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TEMPO COMUM. OITAVA SEMANA.

SEXTA-FEIRA

68. OBRAS É QUE SÃO AMORES: APOSTOLADO


– Maldição da figueira que só tinha folhas. Qualquer tempo deve ser bom para darmos frutos
de santidade e de apostolado.

– Obras é que são amores, não as boas razões.

– O amor a Deus manifesta-se num apostolado alegre e cheio de iniciativas.

I. JESUS SAIU DE BETÂNIA em direcção a Jerusalém, que estava a


poucos quilómetros, e sentiu fome, tal como nos diz São Marcos no
Evangelho da Missa de hoje1. É uma de tantas ocasiões em que se manifesta
a Humanidade Santíssima de Cristo, que quis estar muito perto de nós e
participar das limitações e necessidades da natureza humana para que nós
aprendêssemos a santificá-las.

O Evangelista diz-nos que Jesus viu uma figueira afastada do caminho e


aproximou-se dela para ver se encontrava alguma coisa que comer, mas não
encontrou senão folhas, porque não era tempo de figos. O Senhor
amaldiçoou-a: Que nunca mais ninguém coma fruto de ti. Quando caía a
tarde, voltaram novamente de Jerusalém a Betania, onde Jesus
provavelmente se hospedou na casa daquela família amiga em que era
sempre bem recebido: a casa de Lázaro, Marta e Maria. E na manhã
seguinte, quando retornavam à Cidade Santa, todos viram que a figueira
secara desde a raiz.

Jesus sabia bem que não era tempo de figos e que a figueira não tinha
frutos, mas quis ensinar aos seus discípulos, por um episódio que nunca
esqueceriam, como Deus viera ao povo judeu com fome de encontrar frutos
de santidade e de boas obras, mas não achara senão práticas exteriores sem
vida, folhagem sem valor. Os Apóstolos aprenderam ainda naquela ocasião
que qualquer tempo deve ser bom para dar frutos.

Não podemos ficar à espera de circunstâncias especiais para nos


santificarmos. Deus aproxima-se de nós em busca de boas obras, tanto na
doença como no trabalho normal, tanto em situações em que se acumulam
muitos afazeres como quando tudo está tranquilo, tanto nos momentos de
cansaço como em dias de férias, no fracasso ou na ruína económica, se o
Senhor os permite, e na abundância... São exactamente essas as
circunstâncias que podem e devem dar fruto; talvez diferente, mas
insuperável e esplêndido. Devemos encontrar a Deus em todas as
circunstâncias, porque Ele nos dá as graças convenientes em qualquer
circunstância. “Deves tu também – comenta São Beda – guardar-te de ser
árvore estéril, para poderes oferecer a Jesus, que se fez pobre, o fruto de que
necessita”2. Ele quer que o amemos sempre com realidades, em qualquer
momento, em todo o lugar, seja qual for a situação por que passemos.
Portanto, pede-nos frutos de santidade e apostolado agora, neste exacto
momento, neste dia que acaba de começar.

II. AS PALAVRAS DE JESUS são fortes: Que nunca mais ninguém coma
fruto de ti. Jesus amaldiçoou a figueira porque encontrou nela somente folhas,
aparência de fecundidade. Teve um gesto insólito para que o ensinamento
ficasse bem gravado na alma dos discípulos e na nossa. A vida interior do
cristão, se for verdadeira, faz-se acompanhar de frutos: de obras externas que
beneficiam os outros.

“Muitas vezes se tem posto de relevo – recorda São Josemaría Escrivá – o


perigo das obras sem uma vida interior que as anime, mas também se deveria
sublinhar o perigo de uma vida interior – se é que pode existir – sem obras.

“Obras é que são amores, não as boas razões: não posso recordar sem
emoção essa carinhosa censura – loucura divina – que o Senhor gravou com
clareza e a fogo na alma de um pobre sacerdote, enquanto distribuía a
Sagrada Comunhão, há muitos anos, a umas religiosas e dizia sem ruído de
palavras a Jesus com o coração: Eu te amo mais do que estas.

“É preciso mexer-se, meus filhos, é preciso fazer! Com valor, com energia
e com alegria de viver, porque o amor afasta para longe o temor (cfr. 1 Jo 4,
18), com audácia, sem timidezes...

“Não esqueçais que, se se quer, tudo vai para a frente: Deus non denegat
gratiam, Deus não nega a sua ajuda a quem faz o que pode”3.

É questão de vivermos de fé e de empregarmos os meios que estejam ao


nosso alcance em cada circunstância: de não esperarmos de braços cruzados
por situações ideais, que é possível que nunca se apresentem, para
empreendermos determinada tarefa apostólica; de não esperarmos até
termos à mão todos os meios humanos para nos pormos a atuar
sobrenaturalmente, mas de manifestarmos com decisões imediatas o amor
que trazemos no coração. Veremos, então, com agradecimento e com
admiração, como o Senhor multiplica e faz frutificar as nossas forças, que
sempre são poucas para o que Ele nos pede.

Se a nossa vida interior for autêntica, mediante um trato íntimo com Deus
na oração e nos sacramentos, traduzir-se-á necessariamente em realidades
concretas: em acção apostólica intensa através da amizade e dos vínculos
familiares; em obras de misericórdia espirituais ou materiais, conforme as
circunstâncias de cada um; na colaboração em tarefas de educação que dão
uma visão cristã da vida; na assistência e companhia a doentes e anciãos que
se encontram praticamente abandonados... O campo é imenso para quem
sente deveras o aguilhão do amor de Deus.

Além disso, se o nosso amor e a nossa intimidade com Cristo crescerem, é


lógico também que o nosso carácter se purifique, que o nosso trabalho
profissional melhore, que aproveitemos qualquer ocasião para renunciarmos à
nossa vontade ou aos nossos gostos, que pratiquemos generosamente as
virtudes da convivência, sem nunca nos sentirmos dispensados de manifestá-
las: a compreensão, a cordialidade, o optimismo, a ordem, a afabilidade... São
outros tantos frutos que o Senhor espera achar quando diariamente se
aproxima da normalidade da nossa vida. Para que o amor sobreviva, para que
cresça, tem que expressar-se em realidades hoje e agora.

III. JESUS SÓ ENCONTROU FOLHAS... Não existem frutos duradouros no


cristão quando, por falta de vida interior, por não permanecer em Deus e não
considerar na sua presença todo o panorama dos seus deveres, se entrega
ao activismo (fazer, mexer-se..., sem se apoiar numa vida de oração
profunda), que acaba por torná-lo estéril, ineficaz, e é sintoma frequente de
que se deixa conduzir pelo orgulho, pela vontade de dominar, etc., mesmo
nas coisas aparentemente mais elevadas. O perigo do activismo foi muitas
vezes posto em relevo, e com toda a razão: leva a obras boas em si mesmas,
mas sem vida interior que as apoie, e que, portanto, são fictícias ou precárias.
São Bernardo, e depois dele muitos autores, chamava a essas obras
ocupações malditas4.

Mas a falta de frutos verdadeiros na acção apostólica pode dar-se também


pela passividade, pela falta de um amor com obras. E se o activismo é mau e
estéril, a passividade é funesta, pois o cristão pode enganar-se a si mesmo,
julgando que ama a Deus por entregar-se escrupulosamente a alguns actos
de piedade: é verdade que os cumpre, mas de forma incompleta, porque não
o incitam a fazer o bem.

Semelhantes práticas piedosas sem frutos são como a folhagem vazia e


estéril, porque a verdadeira vida interior leva a uma acção intensa, em
qualquer situação e ambiente; leva a actuar com valentia, com audácia,
afastando os respeitos humanos, “com alegria de viver”, com a energia
avassaladora de um amor sempre jovem.

Enquanto falamos com o Senhor neste tempo de oração, podemos


examinar se há frutos na nossa vida, agora, actualmente. Tenho iniciativas
que sejam superabundância da minha vida interior, da minha oração, ou
penso, pelo contrário, que no meu ambiente – na faculdade, na fábrica, no
escritório... – não posso fazer nada, que o campo está esgotado... ou está
minado? Assumo com Deus compromissos claros e crescentes de actuação
apostólica, ou “apenas rezo”? Justifico-me dizendo que, absorvido entre o
trabalho, a família e a dedicação às práticas de piedade, “não tenho tempo?”

Obras é que são amores... O verdadeiro amor a Deus manifesta-se numa


ação apostólica vibrante, realizada com tenacidade e coragem. E se o Senhor
nos vê passivos – satisfeitos com umas práticas de piedade sem qualquer
manifestação apostólica transbordante de optimismo e de constância, de
espírito de vitória, que é fé –, talvez nos possa dizer ao ouvido: Meu filho,
mais obras... e menos “boas razões”, menos boas palavras.

A vida interior sem um profundo ímpeto apostólico vai-se encolhendo e


morre; fica na mera aparência. Na manhã seguinte, ao passarem – diz o
Evangelista –, os Apóstolos viram que a figueira estava seca desde a raiz. É a
expressiva imagem daqueles que, por comodismo, por preguiça, por falta de
espírito de sacrifício, não dão esses frutos que o Senhor espera. Uma vida
apostólica, tal como deve ser a de todo e qualquer cristão, é o oposto dessa
figueira seca: é energia, iniciativa, entusiasmo pela tarefa apostólica, amor
traduzido em obras, alegria, actividade silenciosa mas constante...

Examinemos a nossa vida e vejamos se podemos apresentar ao Senhor –


que se aproxima de nós com fome e sede de almas – frutos maduros,
realidades construídas com sacrifício alegre. A pessoa a quem tivermos
confiado a direcção da nossa alma pode ajudar-nos a distinguir o que há de
activismo (onde devemos rezar mais) e o que há de falta de iniciativa (onde
devemos “mexer-nos” mais). A Virgem, Nossa Senhora, ensinar-nos-á a
reagir para que a nossa vida interior, o nosso desejo de amar a Deus, nunca
se estiole numa folhagem vazia.

(1) Mc 11, 11-26; (2) São Beda, Comentário ao Evangelho de São Marcos; (3) São Josemaría
Escrivá, Carta, 6-V-1945, n. 44; (4) cfr. J. D. Chautard, A alma de todo o apostolado, FTD,
São Paulo, 1962, pág. 82.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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