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i : } ISBN 85-326-2123-6 : "sei fo campos inp el Flo Ves i 1s Hl it, TaD Popol Ura = CP cay 207 51 . oe (02) 1-476 oa ot 90, © 1999, Editora Vozes Lida, Rua Frei Lufs, 100 25689-900 Petr6polis, RY Internet: hup/Avww.vozes.com.br Brasil ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma efou quaisquer meios (cletrOnico ou mectnico, incluindo fotocépia ¢ gravago) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissto escrita da Editor FICHA TECNICA DA vores DiReTOR EDITORIAL ‘veina Gos enrroe io Feed eg Orh DIRETOR INDUSTRIAL oe as Cor EDITOR DEARTE ‘Ore Sen evronigio Edna ornare: rnd dos Reis ‘evn gfe: Rees SiC Diagram Foi Supers gra Vleese Moi Ros gues Coordenagio do Laboratério de Psicologia do Trabalho ‘Coordenagde Geral ‘Wanderley Codo Coordenagdo Sociologia do Trabalho Analfa Soria Batista Coordenag0 Psicologia do Trabalho Liicia Sorato Coordenacio Psicologia Clinica ‘ne Vasques-Menezes ‘Coordenagao Politica Delmar Steffen (I* fase) Francisco das Chagas Fernandes Diretoria Execuliva ~ CNTE-GESTAO 97/99 CARGO NOME Presidente Carlos Augusto Abicalll (MT) Vice-Presidente: Francisco das Chagas Fernandes (RN) See, Geral ‘Maria Feabel Azevedo Noronha (SP) Sec. de Ass. Intemancionais Jugara Maria Duura Vieira (RS) Sec. de Ass, Educacionais Maria Teresa Leitdo de Melo (PE) See. de Formacio Maria Inés Camargos (MG) Sec. de Politics Sociais Lujan Maria Bacelar de Miranda (PI) See. de Politica Sindial ‘Maria do Livramento P. Becerra {DF} See. de Finangas Francisco José Gauter de Olvera (Pl) See. de Imprensa ¢ Divulsagio Robson Lapes Trajano (RJ) Sec. de Legislagio Milton Canuto de Almeida (AL) ‘Sec. da Mulker Trabalhadora Noeme Dind Silva (GO) See. dos Aposentados Teresina Ribeiro Picheth (PR) See. Adjunto de Politicas Socisis_Reinalda Paschoa Bieudo (SP) See. Adjuntode Ass. Edvcacionais Mauri Matos de Freitas (SC) See, Adjunta de Ass. Educacionais Mércia Alcalay Dorneles (RS) See, Adjunto de Farmaco Arthur Sérgio Rangel Viana (ES) Supiente Manoel Rodrigues daSilva (RO) Suplente Rosimar Mendes Siva (TO) Suplente Mario Sérgio Ferreiva de Souza (PR) Suplente ‘Araceli Maria Pereira Lemos (PA) Soplente ‘Marcos Macéd Fernandes Caron (DF) CONSELHO FISCAL Eretivo Edvaldo Faustino da Costa (PB) Eretivo Thana Carvalho de Portugal (BA) Efetivo Valdir Perera de Araitjo Suplente Neyde Aparecida da Silva Suplente Antonio Bugénio F. Corréa Suplente Gilberto Crus de Araujo Capitulo 1 EDUCAR, EDUCADOR Wanderley Codo, léne Vasques-Menezes Estas linhas ousam pensar a educaglo ¢ o educador a patir do que o edueador faz, Un ‘caminho tio Sbvio quanto raro, ‘Tantos ¢ tantos so os livros que discutem a edueaglo, a crise da educagio, os métodos para educar, ouvi jor para o que o educador faz. Nada de errado com isto, Entre outras coisas, € da sua natureza permitir qualquer recorte, qualquer enfoque, como qualquer objeto de estudo, a ceducagto Generosos também os olhares ¢ a polémiea a respeito, Nes 2 (0 que ensinar? Para qué? Para quem’ (sem educaglo, o pats nfo conseguird romper seus impasses). Que venham mais e mais discuss6es, mais © mais polémica, mais e mais propos- tas metodoldgicas. Mesmo nfo sendo os autores pedagogos, estudiosos da didética ou da problemética da edueagio, mesmo que alguns deles sejam professores, nunca problematizaram a educagio & nunca a elegeram como tema, (razem, neste livro, novas oportunidades de discussfo, Trata- se, portanto, de uma tentativa de contribuigdo outsider. Trabalho é o nosso objeto de pesqui- sa, condigdes objetivas e subjetivas de trabalho, a noséa area. A esperanca é a de que um olhar de fora possa ajudar, mesmo sem nunca Substituir o olhar dos profissionais que dedi ‘cam suas horas ao tema, educagio. Aqui se faréo contrério do que se costuma fazer em um livr habitual sobre educagio, inclusive para manter-e coerente com o “olhae de fora”. Nos faremos de surdos as desta, sis da educago, para concenirarnossos esforgos na trefa do educador. A pergunia que snimou nosso percurso durante os dltimos dois anos foi: “O que faz 0 educador?” Ou ainde: “Independente do que se quer ensiar, que dramas e gozos se carreiam ao se ensinar?”. Que se entre em uma escola, que se visite as agruras e prazeres dos educadores, profes sores ou nao: 0 que se veré ali é trabalho, muito tab 2 verdadeira usina funcionando .um ritmo alucinante e coordenado, No entanto, ¢ mesmo sabendo que estamos falando de trabatho dos mais complicados, como se ver DUCAGAO:CARRNOBTRABALIO is por qu seremosovignos «leva o nos even etr por eamins nunca dates naveedke itera as sels, 08 snimenas do professor, 56 pra ci di xem at neseyn dum tans exci para poessers, ou fo anil aber estr a rainy paras serum vad nds, a cxata medi cm qu compe 0 univers conecido come fr enquano a adogto do "s6io- aaa ea” nesta ow nague anata do pls, para nbs pasar dsaperesbida, vA trea nos impo eaminhoa segue niciremos por uma breve constatgo de algu- Fa ee a tas do taba de educar, en seguidndiscutremos eam mais detalhe a8 relagdes entre trabalho ¢ afeto; depois discutiremos a questio da crise de identidade que 0 “Boater uve neste Gn de sel, lermnaremos, jf com um resultado epic, com © etl do edveador que a nossa pesquisa evelou simand Freud (1973) dss cera ver qu edvea 6 uma trea impose, nfo exp cot, hea, Hoe o alba gue busca investigaro trabalho, distant ds perpérias da coe Side few do incongcente (le ual psicanlise os defn, chega A mesma cone Haar eaee com a obngagdo eta dese pergntar "por qué. Por que aeducaho 6 uma tnefaimpossivel? Uma tarefa impossivel Dos que sabem sentar-se A mesa, usar eada copo e cada talher por sua ver, dos que nfo ccomem com a boca cheia, os que no misturam a comida a esmo, sabem combinar sabores no pra dizse que sio educados, Dos que so capazes de reconhecer uma nota musical solfejada no rédio ov dedilhada so piano, os que veconhecem vim cantor, um vildo desafinado, os que sabem 0 nome do au- tor de uma sinfonia 20 ouvir alguns de seus acordes, diz-se que tém o ouvido eduendo; edu- eagdo musical Dos que ficam atentos a olhar um quadro, que saber reconhecer motos de liar com cores e formas em oma pintura, ue (&m algo a dizer sobre o estilo de um autor, ou ainda os {Que reconhecem 0 estilo impresso em um romance, a irama dramética armada pelo aulor, dos que scriam capazes de discorrer sobre os personagons inventados, éigamos, pot Jorge ‘Amado, diz-se que tém educagio aristie, litera, ‘A quem cr8 em algum deus, aricula um sistema de orengas, pratica liturgies, se com porta de acordo com suas erengas, patiipa dos grupos organizados em torno a ela, dizrse aque tem educagio rligiosa Se educa a lingua, os olhos, o faro, a Sensibilidad, os afetos, 0 ertismo, qualquer sen {ido que tenhamos ou que verhamos @ inventar. E assim que o mundo leigo, o mundo das primeiras aparéncias, se refered educegao, ot se tem ou nfo se tem, ou se tem mais ou menos: “Fulano nfo tem educegéo, Sicrano é mal ceducado, Beliano é muito educado, tem uma educagao finissima”. ‘Ainda a educagéo formal, aquela que se aprende na escola néo escapa desta mirade de significados. “O aluno néo esté aqui apenas para receber © dominar contetidos especifices, deve ser educado para a vida", & uma frase comin’ de se Guvi nas eScotas. Oslas professo- res/as nfo raro intervém nto modo dos alunos se vestirem, tentam ensinar boas maneiras & mesa quando hid refeigées na escola, introduzem discussGes sobre religigo, arte, literatura fem seus curriculos ou aulas. Eles também, os profissionais especializados em educacdo, atuam a partir do mesmo pressuposto apontado acims, e se consideram (ou so) encarrega- dos da mesma abordagem ampla, geral ¢imestrta. Mas fiquemos um pouco mais com o senso comum: “Onde comega e onde termina @ ceducagio”, no sentido primeiro que escolhemos acima? A resposta seria sempre a mesme: ““Comega em lugar nenhum, em qualquer lugar, em todos os lugares, nunca termina.” Jamais pode se considerar completa, companha cada homem, cada mulher, desde o primeira pas- 50, a primeira palavra a 0 Gitimo suspiro. Se uma mie ou pai quer, e sempre quer, educar seu filho, comega assim que pode e sogue por toda a vide, até que posta. Se alguém quer se ‘educar nas ares, comega assim que tem alguma consci8ncia do que sea isto e passa seus dl. timos dias a feqientar museus ¢ livros. Cada chance, eada minuto, contribui para formar 0 petrimOnio que vai se acumulando invisvel no caréter de cada ui de n6s, coisa que nin- gum ve e todos nés somos capazes de reconhecer. Cada vez que a me/pai impede que 0 ppimpotho agarteo frango com as mlos, sempre que se corrige uma pronncia errada (no se diz “pobrema" e sim “problema”), quando se pune o uso de um “palavria”, quando se pro- picia a uma crianga, um adolescente, um passeio a museus, acesso & boa misic, boa litera- tura, quando a TV nos informa sobre a biografia de Beethoven, quando uma caravana de aposentados so detém respeitosa perante um quaco de Van Gogh, sempre a eada momento, se diz que estamos sendo educados. Melhor enfatizar, mesmo a nivel do senso comum, a rimeiraolbada nos arasta até a. i A partir de agora 0 senso comm nfo nos ajudard malS"O-jovem que conhecee admira ‘miisica cléssica, que reconhece Bach, Vivaldi, Beethoven, 0 autro jovem que s6 freqiienta 0 “tatibitate” das cangdes da moda, que faz um “muxoxo" de tédio quando escuta um acorde ‘mais sofisticado; ambos “t8m educagio”. O freqllentador de um restaurante que sabe pedie 0 vinho pela esting, reconhecé-o pelo simples gesto de levar a rolha ao natiz.¢ 0 outro fre- ‘quientador que escolhe o vinho pelo preco no cardépio, ambos sfo “educados”, desde 0 te6- logo até 0 ateu praticante todos sio portadores de “educagio religiosa”. [Nio existe algo semethante & “pouca educagdo”, se nos afastamos do senso comum. © analfabeto adquiriu uma cultura, valores ¢ habilidades Ine foram ensinados, concepgdes fo- ram (estadas, detém uma sabedoria diferente de quem feqdentou 20 anos de escola, mas & uma sabedoria, O mundo est repleto de bons exemplos de que muitas vezes é muito sdbio, muito educado, embora em outros valores, diferentes daqueles que a escola imputa Estivemos, até agora, propositadamente afastados da educagéo que “se faz" na escola, Por profissionais especializados: “os professores, os educadores, os trabalhadores em educa- a ‘Biocagho canneoE ABALNO = (0 aluno, ao entrar para a primeira série do primeiro grau, tem alguém responsével ern edvcogio, um objetivo prado, “deve chegar ao final do curso sendo caper Blaborado onde se iniagina que, em seqiéncia, cada habilidade é ne- préximna; uma prova ou algo semelhante que é lida como um "nfo. cumprides; 0 resultado definido em porcentagens precisa, uma esata de 02 10, um posto de core arbitado com preciso milimétien (ae ‘io significa reprovagdo 5,1, ou mals, signifi aprovagio). Um professor fz um curso, um aay ieto, est habilitado pata ensinar, digamos, portugués ou matemética tem um progr soe Tehne metodalogo,estabelece avaliagSes, o comportamento esperado em cada um de- las ele. etc. eet profissionais di* vidindo as larefas, cada qual cuidando de seu pedayo,, fo seu trabalho avaiado € |x nado, quanta horas dove se dedicar para aprender matemética,biologia ou portugues. de...) um programa ccesséia para a aguisigtio da dicativo de que as metas foram ou Mio quero que 05 meus alunos fiquem apenas decorando os nomes dos patses, quero que tenham una nogd critica de Histéria ou Geografia” .. “Nao basia que os alunos atibam fazer contas,é preciso que saibam raciocinar segundo a Iégica matemética” “ais importante do que as les ¢ ox sinbolos deste ou daquele pats, procuro ensinar uma étiea e uma moral capaz de transformd-lo em wm cidadao” .. “Busco desenvolver fem meus alunos a capacidade de eritca, o sentinento de justica” ...“E preciso que o ‘aluno traga sua realidade concreta para a sala de aula, ou é preciso levar a vealidade concreta para. sala de aula”. Figura, cap-1 Dedlarago de um profesor em relago ao que buscn ensnar se que educa, asim como governare psica pode dizer que faz uma tarefa que ndo se define? Que nao. : “Talvez por isto Freud dis refa impossivel. Como alguém \ tem comego nem fim? Que sequer se saiba o que soja? ‘Mesmo que imaginéssemos a figura idflica que huabitou o sonho de nossas avés: uma infec ou um pai dedicado exclusivamente & educagio de seu tnico filo, mesmo que esta se~ hora ou senhor soubesse tudo a respeito da formagao que sou filho devesse receber, mesmo que fosse possivel acompanbar todos os momentos da vida deste filho, pelos seus primeiros te anos, Mesino assim, a educagdo seria uma tarefa imposstvel; um trabalho onipresente onisciente exige alguém idem para realizé-lo, Coisas que talver.sejam atributos dos deuses ~ se deuses houver ~ um reles mortal esté incapacitado a priori Mas a vida real é composta de professores, com muita sorte, com “apenss” 30 alunos tem quatro horas, por nove meses ao ano. Agora sim, também para umn mero mortal: “Uma tarefa impossivel’ oucan soucanoe ‘Néimaro de alunos por tarma sem resposta 6.50% ‘menos de 20 3.08 /ae20.35 32,00% ae35245 41,609 eds 9 55, 14006 mais de 55 2,60%| ‘otal 100,00% "igen 2p Dist do mero dior oma we - GF ni uina jovem sentada, em compantia de centenas de outtas, cartege no semblante, om frente a um papel cheio de bolinhas vetmethas, onde querem saber se ela sabe quem foi Jean Piaget, querem que realize com esmero equagdes e rafzes quadradas, que saiba com todos os sss" © “tit” as obras escritas por Machado de Assis... Presta um concurso publico para o goal preparau em media 12 ans, querer profisora ‘Vencid baal, es qu eta em sla de aul, nos primeitos tint egundos Se vex com 0 aolescnte que no desgrada o char de suas pena, e sistem no dsr; se ontunde com tora de figurinhas de fatebel, um powco mas ats, persegu inulmente 0 colhar entregue As moscas da/o mocinha/o sonhadora/sonhador. Ensinaram-Ihe Piaget, cobra- fanvlie Piaget; The entegaam a area de administra vida oa, de todos ne. Ao on i ek eer search menace in) emer ys Acolé uma “dona-de-casa que nunca soube fazer nada além de cidade eda fami- Ta (o que sabe, € muito, mas 0 mercado de abalhoacha qu € nada, ence otras tntes bovis pra ser merenderaem una escola pblicn Sabe uefa lances para agus bane ode meleques, eeigbes questo devoradas em cad neva, Ao chegar no primeiro dia de trabalho encontra um garoto a pisar nos pés de outro na. Tae enconts na sitagto de ensinar bons hibits fil, a mes, urpteende lguém sui + piandosalichas do vinho mais fact, impde a af nunca ntvisa, de guard © mesa da geneosade, bumanidade, justia, valores to cars, fo raros que nfo prego the se pagie. Educadora canto quanto profesor com a desvantagem que ningoém persee saber disto, muito menos 0 seu contracheque. ees que soja uma tarefa, um trabalho muito especial. Qualquer ser humano sonba, pelo menos Dor un momenta, ert esrever seu nome tabi, em Stina iste, MBO noe, ‘em ser lembrado depois que passou. O professor, o educador, tem esta chance. ‘Uma atividade completa Ser humana significa ser hisidrico. Compreender um ser humano implica em patti do pressuposto de que cada gesio e cada palavra estao imediatamente inseridos num contexto, ‘muito maior, que transcende a ele e a sua existéncia, Escrevendo a Hist6ria de toda a huma- nidade, todo o passado determina, consti, reconstréi; explica, significa ¢ e-significa o pre- sente; todo presente engendra, contéin e consti o futuro. Assim, cada agio humana carrega ‘em si toda a Histéria da Humanidade e as possibilidades a secem re-desenhadas amanhi e € DVCAGRO:CARIHOETAABALHO também portadora do futuro, Cada ago humana é uma sinlese, a0 mesmo tempo, Sica € tuniversal, do nosso passado ¢ do nosso futuro, ‘Que seja um ato banal: “comer um tomate”. ‘Algum homin‘deo, em algum lugar perdido no passado, movido pela fome encontrou a {rota silvestre, experimentou, gostou dela, Muito tempo depois, a tribo aprendia a plantar sua semente, a protegé-la dos outros animais, pragas, intempéries, desenvolveu-se uma tc nologia agricola que aos poucos mudava a face, o gosto, a composigdo fisico-quimica do (o- nate, seria jf ireconhecivel perto do seu antepassado silvestre, milhares de anos, de (ra- batho de todos os homens. Os agricultores, os qufmicos, os comercianles, os transportado- res, literalmente (oda a humanida Historigesta tomate, rece Se quisermos estudar o desenvolvimento do homem de sua era mais pré-hist6rien até hoje podemos fazt-o com base num objeto qualquer, em qualquer ato, por mais banal que sea SSE MESES i sn aes ern ato e pevavelmente vamos enlendeTo de ume forma mut is abalizada no decor dos tem pos. Uma rede ifinia e lee ese concentra no ato de comer 0 fruto ou nfo. O prego 0 valor, a nedida, aestética, a propaganda, o mercado, a técnica, a fsiologia, a fisica, a biologia. Infinitos tomates so inventados pelo gesto humano ¢ se alojam dentro do tomate; um édico poderia nos falar muito sobre a vitamina C ¢ as outras que a frutacarrega. Um eo- tnerciante poderia fazer 0 mesmo, um industrial, wn politico. A histéria do tomate comega muito antes do homem ter comparecido ao mundo; a evolugo das moléculas, todos os aci- ddentes que implicaram na existéncia de um sec vivo, & qual mal temos id ‘As receitas dispontveis para preparar o fruto, que vlo se acumulando e se preenchendo de significados em culturas diferentes, em classes sociais distintas, em varios grupos etévios ‘Tantos sto os tomates dentro do tomate, que fomos eriando especialidades dedicadas & ‘uma ou outra faceta: O agricultor dedica sua vida @ conhecer detalhes sobre o plantio da fru- ta, seu comportamento, sua evolucao. O engenheito agricola a conhecer nomes ¢ féemulas de venenos, por um lado, © comportamento de uns bichinhos estranhos que ele chara de pragas, do outro. O médica se preacupa com os nuriente ¢ os efeitos fisiol6gices do toma: te,em que dietas deve entrar, em que dictas deve ser proibido. O socidlogo estuda os hébitos alimentares da populagao para saber da possibilidade de accitagio do alimento © da forma adequada de apresentagio no mercado. E assim por diante ‘0 médico, o agricultor, o comerciante, © quantos mais pudermos lembrar, todos os te- bathadores que compuseram, comptem € vitdo a compor os milhares de significados que ‘um tomate pode ter: “todos eles se formam na escola” Enfim, um tomate € a sintese de toda a hist6ria natural e depois (oda ahist6ria da huma- nidade. O mesmo pode ser dito do ato de comé-Io, da aca e garfo que se wiliza para tal, do lugar onde se senta para a refeigao. ‘Mas falemos um pouco do futuro, Ao comes o tomate, ou mesmo quando o recusa, vyoc8 esté intervindo em todo o futuro da humanidade. Por exemplo, vocé cria ou mantém & necessidade de alguém planté-lo; eria ou mantém a necessidade de produgio de adubos & ‘yenenos e, por extensio, da pesquisa em quimica orgénica e inorgfnica; eria e/ou mantém a ne- cessidade de uma rede de transportes ~ vocé é responsével pelo emprego do caminhoneiro que foi contratado pela agroindstria produtora de tomates em Mogi das Cruzes, por exemplo, uma cidadezinha produtora desta fruta, da qual voc sequer precisa ter ouvido falar. ‘Ao comer a fruta vocé gerou um movimento; alguém em sua casa foi ao supermercado Comprar outra, 0 que por sua vez implicou em uma baixa de estoque, que provoca uma bus- cade fornecedores, que procuram os intermediftios, que procuram 0s produtores, que acio- ram 0s transportes, ¢ assim per omina, ‘Um agricultor a tomar uma cerveja “de papo para o ar" depois do trabalho se gaba de {er tido um bom palpite, “plantar tomates este ano deu dinheiro". Voc6 foi responsével pelo sentimento de seguranca do agricultor! Todo o nosso futuro; a viabilidade de nossa agricul- tura, de nossas importagdes © exportagGes, da bolsa de valores do Brasil, ¢ por extensio do mundo todo, esti irremediavelmente ligadas ao seu descuidado gesto de comer um tomate. Por sorte nossa, todas estas medingtes, toda a Histéria, todo o futuro est oculto, desa- parece do gesto de comer. Ao triscar a fruta entre os denles a tnica coisa que permanece 6 0 seul gosto agridoce, a boa sensagio de um estémago saciado, ‘Viernos enfocando um ato banal para ressaltar 0 ‘OUCOS SA os abjetos produzidos por nds, e os atos praticados por nés, que permanecem na HistGria registrada, escrta, documentad, ou 80 menos lembrada por nossos pares. O nosso prosaico tomate desaparece, sein deixar vestt- «gins, na boca do consumidor, nosso gesto de fatis-lo e servi-lo a0 jantar tampouco deixa ras- {t0s. SA0 histéricos ¢ andnimos. Por isto raramente temos consciéncia deles, de sua historicidade, da cadeia sécio-ccondmico-politica em que se inserem e que alimentam, Os outros, os raros que merecem registros, estes nos orgulham muito, ser citado em um livro, ter escrito um, ser lembrado pelos amigos, pelos entes queridos. Ter tido a sorte ou a cora- gem de fazer a coisa certa, definitiva, ter a certeza de que as suas palavras mudaram a vida . alheia. Quanto prazer tudo isto nos: at ene i pat mo te filhos, os aniversétios que todos queremos _ raveis, as formaturas. Realizamos registros para que permanegam apesar de nés, um élbum de fotografias, as cartas recebidas, objetos presentcadis, mesmo que féteis, um diftio, E que ao retirar nossa Histéria do anonimato, ao reservar-lhe um lugar em nossa memé- sia, com sorte na meméria alheia, de alguma forma tomamos posse de nosso destino, do ‘nosso proprio ser histérico. Todos sabemos o prazer, o deleite que isto az. Mas poucos tomates tém esta sorte, poucos jantares com a salada do fruto ganham regis- tro, A menos... a menos que se esteja ein uma escola, em uma sala de aula, durante a aula Eis um lugar onde o tomate ¢ o seu apreciador recuperam toda a sua Histéria, todos os seus significados: A eseola. H& um profissional cuja obrigagto & a de reconstruir todo 0 pas- | sadoe todo reso “nos tomates da vida": 0 professor. EDvEACAO:CARINHOE TRABALHO | © atuno que aprendeu a propredadesalmenteia do tomate jana seré o mesmo, 0 ots ab ute gwar, o sumo que aprendv a eserevero vocdbulo tomate smelt dn um curouniverso sv dispose, nunca dant Snhado,o professor sabe que €um aie de novos munds. Gita um echo de uma aula quer O aluno esereve “o avlomévelbuzino na porta de ened" O professor separa pala ca “suemnvel™ nosa qe se wala de um hibriismo:"palavracomposa de das orgens Jiecnte gua vem do ego ous (pr i mesmo), nvel vem do ltim, movers, por tanto; que se move prs mesmo" Fomes todos vivend, ensruindo carogas,passamos por Henry Ford, alguém deu 0 nome pons aula engenhoca qu andavasorinha até inferno do rnsito nas grandes cida- rae ee actor soipera rovompee,re-vncla a palaviacom prt de sua bstta, o ako seers geste pend e vai uli no futuro, quando tver pela ete, por exempo, a Sener sauto-sueint” sem que ning the diga, saber sentido, ie ‘Quando se estudam ciéncias ~ histéria, geografia, portugues literatura ou matemética, fisica, quimica ou biologia ~ 0 que o professor esta fazendo? Esta trazend ara ue se possa construir o presente dos alunos Os professores que mais me marcaram foram exatamente aqueles que no foram bons professores, os mais incompetentes. Por af pode-se ter uma medida da jmportincis do professor, da delicadeza que 6 ensinar uma pessoa." “Gragas a Deus, a grande maioria dos professores que eu tive se dedicavam ao ensino. Professores como 0 de histéria do Colégio So Bento, quando eu tinha 8 anos, o professor Mesquita, que dava suas avlas desenando histérias em quadrinho no quadro-negro. Ble entrava no teu mundo para te tensinar. E todos nés étamos étimos em histéria.” (J6 Soares, 1997, in Projeto Aprendiz Magia do Saber ~ 14.20 de setembro de 1997.) Figura’ cap. 1 Delaraio do 10 Soares, pare o Preto Aprendia sor os profesores que marcaram sia vido Ton ago humana pte grr de Siiindos potencialmente transcenden- te, mas apenas alguns poucos gests (Em a sorte de fazer a Hist6ra,reservarem seu lugar no fax turo, A menos que voce seja um/a professor/a. Neste caso cada palavra dite, cada movimnento do olhar tem seu lugar reservado no futuro do outro, do pats, do mundo. Por ber € por mal. 0 produto e 0 outro ‘Um médico desenvoive outras sensibilidades, outros abitos, taml iF 0 Seu produto é outro, E que o trabalho pereniza 0 gesto do trabathador,imortliza o taba. que o tabs tho é uma mégica que tem lugar enue o homem eas cosas, a coisa fez 0 howremeo honors faz a cosa, a madeira faz.o marceneiro que fz a macira Se houvesse um fn do proces so, trfamos outro mundo e outo homes. © mundo com a fae da marceneiro o merevcnn como eto da madeira j_ Pois bem, ¢ isto que permite ao homem ser histrico, a possbilidade de permanecer apesar do i ag brincarmos acima com a idéia do tomate, o que dizfamos é que cada gs 0 produto do tabatho 6a corpocizagfo desta, ppermanéncia do homem apesar defe mesmo. Seu vinculos com os outios homens, comm nos, so passado, nosso futuro, Estamos em um jogo de espelhos que em tiltima instincia constr6i o que chamamos de 0s mods como o trabalhador consir6i& sie se apresenta perante o outro, Mas e 0 professor? Qual é o produto do 7\os"outros, a sociedade, através da mesa. fessor? O marceneiro transforma 20 outro, ‘Vejamos: de pouco importa os truques didticos que se utlizem em sala de aula, de ouco importam 0s exemplos, de pouco importa que o sluno saiba repetir uma lista enorme de paises © suas capitais, o que importa & 0 que mudou neste aluno, agora sabe let, agora sabe consultar um atlas, agora sabe escrever. De pouco importa se safmos todos para plantat vores em uma manba de primavera, ou se 0 professor exerve o terrorismo ambientalista em sala de aula, o que importa é desenvolver a consciéncia ecolégica nos alunos, em seus pais, na cormunidade, ‘Se retomarmos a discussfo acima, na maioria das tabalhos se pode tragar um esquema assim: Modificar a natureza > modificar a si mesmo > produto > modificar 0 outro. Para o educador a relagdo 6 direta: Modificar 2 si mesma > m ifcar 0 outro, Que conseqiiéncias esta especificidade carreia para o trabalho do professor? Esta é uma as perguntas centais deste livro, mas algo deve ser adiantado agora, Em primeizo lugar, um ‘marcenciro, empregado em uma fabrica de méveis, pode passar toda a sua vida mareeneirendo sem que tenha consciéncia da capacidade de transformar 0 mundo, sem que refe 5 itd o percurso que o aproxima de ‘Ao mesmo tempo, a mesa do marceneiro esta ali, relativamente imutdvel ao corer dos ‘anos, reconhecfvel de imediato, permite a todo 0 momento a recuperagio dos gestos que a DUCAGAO: CARO E TRABALHO reslizaram. Para o profesor, iar df recompor 0 tata. Raros e flies sfo 0s momen- tos em que & poseWel rezonhecer no aluno a marca espesfia do trabalho. Em um plano “abstat in fa eu que o edoque, ov audi m educa, mas em um plano conereto, como “Barons comgoa¢ onde terminov a minha intervengéo? Como dimensionar @ minha pon {Ga © outro se transforma na mesma velocidade em que o professor o transformu. A histriidade imediata que anima o trabalho do professor 0 deixa impossibilitado de se refle- tirimediatamente,aauséncia de um produto, apesar da relagéo mesma, o condena& reas. “ Depende, pata se feconhecer, que o outro oreconhegs. ‘Mas & também a existéncia concreta do produto que permitiu e permite a alienagio do trabalho, por isto Mare dizia que o trabalho alienado rouba do homem sua hominidade, 0 transforma em um animal, Na exata medida em que roubs do homem o seu ser, 0 seu vit a set, a sua Hist6ria, O ardil que implicou na hegemonia da mercadoria é o ardi! da transfor~ magdo do trabalho concreto em trabalho abstraio, em mercadoria, em valor de troca, consis teem dltima instfncia em descarnar 0 trabalho das marcas que importou do trabalhador. ‘A andlise da alienagtio do trabalho formulada por Marx pode ser melhor compreendida ros seus significados se temos em conta que Marx foi o verdadeiro herdeiro do iluminismo, ‘entre outras coisas, porque sustentava uma concepsio filoséfica do homem como ser com infinitas potencialidades de desenvolvimento, que estavam sendo impedidas ¢ atrofiadss sob o sistema capitalista, A andlise da alienagio mostra esse cerceamento que o capitalismo faz ‘no homem, chegando ao ponto de sentir-se livre apenas quando esté fora dele. primeiro nfvel de alienagio considerado por Marx era 0 dt propriedade dos meios de produgdo e subsistencia. De fato, na passagem do feudalismo para o capitalism os trabalha- dores, camponeses e artesdos independentes haviam sido expropriados dos melos de produ- ‘gio e subsisténcia, que paulatinamente se haviam concentrado nas méios éa burguesia. J6 no arco do processo capitalista de produgio, segundo Marx, os trabalhadores eram alienados tanta do processo de trabalho como do produto. © processo de trabalho, suas etapas, organizaga0, ferramentas, estava num primeira momento his6rico (na etapa de maturidade do feudalismo) sob controle dos trabalhadores, proptitérios individuais dos meios de produgio e subsisténcia, Em parte, os (abelbadores fram seus préprios pales naquele momento, embora estivessem ligndos (0s camponeses) na forma de servidio aos senhores feudais por institutes feudais. ‘A passagem do feudalismo ao capitalismo significou a expropriagao dos trabalhadores, a concentragao dos meios de produglo e subsisténcia nas mos dos patrBes capitalists ©, or conseguinte, o surgimento da propriedade privada capitalista, que negava, superando, a propriedade privada individual dos trabalhadores. A partir da, o trabalho seria coletvo © a ‘apropriagdo da riqueza, privada, grande contradigZ0'do capitalismo, que se traduzia, no sS- cilo XIX, na misria crescente da maioria ¢ na riqueza cescente de uns poucs, Esse primeiro nivel de alienaglo determinava os seguintes: a alienagio do objeto do tra- doatho © a alienagao do processo de trabalho propriamente dito. Sob o captalismo, segundo Marx, o objeto de trabalho nfo perféncia ao abalhador. Este plasmava sua subjetvidede no objeto, sua propria vide, mas ele pertencia ao capitalist. O objeto comparece perante o'tra- belhador néo como uma objetivagio de sua subjetividede, mas como um ente esirnho, como um inimigo. DUCA EDUCADOR ‘A alienago do processo de trabalho acontece na medida em que o capitalista 0 submete 1 seus prépris fins, aconsecugfo do lucro, Trata-se de um processo paulatino de expropria~ fo do controle do trabalhador sobre o processo de trabalho. Nam primeito momento, 0 controle sobre 0 processo esté nas mios do trabalhador, ele possui um saber-fazer que Ihe permite planejar seu trabalho cm termos de etapa tino do traba- tho, presrigdes de qualidade, et. Este controle tipico do processo de trabalho realizado pelos arfesios independentes, ¢, em parte, pelos trabalhadores durante as primeias clapas da manufa- tura, O processo de trabalho Ihe pertence e 6 algo interior ace, Paulatnamente, a partir de estra- tégias de divisio do trabalho ¢ de incorporagio de maquinaias, o processo de trabalho comega 1 ser expropriado pelo capital Ele vai se configurar como uta processo que acontoce fora do Irabalhador. Ele perde cada vez mais © controle sobre as etapas do processo prodativo, os ritmos, as cadéncias, etc, na medida em que seu saber-fazer comega a passar as mos do c pital, na medida em que ele € expropriado do seu suber. A divisio t6enica do trabalho esfacela 0 trabalhador, convertendo-o num “homem uni dimensional”, Podemos aplcar esta anise do proesso de trabalho sob o capitalism como aividade alenada 9 processo de tabalho qu tem lugar nas escola? Bn pimeiro ugar, as escoas nfo so fbrics capitals, no temos pts eaptais tas nas escolas pleas. Se consderamos que o estado 6 um repesenante de clases, 10 maximo poderfamos dizer que a compra do trabalho do professor é intermediada pelo esta- do, o que Ihe tansfrepropriedades muito prtiulares, por exemplo, a extragfo de mis-va- lane é die. = | __ Mas qual a relagfo do professor com a processo ou atividade de trabalho que tem lugar \/ jna escola como planejamento, com a execugto, com os instruments do trabalho com o \ {produto do trabalho: 0 aluno? — Primeira questi a ser eolocada:o saber e o saber-fver esto as macs do profesor condigiio principal de sua atividade de trabalho, Por isso, 0 planejamento de seu trabalho, as etapa a seguir no processo de esino-prendinger, sh pr ele decides, o rtm impesto ‘a seu trabalho no escapa completamente do seu controle, embora existam prescrigdes ex- ternas, as quais ele poderd, por diferentes motivos, resistir. Tudo isso porque ele possui um ber € porque o produto do trabalho é © outro. [No que diz respeito ag produto do trabalho do professor, existem inimeras especificida- des, Em primeiro lugar, como jé se viu, nfo se trata de um objeto sobre o qual ele plasma sua subjelividade, mas de um outro ser humano. A parte de seu ser que foi realmente objeti- vada no produto-aluno serd sempre alguma coisa difusa para ele.¢ para 05 outros. O produ- to/aluno seré, no entanto, tdo alheio como € allieio para um trabalhador qualquer 0 produto por ele produzido. Fmabora, dificitmente 0 produto do trabalho seré sentido como algo estra- ho, que se opée a ele. Em uma palavra, E 6 0 afeto como componente técito do trabalho que havemos de Capitulo 2 TRABALHO E AFETIVIDADE Wanderley Codo, Andréa Alessandra Gazzotti Os lugares do afeto e do trabalho ‘Ainda hoje convivemos com uma delimitagio bem definida entre afeto trabalho: “Nao se envolva com 0s seus colegas de trabalho, muito menos com o seu chefe"; “onde se ganha © pio nfo se come a care”, dizem os executivos para se referirem aos apetites sexusis cuja ‘yazo nunca podem ocorrer no trabalho; “no se deve levar problemas do trabalho para casa cou problemas de casa para o tabalho"; “meus dramas afetives no sto de interesse dos seus colegas de trabalho’; “nifo posso permitir que 0s conflitos no trabalho atrapalhem mi nha vida familiar”, Um livro americano de auto-ajuda traz sua concluséo j6 no titulo Sexo no escritério: Um guia de sobrevivencia, por dentro uma série de conselhos: “evite so aproxi- mar muito de seus/suas colegas, evite olhares ciimplices”. Até a algum tempo atrés a IBM deixava muito claro a seus executivos que qualquer flerte, namoro ov casamento com uma subordinado/a implicava en demissdo, com sorte, de apenas um dos parceiros. Muitas e rutas empresas impedem parentes de trabalhar na mesma empresa ou na mesma seg, Nem sempre foi assim. ‘Até a Segunda Revolugio Industral, com 0 advento da fabrics, afeto e trabalho viviam em saudével confusfo. Na chamada comunidade primitiva, onde eaga e coleta eram as ativi- dades predominantes, sequer a divisio trabalho-lazer poderia ser facilmente estabelecida, por esta azo os indios eram considerados “vagabundos" pelos portugueses colonizadores do Brasil. Escravas, no Brasil Colonial, eram chamadas a amamentar e cuidar das criangas, configurando a “mie preta”, enquanto os médicos ajudavam as madames da casa-grande @ secar o leite sem prejudicar a beleza dos seios. O comerciante da Idade Média, no méximo, ddispunha de um andar onde vendia suas mercadotias ¢ morava no andar de cima, os empre~ sgados comiam todos & mesma mesa junto cam os patrdes € era comum que 0 estoque fosse ‘guardado embaixo da cama de casal. O romance Germinal (Emile Zola) descreve com pre~ ciosismo a promiscuidade entre o aprendiz ¢ a familia de minciros. O infcio do interesse deste 20 ver a menina se despir para 0 banho ap6s o trabalho, o romance que se desena en ‘uo 08 dois, permoados pela vida subterrdinea da mina. E oadvento da fivica que vem modarracalmente exe quadro, com a Inglaterra proms gando es impedind Glas e mulheres dos opersios de eqdentarafbrca, o lar bugh8s com A privacidad gurantda, coredores, porta fechadas ~ pudor. ETeylorimpedindo que os operd- ios conversassem durante o trabalho, restringindo os grupos A saida ao ridmero de 4 pessoas, 48 4sm uma palavra,o.afeto foi expulso do trabalho pela organizagio taylor-fordista que se inaugurou com a fébrica, que consolidou o capitalismo ¢ se consolidou com ele. Impés uma divisio rigida de lugares e gestos. Afeto, carinho, cuidado situado ¢ sitiado no espago do- _éstico; ¢ ao trabalho —a racionalidade, a burocraci, ¢ medida.Uma discussto mais porme- norizada desta questo pode ser encontrada em individua, trabalho e sofrimento (Codo, ‘Sampaio ¢ Hitomi, 1993). Bo trabalho do professor? A palavra educagio provém do latim educatio que, além de instrugio, também significa agéo de criar, alimentar, alimentagdo, ctiagdo, Educador vem de educator: aquele que cria, pi, que faz as vezes do pai. (Quem tiver hoje em torno dos quarenta anos terd na meméria a figura de uma professo- +8 aplicando castigos fisicos tal ¢ qual aqueles que s6 ma tinha direito perante as traves- suras dofa garoto/a; ou quig as conversas com a mestra depois da aula onde se faziam confissdes, se recebiam conselhos, ou ainda as eliangas terrveis engendradas entre a mae e a professora, invariavelmente sem a presenga do garoto. Um trabalho carregedo de afeto, como se ve. Quem pensar que se trata apenas de uma rafz perdida no tempo se espantaré com a quantidade de professoras que pensam em si mesmas “como se fossem mies", professores que “se imaginam pais” (voltaremos a esta questio). “Quando enirei na escola, via cada aluno como sendo de minha fanfia ¢ envolvia- ime demais, 0 que me levou & terapia para trabalhar isso. Hoje en dia jé superei, mas ainda me choco com as histérias das familia, pois pode acontecer a qualguer unt “Com os alunos sou do tipo ‘mdezona’, dando consethos. Eles gostam de abragar e considera os professores como seus amigos. A escola é 0 espago do qual muitos se utlzam para desabafar seus problemas, inclusive os de ordem familiar.” “Nas minhas relagdes com os alunos, me considero ‘galinha com os meus ovos': ‘gosto dos alunos ¢ me preccupo com eles. Quando acontece algun incidente entre professores ¢ alunas, sempre acabo achando que a culpa é dos priniiros.” "Considero que minha responsabilidade & ensinar e ndo consigo me exquecer dos ‘meus préprios professores. Na minha época a figura do professor corvespondia a wm ai ou una mde,” “Esiou hd oito anos nesta escola. Gosto porque & perto de caza, mas também ‘apego-me aos alunos. Sei que o aluno da Quinta série seré mew aluno na Sexe. Alguis alunos chegan a considerar -me ‘nde'.” Figura 1, ap. 2 ~ Declaraées de professoras sobre orelacionamente com seus alunos, quanto an papel de mie Afeto: indispensvel na atividade de ensinar trabalho de educar tem tudo para ser 0 melhor e ao mesmo tempo é um tipo de traba- Iho dos mais deticados em termos psicol6gicos. Tudo para ser 0 melhor porque nao hé frag- ‘mentago no trabalho do professor, é ele quem, em ultima instincia, controla seu proceso produtivo: em sala de aula, embora tenha que cumprir um programa, possui ampla liberdade. de ago para criar, defini ritmos, definir a seqiiéncia das atividades a serem realizadas, ee ee envexeho, coRNHOETRABALH ‘até disso, ¢ 0 que 6 mis importante, 0 professor & dono de seu proceso produivo, Farr Cipando desde 0 infeio ao final de seu processo de ensino. ‘Mas esta nfo 6 snica peculiaridade deste tipo de atividade, Todo trabalho envelve sn investimento afetivo por parte do trabalhador, quer seja na relagho estabelecida com ‘pubs, quer mesmo na relago estabelecida com o produto do trabelho Mas, 0 caso do pro- saree guaiterente arelagao afetiva é obrigatGrn para 0 proprio exerefcio do trabalho, ¢ um prérequisito, Pea que 0 tabalhosejaefetvo, ou sje, que tina seus objetives. relagio ‘nfetiva necesseriamente tem que ser estabelecida. 0 objetivo do tabelho do profesor a aprendizagem dos alunes. Para que a srendict- gem eora, muitos fatores so necessérios. Capacidad intelectual vontae de aprender er parte do aluno, conhecimento e cnpacidade de trnsmissto de conteidas por pare do Professor, apoio extaclasse por parte dos pais ¢tantos ours, Entretanto, existe wim aie funciona como o grande catalisador: “a afetividade”. ‘através de um contato técto, onde o professor se propte a ensinar¢ 08 alunos se ds- poem a aprender, uma corrente de elos de afetividede vai se formando,propiiendo wt 10° eerie os dois, Motivacto, cooperaggo, boa vontade, cumprimenio das obrigagdes deixar

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