Eduardo Paulon Girardi

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ATLAS DA QUESTAO AGRARIA BRASILEIRA: UMA ANALISE DOS PROBLEMAS AGRARIOS ATRAVES DO MAPA Eduardo Paulon Girardi - Universidade Federal de Mato Grosso epgirardi @ yahoo.com.br RESUMO Neste artigo apresentamos alguns dos principais resultados do Atlas da Questdo Agraria Brasileira, disponivel em www.fcLunesp br/nera/atlas. O Atlas foi desenvolvido como parte de uma tese de doutorado! e compreende uma andlise da questio agréria através do mapa. Foram mapeados dados de diversas fontes e enfatizados os problemas do campo brasileiro. Além de seu cardter analftico, 0 Aslas também € uma fonte de informagGes disponfvel na internet ¢ cujos mais de trezentos mapas estio disponiveis para download © serem utilizados com convier aos leitores. Neste artigo destacamos a andlise da estrutura fundidtia, da ocupagao da Amazdnia, da luta pela terra e a sua conquista e da violéncia contra camponeses ¢ trabalhadores rurais. No final, a titulo de conclusio, apresentamos 0 mapa sinético do “Brasil Agrério”, que contempla a maior parte dos temas analisados no Atlas. Palayras-chave: atlas, questio agréria, estrutura fundidria, luta pela terra, violéncia no campo. ABSTRAC This paper presents some results of the Atlas of the Brazilian Agrarian Question, available on www, fect.unesp.br/nera/atlas. This Atlas has been developed as part of a PhD Thesis and comprises ‘an analysis of the agrarian question through the map. We have mapped data from several sources and we emphasized problems on the countryside, Beyond its analytical feature, the Atlas is an source of informations and maps available on internet to download and can be utilized by users as convenient. On this article we underline the analysis of the land tenure structure, the occupation of the Amazon, the struggle for the land and its conquest and the violence to peasants and rural workers. To conclude, we present the synthesis map of the “Agrarian Brazil”, which contemplate the most of themes analyzed on the Atlas. Keywords: atlas, agrarian question, land tenure structure, struggle for the land, violence on the countryside. Este artigo apresenta algumas discussées e conclusées realizadas no ambito do “Atlas da Questo Agréria Brasileira”, desenvolvido como tese de doutorado! e disponivel em "ste artigo foi elaborado a par de extratos da tse: “GIRARDI, Eduardo Paulon. Proposgio teGxico-metodaica de ume Carolia Geografica Critica e sua aplicacio no desenvolvimento do Atlas da Questio Arésia Brasilia. 2008 ‘ese (Douterado em Grogralia) ~ Faculdade de Cifncas e Tecnologia, Universidade Exadual Paulista, Presidente Pradenie, 2008. Disponivel em: " A tese foi desenvolvida no programa de Pés- Graduagio em Geografia da Unesp de Presidente Prudent, oricntada pelo Prof. Dr. Bernardo Mangano Fernandes e com 0 apoio da FAPESP. www fctunesp.br/nera/atlas. © Atlas é formado por um conjunto articulado de mapas sobre os problemas da questio agréria no Brasil. Teoricamente o estudo esté alicergado no Paradigma da Questio Agréria (FERNANDE: . 2005), que enfatiza problemas ¢ contradigdes do campo. Neste artigo apresentamos algumas selegdes das discussdes relacionadas & estrutura fundiéria, ocupagao da Amaz6nia, luta pela tetra ¢ a sua conquista e a violencia contra camponeses ¢ trabalhadores rurais, as quais podem ser compreendidas com maior profundidade na leitura integral do Atlas. Os temas clencados acima estéo correlacionados por constitufrem problemas estruturais da questo agréria, Entre 1992 ¢ 2003 foram acrescidos 108,5 milhdes de hectares & estrutura fundidria brasileira sem que a mesma fosse desconcentrada, j4 que o indice de Gini passou de 0,826, em 1992, para 0,816, em 2003, A incorporagio dessas_novas tertas ocorreu print ipalmente na Amazénia Legal, especificamente nas reas de cerrado ¢ nas bordas oriental ¢ meridional da floresta amazGnica. Junto a este processo, caracteristico da fronteira agropecustria, foram desflorestados 54,5 milhdes de hectares da Amazinia entre 1998 ¢ 2007. A criagio de assentamentos na regio Norte tem sido, nas gltimas duas décadas, uma alternativa conservadora para nao realizar a reforma agréria nas outras regides brasileiras, especialmente Nordeste ¢ centro- sul, onde a reforma é realmente necessiria. Na Amaz6nia sto ctiados assentamentos nao reformadores, em terras piblicas, para dar uma resposta quantitativa & luta pela terra, travada no Nordeste ¢ centyo-sul: a luta pela terra (ocupagées) e sua conquista (assentamentos) so territorialmente desarticulados pela politica de assentamentos rurais. Por fim, no sudeste do Paré e no Maranhao os problemas da questao agréria, ocasionados pela nao realizagao da reforma agréria em todo o Brasil, aleangam o aspecto mais evidente com a intensa violéncia contra trabalhadores rurais ¢ camponeses, demonstrando a disputa entre os dois territérios da questio agrétia: o campesinato ¢ 0 latifindio ¢ agronegécio. A ESTRUTURA FUNDIARIA, Calculamos 0 indice a partir dos dados da estrutura fundiria de 1992, 1998 & 2003 do INCRA. Esses dados indicam quem detém a terra ¢ por isso pode extrair a renda da terra. Devemos reconhecer a possibilidade da concentragao da terra no Brasil ser ainda maior do que verificado, pois vérios proprietérios possuem mais de um imével rural. Em 2003 o indice de Gini para o Brasil era 0,816, 0 que indica grande concentragao, jé que quanto mais préximo de um maior €0 grau de concentragdo da tetra, A evolugao entre 1992 ¢ 2003, de apenas -0,010, confirma que as, politicas de reforma agréria do periodo nao tocaram na concentragdo geral da estrutura fundiéria brasileira, TABELA 1 - fndice de Gini 1992-1998-2003 € evolucao 1992-2003 uF cant 1082 | cini1908] crviz003 ere Tea] ose] 0785 Inagoas 0,760) 0783] ae IAmeps ‘Oat 0775] 0.585 lAmesore ‘a.ses] 0827] a7 Baha ‘.an2] aaa ——.807 [Ceara O.sea) 0895] 0854 [Esprte Sane oats] ves] a9 [eels a7] aaa] 729 IMararhio a.7a0f 07a] arr Minas Goris 0,745) 0754] 07s [Mato Grosse doSa_| ——o.au| ——o.a0e| a0] Mate Gress Bata] ——o8ea] 769 Para 0.980] ages] 0,825 Para. 0.763 07s] 0.759 Pernamouee 0-787] 07s] 0789 Paw 3,743] 077] 0759 Parant ssa 0,700 a7 Ic de Janero 0,728) oral ara [Re Grande on Nore | —o-7se| 0-755] 0780] IRenesria osst] oss] a6: IRoraa ‘Gara 0 rea] ——a587 [Re Grardace Sa o.7ra] 071] 889 [Senta Cerra ‘oss Use| a0 [Serpe 3.768] 078] ——a.779 [Sao Pau ‘o.760 0754] a7 Fecantine ‘oseif —oses] ara Dish Pedra ayer] ogo] a8 IBRASI. ‘o.a7a] 0836] arg [Dados: DATALUTAT stata unde /Cacasiro do INCA [Caleulo: Edvardo Pauion Gira Em 2003 os municfpios com médio/baixo indice de Gini (até 0,500) eram 924 (16,6% dos 5565 municipios) ¢ compreendiam seis por cento da étea total dos iméveis rurais. A regido Sul ¢ o estado de Rondénia concentram grande niimero desses municipios. Os valores do indice entre 0,501 ¢ 0,800 cram verificados em 4.283 municipios (76,9%) ¢ compreendiam 83,1% da rea total dos iméveis rurais, de forma que esta classe é predominante no tertitrio brasileiro. Por fim, os municipios com grau de concentrag2o acima de 0,800 exam 359 (6,4%) ¢ detinham 10,8% da zea total dos iméveis rurais. © mapa J?, que representa os dados do indice de Gini suavizados considerando dois vizinhos, auxilia na andlise da concentragio fundiria pelo territério e destaca regides onde o processo tende a ser mais intenso. Todos os mapas, pranchas, grficos ¢tahelas milizados neste artigo esto disponiveis em www fet unesp be/neralatlas MAPA 1 INDICE DE GINI- 2003 (dados suavizados) <: leew A tabela 2 apresenta os dados da estrutura fundidria em 1992, 1998 e 2003. Em 2003 os iméveis pequenos (menos de 200 ha) representavam 92,56% do mimero total de iméveis € apenas 28,42% da érea total, perfazendo uma érea média de 30 ha. Ao contrério, os iméveis médios, € grandes (200 ha ¢ mais) correspondiam a 7,44% dos iméveis ¢ 71,57% da rea total, resultando em uma érea média de 938 ha. Esta distribuigao desigual, que corrobora com os resultados do indice de Gini para evidenciar a concentragao fundidria no Brasil, também pode ser verificada nos anos de 1992 ¢ 1998, TABELA 2—Estrutura fundidria e indice de Gini ~ 1992-1998-2003 Para o mapeamento da estrutura fundiéria, utilizamos principalmente os dados da rea, pois, se tomarmos o ntimero de iméveis, os menores serdo sempre mais numerosos. Em nosso entendimento, o que importa realmente € a proporgdo da &rea total que cada classe de Area detém; € isso que determina a maior ou menor importincia da agricultura camponesa ou da agricultura capitalista, No mapa 2 0s municipios foram classificados segundo a predominancia dos iméveis, pequenos, médios e grandes na detengao da drea total dos iméveis rurais no municipio. A conclusio € que a estrutura fundidria possui uma ordem regional bem definida, com a formagao de regides continuas. Sao destacadas regides no Sul, Sudeste, Nordeste ¢ no norte amazénico em que a érea dos menores iméveis € predominante; a regido central, onde predomina a area dos iméveis intermedisrios, e a regido que compreende parte do Centro-Oeste, Norte € 0 oeste da regio Nordeste, onde as terras encontram-se principalmente sob dominio dos grandes iméveis. MAPA 2 Apesar de nao ter havido diminuigao significativa do grau de concentragio da tetra no Brasil entre 1992 e 2003, neste intervalo de onze anos analisado o mimero de iméveis rurais € a Grea total dos iméveis apresentou taxas muito elevadas de crescimento, O ndimero de iméveis turais saltou de 2.924.204, em 1992, para 4.290.531, em 2003 (acréscimo de 46,7%). Isso seria salutar para a desconcentracao fundidria, nao fosse o fato de que a érea total dos iméveis no mesmo periodo salto de 310.030.752 ha para 418,483,332 ha (acréscimo de 35%). Entre 1992 ¢ 2003 0 territ6rio camponés (iméveis de menos de 200 ha) se territorializou sobre 36.510.186,6 ha e 0 tertitério do latiftindio © agronegécio (iméveis com 200 ha ou mais), sobre uma area duas vezes maior, com 71.942,393.5 ha, Enquanto a evolugio 1992-2003 no campesinato perfaz uma rea média de 30 ha, a evolugao no latifindio ¢ agronegécio tem 4rea média de 753 ha por imével rural. Isso indica, mas uma vez, a disparidade entte esses dois territérios ¢ que a concentragio da terra se mantém intocada, apesar do acréscimo de mais de 108 milhoes de hectares na estrutura fundisria brasileira! O mapa $ mostra onde foram acrescidas novas éreas na estrutura fundisria entre 1992 ¢ 2003. 0 Centro-Oeste ¢ o Norte so as regides responsaveis pela maior incorporagio de novas terras, na estrutura fundidria e as microrregides de Itaituba ¢ Altamira, no Paré, so as que compreendem, individualmente, a maior proporg4o da érea total incorporada na estrutura fundidria brasileira no perfodo 1992-2003. ‘MAPA 3 © INCRA, nos dados do Cadastto Rural, designa como posse os iméveis rurais sem registro legal, independente do seu tamanho. As posses tém grande representatividade na estrutura fundidria brasileira. Elas podem estar em terras piblicas, devolutas ou, em casos mais, raros, em terras privadas. Por ser pratica ilegal, hé grande possibilidade do fendmeno ser superior a0 alcangado pelos dados do INCRA. De acordo com o Instituto, em 2003 existiam no Brasil 1.172.980 iméveis de posse (27,3% do total de iméveis rurais do Brasil), os quais perfariam 66,285.346,8 ha (15,8% da 4rea total dos iméveis rurais brasileiros). Os detentores desses imSveis, ram exclusivamente posseiros ¢ nao possufam nenhum outro imével sob condigao de proptietétio. Porém, além desses detentores que eram exclusivamente posseiros, 0 cadastro do INCRA também apresenta os dados sobre posseiros que também cram proprietirios. No cadastro, as posses © propriedades desses detentores ndo sio discriminadas, de forma que os dados so disponibilizados, conjuntamente (somados). Sendo assim, em 2003, os proprietarios que também eram posseiros detinham, entre propriedades e posses, 117.909 iméveis rurais € 15.529.980 ha, Para as andlises realizadas doravante, nao wilizatemos os dados referentes aos proprietérios que também sao posseitos e consideraremos apenas os dados dos imdveis de posse. Na Amazénia Legal, em 2003, as areas de posses totalizavam 35.027.088 ha, 0 que correspondia a 19,8% da frca total dos iméveis da regio ¢ 52,8% da rca total dos iméveis de posse do Brasil, Tomando dados apresentados por Oliveira (2008), em 2003 o INCRA detinha, na Amazinia Legal, 67.823.810 ha, ainda sem destinagdo, Desta forma, as terras do INCRA na Amazonia Legal & quase 0 dobro da superficie sob dominio de posseiros na regido. Como mostra 0 mapa 4, no Brasil as reas de posse concentram-se na metade norte do pais. As posses também so notveis, de forma menos intensa, na faixa costeira do Sudeste. A representatividade das posses na 4rea total dos iméveis rurais € particularmente importante na regiiio Norte e no Nordeste, nesta ikima especialmente no norte baiano e no leste pernambucano. As altas proporgdes de area de posse nos municfpios indicam a constante incorporagdo de novas terras, caracteristica da frente pioncira da fronteira agropecuéria. © mapa 5 fornece informagdes sobre a participagao dos trés grandes grupos de iméveis rurais (pequeno, médio ¢ grande) na detengdo das areas de posse. Na maior parte dos municipios as areas das posses predominam nos pequenos iméveis (menos de 200 ha), J4 nos municipios com as maiores somas de Areas de posse, elas predominam nos iméveis médios ¢ grandes (200 ha e mais), sendo esses casos importantes no oeste da Bahia, sul do Pau, leste do Tocantins, Mato Grosso Para Com relagao as posses no Brasil, é necessétio dizer que 0 Governo Federal, através da MP 458, aprovada no Senado e na Camara dos Deputados, ira legaliz 67.4 milhées de hectares de posses de até 1.500 hectares na Amazdnia Legal, 0 que é, na verdade, ‘uma medida pré-ocupagio da Amazénia pelo grilo, exceto na legalizagao de pequenas posses — as terras camponesas, MAPA 4 AREA DOS IMOVEIS DE “POSSE” -2003 MAPA 5 0s dados do INCRA mostram que em 1998 cerca de 75.4 milhdes de hectares de terras explordveis? nao eram exploradas, 0 que cotrespondia a 23% da drea total explorével do Brasil. Territorialmente as terras exploraveis ndo exploradas estavam assim distribuidas: 45,6% na regido Norte, 24,2% no Nordeste, 26,1% no Centro-Oeste, 2,2% no Sudeste ¢ 1,9% no Sul. O mapa 6 representa 0 fendmeno de forma detalhada ¢ evidencia a oposigao norte/sul. Amazénia Legal, este Baiano e Piauf concentravam grande parte das terras exploraveis nao exploradas em 1998. A maior proporgdo de tetras exploraveis nao exploradas estava nos iméveis grandes, grupo no qual 35,6% da Grea total exploravel ndo era explorada, Ainda, se somarmos os iméveis médios € grandes, a drea explorivel nao explorada em 1998 era de 58.738.981,1 ha, ou seja, 77,9% de toda terra explorével no explorada no Brasil. O mapa 7 representa os municipios segundo a > Terras que se encontavam, na dala do levantamento dos dades, em condigbes de produto imediata As tereas com satas sto consideradasinexpleriveis predominancia dos iméveis grandes, médios ou pequenos na rea total explorvel nao explorada em 1998. Na Amavénia Legal predominam as Areas explordveis nio exploradas nos grandes iméveis, assim como no oeste da Bahia e do Piaui. MAPA 6 ‘TERRAS EXPLORAVEIS NAO EXPLORADAS - 1998 ‘LA DA AUEETAOAGRAEABRABLERA MAPA7 O mapa 8 representa 0 uso do solo, Nele podemos visualizar uma extensa regiao central que se estende desde 0 norte do Parané até o Maranhdo onde sao predominantes as dreas de pastagens. Também as pastagens s Jo predominantes no centro de Rond6nia, nos Pampas do Rio Grande do Sul e em uma extensa regido que compreende Minas Gerais e, de forma geral, o Agreste nordestino. As regides onde predominam as teas de lavouras estéo no norte do Rio Grande do Sul, este do Parang, centro-norte de Sio Paulo, Zona da Mata nordestina, norte do Cearé ¢ do Maranhao, em alguns municipios do centro de Mato Grosso ¢ no noroeste amazénico. MAPA 8 ‘Vejamos © que podemos concluir da dindmica geral de apropriag4o de novas terras ¢ 0 uso das terras no Brasil. Em 1998 havia na AmazOnia Legal 55,8 milhdes de hectares de terras exploriveis no exploradas; segundo os dados do INPE, de 1998 até 2007, foram desflorestados na regiao 54,5 milhdes de hectares (terras inexploraveis que se tomnaram explordveis) e entre 1996 e 2006 a érea total de lavouras e de pastagens na Amazdnia Legal cresceu 23 milhées de hectares, dos quais 45% relativos as pastagens. Esses tr€s dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade de desflorestamento na Amaz6nia (ou em qualquer outra tegitio) para a obtengdo de novas terras para a produgdo agropecudtia, Vejamos: se parte dos 55,8 milhdes de hectares de terras exploraveis nao exploradas da Amazénia Legal verificados em 1998 passassem a ser explorados desde entio para a expansio dos 23 milhdes de hectares de Iavouras € pastagens ocorrida na regio entre 1996 e 2006, ainda sobrariam, em 2007, cerca de 32,2 milhdes de hectares disponiveis para a expansdo da agropecuéria regional s6 pelo aproveitamento das terras, exploraveis nio exploradas de 1998. Contudo, além das terras exploriiveis nao exploradas que havia em 1998, o intenso processo de desflorestamento continua até hoje, o que nos permite somar, a0 saldo de 32,2 milhdes de hectares de tetras explordveis nao exploradas, os 54,5 milhdes de hectares, inutilmente desflorestados na Amaz6nia entte 1998 e 2007. Com isso, chegamos ao total de 86,7 milhdes de hectares de terras exploraveis nao exploradas disponiveis em 2007 para a expanséo da agropecuaria na Amavénia Legal, cuja érea total dos iméveis rurais em 2003 era de 177 milhdes de hectares ¢ a érea total de lavouras e pastagens em 2006 perfazia 77,3 milhées de hectares. Desta forma, mantendo-se o modelo ténico agricola atual, a pecuéria extremamente extensiva praticada na regio ¢, considerando-se a mesma taxa de crescimento da agropecuitia verificada entre 1996 © 2006, que foi de 4% ao ano, os 86,7 milhoes de hectares disponiveis seriam suficientes para o crescimento continuo da agropecuéria na Amaz6nia Legal pelos préximos 22 anos, sem que fosse necessario tocar na floresta. K claro que consideramos neste contexto uma situagio ideal em que nao haja nenhum desvio nos dados; nao ocora nenhum ptogresso técnico na agropecudtia nos préximos 22 anos ¢ em que a taxa de crescimento da érea cocupada pela agropecudtia seja constante. O fato € que, apesar de ser um cendtio ideal ¢ que dificilmente todos os elementos considerados apresentario a evolugao considerada no célculo, os possiveis desvios de cada um desses tr8s elementos podem ser compensados mutuamente, um pelo outro, de forma que um cendrio muito préximo pode se confirmar. A mudanga no sistema de pecudria extremamente extensiva pode influenciar profundamente esta evolugao, visto que 45% da rea adicionada entre 1996 ¢ 2006 sdo de pastagens, o que cortesponde a 10,5 milhdes de hectares. Desta forma, cabe aos cinco préximos governos, criar alternativas para o desenvolvimento da agropecudria na Amazénia Legal que evitem ocupagdo de novas éreas. ‘Os dados da nao utilizagao da terra corroboram com os dados das “posses” para evidenciar o processo de especulagao fundidria na fronteira agropecuaria. Isso nos leva, mais uma vez, a salientar a urgéncia de repensar a ocupagao da AmazOnia. A necessidade de abertura de novas terras na Amazinia ¢ absolutamente infundada. O tinico objetivo da abertura de novas terras, 6a exploragio de madeira e a apropriagio de novas terras por grandes posseiros unicamente como reserva de valor. A produgo de alimentos para o desenvolvimento social brasileiro no exige a ‘ocupagao de mais nenhum centimetro quadrado da Amaz6nia ou outro bioma. Além disso, a grande proporgdo de terras explordveis ndo exploradas em grandes estabelecimentos na Amazdnia Legal indica a consolidagdo, em um futuro préximo, da parceira latifindio-agronegécio, Esses grandes iméveis seréo utilizados para producio do agronegécio assim que as terras forem necessétias. Os grandes im6veis com terras nao exploradas so os futuros lacus do agronegécio. A OCUPACAO PREDATORIA DA AMAZONTA De acordo com os dados do INPE — PRODES, a Area total desflorestada na Amazonia até 2007 era de 691.126 km’, ou seja, 16,5% de todo o bioma amaz6nico em territério brasileiro, A érea de floresta restante em 2006 era de 3.130.642,9 km’, Os mesmos dados mostram que entre 1988 e 2007 foram desflorestados 356.559 km’. O desflorestamento nesses dezoito anos corresponde a 52,4% de toda a drea desflorestada na Amaz6nia brasileira, o que indica a intensidade da ocupagao nas dltimas duas décadas, A partir de 2001, nas regides com cobertura florestal ama: ica ou de transiga0, a porcentagem da Area das propriedades rurais que podem sex desflorestadas passou de 50% para 20%. Contudo, a diminuigto do desflorestamento s6 passou a ‘ocorrer partir de 2005, quando foram desflorestados 18.759 km’, chegando a 11.224 km’ de desflorestamento em 2007. Obviamente néo hé nada para se comemorar, pois, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Conservagdo Internacional - Brasil, para cada quilémetro quadrado desflorestado no arco do desflorestamento, sio cortadas de 45.000 a 55.000 drvores, afetadas entre 1.658 € 1.910 aves ¢ de 35 a 81 primatas, além da infinita variedade e quantidade de outros seres vivos presentes na floresta amazOnica, que apresenta a maior biodiversidade do planeta. © grifico 1 representa a participag3o dos estados da Amar6nia Legal no desflorestamento, © estado que mais contribui foi Mato Grosso que, apesar de ter metade de seu tertitério compreendido no bioma do Cerrado, & responsivel por 36% do desflorestamento da Amazdnia entre 1988 ¢ 2007. A partir de 2005 o estado apresentou diminuigdo no desflorestamento. Paré foi responsivel por 32% do desflorestamento no perfodo, sendo que o estado também apresentou queda no desflorestamento em 2005, mas manteve o indice a partir de entio. GRAFICO 1 - Desflorestamento na Amazénia — 1988-2007 here —a-Amazonas Amana — Maranho Mato Grosso ae Pa + Rondénia —Forama Area Destlorestada (km2) —Teeantins 1988 1988 1990 1901 1992 1989 1984 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Dados: INPE - PRODES. Org :Eduardo Paulon Girarch mapa 9 sintetiza o desflorestamento total € 0 desflorestamento recente da Amazinia, O leste da regio, onde se estabeleceram grandes projetos de mineragéo e exploragao florestal ja na década de 1960, tem alto indice de antropizagao e possui as maiores densidades de niicleos urbanos ¢ de vias de circulagio. Esta é a regido onde a ocoreram os maiores desflorestamento até hoje. Embora mais importantes no passado, ainda hoje o desflorestamento é significative na Amazénia Oriental, como pode ser visto no mapa 10. Ja processo de desflorestamento recente & mais significativo no sul da Amav6nia, As rodovias so sabidamente vetores do dest tamento na Amazénia, sendo que a maior evidéncia no desflorestamento recente € observada no echo dx BR-163 (Cuiabs Pard a cidade de Itaiuba - PA, '-Santarém), entre o limite dos estados de Mato Grosso ¢ © Norte do Mato-Grosso apresenta importante proceso de desflorestamento tual. Trata-se de um processo progressivo de desflorestamento que toma duas diregées principais: BR-163 -> oeste, que tem como atrativo a possibilidade de exportagao pelo porto de Humaité, p onde & exportada toda soja do Grupo Maggi, e direcao sul -> norte, tendo como eixo condutor a BR-163, que leva ao porto de Santarém, através do qual a exportagdo dos produtos do agronegécio seria mais vidvel. O Parque do Xingu as terras indfgenas contiguas Wawi, Capoto/Jarina, Menkragnott, Parana, Badjonkore, Kayapé e Bag encontram-se totalmente cercadas pelo desflorestamento, inclusive recente, Essas terras funcionam como barreira para o desflorestamento total no sentido BR-163 > leste, no Mato Grosso e no Par4, O asfaltamento completo da BR-163 € indutor do avango € intensificagao do desflorestamento ¢ implica na mobilizagéo de maiores, efetivos para fiscalizacao da depredagdo ambiental, o que jé ¢ insuficiente na atualidade. Neste sentido, 0 Governo Federal tem desenvolvido 0 projeto BR-163 Sustentavel, com a criagio de unidades de conservagao para minimizar 0 desflorestamento e os conflitos que geram violéncia na disputa pela terra. Esta ago certamente vai minimizar a intensidade do desflorestamento, mas nao ird impedi-lo. Além disso, as Areas legalmente passiveis de desflorestamento sem divida serao cefetivamente desflorestadas. O asfaltamento da BR-163 deixa clara a opydo do projeto de ocupacao da Amarénia, MAPA9 DESFLORESTAMENTO NA AMAZONIA LEGAL, [Earner [El ontentnnseensoneee [Ba] oe [Jom Lean Zemin ain lem ures? uneap™ moma, © mapa 10 apresenta o nimero de hectares desflorestados nos municipios da Amazénia Legal entre os anos 2001 © 2006. Neste perfodo foram desflorestados 18.985.670 hectares, Sao Félix do Xingu - PA, que tem 17,2% de sua drea total desflorestada, foi o municipio com maior desflorestamento entre 2001 ¢ 2006, perfodo no qual foram destrufdos 776.610 ha de floresta no seu terzitério, que correspondem a 9,2% da érea total do municipio. Em seguida estao os municipios de Paragominas - PA (551.340 ha), Altamira - PA (347.270 ha) ¢ Porto Velho - RO (305.900 ha), MAPA 10 DESFLORESTAMENTO NA AMAZONIA LEGAL - 2001-2006 [Aras ox aio RRA RRR = upese unesp* moma, Sabemos que a ilegalidade e a corrupgo nos confins da Amazdnia vio além dos dados conhecidos. O Estado, apesar de todos os investimentos para detectar ag6es ilegais por meio de levantamentos via satélite, pelo sistema SIVAM ou fiscalizagio presencial, nao consegue controlar a ambigao das madeireiras, grileitos e fazendeiros na Amazénia, Além da agao direta, € necessétio que sejam realizadas agdes indiretas que cofbam a tertitorializagao do latifiindio ¢ do agronegécio nesta regido. Contudo, a ago do Estado através de programas como o Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste - 2007-2020 e o Programa de Aceleragao do Desenvolvimento (PAC) - 2007-2010, indicam o incemtivo & ocupagao efetiva da regido pelo estabelecimento e intensificagao de atividades produtivas agropecudtias, mineradoras e industriais, Para isso esto ptevistas ages de desenvolvimento da cadeia do agronegécio ¢ melhoria na rede vidtia para escoamento da produgio. A exploragdo legal de madeira na Amaz6nia & outra evidéncia do incentivo do Estado na continuacao da ocupago da regido. Em 2007 a exportacdo legal de madeira dos estados da Amazénia Legal somou 1,2 bilhdes de délares. Neste sentido, as agées de “sustentabilidade” na Amaz6nia parecem muito mais uma falsa resposta A sociedade do que uma vont \de efetiva dos governos de conter o processo de ocupago ¢ desflorestamento. O desflorestamento ¢ 0 carter mais primério para a delimitagao da frente pioneira da fronteira agropecuaia, O intenso desflorestamento é resultado da escolha do modelo agrério (que inclui 0 agricola) sustentado por todos os governos desde © golpe militar de 1964. No processo de ocupagii G0 cometidos diversos crimes ambientais. Como veremos mais adiante, é & custa da abertura constante de novas reas que 0 agronegécio “progride” e a estrutura agréria atual € conservada, ALUTA PELA TERRA E SUA CONQUISTA A Tuta pela terra e a conseqtiente criagio de assentamentos é uma forma de rectiagao do campesinato. As ocupagdes constituem um momento da luta pela terra, Como resposta as agdes dos movimentos sociotertitoriais, os governos criam assentamentos rurais que, em principio, constituem a conquista da tetra. Os assentamentos significam uma nova etapa da luta: 0 processo pela conquista da terra, Ainda é necessério conquistar condigdes de vida e produgio na terra; resistir na terra ¢ lutar por um outro tipo de desenvolvimento que permita o estabelecimento estavel da agricultura camponesa, No Brasil, a ocupagao de terra é a principal estratégia de luta pela terra realizada pelos movimentos socioterritoriais camponeses. Os dados do DATALUTA 2006 mostram que no pais, entre 2000 © 2006, foram registradas ocupagses de terra realizadas por 86 diferentes movimentos sociotertitoriais. As areas ocupadas so principalmente latifindios, terras devolutas ¢ iméveis rurais onde leis ambientais e/ou trabalhistas tenham sido desrespeitadas. De modo geral, as ptopriedades ocupadas so aquelas que apresentam indicativos de descumprimento da fungao social da terra, definida no artigo 186° da Constituigao Federal. Como o Estado nao apresenta iniciativa para cumprir a determinagao constitucional, os movimentos socioterritoriais agem para que isso acontega. Ultimamente, além de lutar contra o latiftindio, os movimentos sociotertitoriais camponeses iniciaram a uta contra a territorializagao do agronegécio em suas formas mais intensas, € por isso as ocupagdes tém ocortido em éreas de produgao de soja transgénica, cana-de-agticar € plantagdes de eucalipto, por exemplo. Ant 186 da CF. A fangio social € cumprida quando a propsiedade curl atende, simultaneamente, segundo cities ¢ _taus de exighncia extabelecidos em le, aos seguntes requisitos: 1) aproveitamentoracional¢ adequado; I) wilizagso fsdequads dos recursos naturas disponiveis © preservagio do meio ambiente; HD) observincia das disposes que regulam as relagoes de wabalho; IV) exploragio que favarega 0 bem-estar dos propritiriese dos trahalhadores. Em principio a ocupagao de reas economicamente produtivas seria muito mais uma forma de protesto, visto que pela constituigdo (art. 185) elas nfo so suscetiveis a desapropriagao para a reforma agriria, O artigo 186 estabelece que a propriedade deve cumprir sua fungao social, que compreende as dimensGes ambiental, trabalhista e de bem estar do proprietério ¢ dos trabalhadores. Na interpretago desses dois artigos, Pinto Jr. e Farias (2005) afirmam que nao basta que a propriedade rural seja produtiva (art. 185) no sentido economicista para que no seja passivel de desapropriagiio; cla deve ser produtiva respeitando simultaneamente os prinefpios do art. 186, A produtividade no pode ser alcangada sob conseqiiéncia de desrespeito aos aspectos da fungio social, de forma que essas duas caracteristicas sto indissociaveis e “a fungio social € continente e contetido da produtividade” (p.48). Assim, caso a produgio seja conseguida a partir do descumprimento das dimensdes estabelecidas pelo artigo 186, 0 aspecto produtivo nao isenta a propriedade de desapropriaco para a reforma agréria. F por isso que o agronegécio, através de suas priticas, desrespeita a funedo social da terra. Por isso, as ocupagdes de propriedades cultivadas que nio cumprem a fungao social sio legitimas no sentido da luta, j4 que podem ser suscetiveis & desapropriagao segundo a interpretagao da lei apresentada acima A teforma agtitia & necessidade histoticamente defendida para a resolugao dos problemas agrérios no Brasil. Em nossa anilise da luta pela terra tomamos 0 periodo de 1988 até 2006, quando ela foi intensificada. Nos sucessivos governos deste periodo, as ages de reforma agréria no Brasil tém sido baseadas principalmente nas politicas de criagao de assentamentos rurais, € de concesséo de crédito aos camponeses, Partimos do princfpio de que uma reforma agréria completa no Brasil deve, simultaneamente, reformar a estrutura fundidria do pats, possibilitar 0 acesso dos camponeses a terra ¢ fornecer-Ihes condigdes bésicas de vida ¢ produgdo. Neste sentido, o ITPNRA (Plano Nacional de Reforma Agréria) avancou ao apresentar uma compreensao ampliada de reforma agréria, Porém, como demonstraremos, a execugo do plano tem apresentado uma reforma conservadora da estrutura fundidria através da criagio de assentamentos rurais. Consideramos que no perfodo analisado (1988-2006) houve uma reforma agrdria conservadora, pois a forma como € conduzida a politica de assentamentos conserva a é tra das regides de cocupagao consolidada, isto é, centro-sul e Nordeste, de forma que 0 cumprimento dos prinefpios constitucionais é muito restrito. A partir desta premissa, nosso objetivo nesta seedo é compreender 0 quanto reformadora é a politica de assentamentos rurais que fundamenta esta reforma agréria conservadora, A pattir de 1995, primeiro mandado de Fernando Henrique Cardoso, houve um aumento significativo de famflias® em ocupagées e de familias assentadas (grafico 2). As ocupagdes 5 para os dados de familias em ocupapses ou familias ascentadas, caleula-se a média de cinco pessoas por fama, Os ddados de familias assentadas so feferentes a0 mimero familias que 0 assentamento comporta em sua capacidade atingiram 0 seu maximo em 1999 (897 ocupagses ¢ 118.620 familias em ocupagdes), ano em que Femando Henrique Cardoso assumiu seu segundo mandato. Com 0 aumento constante do niimero de ocupagées, no inicio do seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso publicou a Medida Proviséria 2.027-38 de 4 de maio de 2000, que criminalizava a luta pela terra. A criminalizagao ficou mais evidente na MP 2.109-52 de 24 de maio de 2001, que substituiu a anterior’, O texto dessas Medidas Provisérias prevé o impedimento, por dois anos, da vistoria de iméveis rurais onde tenham sido realizadas ocupagdes de terra ¢ também exclui os trabalhadores que participa de cocupagdes de terra dos programas de reforma agréria. Com essas Medidas Provisorias o ntimero de familias em ocupagées diminuiu drasticamente e o mimero de familias assentadas acompanhou esta queda. A andlise conjunta deste fato ¢ da evolugao das ocupagdes e assentamentos (grdfico 2) mostra que as familias s6 so assentadas devido & pressao realizada pelas ocupagdes de terra. Com a cleigao do presidente Lula em 2003 houve o aumento das ocupagées ¢ conseqiientemente dos assentamentos. Isso possivelmente ocorreu pela minimizagio da aplicagio da criminalizag prevista na Medida Provis6ria e pela esperanca que os movimentos socioterritoriais depositavam no Presidente Lula para a realizagao de uma reforma agrétia mais ampla, o que nao ocorreu, Os dados, de familias assentadas mostram que quantitativamente nao hé diferenga entre os governos de FHC ¢ de Lula, pois durante os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso foram assentadas 457.668 familias © no primeiro mandato de Lula foram assentadas 252.019. O total de familias, assentadas no primeiro mandato de Lula contempla 63% das 400 mil familias previstas no I! PNRA para o perfodo, Os mapas da prancha 1 permitem comparar o ntimero de familias em ocupagdes de terra e de familias assentadas nas microrregiGes brasileiras nos trés whtimos perfodos de governo. maxima. Esses dados no dizem respeito, por exemplo, aos casos em que as familias desistem de seus los ¢ outras familias sd0 astentadas. Este processo no acompanhado. A quantidade de familias nos assentamentos pode et inferior, em projetes de assentameutas mio totalmente ocupados, 0 que pode ocerter no inicio da implantagie, ou superior, no caso de outras familias que passam a viver nos loes com as familias beneficiérias. No caso das familias em focupages de terra, a mesma famflia pode patticipar de diversas acupagies na sua tajetéria de Int, que pode durar * Anualmente essas Medidas Provisérias estdo em iramitaglo sob a forma da MP 2.183-S6 de 24 de agosto de 2001 TABELA 3 ~ A luta pela terra e sua conquista - 1979-2006 ‘cupagées| Familias em |Assenamentos] Familas | Areados tetera | ocupagées | ersdon | atecntadn | *22Tameros 7H = “057 772 TaEe Taam Taal 2.25] aaa rete 2.364 ¥ig]—tets) aoa 885 31a ai saa] —— tsa 7 TE 30d sad] rat T3a7 aH Te] 9] — Taare Tse ad Hq ss] ro8e 72.8 “alto. sos Tats ag el en F572 iste ae| Sal sauder ss87 Sia on Foleo e| 5 6 988 28 1 8 7s] rea] amas i388 ser[ 1a Seo stants 2005 Sel — 678 sab] ba zon! zal 16.27 ass] 2007 zal 40.64 ait —at es 2821 ata 5 aa ar7[ ross] sana 2004 a] 44.25 ae etal Sa 2005 see] — 7.284 Tose) 1244] vase 08 sss] 341 “ial sae7e| 410000 rorAL—| Taos | —tawraz0 | ree | — wis. | ssa 767 aes bATALITA [org sade Paden Gr GRAFICO 2 - A luta pela terra e sua conquista - 1979-2006 “ 3 ~Tdh cailill F E _—_ —_ =... — PRANCHA 1 (OCUPAGGES, ASSENTAMENTOSE PI )DOS DE GOVERNO- 1895-2006 Desde 1988 foram realizadas mais de sete mil ocupagdes de terra, das quais participaram cerca de um milhao’ de familias cujos lares foram (ou ainda sao), por varios anos, os. barracos de Iona dos acampamentos, Em resposta, os governos eriaram desde entio 7.230 assentamentos nurs, cuja zea total de $7,3 milhdes de hectares comporta cerca de 900 mil familias. Poderfamos entio concluir que restariam apenas cerca de 100 mil familias para serem assentadas ¢ a reforma agrétia estaria concluida? A resposta positiva a qual conduz a matemstica da reforma agréria conservadora 6 facilmente derrubada pela anélise geogréfica. O aspecto geogréfico (aqui como referéncia ao localizacional) da politica de assentamentos nao constitui uma resposta local 4s demandas/denincias dos movimentos sociotesttoriais. A geografia da politica de assentamentos rurais é um dos elementos que denunciam seu cardter conservador. © mapa 11 representa de forma detalhada as familias em ocupagées ¢ as familias assenladas de 1988 até 2006. A opasigdo norte-sul evidencia a ineficdcia regional da politica de assentamentos rurais, indicando que os problemas agesrios locais nio so resolvidos, o que mantém © conflito ¢ anula o desenvolvimento, O aspecto mais elementar da concentragio das ocupagées no centto-sul ¢ em regises do Nordeste € que essas sio as regides em que se concentra a populagio brasileira, Af também se concentram os milhdes de expropriados ¢ camponeses em vias de desintegrag devido 4 modemizagio da agricultura e industrializagio do pais, no planejadas de forma adequada para garantir a distribui¢ao da riqueza. Além da concentragio populacional, as regides de ocupagao consolidada, onde se concentram as ocupagées de terra, so caracterizadas pela [Este mimero ¢ provavelmente superior, visto que nio hé informagdes sobre o ndmero de famlias para 867 ocupagdes de terra melhor infra-estrutura para produgao, maior mercado consumidor ¢ acesso a servigos basicos como educagio, satide, eletricidade © saneamento, Essas so as reas onde a reforma tem sentido, pois desconcentra as terras ¢ otimiza a sta utilizagao. E nessas regides que a agricultura camponesa pode conseguir mais facilmente sucesso de forma auténoma, jé que a imtervengdo do Estado € insignificante frente ao verificado em pafses desenvolvidos. Tendo isso em mente, as ocupagdes na metade sul do pais sdo as que mais contribuem para a realizagdo da reforma agréria, pois é nessas rogides que a estrutura concentrada jé estabelecida deve ser reformada MAPA 11 FAMILIAS EM OCUPAGOES E FAMILIAS ASSENTADAS - 1988-2006 + ¥ ‘LAS DA QUESTO AORARA BRASILERA saree unesp® moma GE om Mor EEE... A partir deste primeiro indicio da ineficacia regional da politica de assentamentos, analisamos a potencialidade reformadora dos diversos tipos de assentamentos rurais. A origem da terra para a criagdo dos assentamentos é o principal elemento que consideraremos na anélise. Os assentamentos podem ser criados a partir de a) terras desapropriadas, cujos proprictarios sao indenizados; b) reconhecimento de posses ¢ c) projetos de conservagio ambiental, que reconhecem unidades de conservagio de uso sustentavel como assentamentos. Em todos os casos as familias assentadas sio consideradas beneficidrias da “reforma agrétia” ¢ tém acesso aos programas de crédito ¢ recursos para instalagao previstos no If PNRA. Classificamos os assentamentos em nao reformadores © reformadores (v GIRARDI, 2008. pp.281-288). De modo geral, os assentamentos ndo reformadores sio os reconhecimentos de posse, assentamentos criados em terras piblicas, unidades de conservagao sustentéveis e outtos projetos de carter ambiental. Esses assentamentos se confundem com as politicas ambiental ¢ de ocupagio do tertitério, A criago de unidades de conservagio de uso sustentével, reconhecidas como assentamentos rurais, ndo desconcentra a terra, Essas reas nao fazem parte da estrutura fundiéria ¢ geralmente séo criadas em terras ptblicas, o que nio implica em desapropriagao de terras. A regularizagio de posses também néo implica em desapropriagio de tetras, Desta forma, consideramos que a 0 reconhecimento de posses ¢ a criagao de assentamentos em terras publicas sao formas de alterar a estrutura fundidtia com a adigao de novas éreas ¢ de novos detentores sem que seja necessério reformar as reas que previamente compunham a estrutura fundisria, ou seja, dividir as terras. No caso dos assentamentos néo reformadores 0 campesinato se tervitorializa sem que haja a destertitorializagio do latifiindio. Para os assentamentos reformadores as terras so arrecadadas geralmente a partir de desapropriagio, 0 que representa o mais alto grau de reforma da estrutura fundiéria possivel na legislagao brasileira atual. Attavés da ctiagdo desses tipos de assentamentos & cumprido o artigo 186 da Constituigio ¢ a estrutura fundidria ¢ de fato desconcentrada. Com os assentamentos reformadores o campesinato se territorializa a partir da desterritoriatizagao do latiftindio. Entre os assentamentos criados no periodo 1979-2006 os reformadores so 92,7% e comportam 85, 1% das familias em 53,2% da rea total. No primeiro mandato de FHC a énfase foi na criagao de assentamentos reformadores. J4 no segundo mandato, paralelamente & diminuigao pela metade do nimero total de assentamentos criados e de famflias assentadas, houve aumento da proporgao dos assentamentos ndo reformadores, em especial dos de cardter ambiental. No primeiro mandato de Lula os dados dos assentamentos reformadores so muito proximos daqueles verificados no segundo mandato de FHC. A particularidade do primeiro mandato de Lula é a intensificagao da criagdo de assentamentos niio reformadores, em especial os de carter ambiental. Esses assentamentos nao reformadores correspondem, no primeito mandato de Lula, a 21% dos assentamentos criados, 43% das familias assentadas € 80% da rea total Se considerarmos somente os assentamentos reformadores entre 1988 © 2006, contabilizamos 6.704 (92,7%) assentamentos com 29.625.441 (51,7%) ha, nos quais foram assentadas 689.345 (85,4%) familias. Nao sabemos quais desses ssentamentos foram criados p iniciativa do governo ou pela demanda local dos movimentos socioterritoriais camponeses, porém as ocupagdes de terra podem fomecer pistas. Partindo deste principio, podemos entio considerar apenas os assentamentos reformadores criados entre 1988 ¢ 2006 nos municipios em que houve ccupagdo de tera no mesmo perfodo, Segundo este critério so 4.425 (61,2%) assentamentos, 412.140 (51,1) familias assentadas ¢ 15,322.95 (26,7%) hectares. O mapa 12 representa as familias assentadas segundo esta classificagdo, O diferencial territorial do mapa mostra que hé uma ordem regional da classificagao que propomos. Os assentamentos reformadores criados em municfpios onde ocorreram ocupagdes de terra sto predominantes nas regides de ocupacao consolidada. Os assentamentos reformadores criados em municipios sem ocorréncia de ocupagdes de terra configuram uma faixa de transigdo arqueada que vai do oeste do Mato Grosso até 0 Maranhao, 0 terceito grupo, dos assentamentos nao reformadores, concentra-se principalmente na metade noroeste da Amaz6nia Legal. O mapeamento confirma a hierarquia do grau de reforma dos, assentamentos, j que os assentamentos reformadores em municipios sem ocorréncia de ocupacdo de terra esto localizados principalmente em regides de ocupagao recente, que configuraram a fronteira agropecusria nas décadas de 1980 e 1990. O mapa evidencia 0 conservadorismo da reforma agréria, MAPA 12 FAMILIAS ASSENTADAS E TIPOS DE ASSENTAMENTO - 1988-2006 fesse © mapa 13 contribui para esclarecer a participagao dos assentamentos rurais na cocupagao da Amaz6nia. Apesar dos assentamentos fazerem parte da politica de ocupacao territorial, a sua drea em relagdo Area total apropriada é pequena, de forma que a maior parte da regido é cocupada a partir da apropriagao das terras por particulares. © mapa 13 mostra a efetiva participacao dos assentamentos na ocupagio da Amazénia, pois representa apenas os assentamentos reformadores relagao & Area total dos iméveis, Tomamos apenas os assentamentos reformadores por ue esses sfo os que apresentam impacto mais importante, visto que grande parte dos demais sio unidades de conservagao sustentéveis ¢ por isso seu impacto é reduzido. Isso indica que, embora a Amazdnia seja o principal escape para o desenvolvimento da politica de assentamentos rurais, no podemos associar © processo ocupagio da regido exclusivamente ou majoritariamente aos assentamentos. A maior parte da ocupacao é promovida pela ocupagio particular ¢ no pelos assentamentos MAPA 13 IMOVEIS RURAIS E ASSENTAMENTOS REFORMADORES* problema da reforma agréria conservadora esté na ndo reforma das regides de ocupagéo consolidada, A intervengao no ordenamento da fronteira agropecudtia com a criagio de assentamentos, reconhecimento de pequenas posses e criagdo de areas de manejo sustentavel exploradas por camponeses é sem diividas positivo. Essas politicas permitem a territorializagao do campesinato, garantem acesso aos recursos de crédito € fazem com que os camponeses “invisiveis” até entdo sejam reconhecidos e melhorem sua condigao de vida. As unidades de manejo sustentavel, reconhecidas como assentamentos constituem um passo importante no reconhecimento dos direitos dos povos da floresta, especialmente representativos no Norte do pats. O fato € que a criagdo de assentamentos ndo reformadores ndo pode suplantar a reforma nas regides de ocupagao consolidada. O problema nao esté na criagao dos assentamentos nao reformadores, mas sim como eles sao utilizados como estratégia para no reformar as outras regides do pafs. Como mostram os dados, nfo houve progresso na criagio de assentamentos reformadores entre 1999 ¢ 2006, pelo contrério, houve o crescimento da criagio de assentamentos nfo reformadores, 0 que contribuit para a conservagao de valores muito elevados no indice de Gini da estrutura fundidria. As agdes na fromteira agropecudria certamente fazem parte da reforma agréria, porém nao bastam; elas devem ser conduzidas paralelamente & reforma das demais regises, que deve set mais importante A VIOLENCIA CONTRA CAMPONESES E TRABALHADORES RURAIS Analisamos nesta segao as principais formas de violéncia direta contra camponeses ¢ trabalhadores rurais. Esta violencia ocorre paralelamente & agricultura altamente produtiva que caracteriza o agronegécio ¢ por isso configura o que Oliveira (2003) chama de barbérie da modernidade. A Comissio Pastoral da Terra documenta desde a década de 1980 as ocorténcias de conflitos e violéncias no campo brasileiro, cujos dados sio publicados desde 1984 no “Caderno conflitos no campo”. Paralelamente aos dados, a pastoral ligada a igreja catélica também publica manifestos ¢ relatos de diversos casos de violencia contra a pessoa, posse ¢ propriedade de camponeses ¢ trabalhadores rurais. Os relatos ¢ fotos que retratam a barbdrie no campo brasileiro mostram uma populacdo pobre, submetida a toda sorte de privacdo e exploragao provocada pela ambigdo humana frente auséncia do Estado, Neste sentido, as publicagdes da CPT permitem o contato mais sensivel com esta realidade € nos faz compreender melhor os dados. Mais do que atimeros, os dados da CPT sto informagées sobre a situagdo dos homens ¢ mulheres do campo € retratam a luta dos camponeses brasileiros ¢ as violEncias por eles sofridas. Certamente esses dados nao abrangem a totalidade, mas compreendem parte significativa da realidade, cuja totalidade € ainda mais violenta e desigual. Mais do que algarismos, os mimeros devem ser compreendidos como vidas. Mais do que pontos, linhas ¢ reas, os mapas devem ser lidos como representagao da lta pela terra e da violéncia softida pelos camponeses e trabalhadores no campo; eles representam familias que ficam sem casa, sem comida ¢ sem gua. O que fazemos é codificar alguns elementos da violenta realidade do campo brasileiro para tornar possivel sua apreensio de diversas manciras; € tomar possivel a mensuragio ¢ dimensionamento da violéncia sofrida pelos camponeses com a finalidade de estudé-la e assim contribuir para que esta realidade seja alterada, Os dados da CPT de 2006 mostram que naquele ano, nos 1.657 conflitos com violéncia contra no campo, 783.801 camponeses ¢ trabalhadores rurais sofreram algum tipo de * o banco de dados da CPT é dinimico ¢ por isso os dados sio constantemente atualizados. As informagées publicadas nos cademnos sio acreseidas e/ou corrgidas de acordo com documentos e informagées que chegam ao setor de violéncia. Dentre esses brasileiros 39 foram assassinados, 72 foram vitimas de tentativa de assassinato, 57 mortos em conseqiiéncia do conflito, 207 ameacados de morte, 30 torturados, 917 presos © 749 foram agredidos e/ou feridos. Tomamos para andlise mais especifica os dados de assassinato, ameagas de morte ¢ tentativa de assassinato. Nos vinte anos que compreendem o perfodo analisado (1986-2006), os camponeses ¢ trabalhadores rurais assassinados foram cerca de 1.100, as ameagas de morte foram cerca de 3.200 ¢ as tentativas de assassinato pouco mais do que 1.000. grafico 3 mostra que os trés tipos de violéncia direta contra a pessoa analisados apresentaram diminuigao principalmente a partir de 1996, segundo ano do primeiro mandato de FHC, ¢ retomaram 0 crescimento a partir de 2001, ano da publicag’o da MP 2109-52, que criminaliza a luta pela terra, Como jé foi demonstrado, a estratégia com a medida proviséria foi diminuir as ocupagées de terra e, por conseguinte, a pressio para a criagdo de novos assentamentos, © que de fato ocorreu. A medida proviséria conseguiu diminuir o mimero de ocupagées de terra, desarticulando 0 conflito, porém sua publicagao iniciou um processo de crescimento da violéncia direta contra os camponeses ¢ trabalhadores rurais, Este crescimento foi acelerado com o governo Lala pela retomada das ocupagdes de tetra ¢ por que 0 governo, com a criagdo de assentamentos ndo reformadores, manteve a tendéncia reduzida de assentamento de familias verificada logo apés a publicagao da MP 2109-52 Como representam os mapas da prancha 2, a violéncia no campo brasileiro coincide com regides onde os movimentos socioterritoriais so mais atuantes (ocupagoes de terra). O leste do Pard ¢ 0 norte do Maranhao configuram uma regio de concentragao da violéncia, Esta regido é caracterizada pela grande populagao assentada e, por fazer parte da fronteira agropecustia, © latifiindio af também apresenta intenso process de territorializagdo. Desta forma, o enfrentamento € mais evidente nesta regido ¢, com a auséncia do Estado, os camponeses ¢ trabalhadores rurais séo submetidos a toda sorte de violéncia e exploragao por parte de fazendeiros, -tandes posseiros ¢ grileiros, GRAFICO 3 — Assassinatos, ameacas de morte e tentativas de assassinato de camponeses € trabalhadores rurais — 1986-2006 documentagio mesmo ap6s a publicagio dos dados, Desta forma, o¢ dados publicados neste trabalho podem diferir de utras publicagdes que tenham como base a CPT, Também os dados que utilizamos podem apresentar algumas diferengas porque, ao processélos para 0 mapeamento, consideramos somente os dados referentes municipios IBGE, o que desconsiderou os poucos registrs que sao referenciadas em localidades Outra forma de violéncia contra o trabalhador rural brasileiro é a escravidao, Em sua forma contemporinea, a escravidio no campo brasileiro usa como principal instrumento de controle a divida impagavel crescente, a coagdo fisica ¢ psicoldgica, a apreensdo de documentos ¢ © isolamento geografico. Os trabalhadores escravizados sio aliciados em regiGes distantes do local, de trabalho, Nao hé caréter racial. A duragao da escravidao do trabalhador é indeterminada, mas, geralmente temporaria, Os trabalhadores sio submetidos a longas jomadas de trabalho ¢ a condigdes subumanas de alimentagio, moradia e salubridade. © trabalho escravo é empregado principalmente em tarefas pesadas como o desmatamento, limpeza de pastos (arrancar tocos), produgio de carvao e corte de cana. Optamos por ndo utilizar nenhum tipo de adjetivagao & palavra escravidio, pois acreditamos que sdo formas de atenuar o impacto desta realidade inadmissivel Coagao fisica ¢ psicolégica, cerceamento da liberdade ¢ nao recebimento pelo trabalho realizado sto elementos suficientes para a caracterizagao de trabalho escravo. geral os trabalhadores so aliciados nos estados do Nordeste e escravizados no Norte © Centro-Oeste, Os “gatos”, como sio chamados os aliciadores, sio responsdveis pelo ecrutamento, transporte ¢ “manutengao” dos trabalhadores. Esses aliciadores iludem os trabalhadores com propostas de bons salétios, oportunidade de conhecer novos lugares de poder faver uma poupanga para ajudar suas familias. O proprio gato cuida de toda a viagem. Todas as despesas de transporte, alimentagao ¢ hospedagem “correm por sua conta” ¢ so computadas no saldo dos trabalhadores como divida, Por ser uma prética ilegal, comecando pelo préprio transporte inadequado, o gato se associa a diversos agentes para facilitar o seu trabalho criminoso, Segundo Cortéa (1999) sdo exemplos desses agentes os gerentes € proprietirios de hospedarias ¢ os transportadores. A CPT c 0 MTE sio as principais fontes de informagdes sobre o trabalho escravo no campo brasileiro, Frente as denincias publicadas pela CPT, 0 MTE criou em 1995 0 Grupo Especial de Fiscalizagao Mével. O grupo mével, com o auxilio da Policia Federal, realiza inspegdes «em locais onde hé dentincia de trabalho esctavo, Quando hé trabalho escravo 0s trabalhadotes so libertados, so aplicadas multas ¢ é efetuado © pagamento dos salérios. Em seguida os trabalhadores, slo assistidos e encaminhados aos seus locais de origem. Entre 1986 2006 a CPT registrou denincias em 368 municipios brasileiros que dayam conta de cerca de 140 mil trabalhadores escravizados. Entre 1995 € 2006 0 MTE fiscalizou dentincias em 195 municfpios, onde libertou 21.222 trabalhadores escravizados. Como mostra o grafico 14.3, a partir de 1996, ano seguinte ao infcio da fiscalizacao pelo MTE, o mimero de trabalhadores em dentincias & CPT diminuiu de forma significativa. Isso possivelmente pelo temor dos fazendeitos em cometer o crime © serem pegos € pelo trabalho de comparagao dos dados da CPT com os dados de fiscalizagao do MTE. Contudo, algumas dentincias recebidas pela CPT ainda ficaram sem fiscalizagdo ¢ por isso os dados da CPT sto sempre superiores aos do MTE, mesmo a partir de 1996. A comparacao entre os dados da CPT ¢ do MTE de 1996 até 2006 indica que o total de trabalhadores libertados pelo MTE representa 60% dos trabalhadores em dentincias & CPT. Embora nunca saibamos 0 nimero real de trabalhadores escravizados, os dacos de dentincias sio indicativos importantes da dimensio minima desta pratica no campo brasileiro, GRAFICO 4 - Trabalho escravo no campo brasileiro - 1986-2006 250007 1.000 | Trbalhadoroseseravzados sono | 1966 1907 vo4n 199 T990 1987 1992 19831664 985 196 1987 Tone TaB8 200 2001 2002 200 20042005 2o06| DadeesCPT-OracEaverse Paonia (O mapeamento das dentincias ¢ dos trabalhadores liberados indica a ocorréncia do crime em quase todas as unidades da federagao, porém, como as demais violéncias, 0 leste do Paré concentra o maior ntimero de casos. Os principais estados com a pritica do trabalho escravo sao Para, Mato Grosso, Bahia, Meranhao, Tocantins, Goids ¢ Rond6nia. As informagées dos cadernos Conflitos no Campo da CPT desde 1986 ¢ os registros do MTE indicam que o trabalho escravo é utilizado principalmente em: companhias siderdirgicas, carvoarias, mineradoras, madeireiras, usinas, de Alcool ¢ agticar, destilarias, empresas de colonizagio, garimpos, fazendas (para 0 desflorestamento e formagao de pastagens), empresas de “reflorestamento” /celulose, agropecustias, empresas relacionadas & produgdo de estanho, empresas de citros, olarias, cultura de café, produtoras de sementes de capim ¢ seringais. Parte significativa dessas atividades é caracteristica da fronteira agropecusria, 0 que explica a concentragao territorial no Centro-Oeste e Norte do pais. Os dados sobre a origem dos trabalhiadores libertados pelo MTE indicam que 59% sao naturais dos estados do Nordeste © 18,2% dos estados do Norte, Entre os estados, 30% so naturais do Maranhio, 9,3% do Pard, 9,6% da Bahia, 8% do Tocantins, 7,3% do Piaut, 6,3% de Minas Gerais € 5,2 de Goids. PRANCHA 3 TRABALHO ESCRAVO CRIS G eau cere Aurer weep san CONCLUSOES Como concluséo, apresentamos 0 mapa 14, elaborado a partir de uma interpretagao de conjunto dos principais temas analisados no Atlas, de forma que contempla elementos além daqueles discutidos neste artigo © por isso pode auxiliar o leitor em uma compteensio mais ampla das discussdes aqui realizadas. O mapa com sua legenda dispensa texto. MAPA 14 ‘© BRASIL AGRARIO . CONSTITUIGAO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 20.ed. Brastla: Cimara dos Deputados, 2003, ‘PT - COMISSAO PASTORAL DA TERRA, Cademno Conflitos no Campo ~ Brasil. Todos os niimeros entre 1986 ¢ 2007. Goiania/Sao Paulo: CPT-Loyola, 1986-2007 HI ANDES, B. M. Questio agrétia: conflitualidade © desenvolvimento territorial. In: BUAINAIN, A. M. (org). Luta pela terra, reforma agréria e gestfo de conflitos no Brasil. Campinas: Unicamp, 2005, GIRARDI, E. P. Proposicdo te6rico-metodolégica de uma Cartografia Geogréfica Critica e sua aplicacdo no desenvolvimento do Atlas da Questio Agriria Brasileira, 2008. Tese (Doutorado em Geografia) — Faculdade de Cigncias ¢ Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008, Disponivel em: NERA - NUCLEO DE ESTUDOS, PESQUISAS E PROJETOS DE REFORMA AGRARIA. DATALUTA ~ Banco de dados da Juta pela terza. Presidente Prudente: NERA/Unesp. Disponivel em: , OLIVEIRA, A. U. de. Barbarie e modemidade: as transformagées no campo e o agronegécio no Brasil. Revista Terra Livre, S4o Paulo: AGB, n.21, p.113-156, 2° sem, 2003, A Medida Proviséria 422 do governo Lula e a legalizagao da grilagem das terras pablicas na Amazénia, Conlutas, 28 out, 2008, Disponfvel em: . PINTO JR., J. M.; FARIAS, V. A. Fungo social da propriedade: dimensdes ambiental ¢ trabalhista. Brasilia: Nucleo de Estudos Agririos ¢ Desenvolvimento Rural, 2005.

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