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EXCELENTISSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Assunto: Impeachment. Controle de constitucionalidade incidental das normas incriminadoras. Controle da legalidade procedimental do rito de impeachment DILMA VANA ROUSSEFF, brasileira, divorciada, economista, portadora da Carteira de Identidade no 9017158222, expedida pela SSP/RS, CPF/MF n® 133.267.246-91 e do Titulo de Eleitor no 223706304/34, com enderego no Pakicio do Planalto, Praga dos Trés Poderes, Brastlia/DF, por meio de seus procuradores, que recebem as intimagdes de praxe em seu escritério profissional situado no SCS quadra 1, Ed. Denasa, sala 303, Brasilia - DF, vem impetrar o presente | MANDADO DE SEGURANCA. Em face de ato coator perpetrado pelo PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL, consubstanciado na Resolugdo n° 35, de 2016, que nos termos do art. 52, parégrafo (nico da Constituigio Federal, aplicou a sangio de perda do cargo da Presidenta da Repiiblica, nos termos da sentenga lavrada no dia 31/08/2016, nos autos da dentineia n° 1, de 2016, Em face do art. 7°, inciso II, da Lei n® 12.016/2009, pede-se que se dé ciéncia do feito ao drgao de representagao judicial da pessoa juridica interessada, qual seja, o Senado Federal, enviando-lhe cépia da inicial para que, querendo, ingresse no feito. A Autoridade Coatora poder ser intimada a prestar esclarecimentos no seu enderego profissional, localizado no Edificio Sede do Senado Federal, enderego Praga dos Trés Poderes, telefone 3303-5142, e-mail asimpre@senado.gov.br. I.PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO MANDADO DE ;EGURANCA L Inicialmente, cumpre destacar a legitimidade das partes ¢ a adequago do meio processual escolhido. 2. O Exmo. Senhor Presidente do Senado Federal € a Autoridade Coatora, nos termos do art, 6°, § 3°, da Lei n® 12.016/2016, porque ¢ ele que subscreve o ato coator, praticado contra a Exma.Sra. Presidenta da Republica. 3 © mandado de seguranga é 0 meio processual adequado, pois, nos termos da Decisto referente ao documento n° 180, de 23 de agosto de 2016, proferida no Processo de Jmpeachment (anexo), no cabe recurso contra o julgamento feito pelo Senado Federal. Por outro lado, de acordo com a jurisprudéncia deste ¢. STF, niio cabe habeas corpus quando a decisio combatida no colocar em risco o direito a locomogao do paciente, tal como é 0 caso concreto'. 4. Hi que se esclarecer, ainda, que se busca aqui sindicar a inobservancia da Constituigo Federal, tendo como fulero proteger o direito liquide e certo da Impetrante em ser processada dentro dos limites impostos pela Constituigio e pela 'Nesse sentido, por exemplo: “7. O pedido de reintegracdo de Magistrado afastado por decisio do Superior Tribunal de Justica envolve direito estranho a liberdade de ir e vir, nao podendo ser abrigado em habeas corpus.” (HC 105484, Relatora Min. Carmen Liicia, Segunda Turma, julgado em 12/03/2013, Dle-069 divulg. 15-04-2013 e publicado em 6-04-2013), legislagfio pertinentes, direito esse violado pelo ato coator que veicula decistio que condenou a Impetrante com base em dispositivos legais nfo recepcionados pela CF/88 € com base em fatos estranhos aos autorizados pela Camara dos Deputados. Trata-se de direito ao devido processo legal ¢ a0 julgamento em conformidade com a Constituigao Federal. 5. Toda a matéria suscitada no presente Mandado de Seguranga se circunscreve ao exame da constitucionalidade de normas incriminadoras e a aplicagao de normas processuais. © mandado de seguranga pode ser julgado examinando-se tio somente a redaco dos preceitos legais pertinentes e os dccumentos acostados a presente inicial, que constam do processo de impeachment, nfio se demandando a produgdo de qualquer outra prova no ambito deste processo. Assim, sendo liquido e certo © direito da Impetrante, ¢ cabivel o mandato de seguranga para reclamar da violagdo praticada pela Autoridade Coatora. Il. DEFINICAO DO ATO COATOR 6. O ato coator contra o qual é dirigida esta agao consiste na Resolugao n° 35/2016 do Senado Federal que, em 31 de agosto do corrente ano, condenou por crime de responsabilidade a Senhora Presidenta da Repiblica nos termos da sentenga que tem por base o relatério de promincia elaborado pelo Exmo, Senador Anténio Anastasia. f. O ato coator tem sua origem na apresentago de relatério de pronfincia, no dia 02 de agosto de 2016. Referido relatério foi discutido na Comissio Especial destinada a apreciar a dentincia por crime de responsabilidade no dia 03 de agosto, € votado naquele Colegiado no dia 04 de Agosto. Tal relatério apresentava, ao fim, 0 voto, nos seguintes termos Em face do exposto, 0 voto é pela proceiléncia da acusagéo e prosseguimento do proceso, e, com fundamento nos arts. 51 e 53 da Lei no 1.079, de 1950, e no art. 413 do CPP, pela promincia da denunciada, Dilma Vana Rousseff, como incursa, pela abertura de créditos suplementares sem a autorizagito do Congresso Nacional, no art. 85, inciso VI da Constituigdo Federal e no art, 10, item 4 ¢ art. I], item 2, da Lei n° 1.079, de 1950, e pela realizacao de operacées de crédito com instituigho financeira controlada pela Unitio, no art. 85, incisos VI e VII da Constituigdo Federal, no art. 10, itens 6 e 7 e no art.11, item 3 da Lei no 1.079, de 1950, a fim de gue seja julgada pelo Senado Federal, como determina o art. 86 da Constituigaio Federal.(grifos nossos) 8. Aprovado na Comissio Especial por 14 votos favordveis e 5 contrarios, 0 relatério foi lido no Plendrio do Senado Federal no dia 05 de Agosto. 9 Em 09 de Agosto, o Parecer foi submetido A discusstio entre as senho-as ¢ os senhores Senadores, tendo sido yotado e aprovado, em turno tinico na madrugada do dia 10 de Agosto, oportunidade em que foram realizadas 5 (cinco) votagdes nominais, relativas: i) As questdes preliminares ao mérito do relatério (1. Nao recepgao do art, 11, da lei 1.079, de 1950; 2. Pendéncia do Julgamento de Contas; 3. Excegiio de Suspeigd0 do Relator), as quais contaram com parecer contritio do Sr. Relator, sendo seguido por 59 Senadores, manifestando-se 21 senadores em sentido contrario; ii) a0 parecer, ressalvados os destaques, tendo sido a proposta do relator aprovada por 59 senadores, manifestando-se contrariamente os mesmos 21senadores; ili) & suposta realizagdo de operacdes de crédito com instituigao financeira controlada pela Unitio, com 58 senadores favoriveis e 22 contrarios; iv) A suposta abertura de crédito suplementar sem autorizagio do Congreso Nacional, por meio de Decreto de 27/07/2015 (Cédigo 14244), no valor de RS 29.922.832,00, com 58 senadores favoraveis ¢ 22 contrarios; v) A suposta abertura de credito suplementar sem autorizagio do Congresso Nacional, por meio do Decreto de 20/08/2015 (Cédigo 14250), no valor de R$ 600,268.845,00, com 59 Senadores favoraveis e 21 contrarios, 10. Em 25 de agosto, foi iniciada 133* Sessio Deliberativa Extraordindria do Senado Federal, na qual foi realizado 0 julgamento por crime de responsabilidade pelo Scnado Federal. Apds a oitiva das testemunhas, os detates entre acusagio defesa ¢ a leitura de breve relatério do procedimento, ainda durante a mesma sesso, em 31 de agosto, foi realizada a votago que terminou por condenar a Presidenta da Republica por crime de responsabilidade. il. A Resolugao n° 35/2016 do Senado federal fci promulgada por seu Presidente, constando de seu contetido a sentenga condenatéria. IIL1.LEGITIMIDADE DA JURISDICAO, NAO APLICACAO DO PARAMETRO DE AUTOCONTENGAO JUDICIARIA DAS “QUESTO! POLITICAS”. NAO SE PROPOE NO PRESENTE MANDADO DE SEGURANCA O CONTROLE DO MERITO DA DECISAO DO SENADO FEDERAL. 12. Como toda e qualquer lei pré-constitucional, a Lei n. 1079/50 se submete a um juizo sobre a sua compatibilidade com a nova ordem vigente. Nao é pelo fato de algumas de suas normas definirem crimes de responsabilidade que tais normas se imunizam, na origem, de serem revogadas pelas Constituigées subsequentes. Nada impedia ou impede que uma Constituigdo posterior revogue alguns de seus preceitos legais. Pelas mesmas razdes, nada impede que o Supremo Tribunal Federal reconhega essas antinomias e as declare no caso concreto. A declaragaio de ilegitimidade constitucional de um preceito incriminador nfo se confunde com a operagio de sua “subsungao”, realizada pelo Senado Federal, como preceitua o artigo 86 da CF/88. 13 Nio se aplica 4 hipétese o antigo parametro de autocontengiio do Judicidrio segundo © qual nao Ihe cabe interferir em “questdes politicas”, raziio pela qual as controvérsias em torno do processo de impeachment seriam “insindicaveis”. Salvo hipéteses absolutamente residuais, hoje se entende que a vetusta doutrina das “questdes politicas” se encontra superada, prevalecendo o principio da inafastabilidade da jurisdigao, sobretudo quando se constata situagio de clara violagao a direitos liquidos e certos, Ressalta-se que 0 que se leva & apreciac%io do STF por meio desta ago é téo-somente a incompatibilidade normas integrantes da Lei n. 1079/50 com a Constituigo Federal de 1988, bem como ilegalidades de cardter estritamente processual, e nfo do mérito. * No final do século XIX ¢ inicio do século XX, chegou-se ao ponto de se elaborarem listas de questies que no poderiam ser submetidas & aprecingdo judicial, sob o argumento de que se tratavam de questdes de natureza politica. Oswaldo Aranha(4 teoria das constituicdes rigidas. p. 123-131) elenca diversas dessas listas, claboradas por juristas como James Bryce, Clark Hare, Auguste Carlier, Albert Putney, H.C. Black, Amaro Cavalcanti, Carlos Maximiliano e Ruy Barbosa, entre outros. Apés isso, 0 autor elabora sua prépria lista (hoje surpreendente), que exclui da apreciago judicial os seguintes assuntos: “‘) a declaragao de guerra e a celebragito da paz; 2) a mantenca e a direcdo das relagdes diplomaticas; 3) a verificacao dos poderes dos representantes dos gavernos estrangeiros; 3) a celebracao e rescisio de tratados; 5) 0 reconhecimento da independéncia e da soberania de outros paises; 6) a fixacdo das extremas do pais com seus vizinhos; 7) 0 regime do comércio internacional; 8) 0 comando ¢ disposiedo das forcas militares; 9) a convocagio € mobilizacdo da milicia; 10) 0 reconhecimento do governo legitimo nos Estados, quando contestado entre duas ‘parcialidades; 11) a apreciagao, nos governos estaduais, da forma republicana, exigida pela Constituicao; 12) a fixagio das relagdes entre a Unido ou os Estados e as tribos indigenas; 13) 0 regime tributério; 14) a adogao de medidas protecionistas; 15) a admissao de um Estado d Unido; 17) a declaracao da existéncia do estado de insurreicdo; 18) 0 restabelecimento da paz nos Estadas insurgentes ¢ a reconstrugfo neles da ordem federal; 19) 0 provimento dos cargos federais; 20) 0 exercicio da sancao e do veto sobre as resolugdes do Congresso; 21) a convocagao extraordindria da representagio nacional” (p. 132) 14. Com efeito, pretende-se obter do STF provimento que reconhega que alguns dos tipos que compde a Lei 1079/50 esto em contradigio com o texto Constitucional, nao sendo aptos a justificar a decisfio de condenagiio; bem como que determine que 0 julgamento seja restrito aos fatos contidos na autorizagtio para instauragao do processo, proferido pelo Plendrio da Camara dos Deputados, de acordo com 0 relatério aprovado por aquela Casa Legislativas. 15. Em sintese: no julgamento por crime de responsabilidade realizado pelo Senado Federal (a) nao podem ser aplicados preceitos nao recepcionados pela ordem constitucional vigente ¢ (b) devem ser considerados apenas os fatos constantes de autorizagao conferida pelo Plenério da Camara dos Deputados, impossibilitando-se a apreciago pelo Senado de fatos novos, ou ja afastados por aquela Casa Legislstas graves violagdes ao ordenamento juridico ocorreram no proceso que culminou com a condenagdo da Impetrante. 16. No momento da crise politica mais aguda de um Estado Constitucional, na qual Chefe de um Poder ¢ julgado por outro Poder, manter a Constituig%o higida € absolutamente imprescindivel para se garantir a integridade do regime democritico. Equacionar a disputa entre “poderes” ¢ “pelo poder” & a fungdo primordial de uma Corte Constitucional. Sem a garantia da constitucionalidade da atuagio dos érgios estatais, 0 direito sucumbe & facticidade das forgas politicas em disputa, e o regime se degenera em “estado de ndo-direito”.’ Se 0 impeachment fosse decretado fora dos limites constitucionais, Ferdinand Lassalle, afinal, teria razaio, e a Constituigao Federal de 1988, por nao se identificar com os “fatores reais de poder”, teria se tomado meta “folha de papel”.* 17 E igualmente inaplicdvel a antiga regra de autocontengao judicidria segundo a qual descabe ao Supremo Tribunal Federal intervir nas chamadas “questdes interna corporis” ao Parlamento. Em primeiro lugar, porque o pardmetro se refere a observancia de norma procedimentais, nao de normas de teor material - 0 STF > CANOTILHO, J. J. Gomes, Estado de direito. Lisbow: Gradiva Publicagdes, 1999. “ LASSALLE, Ferdinand, 4 esséncia da constituicdo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. entende, por exemplo, que a interpretago de normas regimentais, que regulam o procedimento legislativo, € problema interna corporis. Em segundo lugar, porque 0 processo de impeachment nao € questo interna corporis. Pelo contrario, Concere relagiio entre os poderes da Unio. As decisdes que sejam tomadas no ambito do Poder Legislativo produzirdo enorme impacto no Ambito do Poder Executive. Como consigna 0 Ministro Ayres Britto, em artigo doutrinario, 0 tema do impeachment “se poe como a figura do Direito mais ‘externa corporis’ das relagdes entre 0 Poder Legislativo da Unido e 0 Presidente da Repiiblica”> 11.2 0 DIALOGO INTERINSTITUCIONAL ENTRE 0 JUDICIARIO EO LEGISLATIVO SOBRE A INTERPRETACAO. CONSTITUCIONAL. DEFINIGAO DA MOLDURA CONSTITUCIONAL DENTRO DA QUAL O JULGAMENTO DO IMPEACHMENT DEVE OCORRER. 18. A abertura ao didlogo constitucional entre os poderes da Unido é salutar para que se produza uma interpretagio constitucionalmente adequada das normas legais. A valorizagio dos diilogos constitucionais ¢ elemento central do direito constitucional contemporaneo. Embora se confira ao Judicidrio, especialmente a0 Supremo Tribunal Federal, primazia no tocante & guarda da Constituigio, muitas vezes possivel que a interpretaglo conferida pela Corte seja superada pelo Legislativo, por meio da edig&o de nova lei ou de emenda & Constituigao, conforme 0 5 CE Jomal Estadio, 25 de outubro de 2015, hutp://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral licoes-

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