas sofrerão por
ofensas que eles livremente escolheram cometer por desígnio do seu Criador. Sendo assim, Aquino nos
assegura que:

A fim de que a liberdade dos santos seja mais deliciosa a eles e que eles possam
render gratidão maior a Deus... será permitido a eles ver perfeitamente o
sofrimento dos condenados... A Justiça Divina e a entrega pessoal deles será a
causa direta da alegria da benção, enquanto a dor dos condenados causará isto
indiretamente... os abençoados na Glória não terão piedade alguma dos
condenados.30

As declarações sobre a predestinação no Alcorão são muito mais agressivas e inequívocas do


que as mais fortes da Bíblia. Compare a passagem a seguir do Alcorão com Romanos 9.

Para os incrédulos, tanto faz se eles foram avisados ou não. Eles não crêem.31

Deus colocou um selo no coração deles e nos seus ouvidos. E nos olhos uma faixa.
E um castigo impiedoso espera por eles.32

No Reino Unido a doutrina do inferno tem sido progressivamente desenfatizada até 1995
quando ela foi explicita e categoricamente abandonada pela Igreja da Inglaterra. Parece que a Igreja
Católica Romana não abandonou ainda nem a doutrina do inferno nem a doutrina da predestinação.

28
Thomas Aquinas, Summa Theologiae, I, q.23, a.3
29
Thomas Aquinas, Summa Contra Gentiles, Book 3, chapter 67.
30
Thomas Aquinas, Summa Theologiae, III, supp.94, a.1–3.
31
Qur’an 2, trans. Arthur J. Arberry (Oxford: Oxford University Press, 1998).
32
Qur’an 5.

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Thomas Hobbes gastou uma grande parte dos 50 anos entre a primeira publicação da versão
King James da Bíblia e a primeira publicação de seu livro Leviathan na crítica bíblica. Eu cito uma
descoberta muito relevante dele:

Como foi dito antes em vários lugares [que os iníquos] serão lançados no fogo
eterno; e que os vermes da consciência nunca morrem; e que tudo isto é
compreendido na expressão “morte eterna”, que é ordinariamente interpretada
como “vida eterna de tormentos”. E embora eu não consiga achar em lugar nenhum
que o homem viverá eternamente em tormentos, também parece difícil dizer que
Deus, que é o pai das misericórdias; que faz o que lhe apraz no céu e na terra, que
tem o coração dos homens ao seu dispor; que trabalhou no homem o fazer e o
querer; e que sem este presente gratuito o homem não teria inclinação para o bem,
nem arrependimento do mal; é difícil dizer que este Deus punirá as transgressões
do homem sem nunca parar, com toda extremidade de tortura, que o homem jamais
pôde imaginar.33

Para o Islamismo isto é, eu penso, melhor descrito na forma marxista como a união e a
justificação ideológica do imperialismo árabe. Entre o Novo Testamento e o Alcorão não existe (como
é costume dizer quando fazemos tais comparações) comparação. Enquanto a leitura da Bíblia encontra
mercado na literatura, ler o Alcorão é mais uma penitência do que um prazer. Não existe ordem ou
desenvolvimento em seu corpo. Todos os capítulos (as suras) são organizados conforme a sua
extensão, com os mais longos no começo. Entretanto, uma vez que o Alcorão consiste em uma coleção
de partes da revelação putativa entregada ao profeta Maomé pelo Arcanjo Gabriel em árabe clássico
em ocasiões diversas e desconhecidas, é difícil sugerir qualquer princípio superior de organização.

Um ponto sobre a edição do Alcorão raramente é citado, embora ele pareça ter um significado
teológico substancial. Todas as suras são prefaciadas com as palavras “Em nome de Deus, o
Misericordioso, o Compassivo”. Ainda assim existem referências ao inferno em pelo menos 255 das
669 páginas na versão Arberry do Alcorão34 e muitas páginas possuam duas referências sobre este
lugar.

Enquanto São Paulo, que foi quem mais contribuiu no Novo Testamento, conhecia todas as três
línguas relevantes do mundo na época e obviamente possuía uma mente filosófica de primeira classe, o
Profeta, embora tenha sido presenteado com a arte da persuasão e fosse um considerável líder militar,

33
Thomas Hobbes, Leviathan, ed. J. C. A. Gaskin (Oxford: Oxford University Press, 1998), 416.
34
Esta é a versão do Alcorão como “interpretada” por Arthur Arberry, da Oxford University Press.

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não era suficientemente alfabetizado e com certeza era mal informado, se não foi o mais desinformado
de todos os profetas contemporâneos, sobre o conteúdo do Velho Testamento e sobre muitos assuntos
de que Deus teve ter sido consciente.

Isto levanta a possibilidade do que os filósofos dos meus dias no apogeu de Gilbert Ryle teriam
descrito como a falsificação definitiva do Islamismo: algo que certamente não é possível de ser verda-
deiro, dado o Cristianismo. Se eventualmente eu produzir este argumento, ele obviamente terá de ser
publicado anonimamente.

HABERMAS: O que você pensa sobre a Bíblia?

FLEW: A Bíblia é um trabalho que qualquer pessoa que não tiver a menor restrição sobre a questão da
veracidade ou falsidade da religião cristã pode ler da mesma forma como as pessoas lêem romances
dos maiores escritores. É um livro de leitura incrível.

HABERMAS: Você e eu tivemos três debates sobre a ressurreição de Jesus. Você está de alguma
forma mais próximo de acreditar que a ressurreição foi um evento histórico?

FLEW: Não, eu acho que não. A evidência para a ressurreição é melhor do que os milagres reivin-
dicados por qualquer outra religião. A ressurreição é extraordinariamente diferente em qualidade e
quantidade, eu acho, da evidência oferecida para a ocorrência de muitos outros supostos milagres. Mas
você deve lembrar que eu abordei isto depois de uma considerável leitura de relatos de pesquisa
psíquica e suas críticas. Ela me mostrou como evidências imediatas de supostos milagres incríveis
podem ser desacreditadas.

O que os pesquisadores psíquicos procuram é evidência de testemunhas oculares de supostos


eventos paranormais, registrados tão logo possível após sua ocorrência. O que não temos é evidência
de qualquer um que estivesse em Jerusalém naquele tempo, que tenha testemunhado algum destes
eventos miraculosos, e que tenha registrado testemunho imediatamente após sua ocorrência. Nos anos
50 e 60 eu ouvi diversas sugestões de vários jovens filósofos australianos e americanos sobre a
concepção de milagres. Ninguém poderia relevar ou negar uma real ocorrência de milagres, eles
alegaram. Se Deus quer ser reconhecido, eles perguntaram, por que Deus não produz um milagre desta
magnitude?

HABERMAS: Então você pensa que, para um milagre, a evidência para a ressurreição de Jesus é
melhor do que outras reivindicações milagrosas?

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FLEW: Ah sim, claro. É muito melhor, por exemplo, do que para a maioria, por assim dizer, do
moinho de milagres da Igreja Católica Romana. Sobre isto ver, por exemplo, D. J. West35

HABERMAS: Você fez muitos comentários ao longo dos anos de que os cristãos estão justificados
em suas crenças como a ressurreição de Jesus ou outros pontos de sua fé. Em nossos últimos dois
debates eu acho que você até mencionou que para alguém que já é cristão existem muitas boas razões
para acreditar na ressurreição de Jesus. Poderia comentar isto?

FLEW: Sim, claro. Esta é uma questão importante sobre racionalidade que eu recentemente comecei a
prezar. O que é racional para qualquer indivíduo acreditar sobre algum assunto depende do que ele ou
ela acreditava racionalmente antes de confrontar esta nova situação. Supondo que alguém racional-
mente acreditava na existência de Deus de qualquer revelação, então este será inteiramente racional a
este enxergar o argumento do ajuste fino do universo como uma confirmação substancial da sua crença
na existência deste Deus.

HABERMAS: Você me disse que você possui um grande apreço por John e Charles Wesley e suas
tradições. O que conta para este apreço?

FLEW: O mais importante de tudo é a tremenda realização deles de criar o movimento metodista,
principalmente nas salas de aula. O metodismo tornou impossível a construção de um partido comu-
nista substancial na Grã-Bretanha e proveu o país de um generoso contingente de homens e mulheres
de caráter moral autêntico de várias famílias trabalhistas. Seu declínio é uma parte substancial da
explosão do número de gravidezes não desejadas e da criminalidade nas décadas recentes. Também
contribui para este apreço a tremenda determinação demonstrada por John Wesley em investir muitos
anos caminhando por vários quilômetros e pregando mais de sete sermões por semana, etc. Apenas
recentemente eu fiquei conhecendo a grande controvérsia de Wesley contra a predestinação, a favor da
alternativa arminiana. Certamente John Wesley é um dos grandes filhos que este país já teve. Destes
outros grandes filhos, alguns cresceram em um lar metodista com um pai que era pregador local.

HABERMAS: Você não atribui alguns de seus elogios aos wesleyanos ao fato do ministério do seu
pai? Você não disse uma vez que seu pai foi o primeiro não-anglicano a conseguir um doutorado em
Teologia na Universidade de Oxford?

FLEW: Sim para as duas questões. Claro que meus elogios se dão por causa do background metodista
de minha família. Sim, meu pai também foi presidente da Conferência Metodista durante um ano e ele

35
D. J. West, Eleven Lourdes Miracles (London: George Duckworth, 1957).

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era o representante metodista de outras duas organizações. Ele também se mostrava preocupado com o
Conselho Mundial de Igrejas. Se meu pai tivesse vivo e ativo no início dos anos 70’, ele certamente
teria ao menos considerado a questão se a Igreja Metodista deveria ou não se afastar do Conselho
Mundial de Igrejas. Este Conselho foi, aparentemente, tomado por agentes da URSS36.

HABERMAS: O que você acha que Bertrand Russell, J. L. Mackie, e A. J. Ayer teriam falado sobre
os desenvolvimentos teístas, se estivessem vivos hoje?

FLEW: Eu acho que Russell certamente iria considerar estas coisas. Eu tenho certeza que Mackie se
interessaria também. Eu nunca conheci Ayer muito bem – apenas o encontrei uma vez ou outra.

HABERMAS: Você acha que algum deles teria ficado impressionado em direção ao teísmo? Estou
pensando aqui, por exemplo, sobre os famosos comentários de Russell sobre Deus não ter produzido
evidências suficientes de Sua existência.37

FLEW: Coerente com os comentários que você mencionou, Russell teria considerado estes
desenvolvimentos teístas como evidência a ser analisada. Eu acho que nós podemos ter certeza que
Russell ficaria impressionado também, à luz destes comentários que você citou. Estes desenvolvi-
mentos produziriam um segundo diálogo interessante entre ele e aquele notável filósofo católico,
Frederick Copleston.

HABERMAS: Nos últimos anos você tem sido chamado de “o mais influente filósofo ateu do
mundo”. Você acha que Russell, Mackie ou Ayer ficariam incomodados ou até mesmo enraivecidos
com sua conversão ao teísmo? Ou você acha que eles ao menos entenderiam suas razões para mudar
de idéia?

FLEW: Eu não estou certo o quanto eles conheciam sobre Aristóteles. Mas eu estou quase certo que
eles nunca consideraram a idéia de um Deus que não fosse o Deus de alguma revelação religiosa. Mas
nós podemos ter certeza que eles examinariam estes novos argumentos científicos.

HABERMAS: C. S. Lewis explicou em sua autobiografia que ele primeiro saiu do ateísmo para o
teísmo, e apenas depois partiu do teísmo para o Cristianismo. Dado o grande respeito que você tem
pelo Cristianismo, você acha que existe alguma chance de, no fim das contas, se tornar cristão?

36
Bernard Smith, The Fraudulent Gospel: Politics and the World Council of Churches (London: Foreign Affairs, 1977).
37
Veja, por exemplo, Bertrand Russell, Bertrand Russell Speaks His Mind, ed. Woodrow Wyatt (New York: Bard Books,
1960), 19–20.

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FLEW: Eu acho que isto é muito improvável, por causa do Problema do Mal. Mas, se isto
acontecesse, eu acho que seria de alguma forma excêntrica e duvidosamente ortodoxa: prática religiosa
regular talvez, mas sem crença. Se eu desejasse alguma forma de vida futura eu deveria me tornar um
Testemunha de Jeová. Mas sobre algumas coisas eu estou completamente certo. Eu nunca consideraria
o Islamismo de outra forma a não ser horror e medo, porque ele está fundamentalmente compromis-
sado com a conquista do mundo para o Islã. Isto porque toda Palestina foi parte da terra islâmica na
qual os exércitos árabes mulçumanos entraram para tentar destruir Israel em seu nascimento, e porque
a luta pelo retorno dos refugiados que sobreviveram e seus numerosos descendentes continua até hoje.

HABERMAS: Eu faço esta última pergunta com um sorriso, Tony. Mas, apenas pense, o que
aconteceria se algum dia você se dispusesse abertamente para a fé cristã e a ressurreição de Jesus
parecesse real para você?

FLEW: Bem, o que eu vou dizer sobre esta conjectura é que, graças a Deus, Jesus é uma figura
enormemente carismática e atrativa, o que não é o caso do Profeta do Islamismo.

www.ElielVieira.org

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