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Teresina-PI
2006
Pedro Augusto da Cunha Jansen Ferreira
Teresina-PI
2006
Esse livro é especialmente dedicado a...
Rosa Edite da Silveira Rocha, pelo seu apoio, carinho, ternura e compreensão;
Eduardo Ribeiro Gonçalves Affonso, pela amizade singular, pela preocupação, por ser meu irmão
e pelo companheirismo;
Fátima Melo, professora de português dos meus tempos de Diocesano, que tanto me incentivou
na escolha do jornalismo como profissão e da literatura como paixão;
Los Comillones, nas figuras amigas de Rafael Campos, Francisco Lima, Allisson Bacelar, Carlos
Lustosa Filho, Flávio Meireles e Marco Aurélio Freitas.
A gr adeço...
gradeço...
A todos que ajudaram e a todos que não atrapalharam;
À minha mãe, pela educação e atenção dispensada a mim em todos esses anos;
A meu pai, por sempre me fazer crer, logo no início, que a leitura era importante e, principalmente,
que inspiração não se espera aparecer, mas se busca;
À minha professora orientadora, tia Samantha Castelo Branco, pelas conversas, palavras de incen-
tivo e bom humor.
Obrigado sempre!
Agradecimentos especiais a Geraldo Brito, Durvalino Couto, Cinéas Santos, Edvaldo Nascimento,
Ernesto José Batista, Paulo Vasconcelos, Chico Vasconcelos e Marco Vilarinho, pelas entrevistas e
por terem contado tanto a mim.
Patrícia Vaz, pelos conselhos, pela atenção e pelo chão da sala bom de dormir;
Clarisse Cavalcante, simplesmente por ser quem é;
Maryara Nayara dos Anjos, pela amizade e por ter me bloqueado no MSN quando necessário;
Igor Cunha Teixeira, meu primo, meu irmão, meu nego, pela ajuda, atenção e carinho;
Ana Clara da Cunha Jansen Ferreira, por deixar o computador ligado de madrugada e pela ajuda;
Sanmya Layanne de Sousa Meneses, pelo carinho e pelo abraço bom;
Dario Mesquita, pela comparação que me honra, pela ajuda e pelos conselhos;
Jucélio Júnior, Guilherme Jimbo e Daniel Campos, pela compreensão e ajuda na hora precisa;
Graça Targino, pelas palavras de carinho;
Leonardo Freire, pela ajuda e prestatividade acima da média;
Igor Cordeiro, pela atenção;
Ila Silveira, Zedka Russo,Tânia Sâmara,Amanda Neco, João Paulo Mourão,
pela ajuda e colaboração;
Karine Tito, Juliana Alves,Aline Maria, Ítalo Damasceno, Luana Maria, pela preocupação.
[Sumário]
Prefácio Pedro é música! Deus ex machina é música! Pág. 15
Capítulo 05 Teu pai nunca mais falou She’s leaving home Pág. 77
[ou O passado é uma roupa que não nos serve mais]
nense. Consiste, na verdade, em longo passeio, que se inicia com a evolução do rock, ainda em
terras estrangeiras, indo de Elvis Presley (a quem se atribui a criação do rock), aos The Beatles e
a outros, até alcançar o território brasileiro, com o The Clevers. Nesse momento, o autor brinca
com as palavras, como faz o tempo todo, por meio de títulos e entretítulos atraentes e inovado-
res, e chama a atenção para a influência marcante de outros países sobre a nossa gente: “Brasil,
meu Brasil Brasileiro... ou Uma nova colonização através da música”.
Porém, a chegada do rock a Teresina provoca reações adversas, gerando situações repre-
sentadas ironicamente:“E ´tu toca´ é rock, é?” Para Pedro, tem-se, aqui, a epopéia de ser músico
em Teresina. E ele expõe, com malícia e bom-humor, as dificuldades culturais vivenciadas pelos
jovens de então. Enquanto estes, literalmente, se deliciam com a nova febre musical, os mais
velhos visualizam o rock como sinônimo de degeneração e deterioração dos costumes, como
este trecho confirma:
[...] existia um preconceito contra aqueles que se dedicavam à música, sendo todos
eles alcunhados de perdidos ou homossexuais. Os cabeludos eram perdidos,as moças
de mini-saia eram perdidas, os músicos eram perdidos, os que iam aos shows dos
músicos eram igualmente perdidos.
É a luta da “[...] terra do Sol contra a música do diabo ou Como Teresina luta contra as
artes”. E é assim, que, de forma quase lúdica, o autor infere que a primeira fase do rock (o
primeiro decênio), em Teresina, compreende duas fases.A primeira chega ao fim quase ao mesmo
tempo em que se dá o declínio da Jovem Guarda, e tem a marca de Os Brasinhas e, em escala bem
16 menor, de Os Metralhas.A segunda fase incorpora dois núcleos, dos quais, o primeiro privilegia o
regionalismo e integra nomes, como os dos cantores Geraldo Brito e Laurenice França. O segun-
do, por sua vez, tem como expoentes Durvalino Couto, Edvaldo Nascimento e Edino Neiva.
Afinal, lembramos, como o autor também o faz, que a música é uma das expressões cultu-
rais mais significativas de um povo ou de um país, não importa se rock ou samba, rumba ou salsa,
xaxado ou forró, frevo ou baião, mambo ou chá-chá-chá, e assim quase incessantemente. E é isto
que faz de Deus ex machina: quando o rock teresinense nasceu do nada relevante fonte de
inspiração para estudos futuros ou novos escritos sobre a música neste Estado. Música que conta
com a presença de Pedro Jansen no contrabaixo ou ecoando a sua voz em canções, em textos
17
Pelos prados e campinas
verdejantes eu vvou
erdejantes ou
[ou Com quantas noites se faz um livro-reportagem]
O despertar por essa temática se deu a partir da leitura, há alguns anos, de um artigo
publicado na revista Cadernos de Teresina, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da Prefeitu-
ra de Teresina, edição 34, de 2002. Com a leitura desse artigo, que mostrava apenas uma idéia de
como a música teresinense evoluía desde a inclusão do rádio em nossas rotinas, fiquei interessado
pela história do rock.
Até então, o interesse se mantinha por dois motivos: pela minha atuação como jornalista
no Caderno de Cultura de um jornal local e pela atuação como membro integrante de uma banda
de rock nascida na cidade. Mas estas duas razões encontraram maior ressonância quando me vi
obrigado a pensar em meu trabalho de conclusão de curso. O tema veio naturalmente, e o rock
me encontrou outra vez.
Ainda assim, agora no papel de um pesquisador em início de carreira, tive consciência que
estudar a história do rock ou a história do rock teresinense mereceria, de forma racional, um
corte, um recorte. Para tomar esta decisão, comecei a pesquisar ou continuei a pesquisar.
Nesse processo, descobri uma carência bibliográfica acerca da história do rock teresinense
em sua totalidade, composta por informações fragmentadas, desprovidas de precisão em relação
a datas e nomes dos participantes do movimento. Estava aí o meu trunfo: contribuir para o
processo de redução desta lacuna. Foi, então, que optei por começar do começo, ou melhor,
iniciar a pesquisa pelo surgimento do rock em Teresina, estendendo a análise a um período
equivalente a um decênio.
Nas minhas pesquisas, também descobri que, por coincidência, parte dos integrantes da
banda primeira do movimento, Os Brasinhas, eram parentes da professora que havia escolhido
como orientadora. Iniciei aí uma pesquisa informal, procurando referências na imprensa, com
20 outros pesquisadores [dentre eles o autor do artigo motivador desse trabalho], e com os inte-
grantes das bandas citadas no mesmo artigo.
Iniciou-se, então, o processo de entrevistas, checagem de fontes e datas. Cataloguei as
fontes, em um total de oito pessoas, e as histórias, que somam quase 5 horas de entrevistas, sem
contar com as conversas e entrevistas informais.
Tomei a decisão acertada de que as fontes utilizadas nesta obra seriam, em sua grande
maioria, personagens que vivenciaram diretamente o primeiro decênio do rock teresinense.Além
destes, foram ouvidos MarcoVilarinho, jornalista e historiador, e Cinéas Santos, professor, escritor
e memória viva desses tempos.
21
Os primeiros passos
primeiros
de uma mudança
[ou O início do início]
A identidade de um povo é estabelecida pelos mais diversos parâmetros. Por estamos no Ociden-
te, esses parâmetros se tornam mais próximos e parecidos para a maioria dos países, mesmo os
que enfrentam grande diferença geográfica. Assim, Brasil e Canadá, por exemplo, países bem
distantes entre si, compartilham interesses e características. Com a já tão falada globalização,
essas semelhanças se espalharam entre os países ocidentais e orientais. China, Japão, Inglaterra e
Alemanha já dividem costumes, tecnologias e outras similaridades.
Mas voltemos a falar das características que definem um povo. Sem necessidade de ser um
profundo pesquisador das relações e características humanas e de seus agrupamentos, sabe-se
que a língua, o modo de falar, a indumentária, as manifestações culturais em geral, tudo isso pode
definir um povo, uma comunidade ou um agrupamento de pessoas. O que dizer, então, da música?
Força motriz de festas, encontros, tardes quentes de verão e noites frias de chuva, aparecendo
junto com os filmes nas trilhas sonoras, com rádios por todos os lados, a música é, hoje, um dos
fenômenos sociais mais baratos e abrangentes que existem.
Junto com o fenômeno ‘música’ vem o fenômeno ‘rock’, que contrariando a tudo e a todos, 23
a todas as capas do Melody Maker, todas as afirmações dos críticos eufóricos britânicos absurdos
de que o bichinho precisa ser salvo, se mostra forte e altivo. Está aí pra quem quiser ver.
Mas e então? Vamos ficar falando das singularidades da música e suas maneiras de se
manifestar? Qual nada... Pega uma cerveja ou um chá gelado na cozinha, senta numa poltrona
confortável e te prepara. Começa agora uma viagem aos primórdios da história do rock, saindo da
criação no exterior, passando pela propagação nacional, e por fim, continuação/repetição no Piauí.
Como se dizia no antigo programa Rá-tim-bum...‘Senta, que lá vem a história!’.
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
Começa-se pelas outras histórias, que vem antes do iê-iê-iê.A não tão breve história do Rock,
consolidado como estilo próprio e que até ser chamado de Rock passou por diversas influên-
cias e nomenclaturas, já tem seus 52 anos. Mesmo com a divergência de várias correntes e
histórias inspiradas em fatos paralelos ou tomados por propostas que vão além da análise
musical [embora o caráter social da música deva ser respeitado], atribui-se a criação do Rock
a Elvis Presley.
Conversa fiada, segundo Paul Friedlander, no seu ‘Rock and Roll – Uma história social’, de
1996, é bem sabido, e se não sabes, ficarás sabendo agora, que muito se deve a diversas referên-
cias da música branca e negra até a chegada de uma formatação de rock n’ roll como se conhece.
Antes de tudo, e pra simplificar, existiam o country, juntamente com suas diversas variantes, e o
blues/gospel vindo do lado negro da coisa.A mistura desses dois gêneros deu origem ao que se
convencionou a chamar de rhythm'n'blues e, mais tarde, com mais influências da música branca,
chegou ao ‘meio termo’ que convencionou-se a chamar de rock’n’roll.
A primeira leva de roqueiros surgiram nos EUA, lembrando que os ingleses só entrariam
no páreo mais tarde, em meados da década de 60, e eram, eminentemente, negros. Fats Domino,
Chuck Berry, Little Richard e, o único branco dessa época, Bill Halley.
Depois da fórmula do rock’n’roll ser usada exaustivamente, e de jovens do mundo inteiro
se renderem ao ritmo, a segunda leva de artistas veio mais forte que a primeira, que se complicou
24 com as mais bizarras lendas da história do rock, como as prisões de Little Richard, as loucuras de
Chuck Berry dentre outras...
Aí foi a vez de Elvis Presley, dono de um rebolado contagiante e de voz enebriante, Jerry
Lee Lewis, Buddy Holly e outros de menor expressão. Essa segunda fase deu abertura para a
chegada de uma mudança rítmica e de estilo, pois com o início da década de 60, o rock’n’roll
começou a entrar em verdadeiro declínio dando espaço para o aparecimento do que foi chamado
de ‘Invasão Britânica’, e que trouxe ao mundo da música os Reis do Iê-iê-iê, os Fab Four, os moços
de Liverpool, enfim, os Beatles.
E desde então o mundo nunca mais foi o mesmo.
Na década de 50, ainda estávamos longe, de certa forma, de acompanhar que acontecia lá fora.
E tu ttoca
oca é rroc
ock, é?
ock
[ou Da epopéia de ser músico em Teresina]
‘É, moço, a gente toca rock sim’. Imagine uma resposta dessa em meados da década de 60, nas 27
cercanias de Teresina, mais província do que ela é hoje. Primeiro que o moço receberia, no míni-
mo, um puxão de orelhas. Depois que você seria vilipendiado a vida inteira, como perdido, rebel-
de, inconseqüente. Será?
Quando a banda Os Brasinhas, que tocava o bom e velho iê-iê-iê [tocava não porque tenha
encerrado definitivamente suas atividades, mas por que agregou outros estilos, inclusive o forró
pé-de-serra ao seu repertório], começou a sua carreira por Teresina, com ensaios e mais ensaios,
não houve muita resistência. Pelo contrário.
“Eu vim pra Teresina definitivamente em 1965, mas já passava férias aqui há anos. Foi dessa
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
maneira que eu conheci os outros integrantes do que viria a ser Os Brasinhas”, explica José
Ernesto Arêas Batista, cujo nome correto é Ernesto José.“Essa confusão foi uma coisa de família,
que terminava por confundir que nome vinha primeiro, e terminaram por se acostumar a me
chamar assim”, lembra ele, que também deveria ter um P no meio do Batista.“Era pra ser Baptista,
mas o escrivão errou e meu pai não notou o erro. Ficou assim mesmo”. Perdeu-se aí um vínculo,
mesmo que apenas nominal, com os Baptistas da sagrada banda Os Mutantes.
Dos primeiros ensaios saíram covers das principais músicas tocadas na Rádio Pioneira, no
programa de Alexandre Carvalho, que além de radialista, foi o autor do livro “Os Brasinhas – O
Sonho não acabou”, lançado em 2002, para comemorar os mais de 30 anos de existência da banda.
A estréia do Rock Teresinense, surpreenda-se, caro leitor, não foi em Teresina. Criada,
crescida e amadurecida aqui, debaixo das asas dos pais que tanto os apoiavam, Os Brasinhas
puseram os pés em um palco e miraram um público pela primeira vez na cidade de José de Freitas,
por volta de novembro 1966.“Quem nos levou até lá foi o pai do Paulo Vasconcelos,Tio Aurino,
e nós íamos muito alegres e nervosos de fazer nosso primeiro show. Depois desse, fomos para
Pedro II e só em março de 1967 é que estreamos em Teresina, numa espécie de clube beneficente
que ficava nos arredores do que é hoje o Ginásio Dirceu Arcoverde”, conta, com certa nostalgia
na voz, Ernesto José.
Esse clube beneficente que foge à memória de José Ernesto é o Centro Recreativo Nossa
Senhora do Amparo (CRENSA), que abrigou uma das primeiras apresentações dos rapazes em
Teresina. Mas essas são histórias para serem contadas aos poucos. E tudo começa na página
seguinte.
28 Tá Pronto?
Aqui, os Brasinhas em sua formação clássica, da
esquerda para a direita: José Ernesto Batista, Sidney
Castelo Branco, Assis Davis, Getúlio Araújo, Chico
Vasconcelos e Paulo Vasconcelos.
E no princípio era o vverbo,
erbo,
a bota e o cabelo comprido...
bota
[ou Live Fast, Die Young é a lei. É?]
Se você não é daqueles que pula a introdução dos livros, deve ter prestado atenção que o nosso
início é muito parecido, embora com um delay de dois anos, com o rock que vinha sendo feito no
Sudeste, para ser mais preciso, em São Paulo.
Fazer rock era significação de choque, dos pais conservadores, da igreja conservadora, da
sociedade em geral.A idéia de ver seus filhinhos dançando ao som de música negra não agradava
aos pais de um EUA pouco aberto a novidades.A rebeldia existia apenas na idéia de que dançar
não tinha nada demais. Não havia discurso político, filosófico ou niilista. A grande maioria das
canções que tocava no rádio falava de amor. E eram dançantes.
A rebeldia sem causa de James Dean, jovem, bonito, de futuro promissor, estava baseada no
choque.A necessidade de choque levou à mini-saia, ao sexo antes do casamento, às danças mais
sensuais. A batida 4x4, ritmada, incansável; as guitarras estridentes, com solos e harmonias dan-
çantes, os vocais gritados e sem a gentileza que marcou os cantores do rádio, com suas baladas, o
baixo dedilhado com velocidade, em escala quase bluesística; tudo isso contribuía para uma empa-
tia estranha do jovem. Estranha por uma única razão: aquilo era totalmente novo. 31
Mas isso era na década de 50...Atentemos bem para o salto evolutivo com a chegada dos
ingleses, que foram logo bagunçando o coreto e subvertendo tudo numa interpretação própria da
mesma manifestação musical.
E foi aí que o rock brasileiro começou a se apoiar. Na década de 60, as vozes do rock eram
Elvis Presley e The Beatles, que basearam as manifestações artísticas por aqui. Esses artistas
fundamentavam as criações da Jovem Guarda, representantes de carteirinha do iê iê iê no Brasil,
e que conquistaram os jovens aqui em Teresina.
Mas é como diz o jornalista Marco Vilarinho, figura que viu e participou, mesmo que de
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
O sonho do rock no Piauí, e em Teresina, cidade onde tudo começou, poderia ter sido adiado
indefinidamente se não tivesse acontecido a tal temporada de shows dos Clevers no 4 de Setem-
bro. Os rapazes da banda tanto tocaram, tanto se apresentaram, que o seu instrumental ficou
surrado demais para levar de volta para São Paulo. Com a grana adquirida aqui, eles conseguiriam
equipamento muito melhor em Sampa. Mas como instrumentista sabe, é quase pecado jogar um
instrumento fora, condená-lo a uma lata de lixo. Foi a hora, então, de procurar alguém que pudes-
se cuidar deles com carinho, e que pudessem continuar o legado que cada instrumento tem, que
é fazer música.
Foi aí que acharam os rapazes José Ernesto e PauloVasconcelos. Ernesto já tinha uma guitarra
Giannini vermelha, trazida de Fortaleza numa das suas férias por essas bandas. Então os instrumen-
tos foram comprados pelo resto da banda e colocados na casa do baterista, Sidney Castelo Branco.
Mas a banda começou antes da partida do The Clevers, e foi um começo desbravador.
“Eles passaram aqui um tempão, e terminaram por influenciar a galera d’Os Brasinhas, os
da primeira leva, Getúlio Filho, o Chico Vasconcelos, o José Ernesto, que era o baterista e o Paulo 37
Vasconcelos que era o guitarrista base, o Getúlio, baixista. Mas quando começou a tocar mesmo
pra valer, o Sydney ficou de bateria e o Ernesto ficou de pandeiro, de percussão...”, entrega o
arquivo vivo, Geraldo Brito, numa entrevista quente em seu apartamento.
Quente tanto pelo clima quanto pelo conteúdo. Estando no Lourival Parente, sem vento,
sem chuva, contávamos apenas com o frescor da noite, que tinha ido tomar um refresco.Ao abrir
a casa, me deparei com um sofá pequeno, uma TV grande, e muitos quadros na parede.Tanto de
shows que ele organizou, participou e liderou. Muita memória permeava aqueles cartazes emol-
durados, já amarelados pelo tempo e pelos olhos de cada um que por ali já deve ter passado,
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
tentando imaginar o que cada um naquela foto desejava para seu futuro.
Numa estante, pilhas de cds que iam de Mutantes a produções de Edvaldo Nascimento,
passando por Hermeto Pascoal, Rita Lee, Chico Buarque, Chico César, dentre muitos outros.
Dono de uma memória fabulosa, Geraldo Brito consegue lembrar do mais simples detalhes, com
precisão cirúrgica. Foi incrível ver que, para quem pouco viveu da época, assistindo de soslaio a
um ensaio aqui e outro acolá, a curiosidade levou a tanto conhecimento, que o tempo não se
atreveu a levar.
“Existia uma dificuldade muito grande em se fazer as coisas aqui, e só se conseguia fazer
shows e outras coisas com muita luta.As estruturas eram limitadas, mas mesmo assim os rapazes
da época davam um jeito”, rememora o pesquisador.
As dif iculdades
dificuldades
[ou Fácil é uma palavra que não existe no mundo adulto]
“Antes de comprar esses instrumentos, eu e o Ernesto, nós tivemos a idéia de formar o grupo. Nós
ensaiávamos na casa do José Ernesto,só com uma guitarra,e chamamos até um primo meu pra fazer
o acordeom... Olhe só, acordeom! Veja como foi, o início completamente fora. Convidamos meu
irmão, o Francisco, que era o guitarrista solo e o ensaio foi com uma guitarra e um acordeom, não
existia bateria nem contrabaixo. Nós falamos assim:‘vamos começar a ensaiar, cantando as músicas
e depois vamos conseguir os instrumentos’.”, puxa da memória PauloVasconcelos.
Conseguir os instrumentos foi uma luta a parte, já que certas coisas, naquela época, eram
38 um luxo só. E nenhum deles esbanjava dinheiro para tanto... E como o que não tem remédio
remediado está, eles trataram de montar uma bateria artesanal. “Nós fizemos uma parte da
bateria, e de parte em parte chegamos a uma completa e continuamos os ensaios”, continua ele.
Outra peculiaridade da época é que, ao contrário do que costuma acontecer nas bandas, os
instrumentos que cada músico tocaria foi escolhido intuitivamente, sendo pouco considerada a
afinidade do cidadão com o seu pretenso instrumento. Caso clássico foi o convite de Sidney para
assumir as baquetas d’Os Brasinhas.“Nós fomos convidando outras pessoas, convidamos o Sid-
ney pra ser baterista, ele nunca tinha tocado bateria na vida. Nós convidávamos as pessoas,
dizíamos ‘ele vai tocar isso’, mas não se sabia se isso ia dar certo. O convite era assim, você
Antes da div
Antes er
diver são, a obrigação
ersão,
[ou Toda hora é hora, todo tempo é tempo]
um palco com o nome dele. E o Assis Davis tinha um amigo que tocava saxofone, o Pantchico, que
também não está mais com a gente. E aí nós reforçamos a banda, e ela se tornou profissional.... Era
muito contrato, aqui, no Maranhão, a gente andou quase o Maranhão todo... A gente não tinha
muito sossego porque de quinta feira até domingo a gente sempre tava tocando direto”, lembra
Chico. E a roda viva apenas começara.
42
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
43
Os Brasinhas se apresentavam em diversos locais da
cidade de Teresina, indo do elitizado Clube dos Diários
até o popular Centro Recreativo Nossa Senhora do
Amparo (CRENSA).
Por entre brotos e brasas
bro
[ou Eu quero mesmo é isso aqui]
Se o processo de aparecimento da Jovem Guarda foi fundamentado nas revistas e notícias que o
cinema trazia, e inspirava, além de um forte caráter comercial, aproveitando o aparecimento desse
novo público consumista, o jovem, aqui o surgimento do Iê Iê Iê foi fundamentado na identificação
com a música daqueles artistas nacionais do rádio e que já começavam a se apresentar pela
cidade, como o The Clevers, banda que surgiu em 1963 e durou até meados de 1967.
Essa comercialização do rock, no entanto, contaminou o ideário rock’n’roll deTeresina, mas
de maneira inocente. Enquanto no grande eixo Rio-São Paulo, tal associação do rock ao capital
era resultado de uma aposta nesse novo mercado, com incentivo de gravadoras e oportunismo de
artistas, que gravavam versões de clássicos internacionais, aqui parecia ser a única forma encon-
trada para quem quis se expressar.
Os precursores do rock em Teresina o conheceram como uma emulação do que acontecia
fora. Decidiram emular também.
Por mais que se queira duvidar, é preciso lembrar que os rapazes que começaram Os
Brasinhas não tinham formação musical nem incentivo comercial para uma produção própria. 45
Enquanto Cineas Santos explica a vertente de que o momento não abria espaço para uma produ-
ção autoral, Geraldo Brito corrobora a idéia lembrando que a técnica deles era muito escassa.
“Era todo um esforço para que esses rapazes conseguissem tirar uma música, ouviam várias
vezes, tentando imitar os acordes, até conseguirem a música completa.Aí era passar esse conhe-
cimento para o outro integrante da banda. Era um esforço muito grande. Diferente de hoje,
tempo em que já temos escolas de música pela cidade”, explica Geraldo Brito.
Cineas Santos, por sua vez,‘justifica’ que a não produtividade autoral foi uma coisa engolida
sem dó nem piedade dentro do turbilhão de novidades.“Todo mundo tocava versões, não havia
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
composições deles. Eu não me lembro se tinha, eu realmente não me lembro. Parece que Os
Metralhas tinham um compositor”, conta Cineas.
Independente disso, Os Brasinhas foram absolutos na cidade até 1968, ano do surgimento
d’Os Metralhas. E de 66 a 68, nada foi produzido. “Eu acho que isso aconteceu devido à pressa
mesmo, nem eles mesmos estavam preparados para aquilo. Foi uma coisa que aconteceu tão de
repente que eles precisavam aproveitar a onda, o momento, tinha que aproveitar aquilo, porque ia
passar. Eles tinham uma consciência que aquilo era muito rápido”, continua Cineas.
A brevidade com que o movimento se mostrava, a incerteza, e, principalmente, a fama,
atrapalharam a produção autoral da banda. “Aí pintava o lance das meninas, fã-clube, e tal. Não
havia muito tempo pra trabalhar musicalmente as canções, eram as versões feitas pelo Rossini
Pinto de música dos Beatles, quase sempre. Isso por que qualquer música dos Beatles era muito
bonita, tinha um apelo fácil e as melodias eram agradáveis. Eles cantavam também Roberto Carlos,
Erasmo Carlos, mas era um repertório feito de versões”, entrega o professor.
Essa ausência de produção própria, em estranha consonância com as bandas e artistas de
fora é lembrada com certo pesar por José Ernesto, que quase se arrepende de não ter composto
um material próprio.“É, eu acho que a gente deveria ter feito alguma música. Mas na época nem
pensávamos nisso”, diz, quase sorumbático. Essa idéia da falta de necessidade de uma música feita
por eles é confirmada e assinada embaixo por Paulo Vasconcelos, que pensa na época como um
tempo de diversão. “Os Brasinhas sempre foi uma banda cover, eu acho que nunca existiu na
banda um compositor. E não há nenhum arrependimento, tanto é que até hoje os Brasinhas
permanece sendo uma banda cover e tocando as músicas dos outros. Sempre foi e não acho que
emperra se for uma banda cover, tocando as músicas dos outros grupos musicais”, frisa Paulo.
46 Essa referência é fundamentada, principalmente, nas bandas nacionais de 1960 e 70, que
norteavam os trabalhos dos Brasinhas, até então banda unanimidade em Teresina.“Tocamos jun-
tos até 1972, aí nós encerramos a primeira formação da banda. De lá pra cá, nós voltamos no ano
2000 para lançar nosso livro e contar a história da banda, e ela permanece como cover até hoje,
e nunca houve uma composição própria da banda que nós pudéssemos colocar”, expõe Paulo,
confirmando tal fato com a certeza declarada de que, se alguém escutasse alguma música própria
durante os shows, o estranhamento seria total.“O pessoal ia estranhar, porque só conheciam a
gente como uma banda cover, talvez ia até parecer estranho tocar uma música e o pessoal nem
reconhecer, porque até hoje o pessoal só ouviu Os Brasinhas tocando músicas do Renato, dos
Outro problemas indicado pelo músico e pesquisador Geraldo Brito, é que a falta de conhe-
cimento técnico dificultava qualquer pretensão de composição própria.“A coisa de não ter escola
aqui também, esse negócio dificultava muito as coisas por que eles iam ouvir aquelas músicas,
aprendendo tudo sozinho, no ouvido. Quem tinha um bom ouvido aprendia, pegava, passava pros
outros, o cara ainda ia ter o trabalho de passar pros outros”, esclarece o pesquisador.
Assim, havia, além da fuga do estranhamento da platéia, uma certa impossibilidade técnica
por parte dos artistas, que se limitavam quase que somente aos próprios Brasinhas.
“Hoje em dia se o cara vai pra uma escolinha de música, toca aqui e já está tocando algumas
coisas, daqui a seis meses já está legal, já junta com outros amigos já resolve fazer umas músicas.
Naquele tempo não. Era difícil. Porra, eu me lembro que pra pegar essas músicas, eu colocava,
tinha uma rotação 16, eu botava por que tocava bem lento.Tinha a introdução de uma música do
Roberto Carlos que era um bend [movimento vertical feito com a corda da guitarra para conse-
guir um som diferente do natural]. Hoje, eu faço é sorrir ouvindo essa música. O cara fazia e eu
não conseguia pegar aquele negócio e fui botar no disco e tal, então a gente perdia muito tempo”,
confessa Geraldo. E tempo era artigo em falta na promoção de todo dia. Os Brasinhas mal tinham
tempo para respirar, tamanha a agenda de shows e apresentações.
A tterra
erra do Sol contra a música do diabo
[ou ‘Como Teresina luta contra as artes’]
“O nome da rainha, altivo e nobre, realça a faceirice nordestina na graça jovial que te recobre.
48 Teresa, eternizada TERESINA!”.Assim é cantada uma das estrofes do hino da capital do Piauí, que
tem letra de Cineas Santos. E mesmo com a ‘graça jovial que te recobre’,Teresina sempre foi uma
terra fechada a novidades. A chegada do rock trouxe junto com ela reações das mais adversas.
Para os jovens, aquela sensação do momento era a febre que não poderia deixar de ser seguida à
risca. Para os mais velhos, era uma degeneração, uma coisa esdrúxula, numa quase xenofobia.
Dizem que o teresinense é um povo que estuda bastante, e não é de hoje. Já no tempo em
que o rock rasgou o manto da época, existia um preconceito contra aqueles que se dedicavam à
musica, sendo todos eles alcunhados de perdidos ou homossexuais. Os cabeludos eram perdidos,
as moças de mini-saia eram perdidas, os músicos eram perdidos, os que iam aos shows dos
queria nada com estudo...Muito diferente de hoje que todo jovem já vai pra uma escola de música,
todo jovem hoje toca um instrumento com a maior facilidade.Não, naquela época era muito difícil
um jovem tocar um instrumento, e quando tocava, recebia esse preconceito”, rememora Francis-
co Vasconcelos.
Esse preconceito, citado na fala de Vasconcelos, tem, pelo menos para ele uma explicação
plausível.“A Jovem Guarda foi um movimento revolucionário, e aí os pais temiam que as pessoas
que se envolviam com esse movimento deixassem o estudo. O que não acontecia. Porque o meu
irmão, Paulo, se formou em Odontologia, passou em primeiro lugar, foi o primeiro da turma,
tocando nos Brasinhas. Isso não impedia não, quando um jovem queria estudar, não tinha nada
haver”, garante. Por conseguinte, é preciso afirmar que o fato das famílias dos componentes d’Os
Brasinhas serem tão ‘diferentes’ das outras famílias, permitindo a degeneração divulgada de seus
filho, se deve a um envolvimento com a arte também.
Durante a entrevista com Marco Vilarinho, na sala de reunião de Jornal O Dia, onde ele é
editor do caderno de cultura Torquato e repórter e editor do caderno de comportamento Me-
trópole, ele muito falou sobre esse preconceito e ressalvas que as famílias faziam para os seus em
relação a nenhum envolvimento com os músicos, orientação essa que ele mesmo recebeu. O
preconceito queVilarinho cita, no entanto, tem outra origem, também. Segundo ele, a cara fechada
que se tinha contra os músicos “era porque muita gente naquele tempo, praticamente, que ficou
lá pelo mundo artístico eram pessoas de poucas posses, eram pessoas que não tinham muito. Elas
eram vistas na sociedade como pessoas que não tinham educação, que não tinham berço e que
não tinham dinheiro. Então eles faziam aquilo porque era um meio de ganhar dinheiro, mas eles
eram super mal vistos. Os pais deles levavam porque também não tinham nenhuma formação,
52 para os olhos da sociedade. Mas um pai que tinha um certo nome na sociedade, uma certa
profissão jamais levaria um filho dele, jamais admitiria que um filho dele participasse de um movi-
mento musical”, diz ele, pisando em ovos, cuidado necessário para ser fiel ao que acontecia na
época e não parecer mais um preconceituoso.
E se a questão era ganhar dinheiro, ninguém poderia dizer que eles estavam indo mal. Com
uma rotina de shows avassaladora durante o período áureo (de 66 a 68), Os Brasinhas eram bem
pagos pelo que eles faziam.“Os cachês eram excelentes, nós éramos muito valorizados, tínhamos
contratos muito bons, que compensavam essa parte financeira para todos nós. Nossa agenda era
lotada, não só aqui em Teresina, mas também no interior e em uma boa parte do Maranhão. Nós
eles mas a gente nem encostava, passava por longe, por que eles eram tidos como maconheiros,
como pessoas transgressoras desse comportamento sexual, essa coisa toda. Então eles eram mal
vistos mesmo, eram tidos como pessoas assim que não valiam a pena. Se você se aproximasse de
pessoas que viviam no meio musical, é como se você fosse caindo, caindo, caindo... e ninguém lhe
valorizava mais na sociedade“.
Mesmo com os problemas dentro de casa para assumir que gostava da tal Jovem Guarda e
seus representantes patrícios, os jovens da época ousavam. Os Brasinhas gozavam de um privilé-
gio que era um fã-clube, o acompanhando aos shows e outros eventos.“Eu lembro que quando a
banda ia tocar, nós saiamos do centro de Teresina e íamos lá pro Poty velho, por exemplo, o
pessoal saía com a gente acompanhando até chegar lá. Se você ia na zona Norte, Sul e Leste você
sempre ia encontrar as mesmas pessoas, o fã-clube. As caras eram praticamente as mesmas,
sempre chegavam nas nossas festas. O pessoal gostava mesmo, adorava, fazia questão de acompa-
nhar e seguir, a partir daí surgiu o fã-clube dos Brasinhas, não era um fã-clube, que nem existe hoje
todo documentado, o fã-clube era só pra acompanhar mesmo, eles adoravam acompanhar e
conversar com a gente antes e depois da festa, era uma amizade. Na época não existia essa
violência que você tem hoje, você podia fazer uma festa lá no Poty Velho e todo mundo ia, pra se
divertir e dançar, o pessoal ia pra lá mesmo era pra ouvir a música porque gostava mesmo da
música, pra dançar, pra conversar com a gente, fazer esse tipo de coisa”, elucida.
A despeito da própria história de vitórias e sucessos imediatos, Os Brasinhas tiveram que
engolir a não concordância dos pais em permitirem seus filhos em tal tipo de espetáculo. Nas
palavras de Francisco Vasconcelos, ex-guitarrista da banda, não eram poucos os casos das amigas
e fãs que queriam ir aos shows e era proibidas. “Os pais eram sempre contra porque aí já se
54 começavam a usar aquelas roupas extravagantes, as meninas com aquelas mini-saias, e realmente
os pais proibiam. Eu tinha relato de amigas que diziam ‘olha, eu não vou ao show de vocês porque
o papai não deixa, o show vai até tarde’, e naquela época nove da noite as mocinhas já estavam em
casa, as mocinhas não podiam sair...”, confidencia Chico.
A testa franzida, o corpo contra a luz de uma manhã de julho, mês de ventos fortes em
Teresina, a janela aberta e uns seis gatos espalhados pela sala ajudavam Chico Vasconcelos a
lembrar detalhes dessa época. É engraçado perceber que a importância que esses garotos tive-
ram na história do rock teresinense já vai se esvaindo na memória, se perdendo, embora a menor
referência já seja suficiente para que todas as cores se reavivem e voltem a ser e mostrar tudo
Disse que ela não podia entrar no clube. Eu lembro bem porque era um show de Jovem Guarda.
Ela foi literalmente jogada no meio do asfalto, pelo presidente do clube”.Alguém aí arriscaria usar
uma roupa mais extravagante?
Sim, houve quem teve coragem. Os Brasinhas, por exemplo. Para grande mal à paz dos pais
de Teresina, e seus filhos ‘de bem’, eles começaram a usar peças mais tresloucadas e desafiantes,
provocando ira e paixão, por onde passavam. O trecho pode parecer exagerado, mas a amplitude
d’Os Brasinhas, na época, era exatamente essa. Eles eram adorados pela população jovem e
odiados pelos responsáveis do futuro da nação.“Qualquer moça que fosse vista namorando um,
ou dançava muito tempo na festa com um deles, ela ficava mal vista, ficava falada...Tinha uma que
era uma fã ardorosa dos Brasinhas, chegaram até a jogar milho nos pés dela na praça Pedro II,
chamando ela de galinha. Outra delas era muito bonita e era fã desse pessoal e foi ao show deles
no Jockey Clube...como ela era falada, diziam que ela era rapariga. Mas não tinha nada demais,
simplesmente porque era mais popular”.There’s no free dinner... Nunca houve, nem nunca haverá.
O imaginário dos pais é que muito se perderia na formação dessas suas jóias prontas para o
consumo e o convívio em sociedade pacata e sobrevivente.
Para a juventude da época, no entanto, tais atitudes criavam uma identificação que levava a
uma transgressão de valores e uma capacitação de um enfrentamento mais direto com as resis-
tências dos pais. Durante esse período de Jovem Guarda, Cineas Santos viveu na Casa do Estu-
dante, e sentia isso na pele.“Havia uma efervescência cultural bastante boa. Era bom. Era alegre. E
isso ajudava a viver. Morava aqui na União Piauiense dos Estudantes Secundaristas, passava uma
fome arretada, mas cantava o tempo inteiro. Nós tínhamos três violões lá”, exclama ele, rememo-
rando, hoje em condições bem melhores, aqueles dias de dificuldade e complemento pela música.
56 “Morávamos 80 pessoas numa casa que cabiam 20, não tinha água, não tinha um banheiro, mas a
gente cantava. Eu acho que é como aquela canção,‘cantar é um jeito de não morrer’”, explica.
E ali nascia um caminho que levaria a abertura de novas possibilidades para as gerações
vindouras.
As gerações vindouras citadas no fim do capítulo anterior ainda teriam a sua vez.A vez continuava
com Os Brasinhas, senhores de tudo e de todos. As poucas referências históricas na imprensa,
não passando de algumas poucas notas no colunismo social feito na cidade na época, era reflexo
da inexistência dos cadernos que tratariam especificamente de cultura nos jornais locais, fato que
só aconteceu em meados da década de 70.
Assim, o sonho só começou a ser possível de ser sonhado por outras pessoas quando os
rapazes influenciados pel’Os Brasinhas começaram a colocar as asas para fora das garagens, salas
e outros estúdios improvisados.
As citações mais clássicas, mas que não se comparam em expressão ao que a primeira
banda de rock da cidade representava, são Os Cartolas,The Dandies, Os Lords, Os Fantasmas,
The Shammers,The Tangarás, Zé e Seus Quatro Ases, mas nenhum conseguiu atingir a populari-
dade d’Os Brasinhas. Nenhum, com exceção de Os Metralhas.
Essa banda, formada depois da saída de Paulo Vasconcelos e José Ernesto de Os Brasinhas,
contava com os já acima citados e com Paulo Chaves, Fernando Chaves, Mario Lúcio na bateria e 59
Rubito, que tocava o contrabaixo.“Eu saí uma semana antes do show de estréia. Eu me desentendi
e saí. Discuti com o Rubito, e naquela época, a gente era muito jovem, tinha o sangue esquentado,
aí eu saí da banda e entrou o Fernando Chaves, irmão do Paulo Chaves.Aí eles fizeram um show
muito bonito em frente a Útil-lar”, recorda Paulo Vasconcelos.
Nessa formação, a banda estreou na fachada da Loja Útil-lar, propriedade de Aerton Fer-
nandes, grande incentivador da cena roqueira da época e promotor de vários shows nacionais,
como Roberto Carlos,Wanderleia e o pontapé,The Clevers, e intencionava conseguir o mesmo
prestígio que Os Brasinhas, embora isso fosse quase impossível.
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
“Os Metralhas chegaram a fazer um sucesso relativo, era um concorrente à altura d’Os
Brasinhas, mas com um som mais pesado, diferente, mas realmente era a banda concorrente
mesmo d’Os Brasinhas”, explica o Vasconcelos mais velho. Essa falta de prestígio para as outras
bandas que tanto se esforçavam para fazer um trabalho de relativa qualidade era bem presente na
época, e para Francisco Vasconcelos, está baseado no gosto dos jovens.“[Além d’Os Brasinhas...]
tinha um conjunto muito bom que tocava no Clube dos Diários, o Barbosa Show Bossa. Depois
teve uma outra banda, o Sambrasa, e outros muito bons... Mas essa banda também era muito
requisitada, mas era mais para o pessoal de idade. Para os jovens mesmo eram Os Brasinhas e os
Metralhas. Não existia mais nada na época, não”, decreta Chico.
Esse decreto é corroborado com o currículo que Os Brasinhas passou a construir com o
tempo, tanto abrindo shows de artistas de grande renome, como acompanhando esses artistas no
palco. “Nós tocamos com o Jerry Adriani no estádio Lindolfo Monteiro, e com Silvio Aguiar.
Depois o Jerry Adriani voltou, e nós fizemos um show no SESC com ele,Wanderley Cardoso. Era
um privilégio muito grande, porque eram os nossos ídolos da época, e a gente se sentia maravilha-
do em estar com eles, dividindo um show. Era bacana, muito bacana mesmo”, garante Chico. E
embora muitas coisas possam ser ditas, Os Brasinhas foi um grupo que pareceu valorizar bastante
seu público.Ao menos é o que garante a fala do mesmo Chico Vasconcelos.
Indago o que o marcou mais na sua passagem pel’Os Brasinhas. Sem pestanejar ou esperar
muito tempo, ele responde com firmeza.“As amizades... as amizades do grupo, os ensaios que a
gente fazia, as fãs... A gente ensaiava na casa do Sidney, ali na Rua Clodoaldo Freitas, e quando a
gente chegava pra ensaiar, a copa da casa dele já tava lotada de fãs, e as meninas sempre querendo
conversar com a gente. Pra nós, era uma surpresa, porque a gente não tinha idéia da dimensão
60 que era tudo aquilo ali. Então, isso traz muita saudade pra gente”.
Depois de participar de dois projetos, de viajar com Os Brasinhas por grande parte das
cidades do interior do estado e por estados vizinhos, como Maranhão e Ceará, sendo a banda
mais disputadas por essas localidades, com fãs, que juntamente com os gritos, foram importantes
para a quebra do preconceito existente contra os cabelos grandes que as moças puxavam, depois
de muito preconceito, Chico Vasconcelos ainda fundou mais uma banda, que entrou nas referên-
cias no início desse capítulo. Como já foi dito mais acima, além de Brasinhas e Metralhas, não havia
espaço para mais seu ninga.
“Os Lords era na mesma linha dos Brasinhas, só que naquela época o nome mesmo era
Estórias à parte, relevâncias e sucessos à parte, o que fica marcado ao se perceber tudo isso é que
a história do rock teresinense pode ter tido vários colaboradores, mas teve mesmo como epicen-
tro Os Brasinhas e, já em menor grau, Os Metralhas.
Por isso, pode-se dizer que a primeira fase do rock teresinense se encerra em consonância
com o declínio da Jovem Guarda. Os grupos foram acabando, mudando de formação e, em 1972,
depois da primeira mudança em 68, Os Brasinhas já não eram mais quase nada do que foram no
início de sua carreira, crescidos, amadurecidos e com uma formação totalmente nova, que contava
com a cantora Lena Rios, a Barradinha; com o tecladista Donizete; o sanfonista Orion; o guitarris-
ta Jimmy; Mário Lúcio e Renato Piau também nas guitarras, dentre muitos outros nomes que se
perderam na história.
Mas como dizem muitos por aí, tudo que sobe tem que descer, tudo que começa um dia
acaba, ou nas palavras do próprio John Lennon:“The dream is over”.
E o sonho tinha acabado mesmo.A entrada em declínio dos Brasinhas se transforma num
galope de desce ladeira, e era chegada a hora, a fatídica hora de dizer adeus. Drama? Não.“Nós 61
Se não estava na foto passada, José Ernesto aparece
nessa, registro da primeira apresentação
d´Os Metralhas, em 1968.
acabamos a banda ainda no auge da Jovem Guarda, eu continuo ouvindo e fazendo a Jovem
Guarda, nem penso em mudar meu estilo musical, eu diria que todo grupo irá permanecer na
Jovem Guarda. Acho que nossa morte vai ser prestigiando, ouvindo, adorando, fazendo a Jovem
Guarda. Na época nós já tínhamos novos componentes, houve uma dissidência. Nós chamamos
outras pessoas, e aí vieram alguns estudantes da época pra compor Os Brasinhas, então o que
mais tinha eram estudantes por volta de 70 e 71 e outros colegas que já estudaram, e eu me
lembro que em 72 acabou justamente por isso, cada um queria seguir seu caminho, eu já estava
me formando em Odontologia, eu tinha um colega que tocava na banda, o Mário Lúcio, ele era
bastante. Depois que a banda acabou, nós sempre nos reuníamos na casa de um ou de outro pra
fazer uma brincadeira, e a gente sempre comentava os tempos bons que nós passamos juntos,
mas a gente nunca perdeu o contato. A gente era assim como, era não, é como uma família. A
gente sempre estava junto, brincando, tocando um violão, lembrando. Só que a gente não tinha
nada assim guardado em fitas, nada gravado, porque foi um negócio assim tão rápido que a gente
nem percebeu isso e a gente não deixou assim quase que nada, da época, gravado”, recorda ele.
É preciso dizer, todavia, que o retorno da banda para o lançamento do livro foi feito de
grande repercussão na cidade, tanto que o número de shows aumentou. “Nós nos reunimos
novamente, para fazer um lançamento de um livro. E a intenção era só essa, nós fizemos um
repertório só para a uma apresentação de 20 músicas. Mas parece que a coisa se repetiu na frase
‘o sonho não acabou’. Então, as pessoas, os amigos diziam ‘rapaz, não vamos acabar com a banda,
vamos fazer alguns bailes?’, e nós reforçamos o repertório e, por incrível que pareça, o sucesso foi
quase o mesmo.A coisa pesou tanto que a gente já não tinha mais tempo pra fazer outra coisa, a
não ser os bailes que a gente vinha fazendo”, lembra Chico Vasconcelos.
No meio disso tudo, do fim, das reuniões, das lembranças, brincadeiras, um fato tirou um
pouco da alegria da época. Assassinado no dia 21 de dezembro de 1981, o grande parceiro de
banda, músico genial e gênio indomável,Assis morreu depois de uma festa no Bairro Prainha, e a
suspeita que as pessoas que viviam próximo a ele têm é que tenha sido um crime passional.“Foi
um golpe terrível, inclusive, no velório dele e no enterro, a banda toda estava presente. Foi um
golpe muito grande, porque ele era um grande amigo nosso. Um cara espetacular”, emociona-se
Chico Vasconcelos, que depois do declínio e término d’Os Brasinhas continuou na carreira de
músico até hoje, com a volta da banda.“Eu quase não parei depois que eu saí dos Brasinhas, dos
64 Metralhas, de 68 pra 69 eu ainda fundei a banda ‘Os Lords’. E aí, quando chegou 72, a Jovem
Guarda já tava perdendo a força... Eu passei a tocar na noite, voltei aos ritmos antigos, tocava
bossa-nova, bolero... e não parei, não cheguei a parar, não. Parava assim um ano, um ano e meio,
mas não resistia... Eu sempre gostei de tocar e eu toquei, e até hoje eu toco”, expõe Chico. E
assim, cada caminho foi seguido por cada um da banda. José Ernesto continua sendo funcionário
público estadual do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí; Paulo Vasconcelos ainda é cirurgião
dentista e professor de Radiologia da UFPI,Assis Davis ainda descansa em paz, ChicoVasconcelos
permanece no seu trabalho de funcionário público estadual, assim como Sidney Castelo Branco, e,
por fim, Getúlio vai aposentado. Com revivals e retornos constantes, a formação flutua e varia,
65
Geraldo Brito depois de ter sido apresentado ao Jazz
e à Mpb. Seu início, no entanto, foi no rock.
A sua estrela renascerá
[ou O início do reinício]
É como diz a música versada assim...“Um baú vai ser achado, a sua estrela renascerá”, do contem-
porâneo grupo Mombojó, de Recife... E foi desse jeito que as coisas se sucederam. Depois do
‘legado’, ou dos caminhos abertos pelas mãos d’Os Brasinhas, o rock teresinense começou a
colher sua fragrância por aí, pescando influências de todos os cantos possíveis, de onde a informa-
ção chegava.
A demora para o acesso a essa informação estava maior, com uma ditadura convidando,
gentilmente, algumas moças e rapazes produtores de conteúdo a visitarem outros países e por lá
ficarem. Quem ia por vontade própria, e voltava, trazia na bagagem todo o conteúdo cultural da
explosão do rock, da literatura e do cinema que estava acontecendo por lá depois das nossas
fronteiras, já que ter acesso a partir daqui era muito mais difícil.
Ou, no mínimo, quem daqui ia ao fabuloso centro cultural que era o Rio de Janeiro na
época ficava sabendo de tudo. E se conseguisse largar a turma do píer de Ipanema, recheava a
bagagem com discos dos artistas nacionais mais consagrados da época, além de seus gurus inter-
nacionais.Tudo muito misterioso, não? Bom... É preciso, então, contar a história direito. 67
Ainda quando Os Brasinhas eram os senhores de tudo e de todos no rock teresinense, na
virada de 66 para 67, e esse movimento se prolongou até os idos de 1972, quando a principal
banda minguou, aconteceu o rebento de um movimento musical transcendental e ultrajante, em
pleno outubro de B-r-o-bró em Teresina. Era a Tropicália. Curiosamente, esse movimento pouco
influenciou a nossa feitura roqueira, já que a mistura do fino e do brega, do iêiêiê com o bumba-
meu-boi, da guitarra com o atabaque, não foi bem sentida aqui, funcionando como um transforma-
dor dos artistas mais voltados à regionalidade da coisa-tropicália, ao invés de quebras de barreiras
e intersecções de linguagens. Duma forma mais direta, a Tropicália levou os regionais de Teresina
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
para um lado mais regional, e afastou os roqueiros daqui da mistura proposta pelo movimento.
Mas consideremos sempre a demora das coisas na vida da “Therezina” da época. Nascida
para a vida e morte sempre urgentes, a Tropicália demorou demais para reverberar até aqui, e só
chegou quando já tinha acabado no plano nacional, como a luz de uma estrela que morre, e que
chega até nós enquanto a estrela já definhou. Eram mesmo anos-luz de distância. O mais necessá-
rio de se notar é que o Movimento da Tropicália alterou profundamente o modo de fazer música
no país, e abriu espaço para artistas mais psicodélicos darem suas caras por aqui. Foi aí que a
galera de fora, e daqui, pirou ao som de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Rolling Stones, Pink Floyd,
Genesis, Led Zeppelin.
Então, dois caminhos eram bem distintos nessas novas páginas do rock teresinense. Um era
o caminho do regional, que se destacou e fez valer a sua voz, mas que era dissidente do rock,
voltando-se para o lado mpbístico da manifestação tropicalista. O outro era o lado visceral do
rock’n’roll, que se amalgamou com as guitarras mirabolantes e berrantes da porção rock’n’roll do
caldeirão da Tropicália, encarando a coisa como ‘it’s only rock’n’roll but we like it’.
Nesses dois caminhos, alguns nomes se repetem, e alguns são bem intrínsecos a cada parte.
Do lado do regional estão Geraldo Brito,Anna Miranda, Rubens Lima, Laurenice França, Cruz Neto,
dentre vários outros. Esses têm pequenas colaborações para o lado rock, que se complementaria
com a participação de Durvalino Couto, Edvaldo Nascimento e Edino Neiva. Esse trio seria o
alicerce-mor do rock na CidadeVerde e, por sua relação maior com o ritmo do 4x4 [curiosamente
o formato menos usado nos rocks na época], serão também o cerne dessa parte do livro.
Na virada da década, muitos artistas debandaram para o sul do País à procura do ‘vamos
ver o que acontece’, tentando se firmar como artistas e instrumentistas de renome. Dentre os
68 muitos, os que melhor se destacaram foram Renato Piau, guitarrista; Chico Louco, baixista; e Lena
Rios, cantora [que recebeu letras de Torquato para seu disco, Sem Essa Aranha, de 1972]. Muitos
outros foram no levante, mas forçando os que aqui ficaram a preencher uma lacuna de produtivi-
dade e criatividade. Essa manifestação acintosa de produtividade criativa teve um nascimento
extemporâneo, mas quase coletivo.As duas vertentes da música esperaram até 1973 para coloca-
rem as caras na rua e mostrarem o que vinham fazer aqui. Essa data foi a mesma do nascimento
do Festival Universitário, realizado na Universidade Federal do Piauí, e que abria espaço para as
manifestações culturais do local. Assim, nesse festival encontraram-se as duas turmas, ou pelo
menos partes delas, [e] que não se consideravam turmas, mas gentes de pensamentos parecidos
Proposto para contar a história dos primeiros dez anos do rock teresinense, de 1966 a 1976,
essas páginas carregam tudo que o tempo, as drogas [sejam elas quais forem/foram] e as ocupa-
ções da vida de ‘gente grande’ não apagaram. Isso é muito importante que seja dito. Da mesma
forma que é imprescindível dizer que estamos em 1974. E algumas coisas aconteceriam até o fim
desse período de 10 anos.
No cenário rocker mundial, artistas dos mais diversos estilos lançavam obras primas. Em
alguns casos, havia artistas em entre safra, como o Pink Floyd, que estava de recesso depois do
lançamento de Dark Side of the Moon, de 1973; e Wish you Were Here, de 1975. Outro grupo
progressivo que lançou disco nesse ano foi a banda Yes, ao liberar no mercado o álbum Relayer.
Estes artistas, dentre vários outros, influenciavam no tipo de som que os rapazes da segunda
geração rock teresinense queriam.
Na música popular brasileira, que se reformulava à força, abrindo espaço para os artistas
pós-tropicálica que conseguiram se sustentar em meio ao fim do levante artístico, o ano de 74
vinha farto. Nesse ano, Gal lançou o disco Cantar, uma virada em sua carreira. Num ano de larga 77
produção, o disco de Gal não nasceu sozinho. Junto com ele vieram os discos de Gilberto Gil,
Barato Total, e na tríade maior do movimento tropicalista, Caetano lança um Temporada deVerão
ao Vivo na Bahia, com a participação de Gil e Gal.
Essa efervescência pós-tropicalista na música popular brasileira refletia-se aqui com a mes-
ma demora que a Jovem Guarda levou para chegar aos nossos ouvidos. Com uma significativa
diferença. Não bastasse ser rock, não bastasse chegar atrasado, não bastasse ser tudo o que era,
a produção Tropicalista e a que veio depois do movimento era visada com muito preconceito na
cidade deTeresina.“No meu 1º show de rock, que foi super amaldiçoado aqui, foi assim um terror,
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
um terror.Todo mundo achava aquilo um absurdo, os filhos das chamadas ‘boas famílias’ se fossem
eram muito escondidos, entendeu? Não manifestavam nenhuma atração, mesmo que gostassem
daquilo, coisa que era caracterizada como rebeldia, né? Que isso é característica do jovem, mas
não se demonstrava”, afirma, veementemente, Marco Vilarinho sobre o primeiro show em que
esteve.
A pouca demonstração pública ficou escondida debaixo de algum véu. Essa é a conclusão
que se pode tirar dos depoimentos colhidos com os entrevistados. Nas palavras de Geraldo Brito,
Durvalino Couto e Edvaldo Nascimento, três dos vários que formaram o rock teresinense pós-
jovem guarda e pós-tropicália, órfãos de expressões outras, mas primos do psicodelismo estran-
geiro, os shows no auditório Herbert Fortes foram apenas o começo de um estouro difícil de não
se escutar. Mesmo debaixo de um véu.
Quem garante, ainda, é Marco Vilarinho, ao lembrar da forma como as pessoas se valiam
para freqüentar o 4 de Setembro.“Lá [Theatro 4 de Setembro] tinha essa abertura, só que quem
freqüentava era muito mal visto, era muita pouca gente que ia ao teatro naquele tempo, o teatro
passava praticamente o ano inteiro fechado porque não havia agenda. Então, havia um showzinho
ou outro, mas tudo muito, muito quase fundo de quintal...Assim, sabe?”, explica um quase injusto
Vilarinho, ao analisar friamente a realidade vista por ele. Esse véu declarado também alimentava
outras necessidades, como precisar se esconder atrás de versos enigmáticos para que só os
iniciados, e não a Polícia Federal, entendessem a verdadeira mensagem. Nem sempre funcionava,
mas...
“Mas as pessoas que estavam vivendo aquela coisa sacavam o que você tava falando. Então
foi um momento legal, cara. Eu acho que a gente tem que viver cada etapa, cada momento da sua
78 vida é importante, tem que ser bem vivida, vamos dizer assim. E além de ser bem vivida, você tem
que explorar aquilo do momento”, manda um corajoso Edvaldo Nascimento, sobre a necessidade
de enfrentar o novo.
Durvalino Couto era um que queria viver de música.Antes de escolhê-la como seu ganha-
pão, sabia que ela era seu refúgio maior. Nascido numa casa musical, com os irmãos escutando
Elvis e similares, foi com um sentimento ainda hoje não digerido em palavras que ele viu na música
um alicerce. “Quando eu tinha uns 15 anos surgiu em minhas unhas (dos pés e das mãos) uma
micose que provocava até mesmo a queda das unhas.Tive que fazer um demorado tratamento
com vários remédios, inclusive um de uso tópico que era marrom! Eu vivia com as mãos nos
Edvaldo Nascimento
começou sua carreira no
rock durante os anos 70 e
é um dos poucos que se
mantém fiel ao estilo até
hoje.
além de Beatles e Rolling Stones. Surgiram The Who, Led Zeppelin,Ten Years After, Cat Stevens,
Jimi Hendrix, Janis Joplin,Yes e todo o rock sinfônico de Gênesis, Uriah Heep e milhares de outros
grupos. No Brasil, começaram a despontar figuras além de Chico, Caetano, Gil. Coisas como
Mutantes, Luiz Melodia, O Terço, o rock nordestino de AlceuValença, o rock paulista de Rita Lee,
Placa Luminosa, etc”, exemplifica o ainda hoje músico Durvalino Couto.Tudo isso serviu de ele-
mentos para a fundamentação da forma de compor o repertório e o material de suas primeiras
apresentações, que ainda vinham calcadas nos covers. “Nas primeiras apresentações fazíamos
cover de Deep Purple, Grand Funk Railroad, Black Sabath, etc. Nas últimas apresentações, lança-
Um lugar do caralho
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
Pressões à parte, depois de muito ralar com as composições próprias, as viagens e os ensaios,
depois de dividir palco e atenção com outros artistas que faziam parte do cast dos shows no
Herbert Fortes e no Theatro 4 de Setembro e, ainda, com o fim da Bandinha da Cidade Verde, foi
a hora e a vez de um Edvaldo Nascimento, já em ‘carreira-solo’, se mexer para conseguir um
holofote só para si.A disputa não era apenas por reconhecimento ou fama, mas por um espaço
dedicado apenas a ele, mesmo com o acompanhamento de uma banda composta para esta nova
etapa. Assim, o show que aconteceu no Theatro 4 de Setembro foi o primeiro que pode ser
chamado verdadeiramente de ‘show de rock’ em Teresina. “Fizemos o primeiro show-solo de
Edvaldo Nascimento, o ‘Cerol na Linha’, e foi o primeiro show da minha geração a lotar o 4 de
Setembro por dois dias.A nossa banda já era formada por Robert, Carlim e Quinha na percussão,
sendo estes dois últimos irmãos. O Carlim tocava um puta baixo nos Cartolas, conjunto do
empresário Magalhães. O Robert tocava guitarra-solo junto com o Ed”, lembra Durvalino. Com
essa formação, e com o show à vista, a idéia era ensaiar. Mas onde?
“O Carlim conseguiu com o Magalhães que a gente ensaiasse e tocasse nos dias do show
com os instrumentos dos Cartolas, que era um conjunto de baile. Era o único de Teresina que
tinha baixo e guitarra Fender, bateria Pingüim, mas adubada e com pratos Zildjan e ainda um
sintetizador Moog. Fomos os primeiros a fazer show usando essa parafernália. Bom, o show foi no
Theatro que, nessa época, era bastante acessível à galera. Depois veio o bar Nós e Elis, do Elias
Prado Júnior, que morreu precocemente, mas foi um nome importante para a noite e, conseqüen-
temente, para a música de Teresina”, lamenta Durvalino.
82 E dá-lhe ensaio. E dá-lhe show marcante na vida desses dois amigos. “E a partir dali eu
comecei a tocar sempre as minhas músicas, sabe? As pessoas perguntam:‘pô, por que tu não faz
uma banda pra tocar modismos da época?’, e eu respondo: ‘porque não, cara, porque é meu
trabalho’. Sofri muito e sofro muito por isso, porque normalmente quando você tenta tocar suas
músicas as pessoas não entendem muito. Eu sempre primei por tocar sempre as minhas compo-
sições, tanto é que eu quase não faço ‘noite’, essas coisas de noite porque você abdica um pouco
de tocar o seu trabalho e eu sempre primei pelas minhas coisas”, ensina Edvaldo Nascimento.
Essa primazia em relação ao material próprio criou identidade e resistência. Com o passar
dos anos, e a chegada da década de 80, os espaços foram se fechando para o rock, ainda mais um
em 1995 lançou seu o primeiro disco-solo, chamado ‘Pedra Base’. Em 2000, lança o cd ‘Coração
Quente’ e em seguida seu segundo cd ‘Eu sou todo escuro e sou o clarão’. Novas manifestações
do rock teresinense só insurgiriam na década de 80, depois do primeiro Rock in Rio, em 1985.
Mas isso já foge da nossa alçada. É um próximo passo.
84
acervo Jornal O Dia
A situação enfrentada por essa geração, no período dos primeiros dez anos do rock teresinense,
assemelhava-se ao comportamento de guetos que os grandes movimentos musicais tiveram no
início da história da música jovem. A black music, o jazz, o soul, o rock e o blues eram todos
marginalizados. E dentro dessa cultura de gueto, as manifestações chamavam a atenção numa
relação diretamente proporcional com o tipo de reação que causavam na sociedade.“Era tudo na
surdina. Cabelo grande você não usava no colégio, usava cortado, não podia usar cabelo grande no
colégio. Além dos colegas, que eram de famílias mais tradicionais, os próprios pais diziam que
aquilo era coisa do demônio. Cabelo grande, essas calças muito coloridas, camisas que a gente
usava muito na época. Eu cheguei a usar quando meu pai viajava, era uma camisa toda quadricu-
lada, com um bocado de babado, entendeu? A gente usava, mas, quando ele chegava, aí tinha que
esconder, jogar fora, alguma coisa assim”, explica Vilarinho. Essa limitação da estética e da musica-
lidade parece que fez florescer a vontade de fazer mais.
1974 foi o ano do segundo festival de música da UFPI, ano de surgimento de diversos
artistas, e ano da continuação do preconceito contra a juventude roqueira.As razões, no entanto, 87
pareciam ser diferentes agora. É certo que o preconceito nunca deixou de existir, desde o início
d’Os Brasinhas, em 1966, até o fim dessa década, e estranhamente, até o fecho de um ciclo, em
1976. Mas o preconceito passou a assumir outras formas, e a ditadura em voga e bem atuante
achou um novo alvo ao seu alcance aqui em Teresina.
“Claro que sempre houve aquele tipo de gente para quem o rock’n’roll era uma coisa
demoníaca e que induzia os jovens ao comportamento agressivo, ao sexo e às drogas. O Rock
mudou a maneira de ouvir música, porque ouvia-se rock, no geral, BEM ALTO! Totalmente loud.
Havia muito preconceito quanto a tudo que veio a seguir, cabelos longos, roupas loucas, maconha,
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
sexo e pílula anticoncepcional. Foi mesmo uma revolução planetária de costumes. Houve repres-
são, alguns enlouqueceram, os pais mandaram para os hospícios, mas depois a coisa foi relaxando,
foram nascendo netinhos”, ironiza Durvalino. A bem da verdade, é preciso que se diga que a
primeira geração do rock teresinense não ‘arrumou confusão’ com as autoridades.
A estréia na ‘vida bandida’ foi com a segunda leva de roqueiros. “De vez em quando um
dançava. Dançava em casa, a mãe, o pai encontrava maconha, pílula na bolsa ou na mochila, esses
baratos. Ou dançavam na polícia, aí a coisa era mais feia, porrada, tapa na cara, telefone, e, em
alguns casos extremos, tortura braba. Eu e mais um grupo de rapazes e moças fomos presos
fumando maconha na coroa do Rio Poty, ali na altura do CFAP (Centro de Formação de Aspiran-
tes da Polícia Militar do Piauí). Meu pai foi me soltar lá na delegacia da Praça Saraiva de madrugada,
puto da vida.Aproveitou que era amigo do delegado e soltou todo mundo, ficou por isso mesmo,
não foi lavrado flagrante. A gente representava algum perigo para a sociedade, mas não éramos
terroristas e não andávamos armados. Não havia, pois, nada que nos fizesse mudar ou cortar o
cabelo, fazer a barba, entende? Às vezes lançavam uma piadinha ou xingamento na rua, mas não
passava disso.Também havia uma certa inveja porque a gente saía e namorava algumas meninas
lindas, etc.”, conta um orgulhoso Durvalino Couto.
Mas antes de uma análise superficial dos acontecimentos, como uma reação extremada ao
uso de drogas, ao sexo livre e aos costumes não convencionais, é preciso notar que foi com isso,
e a partir disso, que o famoso desbunde da década de 70 chegou ao Piauí. Era chegada a hora de
se despedir da inocência da década de 60, e encarar as transformações que a nova década trazia
e oferecia.A pílula anticoncepcional trouxe a possibilidade não do sexo antes do casamento, mas
do sexo livre, do experimentar, do conhecer. O objeto desejado é sempre a liberdade, mas as
88 interpretações eram completamente distintas.
Assim, a maconha, droga endiabrada que colocava a juventude a perder, era, para alguns os
jovens da época, uma porta para novas descobertas, os cabelos grandes e as roupas diferentes
eram formas de chocar a sociedade.Algo do tipo “eu deveria me vestir como você? Não mesmo!”.
Ou, como contou Torquato Neto, que viveu o desbunde tropicalista que terminou por se refletir
no Piauí, no texto ‘Na Segunda se volta ao Trabalho’, publicado em “Torquato Neto ou A Carne
Seca é Servida”, um compilado de textos de Torquato organizado por Kenard Kruel, em 2001.
“Pois eu vou contar uma história.
Sem pé nem cabeça: você sabe com quem está falando? Eu respondi que não e a autoridade
em Tropicália, se falava em que? Em Caetano, Gal, Gil e na Bethânia.Aí falava um pouco no Tom Zé,
mas pouca coisa assim. Mas o Torquato Neto, eu mesmo nunca soube nem quem era, eu sabia que
ele existia, mas era limitado.Alguns artistas sabiam disso, a Lena Rios, que andava muito com ele.
Mas o povo, no geral, ninguém sabia quem era Torquato Neto, nem jamais vislumbrava o que ele
tinha feito, que ele tinha tido uma participação tão grande no movimento Tropical, na cultura
brasileira, ninguém sabia aqui no Piauí”, atesta Marco Vilarinho. Essa falta de conhecimento da
obra específica de Torquato não foi desculpa ou empecilho para que as manifestações diferencia-
das de cultura e ação se mostrassem no cenário local.
“É claro que toda mudança significativa de costumes vem agregada a valores morais e
filosóficos diferentes do estabelecido pelo status quo. Então, se eu amava e trepava com minha
namorada (no banco detrás dos carros ou, logo a seguir, nos motéis que proliferaram em Teresina
a partir de 1970), havia uma grande mudança de comportamento e nas relações familiares, ainda
que ela não engravidasse. Para a polícia e os órgãos de repressão da época, quem usava cabelos
grandes, ouvia rock e músicas dos Beatles, Stones & cia, era chegado numa ‘diamba’ [gíria para
maconha] e lia coisas estranhas como O Pasquim,A Flor do Mal, Rolling Stones, Opinião (jornais
alternativos à grande imprensa da época) e também autores como Jack Kerouac, Hermann Hess,
os poetas concretos e Fernando Gabeira, lia livros com títulos estranhos como ‘As Portas da
Percepção’,‘O Apanhador no Campo de Centeio’,‘On the Road’ e ouvia as loucuras da Tropicália
só podia ser comunista, subversivo ou simpatizante. Sendo assim, acredito que a gente represen-
tava risco à ordem e à moral, sim, senhor, embora não militássemos nas atividades políticas clan-
destinas, de onde vieram a surgir as novas lideranças, os novos sindicatos, as novas agremiações
políticas que geraram PTs, CUTs OABs e ABIs da vida. Demos a nossa contribuição, e foi tudo
92 feito com muito prazer, of course”, bate, Durvalino, no peito estufado.“A ditadura dos milicos não
tinha jeito mesmo. Tudo era proibido, qualquer manifestação era reprimida no nascedouro. As
atividades culturais eram sistematicamente sabotadas. O que fizemos foi uma cultura de resistên-
cia. Por isso, acredito que fizemos a nossa parte.A sociedade civil organizada venceu e a ditadura
acabou”, orgulha-se, ao completar.
Essa auto-afirmação de novos valores, de novas perspectivas, ou da urgência dos mesmos,
batia de frente com o que a cidade suportava. Dentre a classe musical, era maior a cada dia a
conscientização de que havia barreiras a serem vencidas. Mas, por outro lado, não existia [tam-
bém] uma discussão, por parte dos garotos da década de 70, sobre o que foram os anos 60 para
mais distantes do conservadorismo da cidade, e que ficou bem marcado na declaração dos entre-
vistados por todo o livro, com a visão mais estreita da cidade, que limitava o rock a uma manifes-
tação artística de pervertidos.
Essa análise mais distante do ar de perfeição que costumou pairar sobre as entrevistas foi
meio quebrada de repente. “Vilarinho, é impressão minha, ou a história do rock teresinense é
meio mascarada? Existia, mas era muito marginalizada, as pessoas não queriam, foi uma coisa que,
realmente teve que vencer muitas barreiras pra poder acontecer?”, perguntei eu, na sala de
reuniões do jornal O Dia, a Marcos Vilarinho, que respondeu: “Muitas barreiras mesmo, porque
primeiro era um povo [de Teresina] que não se dispunha a quebrar esses padrões. Eu até louvo
muito os roqueiros daqui porque eles tiveram que enfrentar muitas batalhas, eles foram amaldiço-
ados, marginalizados mesmo, entendeu? Eles foram tidos como vagabundos, como pessoas que
não tinham nenhum objetivo na vida, que encaminhavam outros. Então, muitos pais, a maioria total
dos pais de família, não queria ter um roqueiro, um cara daquele cabeludo como companhia de
seus filhos e muito menos de uma filha”, expõe.
Continuo a perguntar. A sala não oferecia risco nenhum, não havia risco nenhum, nem a
quem ofender, mas o clima era pesado como se tratássemos de um tema delicado, e não de
manifestações artísticas.“Se esse medo acontecia com os pais dos adolescentes, no caso, com Os
Brasinhas não tinha muito isso, né? Todos os que eu entrevistei até agora afirmam que as famílias
apoiavam...”.Ao que Vilarinho retruca com reafirmação da ojeriza sofrida na época pelos artistas.
“Mas é justamente porque eram pessoas avançadas. Naquele tempo quem participava, que ficou
lá pelo mundo artístico, eram pessoas de poucas posses, eram pessoas que não tinham muito, elas
eram vistas na sociedade como [pessoas que] não tinham educação, que não tinham berço e
94 quem não tinham dinheiro. Então, eles faziam aquilo porque eram meio de ganhar dinheiro, mas
eles eram super mal vistos, o pai deles levava porque também não tinham nenhuma formação,
para os olhos da sociedade. Mas um pai que tinha um certo nome na sociedade, uma certa
profissão, uma profissão que diria que era ‘fulano subiu na vida’, jamais levaria um filho dele, jamais
admitiria que um filho dele participasse de um movimento musical”, completou o jornalista. Esse
pensamento generalista, no entanto, não encontra reforço em declarações de componentes d’Os
Brasinhas, que atestam o apoio de suas famílias nos capítulos anteriores.
Ainda assim, os dez primeiros anos do rock teresinense foram de luta e de conquistas,
caminhos abertos para quem vinha. E eles vieram.
Hoje é domingo, pede cac himbo
cachimbo
[ou Dia da Criação]
Domingo foi o dia do descanso, na crença católica apostólica romana, depois de Deus ter tudo
criado. Suponhamos, então, que o período que sucede a toda criação do rock teresinense fosse,
agora, o momento de descansar.
Não, os primeiros protagonistas do nosso rock não foram deuses, não há blasfêmia aqui.
No entanto, é salutar observar que eles ergueram monumentos, obras inteiras do nada, do árido
pó que sufocava as narinas de quem ouvia aquela música tão estranha saindo dos rádios. Era um
nada, um vão, um espaço perdido. Eles vieram para tudo construir, rompendo paradigmas, surpre-
endendo, derrubando preconceitos, ou enfrentando-os. Tudo do zero, tudo do nada. Do nada.
Méritos sejam dados, honrarias sejam feitas, só com essa pesquisa foi possível entender que muito
do que se faz hoje, do que já se tem, do que já se observa de mudanças, começou ali, pelos dedos,
esforços, ensaios, bailes, shows, cubas libres, baseados, baculejos, banhos de rio, na coroa, dias de
lua, amores, vontades, desejos e serenatas de todos esses rapazes.
O primeiro decênio do rock é dividido em duas fases claras: Os Brasinhas na primeira fase
e outros movimentos, como Nostristeresina e Bandinha da Cidade Verde na segunda fase desses 97
dez anos. Na primeira parte desses dez anos, totalmente inspirada na Jovem Guarda e no iêiêiê, o
que marca o movimento é a abertura forçada da cidade Teresinense para uma música tão diferen-
te como o rock.Tão diferente e tão nova que quando Os Brasinhas começaram, demorou para
que outra banda pudesse fazer tremer o império construído por eles. E ainda assim o tremor foi
quase imperceptível. Os Brasinhas eram o centro das atenções, a banda mais requisitada, a que
tinha um séqüito de fãs mais representativo... Nada pode tirar deles o ineditismo e a iniciativa de
trazer o rock para Teresina, embora, numa análise mais crítica, eles tenham sido apenas repetido-
res do que acontecia fora daqui.
deusexmachina [quando o rock teresinense nasceu do nada]
Por outro lado, esse foi o principal mérito da segunda fase do início nosso rock, que já se
inspirava em outros movimentos, como a Tropicália e o rock progressivo. Essa segunda fase traz
músicos preocupados em compor suas próprias canções e mostrá-las em apresentações ao pú-
blico, seja ele qual for, diferentemente da turma da primeira fase, que tocavam apenas em festas
fechadas e bailes.
E foi assim que músicos como Geraldo Brito, Durvalino Couto e Edvaldo Nascimento
fundamentaram e sedimentaram um caminho que percorrem até hoje.
A principal lição deixada por esses artistas para quem veio depois deles é que fazer música
em Teresina é algo que precisa misturar muita força de vontade com muita paixão, já que os
empecilhos e dificuldades surgem a todo momento. As coisas já vêm abrandando, mas ainda
existe muito a se vencer.
Aqui, vê-se o vislumbre do fim de uma primeira fase. O sonho não acabava dessa vez. Na
verdade, acabava, e se transformava, quase que imediatamente em outra coisa. Os anos depois de
76 foram de entresafra, um período de obscuridade. Em 72, Edvaldo Nascimento começa a fazer
seu material próprio, e aí, junto com a Bandinha da Cidade Verde, e depois, sozinho, produz até
1982. Seis anos de hiato do fim do nosso decênio de estudo até aparecerem novos parceiros.
Depois disso apareceram outros grupos, como a banda Vênus, com o Robert Ferreira, começou
com um trabalho cover, mas, depois, gravaram produções próprias, a partir da entrada de Thyrso
Neto, que trazia suas composições para dentro da banda.
Mas isso já vai fora do nosso período de pesquisa. Isso já era música teresinense feita no
início da década de 80.
Olhando para trás é que se tem a idéia do que tudo foi.A criação de todos esses rapazes
98 se baseia no furo do bloqueio, na vitória à tentativa de manter tudo o mesmo. Uns pela vontade
de dançar pelos salões. Outros pela vontade de chocar e mudar pelo choque, pela imagem do
desbunde.
Mas Teresina sempre teve uma característica bem própria, pois ao mesmo tempo em que
essa cidade era tão rica em artes, ela tentava, a todo custo, sufocar esse talento natural. Uma luta
contra o seu destino, se ele existir. Era um levante, uma vontade de renegar a arte, preferindo dar
espaço às práticas já estabelecidas de ‘vencer na vida’. Existia todo um contingente de expressões
artísticas a serem mostradas, mas que essa aversão ao apoio às artes fez declinar. Um exemplo
dessas expressões era o folclore da cidade, que era bem construído e ligado à nossa população,
99
[Ref
[Ref erências Bibliográf
eferências icas]
Bibliográficas]
eresina
BRITO, Geraldo. Música no Piauí: anos 60, anos 70. Cadernos de TTeresina
eresina. Teresina, n. 34,
p.54-61, novembro. 2002.
FROES, Marcelo. Jo
Jovvem Guarda em Ritmo de A
Avventura
entura. 1 ed. São Paulo: Editora 34, 2000.