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Mas um velho, muito velho, que na praia chamada do Restelo

ficara sozinho, homem de aspecto grave e venerando, seguindo-nos com os


olhos, pensativo, meneou trs vezes a cabea.
E levantando a voz, to alto que a ouvimos j embarcados,
bradou, increpando-nos veemente:
- Que pretendem aqueles, exclamava o velho apontando para
ns, seno correr atrs de vaidades e vitrias impossveis?
Que desastres sofrer Portugal por causa dessa loucura que abandonar a
terra dos nossos avs, e as nossas conquistas de frica, onde tantas vitrias
poderamos alcanar ainda, indo to longe e to desvairadamente buscar a
Fama e a Riqueza?
Temos o inimigo porta, - gritava o ancio, - e tenta-nos
desperdiar assim a fora de que precisamos tanto?
Maldito, -acrescentou- maldito aquele que primeiro ps uma vela
num barco
e deu aos homens o anseio de navegar! Melhor fora no ter desejos to
subidos, nem imitar os ambiciosos, que no sabem contentar-se com a sorte
que Deus lhes deu.
Assim vociferava o ancio venervel, condenando a viagem que
vnhamos tentar, saudosos da terra onde o nosso esforo e o nosso trabalho
ainda eram certamente precisos...
Mas esquecia o velho do Restelo que somos um povo de
marinheiros. E no queria tambm lembrar-se de que o bom nome e a honra
de Portugal exigia que levssemos ao fim a empresa comeada... Continuou
a gritar na praia mas no mais o ouvamos.
As naus navegavam j, abrindo as asas ao vento sereno. E
como costume entre as pessoas que se arrojam s incertas guas do Maruns aos outros, dentro dos barcos, dizamos, saudando-nos mutuamente:
Boa Viagem!
Os Lusadas de Lus de Cames Contados s Crianas e Lembrados ao Povo
( Adaptao em prosa de Joo de Barros)

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