A obra de Guimares Rosa apresenta um regionalismo de novo significado: a
fuso entre o real e o mgico, de forma a radicalizar os processos mentais e verbais inerentes ao contexto fornecedor de matria-prima, traz tona o carter universal. O folclrico, o pitoresco e o documental cedem lugar a uma maneira nova de repensar as dimenses da cultura, flagrada em suas articulaes no mundo da linguagem. Entre as experincias vividas pelo autor esto as viagens pelo serto brasileiro, principalmente o mineiro, acompanhadas pelos famosos caderninhos de anotaes. Neles, Guimares Rosa registrava palavras e expresses do povo brasileiro que, mais tarde, transformaria em metforas poticas. Voltada para as foras virtuais da linguagem, a escritura de Guimares Rosa procede abolindo intencionalmente as barreiras entre narrativa e lrica, revitalizando recursos da expresso potica: clulas rtmicas, aliteraes, onomatopeias, rimas internas, elipses, cortes e deslocamentos sintticos, vocabulrio inslito, com arcasmos e neologismos, associaes raras, metforas, anforas, metonmias, fuso de estilos. Imerso na musicalidade da fala sertaneja, o autor procurou fix-la na melopeia de um fraseio no qual soam cadncias populares e medievais. O trabalho com o mito potico outra caracterstica da obra rosiana. Segundo o crtico e ensasta Alfredo Bosi, a "sada" proposta por Guimares Rosa para esconjurar o pitoresco e o extico do regionalismo deu-se com a entrega amorosa paisagem e ao mito, reencontrados na materialidade da linguagem. Guimares Rosa tinha plena conscincia das dificuldades que seus textos apresentam para o leitor: "Como escritor, no posso seguir a receita de Hollywood, segundo a qual preciso sempre orientar-se pelo limite mais baixo do entendimento. Portanto, torno a repetir: no do ponto de vista filolgico e sim do metafsico, no serto fala-se a lngua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o serto o terreno da eternidade, da solido (...). No serto, o homem o eu que ainda no encontrou um tu; por ali os anjos e o diabo ainda manuseiam a lngua".