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E. P. THOMPSON E A TEORIA NA HISTORIA Holien Goncalves Bezerra® Todos estes textos (de Thompson) foram, a seu modo, tanto uma intervengdo militante no presente como uma recuperacao profissional do pasado.’ Esta afirmacao de Anderson, historiador que dialogou criticamente com Thomp- son durante as Ultimas décadas, situa com precisio o legado deste que foi um dos maiores historiadores da ‘atualidade: militantemente intervém no presente ¢ profissio- nalmente pratica a histéria. Duas faces de uma mesma moeda. Vale a pena olb4-la de perto, para conferir-lhe o valor. Neste debate em que se procura destacar algumas das principais contribuiges de Thompson para a construgio do conhecimento hist6rico, procurarei, de minha parte, relembrar alguns tragos biograficos do Thompson militante, membro de um expressivo grupo de historiadores britinicos, tedrico de posicionamentos pessoais em relacio a teoria e defensor de um método que coloca a histéria no 4mbito das disciplinas res- peitdveis. Alguns dados biogrdficos 1924-1993: este foi o periodo de vida do historiador. Dentre os muitos episédios marcantes de sua existéncia, a guerra foi uma experiéncia intensa. Durante a Segunda Grande Guerra foi oficial do exército britinico, lutando na Itélia e na Franga. Apés a guerra, passa algum tempo na Iugoslévia e na Bulgaria, como voluntério na recons- trugiio de estradas e de outras obras. Esta experiéncia 0 ajuda, como atesta, na expli- cag&o do conceito de luta popular coletiva. Retoma os estudos de literatura e depois * Departamento de Histéria da UFG. 1 Anderson, Perry. Teoria, politica y historia. Un debate con E. P. Thompson. Madrid, Siglo XI, 1985, p. 2. Proj. Historia, Sdo Paulo, (12), out. 1995 ug de hist6ria, na Universidade de Cambridge. Desenvolve entio forte gosto pela poesia. Casa-se com Doroty Thompson, historiadora e entusiasta do Partido Comunista britinico. Antes da guerra, j4 havia ingressado no Partido Comunista britanico. Com a invasdo soviética na Hungria, abandona 0 partido, juntamente com Christopher Hill Rodney Hilton, entre outros. Nio rompe, porém, com 0 socialismo e com o marxismo. A ruptura € com o marxismo-leninismo. Defende 0 socialismo como humanismo so- cialista. Nao repudia 0 marxismo, mas procura libertar-se dos dogmatismos. Nao re- Ppudia 0 comunismo como movimento. Se diz “‘comunista libertério-democratico”. ‘Trabalha na universidade até a década de 70, quando a abandona para escrever. Sua predilegio é pela educagao de adultos. Tem intenso contato intelectual com o continente americano, atuando como professor visitante em universidades da América do Norte. Como historiador, contribui de maneira radical para os estudos de hist6ria e para a construcdo de sua pratica. Dentre suas inimeras obras publicadas, cito apenas quatro, que esto na base da elaborag&o das presentes reflexes: 1955 — William Morris. De roméntico a revoluciondrio, um estudo biogrdfico; 1963 ~ A formagdo da classe tra- balhadora inglesa (1790-1830); 1978 - A miséria da teoria: defesa da histéria e do materialismo histérico, frente as ciéncias sociais e as filosofias da histéria, 1979 - Tradigdo, revolta e consciéncia de classe: estudos sobre a crise da sociedade pré-in- dustrial. FE importante pontuar também a presenga de Thompson em expressivas revistas de hist6ria, em cujas pAginas se desenrola um rico debate: Past & Present (1952), New Left Review (1960), History Workshop (anos 60). As datas so do infcio destas publicagées. A vida politica de Thompson foi constantemente marcada pela militincia em torno de causas que abalavam profundamente a vida da sociedade: até 1956 6 membro destacado do Partido Comunista britinico; luta de forma incans4vel pelo desarmamento nuclear; participa de movimentos em defesa das minorias. Thompson e a historiografia inglesa A historiografia inglesa tem sua tajet6ria vincada no liberalismo, com rafzes positivistas, e uma convicta prética de individualismo metodol6gico. Apés a Segunda Guerra Mundial, um forte grupo de historiadores pertencentes ao Partido Comunista ritinico se faz presente: Dobb, Hobsbawm, Thompson(s), Hill, Hilton, R. Willians, Genovese, Anderson. Levantam a bandeira do pensamento livre 120 Proj. Histéria, Sdo Paulo, (12), out. 1995 contra o reacionarismo burgués - 0 racionalismo cientifico. Thompson e Hill abando- nam 0 partido em 1956, permanecendo Dobb e Hobsbawm. Harvey Kaye, em sua interessante obra sobre os historiadores marxistas britinicos (The British marxist historians. An introductory analysis, 1984), defende que este grupo de historiadores constr6i uma tradi¢ao historiogrdfica e uma tradicao tegrica. Enquanto tradi¢do tedrica comum, coloca-se a problematica de um afastamento do determinismo econémico e de uma pratica construtiva do materialismo hist6rico. Enquanto tradigdo historiogrdfica, acentuaram-se algumas caracteristicas basicas: estudo das origens, desenvolvimento e expansio do capitalismo do ponto de vista social; preocupacao em desenvolver 0 marxismo como teoria para a determinagdo de classes, recolocando-se a luta de classes como sendo de importancia capital no processo hist6rico; a histéria focalizada de baixo para cima; elaboragdo da teoria a partir da pratica hist6rica; contribuigdo a cultura politica brit&nica para uma consciéncia histérica socialista e democratica. Ha ainda a possibilidade de se considerar 0 grupo de historiadores briténicos caracterizados por tendéncia de outra ordem. Alguns dao a primazia 4 agdo humana: Thompson, Hill, Willians, Genovese, que se acomodariam na categoria de nds “‘s6cio- culturais”. Quando a primazia € dada as estruturas: Dobb, Hobsbawm, Hilton, Ander- son séo denominados “‘s6cio-econémicos”. Trata-se de uma discussfo em aberto. Em sintese, no conjunto destes historiadores h4 uma clara preocupagao com as experiéncias de resisténcias e rebelides das classes despossufdas. A andlise da cultura e da politica britinica combina-se com a busca das rafzes populares na historia longingua. A compreensao da experiéncia da classe trabalhadora se d4 no contexto das re- lacées e confrontos de classes historicamente especificas. A t6nica recai sobre a expe- riéncia de classe e sobre a dimensdo politica desta experiéncia - dominacdo ¢ subordinagdo, embate entre as classes baixas e as elites. Ha énfase na oposigio rebelido - sua realidade, forga, limitagdes. As classes baixas sdo participantes ativas na construgao da Histéria e na totalidade da Hist6ria. Elas podem fazer histéria. Um claro posicionamento politico. Contribuigdo e posicionamentos — teoria/metodologia A pratica tedrica ¢ abrangente. Esté presente em todos os gestos do historiador = do cidadao -, do homo politicus. A pratica metodolégica informa-se na teoria, e diz respeito aos procedimentos do historiador no processo de sua produgdo de conheci- mentos hist6ricos. Proj. Historia, Sao Paulo, (12), out. 1995 21 A obra e vida de Thompson distinguem e praticam as duas posturas. Interessa-nos preencher, a partir da pratica do historiador, como teoria ¢ método se confundem (fundir com) e tomam especificas as formas da historia saidas das maos de Thompson. A “‘teoria” para Thompson Thompson refuta empréstimos extemporaneos. A teoria nao se situa no campo da filosofia ou de algum outro campo, mas situa-se no campo da propria hist6ria. Nao hd insténcias verificadoras de conceitos aplicdveis a “realidade”. Nao é 0 “materia- lismo hist6rico”, elaborado conceitualmente por fildsofos marxistas, que dar4 os pa- rametros interpretativos da hist6ria. A posigéio de Thompson sobre estas questdes aparece vigorosamente explicitada em sua obra A miséria da teoria — ou um planetdrio de erros, de 1978, na qual critica as colocagées de Louis Althusser e defende com veeméncia a historia como uma disciplina historicamente convalidada. A Hist6ria ndo depende de um corpo geral de marxismo-como-teoria, localizado fora. O terreno comum & 0 materialismo histérico. Nao ha uma Sede para a Teoria fora da propria prética do conhecimento. O recurso confirmatério esté na légica da historia? 5 importante notar que a historia é uma “disciplina” com procedimentos préprios que lhe proporcionam seu préprio discurso, assim como a filosofia, a fisica, as ciéncias sociais, etc. As credenciais cientificas de uma disciplina estio na l6gica ou disciplina central para a sua pratica. A Historia construiu uma disciplina propria, seu préprio discurso de demonstra- ¢ao. Os historiadores marxistas, através de suas prdticas de conhecimento, vém elabo- rando uma tradigGo que d4 corpo a uma série de conceitos e categorias que se caracterizam pela sua historicidade. Buscam uma ldégica que est4 preocupada em se adequar aos fenémenos que estio sempre em movimento. Por ldgica histérica entendo um método légico de investigagao adequado a materiais histéricos, destinado, na medida do possivel, a testar hipéteses quanto a estrutura, causa- ¢4o, etc. ¢ a eliminar procedimentos autoconfirmadores (instncias ilustragdes).? 2 Thompson, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp. 54-5, 3 Idem, ibidem, p. 49. 122 Proj. Historia, Sdo Paulo, (12), out, 1995 A teoria historica tem por fungio refinar conceitos, nogGes, categorias, como instrumentais para a produgiio do conhecimento hist6rico. A teoria nao pertence apenas a esfera da teoria: “toda nogdo ou conceitos surge de engajamentos empiricos e, por mais abstratos que sejam os procedimentos de sua auto-interrogacdo, esta deve ser remetida a um compromisso com as propriedades determinadas da evidéncia”.4 A dialética do conhecimento histérico consiste neste diflogo entre uma tese (0 conceito ou hipétese), posta em relagdo com suas antiteses (determinagao objetiva ndo- terica). A Hist6ria realiza este didlogo. A pratica deste conhecimento “é uma repre- sentagio adequada (embora aproximada) da seqiéncia causal, ou da racionalidade, desses acontecimentos, e conforma-se (dentro da légica da disciplina histérica) a um processo que de fato ocorreu no passado’”.> A teoria da Histéria € fruto do préprio trabalho da tradigo dos historiadores. Conhecimento teoricamente informado O conhecimento hist6rico adquire seu status cientifico enquanto procura ser um conhecimento teoricamente informado. Trata-se do resultado de um duplice didlogo: o diflogo entre o ser social e a consciéncia social, representado na experiéncia humana, e didlogo entre a organizacdo tedrica da evidéncia ¢ 0 cardter determinado de seu objeto. A construgiio das tramas do fato social - ser social objetivamente existente, com seu inquestiondvel estatuto ontolégico, — presencia-se de forma concomitante na cons- ciéncia social, seja como uma cultura, mesmo que nao autoconsciente, seja em forma de mito, de ciéncia ou de lei, de ideologia articulada e construida. Consciéncia esta que volta sobre 0 ser social, que se informa ainda mais de pensamento ~ ¢ de pensa- mento que é vivido. O acento sobre o ser social (a empiria) ou sobre a consciéncia social como prioritariamente determinante ¢ que define 0 movimento pendular: empi- rias/processos ideolégicos. Thompson constata que hoje se atribui grande importéncia aos processos ideoldgicos. A “coisa”, 0 ser social, nao € inerte. Os acontecimentos sao dgeis, ndo sio inertes. Sao a construgdo da experiéncia que é a “categoria que compreende a resposta mental e emocional, seja de um individuo ou de um grupo social, a muitos aconteci- mentos inter-relacionados ou a muitas repetigdes do mesmo tipo de acontecimento”’.> 4 Idem, ibidem, p. $4. 5 Idem, ibidem, p. 54 6 Idem, ibidem, p. 15. Proj. Histéria, Sao Paulo, (12), out. 1995 123 A experiéncia est4 em toda parte , nas agées cotidianas dos individuos e dos grupos sociais, construindo coisas de maneira ativa, sem esperar passivamente 0 ato do co- nhecedor “cientifico”, diz Thompson. E 0 resultado necessério do didlogo entre o ser sociale a consciéncia social. O conhecimento teoricamente informado é, ainda, um didlogo entre a organiza- do tedrica da evidéncia e o cardter determinado de seu objeto. A evidéncia, com suas propriedades determinadas, € interrogada pela Idgica da Historia — uma disciplina construfda pelos historiadores. O tribunal de recursos da disciplina € sempre a evidéncia e no um corpo definido e fechado de conceitos — uma teoria pré-dada. Thompson enumera oito proposigées desta Idgica da Historia, constituindo-se em um conjunto de afirmagées de extrema utilidade para a reflextio sobre o fazer Historia. Ressaltamos, no momento, suas consideragdes sobre 0 processo hist6rico, exatamente esta organizacdo teérica da evidéncia. A palavra com Thompson: passado humano no é um agregado de histérias separadas, mas uma soma unitéria de“ comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras... Na medida em que essas ages ¢ relagSes deram origem a modificagées, que se tomam objeto de investigagdo racional, podemos definir essa soma como um proceso historico, isto é, praticas ordenadas ¢ estruturadas de maneiras racionais, Embora essa definigao surja em resposta & pergunta formulada, essa nao “inventa” o processo... Os processos acabados da mudanga histérica, com sua complicada causago, realmente ocor- reram, © a historiografia pode falsificar ou nfo entender, mas nao pode modificar em nenhum grau, 0 status ontolégico do passado. O objetivo disciplina histérica é a conse- cugaio dessa verdade da histéria.” O status ontolégico do passado, portanto, garante a compreensibilidade do pro- cesso. Este processo, por sua vez, no momento de sua construgao - dado o didlogo entre ser social e consciéncia social - é um acontecer indeterminado, inacabado. A experiéncia garante a nao predeterminacdo do processo. Mas, enquanto se constitui, adquire uma l6gica racional ou de presses determinantes. Por isso, as categorias sio definidas em contextos préprios, sofrendo continuamente uma redefinigao historica. Estas sao reflexes que poderfamos considerar como fazendo parte das caracteristicas mais profundas da dialética marxista. A historicidade das categorias e dos conceitos nos diz claramente que eles nao podem ser tomados como modelos, mas apenas como indicadores de expectativa. Nos ajudam e facilitam a indaga¢io das evidéncias - nao se submetem a regras. Mas apre- 7 Thompson, E. P,, op. cit., pp. 50-1. 124 Proj. Historia, Sdo Paulo, (12), out. 1995 sentam generalidades ¢ elasticidades que precisam ser especificadas no confronto com as evidéncias. Ex.: exploragdo, hegemonia, luta de classes, feudalismo, etc. Sao con- ceitos abertos, formativos e modeladores, Materialismo hist6rico e teoria da histéria Thompson parte de uma constatagio varias vezes repetida de que existe, concre- tamente, uma tradigdo historiografica ¢ tedrica j4 consagrada pela pritica de historia- dores marxista. Constata, ainda, que 0 Materialismo Hist6rico, desde antes de Marx, j4 vem buscando explicagdes que denotam as uniformidades e os processos hist6ricos, as regularidades das formagdes socias no como necessidades regidas por leis ou por coincidéncias fortuitas. Trata-se, muito mais, de pressdes moduladores, de articulagdes de préticas humanas. Nesta altura, podemos ressaltar alguns enfoques que se constituem na contribui- G40 especifica Thompson nesta trajet6ria da tradi¢ao do Materialismo Hist6rico. A luta de classes permanece uma categoria explicativa chave em sua obra. De- terminagio enquanto condigdes objetivas, nfo anula e nao obstaculiza a auto-atividade de sujeito hist6rico que no permanece inerte. A classe operdria “‘se fez a si mesmo tanto quanto foi feita”.8 O embate entre o ser social (as forgas condicionantes da trama do real) e a consciéncia social operante (os sujeitos exercendo suas vontades nos limites do possivel ¢ do desejével) constitui o real social, que € determinado apenas depois de realizado. O processo de construgao desse real social 6, por definigdo, indeterminado, Depende das forgas em luta, na construgdo do mundo indefinido pelos ideais, vontades e valores que dominam os diferentes interesses dos grupos antag6nicos. Por isso, estes grupos sdo forjados no impacto da luta. Eles existem e se firmam no processo das disputas, das conquistas ¢ das derrotas “‘a luta de classe € conceito anterior ao de classe, a classe ndo antecede, mas surge da luta”.? A determinagao é uma experiéncia das mais draméticas, mas, ao mesmo tempo, das mais construtivas. Porque a Hist6ria ¢ exatamente a sua histéria. A experiéncia humana, portanto, expressa 0 que ha de mais vivo na historia. E a presenga de homens e mulheres retormando como sujeitos, construtores do devir € do presente. Nao sdo as estruturas que constroem a histéria. Sao as pessoas carregadas de experiéncia. Claro que nao sao sujeitos auténomos nem “individuos livres”. Suas 8 Idem, ibidem, p. 121. 9 Idem, ibidem, p. 121. Proj. Historia, Sdo Paulo, (12), out. 1995 125 situagGes ¢ suas relagdes produtivas Ihes sio determinadas como necessidades (ninguém tabalha simplesmente como quer, nem a remuneragdio ;6 sempre condizente com suas necessidades). As contingéncias hist6ricas exerce pesada presenga na vida de cada pessoa. Sao os antagonismos aos quais todos estamos submetidos. Pois bem, essa experiéncia tabalhada na consciéncia e na cultura das pessoas € dos agrupamentos de pessoas, de acordo com suas afinidades. A cultura 6 engendrada no amago da experiéncia social, toma corpo, constr6i uma coeréncia interna e passa a atuar, por sua vez, no embate de outras experiéncias. O conjunto destas experiéncias, de classe dominada ou de classe dominante, orienta, d4 os vetores e os caminhos das novas lutas. O grau de consciéncia social conquistado na experiéncia e na cultura determina os caminhos da hist6ria que, no processo, € indeterminada. Um dado importante na obra de Thompson ¢ a constatagao de que a experiéncia € a cultura nao sao vivenciadas apenas como idéias e no campo do pensamento. A experiéncia passa a ser experimentada como sentimento, como parte da vida cotidiana, que € incorporada na cultura em seu sentido mais concreto: normas criadas, obrigagdes familiares e de parentesco, organizac3o da vida urbana ou rural, etc. Passa a constituir um conjunto de valores que atuam imperceptivelmente nos meandros da vida inteira dos individuos e das classes assim constituidas e construfdas. Experiéncia que deixa suas marcas profundas também nas formas mais elaboradas da sociedade, como arte, © direito, a religiao. Assim, a moral nao est4 fora do alcance dos processos conflituosos entre as classes. Seu surgimento, fixagao e transformagées estiio umbilicalmente relacionados com as experiéncias da formagao das classes sociais. A moral néo pode ser concebida como um corpo que paira sobre as classes e os individuos, caracteriza pela inércia das esséncias imutdveis. Na verdade, “... toda contradigio 6 um conflito de valor, tanto quanto um conflito de interesses [...] toda luta de classes ¢ ao mesmo tempo uma luta acerca de valores”’.° Consciéncia social, experiéncia, cultural, valores, luta de classes, classes sociais, sao, dentre muitos outros, 0 universo teérico-metodolégico-histérico em que Thompson exerce seu officio de historiador. E muito tem nos ajudado em nossa caminhada. O trabalho tedrico de Thompson est presente em suas obras de historiador, e em suas polémicas com historiadores, de sua tradigfo marxista ou de outras tradigGes. Mas também est4 presente nos embates politicos empreendidos no seio do Partido Comunista britanico. J4 independentes deste, aps 1956, batalha na idéia fixa das con- 10 Thompson, E. P. A miséria da teoria, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp. 189-90. 126 Proj. Histéria, Sdo Paulo, (12), out, 1995 digdes para a implantacio do Socialismo ~ ¢ nas questes candentes do mundo con- temporaneo, como o desarmamento nuclear, a ecologia, as minorias. O legado de Thompson 6, sem diivida, incomensurdvel. A reflexdo por ele deixada sobre a Teoria da Hist6ria e sobre a Histéria € um rico manancial para se recuperar questdes primordiais para os historiadores de hoje e de sempre: © Que tipo de conhecimento o historiador produz? © Para que serve? Qual sua validade? © Qual a dimensio politica da comunidade de historiadores? * Qual o lugar das contribuigdes de Thompson no conjunto do curriculo das academias? © Qual sua relacdo com as historigrafias francesas praticadas mais recentemente? « Como pensar o inter(trans)disciplinar: a Filosofia, a Lingifstica, etc., etc., etc.? Proj. Hist6ria, Sdo Paulo, (12), out. 1995 127

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