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INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA Prof. Antonio A. Pinho Rio de Janeiro Julho de 1999 INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA rof Antonio de Almeida Pinko INDICE 1. INTRODUCAO 1. _Légica Formal Dedugio ¢ Indusao. Légica Cléssica e Légica Simbélica. Proposigdes e Predicados. Principios da Légica. Raciocinio Logico. ILCALCULO PROPOSICIONAL 1. Proposigoes Simples Proposigoes Compostas. Conectives. Ordem de Precedéncia das Operagdes. Formulas Construgao de Tabelas Verdade. Eqivaléncia Logica Inferéncia Logica IIL_DEDUGAO NO CALCULO PROPOSICIONAL, 1. Argumentos, 2. Dedugao. 3. EqQiivaléncias e Inferéncias Basicas 4. Simplificagao da Concluséo, 5. Validade e Invalidade. 1V.CALCULO DE PREDICADOS Predicados ¢ Variaveis. Operagoes Légicas Quantificadores. Silogismos Categéricos. Diagramas de Venn. V.DEDUGAO NO CALCULO DE PREDICADOS Eliminagao e Insergao de Quantificadores Eqhivaléncias e lnferéncias. Dedugéo, Invalidade, Subargumeatos. Bibliografia 3 16 18 a Py 27 29 31 36 40 42 44 50 3 37 63 2 ” 81 Direitos Reservados Registro MEC 191240 INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 3 rof Antonio de Almeida Pinko I INTRODUCAO 1. Légica Formal. Embora existam muitas definigdes para o campo de estudo da Logica, essas definigdes nio diferem essencialmente umas das outras; ha um certo consenso entre os antores de que a Légica tem, por objeto de estudo, as leis gerais do pensamento, e as formas de aplicar essas leis corretamente na investigagao da verdade, Embora tenham sido encontrados na india, textos sobre esse assunto, escritos em épocas remotas, € tradicionalmente aceito que a Logica tenha nascido na Grécia Antiga, por volta do século TV antes de Cristo. Os primeiros trabalhos sobre Légica sto devidos a Parménides, Zeno, e a0 grupo conhecido como “sofistas”, mas o verdadeiro criador da Légica é, sem divvida, Aristételes, pois foi ele quem sistematizou ¢ organizou esse conhecimento, elevando-o a categoria de ciéncia. Em sua obra chamada Organum (que, em tradugao livre, significa “ferramenta”) Aristételes estabeleceu principios tao gerais e téo sélidos que dominou o pensamento ocidental durante dois mil anos, e até hoje sao considerados vidos. Aristoteles tinha como objetivo a busca da verdade, e, para isso, procurava caracterizar os instrumentos de que se servia a razao, nessa busca. Em outras palavras, Aristoteles se preocupava com as formas de raciocinio que, a partir de conhecimentos considerados verdadeiros, permitiam obter novos conhecimentos. Caberia, pois, a Légica, a formulagao de leis gerais de encadeamentos de conceitos ¢ juizos que levariam a descoberta de novas verdades. Essa forma de encadeamento € chamado, em Logica, de argumento, enquanto as afirmagbes envolvidas so chamadas proposigdes; um argumento é, pois, um conjunto de proposigdes tal que se afirme que uma delas é derivada das demais; usualmente, a proposigao derivada ¢ chamada conclusio, ¢ as demais, premissas. Em um argumento valida, as premissas silo consideradas provas evidentes da verdade da conclusao. Eis um exemplo de argumento: Se eu ganhar na Loteria, serei rico Eu ganheinaLoteria Logo, sow rico Como a conclustio “sou rico” é uma decorréncia logiea das duas premissas, esse argumento é considerado valido, E preciso deixar claro que a Logica se preocupa com o relacionamento entre as premissas © a concluso, com a estrutura e a forma do raciocinio, e nao com sen conteiido, isto é, com as proposigdes tomadas individualmente. Em outras palavras, nao é objeto da Légica saber se quem ganha na Loteria fica rico ou nao, ou se eu ganhei ou nao na Loteria O objeto da Logica € determinar se a concins4o € on nao uma conseqiténcia logica das premissas. Por esse motivo, por que o objeto da Logica é a forma pela qual o raciocinio esta estruturado, a Logica costuma receber 0 nome de Légica Formal A validade do argumento esta ‘mostrado pelo enunciado abaixo, etamente ligada & forma pela qual ele se apresenta, como pode ser INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 4 rof Antonio de Almeida Pinko Se eu ganhar na Loteria, serei rico ‘Nao ganhei na Loteria Logo, nao sou rico «que, embora seja semelhante ao anterior, tem outra forma, e, nessa forma, a conclusio nao se segue logicamente das premissas, e, portanto, nao é um argumento vilido A Logica dispée de duas ferramentas principais que podem ser utilizadas pelo pensamento na busca de novos conhecimentos: a dedugao e a inducao, que dao origem a dois tipos de argumentos, dedutivos ¢ indutivos. Os argumentos dedutivos pretendem que suas premissas fornegam uma prova conclusiva da veracidade da conchusto, Um argumento dedutivo ¢ valido quando suas premissas, se verdadeiras, fomecem provas convincentes para sua concluséo, isto ¢, quando for impossivel que as premissas sejam verdadeiras e a conclusto falsa; caso contrario, 0 argumento dedutivo é dito invalido, Os dois argumentos citados anteriormente sao do tipo dedutivo, o primeiro vilido € segundo invalido. Os argumentos indutivos, por outro lado, nao pretendem que suas premissas fornegam provas cabais da veracidade da conclisao, mas apenas que formegam indicasoes dessa veracidade. Veja um exemplo de argumento indutivo: Joguei uma pedra no lago, ¢ a pedra afundo Joguei outra pedrano lago e ela também afundou; Joguei mais uma pedra no lago, e também esta afundou; Logo, se eu jozar uma outra pedra no Ingo, ela vai afundar. Os termos “validos” e “invalids” avaliados de acordo com a estabelecidas, 1nd se aplicam aos argumentos indutivos; eles costumam ser ior ou menor possibilidade com que suas conclusdes sejam Costuma-se dizer que os argumentos indutivos partem do particular para o geral, isto é, a partir de observagdes particulares, procura estabelecer regras gerais, que, no caso das ciéncias naturais, devem ser provadas por outros meios; os argumentos dedutivos, por seu lado, partem de regras gerais para estabelecer a veracidade de acontecimentos particulares, O desenvolvimento da ciéncia tem dependido, em grande parte, da habilidade em combinar os dois tipos de raciocinio. 3. Légica Clissica e Logica Simbélica. Os argumentos formulados em uma linguagem natural, como o inglés ou portugués, so, muitas vezes, de dificil avaliagao, principalmente por causa da ambigtidade inerente as linguagens naturais, e das coustrugdes as vezes vagas ou confusas dos termos. Em virtude desses fatos, a partir dos trabalhos de George Boole, em meados do século XIX, foram sendo utilizados cada vez mais simbolos de origem matematica para expressar os enunciados e racioci apresentada dessa forma é chamada Légica Matematica ou Logica Simbélica, enquanto a Légica baseada em linguagem natural é chamada Logica Classica A medida que a Logica Simbélica desenvolve sua propria linguagem técnica, vem se tomando um instrumento cada vez mais poderoso para a analise ¢ a dedugo dos argumentos, A uilizagio de uma simbologia matematica ajuda a expor, com maior clareza, as estruturas légicas das propos ¢ dos argumentos, que podem néo ficar suficientemente claras se expressas em linguagem natura INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA s rof Antonio de Almeida Pinko Uma outra vantagem da utilizagio de uma linguagem simbélica para a Légica é a possibilidade de utilizagao de recursos computacionais no tratamento de enunciados argumentos, os computadores ais se mostram bastante adequados a manipulagao de simbolos, enquanto apresentam extrema dificuldade no tratamento de linguagem natural. Em 1965, um pesqnisador chamado Robinson desenvolveu um procedimento computacional para a dedugao, chamado Resolugao, evidenciando as ‘Vantagens da utilizagéo de uma linguagem simbolica para a Logica. 4. Proposicdes e Predicados. Muitas das idéias envolvidas nos argumentos podem ser apresentadas através de proposigdes (também chamados enunciados ou sentencas) que se referem a um objeto; por exemplo, “eu ganhei na Loteria”, “José atirou uma pedra no lago”, “Sécrates € um homem”. Tais proposigdes sio chamadas singulares. Existem outras proposigdes, no entanto, que fazem referencia a conjuntos de objetos; por exemplo, “todos os homens sao mortais”, “alguns astronautas foram a Lua”, “nem todos os gatos cagam ratos”. Os termos “homens”, “astronautas” e “gatos” sA0 conceitos; nao se referem a nenhum homem, astronauta ou gato em particular, mas sim ao conjunto de propriedades que faz com que um objeto esteja em uma categoria ou em outra. Tais propriedades sao chamadas predicados. Como a Logica que trata apenas das proposigSes singulares é mais simples que a que trata também com conjuntos de objetos, os autores preferiram separar o estudo da Légica Matematica em duas partes: o Cileulo Proposicional, ou Légica Sentencial, que se ocupa das proposigdes singulares, © 0 Caleulo de Predicados, ou Logica dos Predicados, que trata dos conjuntos de objetos © suas propriedades. Para tratar com objetos ¢ suas propriedades, 0 Caleulo de Predicados apresenta dois conceitos ‘matematicos, a variavel, para se referir a um objeto genérico de uma categoria, e os quantificadores, expresses como “para todo” e “existe algum” para se referirem quantidade de objetos que partilham 0 mesmo predicado; assim a proposigao “todos os homens so mortais” assume a forma “para todo x, se x € um homem, entio x € mortal” e as proposigdes “alguns astronautas foram a Lua” e “nem todos os gatos cagam ratos” assumem respectivamente as formas “existe um x tal que x €um astronauta ex foi a Lua’ e “existe um x tal que x é um gato ¢ x no caga ratos” Quando as varidveis e quantificadores se referem apenas aos objetos, 0 Calculo de Predicados também ¢ chamado Légica de Primeira Ordem; mas podemos pensar em uma situagso na qual as variaveis e quantificadores se refiram também aos predicados, por exemplo, considere o enunciado “existe um predicado que todas as pessoas possuem”, que pode ser expressa por “existe um p tal que p € um predicado e tal que para todo x, sex é uma pessoa, x possui p” Quando as varidveis e quantificadores se referem também aos predicados, como ua expresso acima, temos o que chamamos Légica de Segunda Ordem. Um exemplo importante da Légica de Segunda Ordem ¢ 0 Principio de Indugao Matematica: “se o numero 1 tiver um predicado, ¢ 0 fato de n possuir esse predicado implica em que n + 1 também o possua, entio 0 predicado se aplica a todos os niimeros naturals”, Os predicados de primeira ordem sao, pois, aqueles que se aplicam a individuos; de segunda ordem sto aqueles que se aplicam a individuos e aos predicados de primeira ordem. A generalizagao pode INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 6 rof Antonio de Almeida Pinko prosseguir, considerando-se predicados de terceira ordem, de quarta ordem, ¢ assim por diante, cada um deles aplicando~se aos individuos e aos predicados das ordens anteriores, Em nosso curso vamos nos limitar ao Calculo Proposicional e ao Célculo de Predicados de Primeira Ordem. 5. Principios da Logica. A Légica Formal repousa sobre trés principios fandamentais que permitem todo seu desenvolvimento posterior, ¢ que dio validade a todos os atos do pensamento e do raciocinio, S40 eles Principio de Identidade © que é, é; ou seja, todo objeto € idéntico a si préprio. Isso nao é um simples jogo de palavras, na verdade, € possivel defender a nogao oposta, de que a realidade € fluida, de que nada permanece igual a si proprio, e que qualquer raciocinio sobre objetos € uma ficgao. Principio da Nao Contradi¢ao Um objeto nao pode, simultaneamente, ser ¢ nao ser. Ou seja, nao ¢ possivel afirmar e negar 0 mesmo predicado para o mesmo objeto ao mesmo tempo; ou ainda, de duas afirmmagves contraditérias, uma é necessariamente falsa. Principio do Terceiro Exeluido Todo objeto & ou no &. Ou seja, uma dada afirmagio & necessariamente verdadeira ou falsa, nto existindo uma terceira opsao. Sobre esses principios repousa todo o arcabougo da Logica Classica A negagio de um ou mais desses principios da origem a outras légicas, chamadas genericamente de Légicas Nao-Classicas, ccujas principais vertentes sao: * as légicas modais, que incluem os conceitos de possibilidade e de necessidade, ¢ nas quais 0 verbo pode ser modificado por um advérbio de modo, como nos enunciados “talvez chova amanha”, ¢ “certamente Joao sain”; © as légicas plurivalentes, nas quais 0 conceito de veracidade deixa de ser binério (verdadeiro falso) para assumir outros valores, como nas logicas trivalentes, nas quais as proposigdes podem ser verdadeiras, falsas e neutras, nas légicas nebulosas, em que existem gradagies de veracidade € nas quais uma proposigao pode ser mais verdadeira que outra, e nas légicas probabilisticas, nas quais existe uma probabilidade de que uma proposi¢ao possa ser verdadeira; * as logicas fracas, como a intuicionista, que nfo aceita o Principio do Terceiro Exeluido, e, para ‘a qual, a dupla negagao nao equivale & afirmagio, o que pode ser exemplificado pelo enunciado “nao tenho nada” onde o termo “nao” ao invés de se contrapor ao termo “nada” o reforga Nos ultimos anos as légicas nao classicas tém sofrido enorme desenvolvimento, em virtude, principalmente, de novas aplicagdes, algumas das quais na area computacional, como a logica nebulosa. INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 7 rof Antonio de Almeida Pinko 6. Raciocinio Légico. Antes de iniciarmos 0 estudo sistematico da Légica, exercitemos desde ja nosso raciocinio, € apelemos ao velho e util bom senso para resolver os seguintes problemas: 1. Se eu nao tenho carro, a afirmagao “meu carro nao é azul” ¢ verdadeira ou falsa? 2. Existe um ditado popular que afirma que “toda regra tem excegao”. Considerando que essa frase é, por sua vez, também uma regra, podemos garantir que é verdadeira ? Ou que ¢ falsa ? 3. Tenho 9 pérolas idénticas, mas sei que uma delas é falsa, e é mais leve que as outras; como posso identificar a pérola falsa, com apenas duas pesagens em uma balanga de dois pratos ? 4. Tenho 12 pérolas idénticas, mas uma delas ¢ falsa e tem peso um pouco diferente das demais, ‘nao sei se mais leve ou mais pesada; como posso identificar a pérola falsa, ¢ se ela é mais leve ou mais pesada, com apenas trés pesagens em uma balanga de dois pratos ? 5. Tenho 10 grupos com 10 moedas cada um; todas as moedas pesam 10 gramas cada uma, exceto as de um grupo, no qual as moedas pesam 9 gramas cada uma; como posso identificar o grupo de moedas mais leves, com apenas uma pesagem em uma balanga de um prato ? 6. Durante uma expedi¢io, um explorador encontra uma caverna com trés deuses: 0 deus da sinceridade, que sempre fala a verdade; o deus da diplomacia, que as vezes diz a verdade, as vezes, no; eo deus da falsidade, cujas declaragdes sto sempre mentirosas. O deus A diz: “B é © deus da sinceridade”, mas o deus B retruca: “Nao, eu sou o deus da diplomacia’, e 0 deus C completa: “Nada disso, B é o deus da mentira”. Afinal, quem & quem ? 7. Hamnitos anos atras, vivia em uma pequena cidade, um barbeiro, que ganhava a vida fazendo a barba dos habitantes da regio. Um dia, ele ficou muito doente, e, na iminéncia de morrer, fez uma promessa ao santo de sa devogao: se ficasse bom, faria gratuitamente, uma vez por ano, a barba de todos os homens, e unicamente desses homens, que nao fizessem sua propria barba. O barbeiro foi melhorando, melhorando, até que ficou bom: dispés-se entéo a cumprir a promessa: na data aprazada, passou todo 0 dia barbeando os homens que nao faziam sua propria barba. A noite, antes de dormir, foi se barbear, ¢ verificou que estava diante de um impasse: se fizesse sua propria barba, estava barbeando um homem que fazia sta propria barba, © que quebrava a promessa; por outro lado, se nao fizesse, estaria deixando de fazer a barba de uum homem que nao fazia sua propria barba, o que tambem quebrava a promessa. Voce tem idéia de como sair desse impasse ? 8. Um rei resolven dar a um prisioneiro a oportunidade de obter a liberdade. Levon—o até uma sala, com duas portas de saida, chamadas A e B, cada uma com um guarda Disse: “Uma das portas leva a liberdade, enquanto a outra leva a forca; alem disso, um dos guardas fala sempre a ‘verdade, enquanto o outro s6 fala mentiras. Voce pode fazer uma jinica pergunta a um dos guardas e escolher uma porta para sair.” O prisioneiro pensou durante alguns segundos; depois, dirigiu-se a um dos guardas e disse: “Se eu perguntasse a sen companheiro qual a porta que leva a liberdade, o que ele me diria ?". Depois de alguns segundos, 0 guarda respondeu: “A” “Obrigado”, disse o prisioneiro, e passou pela porta B. O prisioneiro obteve a liberdade ow foi para a forea ? Como saber ? 9. Um outro rei resolveu dar a trés prisioneiros uma oportunidade de obter a liberdade. Mandou vir trés chapéus brancos ¢ dois vermelhos, e escolhen um chapéu para cada prisioneiro; INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 8 rof Antonio de Almeida Pinko sanharia a liberdade aquele que fosse capaz de dizer a cor de seu proprio chapéu, observando uunicamente a cor dos chapéus de seus companheiros. O primeiro prisioneiro observou o chapéu dos outros dois prisioneiros, mas nao foi capar de dizer a cor de seu proprio chapéu e voltou para a prisio; o segundo, a sua vez, apés observar os chapéus dos outros prisioneiros também ro soube dizer que cor tinha seu chapéu, e também voltou para a prisio. O rei, ao perceber que © terceiro prisioneiro era cego, nem ia se dar ao trabalho de perguntar, mas este insistin que deveria ter a mesma oportunidade. Inquirido, dectarou corretamente a cor de seu chapéu. Qual a cor do chapéu do prisioneiro cego, e como ele chegou & conclusao correta ? INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 9 rof Antonio de Almeida Pinko ILCALCULO PROPOSICIONAL Proposi¢ées Simple: © primeiro paso na constrigao de uma linguagem simbélica, mais adequada a formulagao dos conceitos da Légica, ¢ a apresentagao do que chamamos proposigao simples. Fm linhas gerais, uma proposigao simples (ou enunciado, ou sentenga), € uma declaragdo que exprime um pensamento com sentido completo. Sao exemplos de proposigdes simples: ‘ALua é um satélite da Terra, Socrates é um homem. Eu estudo Logica. Todos os homens sto mortais. Em geral, as proposigdes simples sao constituidas por um sujeito, um verbo, e seus complementos. Proposigdes como “se nao chover, vou a praia”, ou “vou aprender a dirigir e comprar um carro” sao chamadas proposigdes compostas, ¢ so 0 resultado de operacdes sobre proposigdes simples, como ‘veremos a seguir. Alem das proposigdes, a Logica dispde de uma fungdo, chamada “valor logico™ (representada po VL), que associa a cada proposigao simples um de dois valores légicos, chamados “verdadeiro” (epresentado por V) ou falso (cepresentado por F). Geralmente, o valor légico V ou F é associado & proposigdo, em consonincia com o significado da proposigao no mundo real, embora isso no seja essencial Com esse sentido podemos dizer que as proposigées A Luaé o satélite da Terra Pedro Alvares Cabral descobrin o Brasil sio verdadeiras, isto é assumem o valor 16 ico V, € que as proposigoes Dante escreveu Os Lusiadas, © Brasil é uma monarquia. sfo claramente falsas, e portanto assumem o valor légico F. 0 objetivo da Logica, no entanto, ndo € verificar se as proposigbes sto verdadeiras ou falsas; a0 invés disso, 0 objeto de estudo da Logica é examinar o relacionamento entre as proposigdes, em decorréncia dos seus valores légicos. Dito de outra forma, a Légica nao se interessa pelo significado das proposigées, mas apenas por sua forma; no que conceme a Logica, uma proposi¢lo como “A Lua € o satelite da Terra” pode ser tratada como “a proposigao p”, nao sendo necessario nenhuma referencia a conhecimentos de astronomia. De acordo com os Principios da Légica, podemos afirmar que: ‘Toda proposigto é necessariamente verdadeira ou falsa, no existindo outra possibilidade. ‘Nenhuma proposi¢ao pode ser verdadeira e falsa simultaneamente. ‘Toda proposigio verdadeira é sempre verdadeira, nao podendo ser ora verdadeira ora fal INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 10 rof Antonio de Almeida Pinko Em linguagem simbélica, costumamos representar as proposigées simples pelas letras p, 4, r,s, t, ete, Assim, se fizermos as seguintes representagdes: pA Luaé o satlite da Terra 4— Pedro Alvares Cabral descobriu Brasil. Dante escreveu Os Lusiadas s— 0 Brasil é uma monarquia podemos escrever VLIp Vv VLLq 2. Proposicdes Comp. As proposigdes compostas so obtidas combinando proposigdes simples através de certos termos chamados conectivos. A Logica dispde de cinco conectivos: “e”, “ow”, “ndo”, “se ~ entao”, € “se € somente se”. Utilizando esses conectivos podemos construir as seguintes proposigbes compostas: Joao € magro e José € alto, Mario foi ao cinema, Joao foi ao teatro € Marcelo ficou em casa. ‘Maria foi a praia ou ao mereado. Mario foi ao cinema ou Marcelo ficou em casa. A Luanio ¢ o satélite da Terra Se a chuva continuar a car, entao o rio vai transbordar. Se Joao estudar, sera aprovado, ‘Joao sera aprovado se e somente se estudar. Em Légica Simbélica, a agio de combinar proposigdes é chamada “operagao”, ¢ os conectivos so chamados “operadores”, ¢ sao representados por simbolos especificos; apresentamos abaixo as cinco operagées logicas, com seus respectivos conectivos e simbolos: Operagio Conectivo, Simbole (Conjungao € A Disjungio ou v Negagao nao Sou ‘Condicional se. entao) > Bicondicional ‘se € somente se 2 Como podemos determinar o valor logico de uma proposigao composta, em fungao dos valores logicos das proposigdes que a compoe ? Para responder a essa pergunta, temos que definir as operagées, isto é, dar o resultado da operago para cada possivel conjunto de valores doe operandos. Conjungao Se p © q so proposigdes, a expressio p A q é chamada conjungio de p € q, ¢ as proposigdes p © q sto chamadas fatores da expresso. Se conhecermos 0 valor verdade dos fatores de uma conjungao, ‘© que podemos dizer do valor verdade da conjungio ? Ora, a expresstio INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA u rof Antonio de Almeida Pinko Toto é magro e José é alto sera verdadeira unicamente no caso em que os dois fatores forem verdadeiros, isto é, se Joao for ‘magro e José for alto; se um dos dois fatores (ou ambos) for falso, a conjungao ¢ falsa © valor légico do resultado da operagio de conjungao pode ser apresentado através da tabela abaixo, onde p € q sto proposigdes quaisquer Disjuncao As vezes, a lingua portuguesa encerra alguma ambigtidade no uso do conectivo “ow”; a utilizacto de “ou” entre dois fatos indica que um deles é verdadeiro, mas pode ndo deixar claro se ambos so; normalmente, na linguagem natural, procura-se resolver a ambigiidade utilizando-se 0 contexto, Por exemplo, na frase Maria foi & praia ou ao mercado parece que apenas um dos fatos é verdadeiro, pois € dificil alguém ir a praia e ao mercado simultaneamente; no entanto, se nao houver exigéncia se simultaneidade, pode ocorrer que Maria tenha ido a praia e depois ao mercado, e ambos os fatos sao verdadeiros. © outro exemplo, M jo foi ao cinema ou Marcelo ficou em casa 6 ainda pior, pois nao hii nenhuma indicagao se apenas um ou os dois fatos ocorreram. Como na Logica nao sio permitidas ambighidades, foi necessério definir dois conectivos para o termo “ou” 0 “ou inclusive", onde se permite que um dos fatos ou ambos ocorram, ¢ o “ou exclusive” onde um € apenas um dos fatos ocorrem Se p € q sto proposigdes, a expresso p V 4 é chamada disjunglo inchisiva de p e q: por seu turno, @ disjung4o exclusiva das expressBes p e q ¢ indicada por p | qi em ambos of casos, as proposigbes p eq sao chamadas parcelas da expressao. Em que condigdes a expressto ‘Maria foi & praia ou ao mercado € verdadeira ? No conceito inclusive do conective “on” basta que Maria tenha ido pelo menos um dos lugares; ou seja, para que uma disjuncao inclusiva seja verdadeira, basta que uma das parcelas (ou ambas) o seja; unicamente se ambas as parcelas forem falsas, a disjungdo inclusiva o sera Por outro lado, se se tratar de uma disjungao exclusiva, a expressio sé sera verdadeira se Maria tiver ido a um dos lugares, mas nflo ao outro. A disjungao exclusiva sera verdadeira se uma das parcelas for verdadeira e a outra falsa; se ambas as parcelas tiverem 0 mesmo valor logico, a disjungao exclusiva sera falsa. Em nosso texto, trataremos unicamente da disjungao inclusiva; isto é, INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA 2 rof Antonio de Almeida Pinko © termo “disjungio” se referira A disjungao inclusive; quando se tratar da disjungdo exclusiva, isso sera expressamente citado, Abaixo, a tabela que apresenta o resultado da operagdo de disjungio inclusiva, p e q sao proposigdes quaisquer. Na forma textual, as vezes escrevemos um “ou” antes da frase, as vezes omitimos parte da expressao, mas isso nao altera a forma simbélica; por exemplo, a expresso “Ou Maria foi ao teatro ou foi ao cinema’ fica representada por p V q, onde p representa “Maria foi ao teatro” e q representa “Maria foi ao cinema” Negagio Se p é uma proposigao, a expresstio — p € chamada negagao de p. Claramente, a negagio inverte 0 valor verdade de uma expressio; se p for verdadeira, — p ¢ falsa, enquanto que se p for falsa, - p verdadeira. A tabela da operagdo de negagao é muito simples, e é apresentada abaixo, onde p é uma proposi¢ao qualquer. p | ap v | F FIV Entio, se a expresstio “Maria foi ao cinema” é representada por p, expresses como “Maria néo foi ‘a0 cinema” ou “E falso que Maria tenha ido ao cinema” ficam representadas por — p. Con icionamento Considere a proposiga0 ‘Se a chuva continuar a cair, entio o rio vai transbordar Esta ¢ uma proposigio composta pelas duas proposigdes “a chuva continuar a cair” e “o rio vai transbordar”, ligadas pelo conectivo “se ... entao”. Em Légica Simbélica este conective € chamado “condicional” e representado pelo simbolo —>. Entao, se p ¢ q sao proposigdes, a expressdo p —> q ¢ chamada condicional de p ¢ q; a proposigao p € chamada antecedente, e a proposigiio q conseqiente da condicional. A operagao de condicionamento indica que acontecimento de p é uma condigéo para que q acontega. Como podemos estabelecer o valor verdade da proposigao condicionada, conhecidos os valores verdade do antecedente e do conseqiiente ? Considere novamente a expressao citada. Suponha que ambas as coisas acontegam, isto é, que a chuva tenha continuado a cair, e 0 rio tenha transbordado; nesse caso, a condicional é verdadeira, Suponha, por outro lado, que a chuva tenha continuado a cair, mas que o rio nao tenha INTRODUCAO A LOGICA MATEMATICA B rof Antonio de Almeida Pinko transbordado; nese caso, p nfo foi condigao para q, isto 6, a condicional é falsa Finalmente, considere que a chuva no tenha continuado a eair, nesse caso, independentemente do que tenha acontecido com o rio, a condicional é considerada verdadeira Por que esse fato ocorre ? Por que motivo, a Logica considera que se 0 antecedente for falso, a condicional é verdadeira, qualquer que seja 0 valor lozico do conseqiente ? Existem varios motivos para isso, ¢ vamos aqui apresentar o mais simples. Quando o antecedente for falso, temos quatro possibilidades para o valor légico da condicional Possibilidades da condicional r 2 = £ antecedenteF [ conseqtiente V | V Vv E F ‘antecedente F | conseqiienteF | V F v F Se a Logica adotasse a segunda possibilidade, a condicional assumiria os mesmos valores légicos do conseqhente, independentemente do antecedente, o que no parece razoavel; se assumisse a terceira, 0 antecedente ¢ o conseqiiente poderiam ser permutados, sem modificar 0 valor logico da condicional, © que também no parece ser razoavel (se o rio transbordar, a chuva vai continuar caindo), Finalmente, se a quarta possibilidade fosse adotada, a condicional nao se distinguiria da conjungao, resta entdo a primeira possibilidade, que é a adotada pela Logica Como ja dissemos, a Légica nao se preocupa com os significados das expresses, mas somente com sua forma. Podemos entio considerar que a operagiio de condicional foi definida da forma pela qual foi apresentada, sem a preocupagao de que o antecedente seja “causa” do conseqiente. Neste sentido as condicionais Se Dante escreven Os Sertdes entio Cabral descobriu 0 Brasil Se Dante escreven Dom Casmurro entio Vasco da Gama descobriu o Brasil sto ambas verdadeiras, pois em ambas 0 antecedente ¢ falso, A tabela que indica o resultado da operagao de condicionamento ¢ apresentada abaixo, = Vv E Vv Vv 0 conectivo “se ... entéo” tem varios sinénimos; a cair”, e por q a frase “o rio vai transbord: expressdes abaixo: € representannos por p a frase “a chuva continuar entao p > q pode representar qualquer das “Se a chuva continuar a cair, entdo o rio vai transbordar” “Se a chuva continnar a cair, o rio vai transbordar”” jo vai transbordar, se a chuva continuar a cait”” “0 fato de a chuva continuar a cair implica em o rio transbordar”

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