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A Questao da Verdade Cientifica 1.0 prablema da verdade nas cléncias E comum depararmos com a idéla de que a clancia reproduz uma verdade comprovads, irratutavel@ infalivel. Dar a algo a qualidade de cientfico equivale ® stestar 2 sua veracidade Inquastiondvel. a Matemdtlca, por exempla, € comumente compreendida came um conjunta de verdades Irrefutdvels. A Fisica, fendausada por Augusto Comte, seria © supra-sumo das cortezas inquestiondveic @ da racionalidade. Tedavia, ndo @ assim que a comunidade cientifica dave var a ciencia, pols, © conhecimento clantfice naa # irratvtavel # suse verdades 289 sempre provisarias, pole duram enquante nao #89 resflcacss por lima nava teorla ou experiéncta. Mario Schenbarg, um dos mais importantes cientstas do pals, demonstrando que as idias da fisica © da matematica ndo so coisas puramente racionais, muitos vezee tenn arigem misterioea, afm: Nao sabemos exatamente as origens de muitas idéias cientiicas. Assim, também por exemplo, no sabemos muito ber de onde surgiram as idsias novas {ds Gacel na camps da logics, cus +80 3¢ Ideiae male ravaluclonarias na Ciencia do sécula XX. Segundo Gadel nie se pode provar que quslqer tears, Imatematica que inclua a Artmetica nao contenha contradicao. Pode um belo dia aparecer uma contradigao multo grande dentro da Andlise Matematica, da Algebra, ou qualquer setor afim, pois basta conterem a Aritmtica para que nao se possa demonstrar sua consistencia ou cozréncia logica. E isso sucade rn por razées histérleas, como no case de alguns tecremas famoscs que ndo sabemos ainda demonstrar em sua generaidade, como o teorema de Fermat ¢ outros; mas no easo de Godel 4 a impasslbilldade mesmo de demonstrat, que 6 0 resultado fundamental. Em outras palavtas hoje sabemos que ha coisas nao demonstradas e coisas indemanstravels Em particular 0 formalismo matemstico da Fisica, também no se pode provar que nto sea contradtérto, ‘lids, no caso da Fisica, ja estamos acostumados a situacdes de coexisténcia de toorias contraditérias, como acontecou no comeso da teoria quantica, Com 3 cosvstancia ds tletradingmica ce Maxwell © 2 anistancia de fotons, Mas ae incemonstrablidages introdusigas palo Teorams de Godel = fssendals, a5 contradigBes no poderlam ser eliminadas, pols serlam de orlgem matematica © lglca, inerentes 2 proprte aparalho matemdtce sade, Em 1934, Kurt Godel escraveu seu famoso artigo "Sobre proposisbas formals indaciciveis de Principia Matematica sistemas correlatos", no qual demonstrou que ndo é possivel provar a consisténcia de tm teorema matemstico. Godel naa diz que a matemstica seja Inconsistente, mas que nSo se ode pravar 3 sua coneisténcia..Gédel demonstra qua, se a Aritmetica pudesce provar a sua consisténcla, ela seria inconsistente. 4os8 Lulz Golcfara, que escravew uma tase sobre © pensamente de Plo Sehenbarg, assevara que, ifalizmente, paucas pansadores contemparéneos Canheceram ou refletiram sobre © Teorema de Godel ate 0 momento, Quando Maria Schenberg eleva esse teorema a condigao de malar revolugse na Clancia deste século, queremos crer que nao esteja exagerance. Isto porque Parece que 0 peso aribuldo a Gtdel por Marlo Schenberg se Justifica quando percebemas que, ao elevar 0 erro e a contradicSo ao status do que & fundamental na ciancia ~ © ndo rebaixa-ios 2 elementos inimigas do pensamento, como queria o racionalisa-luminista-, pedaremos entender mute m: 0s canceltos fundamentals, acsitande um grau tao complexo de pensamentes humanes que sistemas clstirtes tennam sordid. © toorama de Gadel abalou o quadro até ento estavel das verdades absolutas da Matematica, no qual se acreditou por muitos séculos. Llnda citanca Goldfarb, podemos Indagar: coma fica a vercade das Idéias basicas da Matematica, ands todas assas novidades? « arriscar uma respasta: Quando so tem om conta a dimensio histérica des pensamentos cintificos, @ mesmo dos valores culturais, perceba-se que riio hi roferencial absolute (0 que € @ 0 que nao 4). O erro (0 desvic do comum) no s6 nao delxado de lado, mas se torna o fundamente que da vida 30 pensamento, enquanto Drocesso cilativo, & busca das tradicBes do pasado torna-se fonte da crlacSo do futuro, oie bem, até aqui pracurames damonstrar que na Matematica # na Fisica nfo se trabalhs com a idéla de verdade absoluta, Agera vejamcs, se nestes chamadas "clénelas duras" no temas uma verdade abscluta, como se configura 0 problema da verdade no Diralts, especialmente no Olrelta processual ena, tao carregado de ideologiae? Como élicito 8 dogmatica penal invocar como principio norteador da pracesco penal a busca da verdade real? Comecemos pelo problema da verdade na cléncia do birsite. 2. & verdade e a clénda duraica © ireito ¢ um terme equiveco: uma unica palavra para varios signficades. André France Montoro sustenta que o dire tem cinco signticads Impartantes (clénela, norma, ustiga, Faculdade « fata socal) sendo a justica sau significado principal igual Reale afirma que dirsite # fato,valor @ norma, sendo que estes elementos estdo intrinsecamente relacionados ‘Terclo Sampaio Ferraz sustenta que a Ciencia do Direlto pode ser estudada sob dois enfoques principals: 0 dogmatico (dando-se énfase as respostas, produzindo certezas) e 0 zetetico (enfase nas pergurtas, produzindo duvidas). De acordo com Terci, O direito @ uma ciencia dagmatica porque se baseia ho principio da inegabildade dos pontos de partda, ou Sefa, as decisbes tam que ser Juriccas, isto ¢, fundamentadas no dlreto vigente. assim, sob 0 aapecto dogmatica 0 direto ¢ a tearia da decidibilidade dos conflitos na vida social Foi para resolver os conflitos da vida social que foram criadas trés grandes dogmaticas: a dogmatica anaitica (teoria da norma: visa identiicar quais s30 as normas vigentes), 3 dogmatica hermenéutica (teoria da Interpretacdo: visa Identiicar quais as Inerpretactes possivels de determinada norma) e 2 dogmatica analtica (teoria da argumentacdo: visa identificar qual a interpratacio deve provalacer om determinado caso concrete). ‘Assim, com Térclo Sampalo Ferra2, temos o dirsita como um pensamento tecnoldglco: um pensamenta fechado & problematizaczo de seus pressupostos — Stas premiscas © conceltos basicos tim da ser tomados de modo nio problematica -a fim de cumprir sua TungSo: cilar condigoes para a ago. Wo caso da Clancia dogmatica, criar condicées para a decidiblidade de confitos juricicamente definides.. NNosse sentido, pontua o profecsor paullsta, 0 problema da Cléncla do Direlto nto ¢ propriamente uma questio de verdade, mas de decliibilidade. Os fenunciados da Ciencia do Direito que compaem as teorias juricicas tem, por assim dizer, natureza eriptonormativa, delas decorrendo consequencias, Programaticas de decistes, pols devem prever, em todo caso, que, com sua ajuda, uma prablemstica social determinada seja soluclonavel sem excecdes perturbadoras. “A clancla dagmaties do drsite constréi-se, assim, come tm pracesso de subsuncSe dominacs por um esquenatisma binaria, que reduz a8 abjetos Juricos a das possbilidades: ou se trata disso ou se trata daqullo, construlndo-se enormes Feds paralelas de segBes. & busca, para cada ente jurdico, de sua natureza ~ e esta 6 a preocupacgo com a natureza juridica dos institutos, dos regimes juriicos ete. ~ pressupoa uma atividade tecrica dasse tipo, na qual os fenémenos ou s80 de direito pilico ou de direitaprivade, um direlto qualquer ou @ real ou ¢ pessoal, assirn como uma socledade ou € Comercial ou & dlvil,sendo as eventuals congruencias ou tratadas como excegfies (natureza hbrida) ou cantarnadas por Negbes. 3.0 principio da verdade real © Diraita Processusl Penal 4 uma dlacplina dogmstica, pols tam par ebjete a astude dae normas procassuais de natursza penal. 0 procasea penal é © instrumanto pelo qual se busca realizar ¢ leito do Estado da punir as ifragdes penals. A sis fungSo declarada 6 a busca da verdade, para que se possa aplicar a norma penal. € com base na verdade dos fates que o juiz na sentenca decidira qual a norma juridica a ser aplicads, Assim, a busca da verdade real 6 um principio bisico do processo penal, polo qual 0 sujelto deve ser julgado com base na verdade vardadeira. No fentanto, come aduz 0 professor Pedro Sérgio des Santos, ‘A dogmmatica tem erlado situacdes que, as vezes, parecer colocar o principio da verdade real em situacdo contraditéria, como a de no haver verdade fora dos autos procassuais ou entdo "e que ndo ests nes autos ndo existe’. Dai por que os outs principios © normas reguladoras da pratica processual Contralamy as farmas de faver chagar oa elementos quis canstturso a verdads que se buses para formar # convicsse do julgadar Convém mais uma vee citar 9 professor Pacro Sérgio dos Santos: ‘A conslderar que tal sflrmacto seja verdadelra, s€ 0 que ndo asté nos autos nfo exlste, onde estariam os autos? No nada? No vazlo? Pals a armato, 0 Cartéro, @ tribunal, a cidade e sua compiexidade ngo est¥o necessariamente nos auos como quer fazer crer, por outa vias, esta ida reducionista de \isd0 da realidade criminora e dos agentes nela envolvidos. Longe de serem efetivamente julgades com base numa “verdade real, “verdadelra", os acusados si julgados com base naqullo que bem ou mal fol carreado para os autos. Assim, grande parte da doutrina, acorde com as indmeras criticas direcionadas a este principio, sustenta que a verdade verdadelra ¢ inatingivel e que o réu sera julgado com base numa "verdade processual", ‘erdade possival” etc No processo penal, ndo podemes deixar de avaliar 0 subjetivismo do julgador na apreciagio da prova, Caberd ao juiz avaliar de existe provas sufleiantes para a prolacao de uma sentenca penal condanatoria. Nesta analise, embora isto quase nunca seja recorhecido pela doutrina, levar-se-a em onta as poslgdes ideclagicas do Julgador, sua visBo de mundo, experiencia pessoal, socal, paltea,rellgdo, pols, conforme 3 demonstreu Max Weber, & impassival o Eujete se desvenclhar de todos os seus "pré-conceitos" para fazer qualquer antlise completamente isenta da realidade, lum grande problema da verdade no processo penal e na cléncia jurialca como um todo é 0 seu dlstanclamento de outras areas do saber. 0 jurista ha mals de cam anos vem dando anface ao estudo das discipinas dagmaticas, reduzinde o direito 30 estudo das normas juridicas, @ esquacendo-se que 0 ‘tengmano juncica # muite mais amplo s rico go que o aspecto meramente normative, Criou-se um vardaceira abieme entre ae\cisciplinas zatatcae © 25 ddogmaticas, por exemplo, entre criminclagia (zetetis} e alrelte penal e processual penal (dogmsticas). Este ablama é tse grande que, como afirma 0 professor Alessandra Baratta, 6 Impossivel vencé-lo no campo rastita do proprio aelte pena “assim, # cada vez mals urgente 9 estudo intagrada de dieciplinas zetétieas e dogmsticas, pols <6 assim, sleancaremos uma visio mals ampla do fendmano criminal. Conforme leciona Térclo Sampalo Ferraz, nada impade que facamos uma abordagem zetstica das questées dogmaticas, Conciuimos com o Pedro Sérgio dos Santos, que afirma: [abrir a8 frantaleas a tearia do Diraita Processus! Penal para que outras ciéncias peceam efetivamente contibuir eam a pradicSe da versace necaeedris para a justia, melhorande a "qualidade" dessa verdade, longo de ferr dispositivas e garantias constitucionafs, é uma necessidade imperiosa em face de lima realidade social cada vez mais efieaz pare se obter 2 verdade, néo pode abrir mao do conhecimento e da metadologia de outras clncas, evidentemente que garantindo as limitagBes da aplicabidade de métodos diferentes para objetos também diferentes, essa forma, embora ndo seja possivel assegurar a verdade verdadelra, nem por isso se deve deixar de lado 2 preocuparae com a verdade « suas provas. Pela contrari, esta canstatacso evige malar rigar e fundamartacao das decieGes judiials, pals ur julz plenamente convict, longa de calecar 6 rocesco no caminho da cléncla, £6 contribulrd para cada vez mais coloca-lo no rot das Institulcbes moramente punitivas.

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