Você está na página 1de 1

Formação Litúrgica

Inculturação litúrgica ou sincretismo?

O bispos do Regional Norte II da CNBB, em visita ad Limina Apostolorum, no dia 15


de abril de 2010, ouviram o seguinte alerta do Santo Padre: “Se na liturgia não
emergisse a figura de Cristo, que está no seu princípio e está realmente presente para a
tornar válida, já não teríamos a liturgia cristã, toda dependente do Senhor e toda
suspensa da sua presença criadora.Como estão distantes de tudo isto quantos, em nome
da inculturação, decaem no sincretismo introduzindo ritos tomados de outras religiões
ou particularismos culturais na celebração da Santa Missa”. Em seu pronunciamento o
papa revela o temor de que a inculturação litúrgica redunde em sincretismo, na fusão
ou confusão com ritos de outras tradições religiosas. O cuidado com a pureza da
liturgia romana, notadamente quanto à celebração eucarística por parte do Magistério,
não é recente.

Um dos testemunhos mais antigos da inculturação litúrgica encontramo-lo na Tradição


Apostólica de Hipólito de Roma, escrita por volta de 220, ao descrever o rito da
primeira eucaristia. Havia o costume de se oferecer leite e mel, após as espécies
eucarísticas, para significar “a realização da promessa feita aos patriarcas, de que lhes
daria uma terra em que corre leite e mel”. Entre os romanos havia o costume, anterior
ao cristianismo, de dar leite e mel ao recém nascido para indicar que a criança era bem-
vinda na família.

Uma inculturação bem compreendida não resulta necessariamente em sincretismo. Há


exageros aqui e acolá, mas são inegáveis os benefícios que uma liturgia inculturada traz
para a plena participação da assembléia no mistério celebrado. O mistério pascal de
Cristo é único, universal e sua dimensão salvífica prossegue integral quando acolhe
uma cultura diferente da europeia. A Igreja latina não repudia, ao contrário, aprova e
contempla, por exemplo, ritos litúrgicos surgidos a partir do sedimento cultural de
povos diversos como o rito siríaco, o greco-melquita, o bizantino, e outros. Mesmo sem
a necessidade de serem configurados como ritos particulares, por que esta constante
desconfiança de que o jeito africano, chinês, indiano ou indígena, de celebrar possa
desandar pelos caminhos reprováveis do sincretismo?

A teologia e a história da Igreja testemunham a favor da inculturação, cujo viés


litúrgico mostra as assembléias celebrativas recolhidas e atraídas para o Único
necessário: o seu Senhor (expressão usada pelo papa em sua advertência aos bispos),
celebrando a fé em seu língua, com suas vestes e ritmos, na escuta da Palavra que se fez
carne e assim se tornou uma Palavra inculturada.

Convém não esmorecer diante dos que repudiam a legitimidade dada pelo Concílio
Vaticano II às “variações e adaptações aos vários grupos étnicos, regiões e povos,
sobretudo nas missões” (Cf. SC 38). A Instrução “A liturgia romana e a inculturação”,
publicada pela Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos em 1994,
n. 18, veio, muito depois do Concílio, deixar claro: “A liturgia da Igreja não deve ser
estrangeira para nenhum país, para nenhum povo, para nenhuma pessoa”. Certamente o
papa não quer se indispor com nenhuma forma de inculturação.

Pe. Antonio Damásio Rêgo Filho

Você também pode gostar