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\ Alvaro Vieira Pinto Q SETE LICOES. SOBRE EDUCACAO DE ADULTOS - a. SUMARIO Introdueao, 9 19 wma Coneeito de educasso, 29 29 tema: Forma econtetdo ds educacio, 41 ‘3 tema: As concepebes inginua ecrtia de educsgo, 69 49 tama: Educago infantile edueseo de adultos, 69 '5® tema: Estudo particular do problema da educaeo de adultos, 79 {6° tema: 0 problema 6a afabetzaeSo, 91 ‘7P tema: A formato do educador, 106 INTRODUGAO Meu primeirocontato direto com a obra de Alvaro Viel i 12 Pinto se dau no inicio de 1972 quando, perambulando por livarias do centro de Sio Paulo, encontei, numa banca ‘a livros com 50% de desconto, 2 obra Clérose existncla: problems fosbfics de pesquisa clentfic (Ro, Paz 8Ter- £2, 1968). A leitura do nice me Indicava que o texto trate { ‘de arsuntos que me Interessvam vivemente, Adqulri 0 Tivo, certo de ter feito duplamante um bom negécio: com ara um tivo valosoe pele metade do prego. Cerca de um ‘depois, retornel 8 mesma livrariae encontrel 2 mesma ‘bra numa banca de ofertas 8 25% do prego de cape No segundo semestre daquele mesmo ano de 1972, in diquel slg eapitulos do livo como texto de apoio a ume ‘niade da dacplina “Problemes da Educagdo I" que come 81a ministar no Programs de Pos Graduardo em Filosofia rece pobre, fea, atrasada, sus, enferma, ete), Pretende mo iticar sua realidade como auxilo de iddias © procedimen tos que no foram induzidos do seu proprio mundo sim importades de relidodes sons cultura alia, ‘A alenapo é um {ato social objetivo e se refere & consciénca toda (por iso 6 um fendmena total. O indivi {uo alia repele totalmente sua inseredo em seus funda imentoshistérieonacionais e pretende resolver os problemas 4e sue sociedade, de seu mundo lem particular © problems da eduesel0) por meio de extrios & métodos que no fo ram extraidos de sua realidae, e sim recebidos de fra, ve erados justamente por ter esta origam, VE assim que 2 Conscifnciaalenade Se impermeabiliza& sua realidad obje tiva, Ente os dads de suo alienaSo figura evidentements ‘0 desconhacimanta da mesma alienaglo 62 rpulsa oc tar eta acura. [A aliensedo 6 caracteriatca da pedagogia not pal: ses am vias de desenvolvimento. Tratando-se de paises bo romicamente. dependentes de um centro poderoso e tam bir culturalmente dependentes dese centro, & natural que sua canscincia social comum sej¢ do tip ingénuo e por i to aia viafo de si masmos edo mundo nBo a oigine de 900 realdade,e sim & pare da dominagto culture que resebem dos centros dominantes. No possuem dptics propia, ven desea si mesmos ea toda aresldade com olhos seis. Somente quando se iniia 0 processo de tomeda dé consciéncia por uma sociedade, surge a possibildade da de Uncia da alenacdo cultural da qual se encontraimbulde 'A pedagogia & naturalmente um dos campos prediletos Ge exercicio da conscinciaalianada. Os pedagogos deta os so pcie nfo buscam extrac de sua realidad as Ideas com as fuels deve compor sua vido do proceso educacionl (que teria entdo por tareta principal a dendncia eo término da sllnagSo), sim aceitam docilmente e sem critics as fr mules que thet 880 oferecdas ou neutladas plat drs cl: {uralmente @aconomicamente mae adiantada, porque dre titam sr lima patra do progresocientifico, 'A posibilidade da implartao das das allanadss de rive do prestigio dos cantros que as produzem. O pedagego {0 pate pobre (o intelectual em geral ulga inconsciente- mente que néo est 2 atura, nfo tem condies da produir 0 saber, 2 arts, 0 gosto, o estilo de exstncia,erendo que |sso 56 épatriménio de napBes vias. E por sso julga que sb ‘he eabe imitar © que esas produzam, "aproveltanda” (co: ‘mo diz) © que de bom e de grande se produz, © descobre se usa em outs partes. Tomot asim of fenémenos do Imimetismo © da transplantordo cultural, que caraceriam { exirtncia das dens atratadas. Num perfodoinill dodo Senvolvimento social, estes fendmenos fo inevitévels(e po dem entio até desampenhor um papel ti. Quando a soci dade sdqure sufiiente conscldncia de i, besaada em um jé ‘betancial desenvolvimento, material a allenapo no mals fe jstfeae tar o mals nefarto obstéculo 8 livre expansso 62 foreacriadora do pove. (© imperative da dosalienario Compreende-ss portant que a principal tarefa do edu- ‘eador dotado de contelénca critica sea o ncessante combe- tea toda a8 forms de allenagSo que afetam a sua sociede- e, patcularmente aquelas que imperam no terreno dae Par iso 6 impresindvel que 0 educador se converta 2 sua ralidade, sje antes de tudo do Seu prépco ovo, ou melhor, das camacis populares de sua napdo. Acstar “ser do” pals 6 0 primeira passo para compreender 0 “ser” do pals. 4 Isso significa que toda a produsio cultural estrangeire tem que sr recebida,estudaca, assimilado, porém submet dda a-um exame critic, de manera que se conerve aquilo {que se revela tlt & tare nacional, eo apencs em virtude de razbosintornas (no por feito de presigio). Esta 6a fase do asimilacgo critica, Por iso ee vé que ndo deve exist {ado tem sentido) nenhuma ettuce de xenofobia, de nacic- also coo eesrit, Depois desta conversio & sua prpria realidad, aes tla do educador se transforma de tel modo que comega & scerir por si mesmo um sem-ndimero de verdades, 9 rir Tis elangarse a iniciatives originals, que antes ndo seria posts om ano do espeitoed dependénci que or Mesmo 0 conceito de ecueseS0 mudars, Compreende 18 que a educapio & antes de tudo pritica social, © por ito Intrenserivel (no que ter de essencil) de ums socedade 2 cutie. Teré que inventar os procedimentos técicos e 3 concepges diretrizes do sua eividede pede, em fur ‘fo a resposta que dacd s quatro questbes antes formula das, Estas serdo agora respondidas de modo auténtico, no aliensdo, Somente a educario nfo alenads pode tervir aot obje- tivos da sociedade em luta pelo seu desenvolvimento, «pela ttansformacdo da vida do hemem. € ito pela rao de que se funda nas propris condigfes de atraso e de misria, no 235 rochaca, sim a acelta coma um dado hirtrio-antropo: I6sico que teré que suprimie.Pelo contri, se asume a posturaalienada, destacendo-se de sua base social, o educa dor passard a construir no absvato, no viouo, et trabalho ‘fo tris possblidade de reverter em proveto de aus sole dave. ‘A busca ¢ defini de ritris autémtios para a ‘vientaedo da educagho e para o desenvolvimento da ‘Guttura mura sociedade em estorgo de ascensio histrica ‘A deodincia ¢ 2 supressio da alienacSo constituem as condigBes prevas para trabalho fecudo no campo da edu facdo. Antes a8, qualquer trabalho educativo 36 parca: mente, incompletamente se adapta 2 relidede @ dif mente contuiré para Vanstorméla, Quando 0 educador Se conscentiza do fendmeno da alienacdo e e liberta dele bela ietiicagba com 2 essincia hstriea de seu proprio ovo, esth capactada 2 produzir 0 correto delineamento (2 educaco. Para iso € necessirio buscar @ defini ertérios au téotioos que dever regular seu trabalho. Sabo agora que no Doderd e0abé lor de for, povs s6 tom vldade se frem de Salienedot. Ter entio que 5 volar para seu pas, seu povo { constrir (com $u8 personalviade) 8 resposta pare a real dade que 0 cireunds Poderé cometer enganos, porém estes nd se identi Jienacbo (que #esencial, enquanto os eros nas 50 scien). "Terd que se voler da expeiénca aheia, port agors ‘com visio erties esomentecispost a utlizar © que for co Em termor gras, 0 critério auténtico da educacto esslienada€ 0 interessa do povo.Porém como néo se pode Siterr existe da homem do povo sem alteraros funda tventos dessa exstencia, &atuando sobre as condiobes eco homies do pas, sobre as condi socials do trabalho, que {heducesio rd adqulrindo © cariter de autenticidede, de de- Salienapio que ssegurarsua utlidade para obem do ome. ‘Deste modo, 0 padapogo dotado de conscéncia de salenade compreende que ted que se unr 30s pensadores © ‘ocidlogos de mesma orientacko para, num esfogo comum, ‘iscabri 0 procedimento mate convenlente a adotar em sua 56 tarefa emecitica © de criar um sistema pedenégicoadequa- do, em conteddo e form, ae necestdedes des popula 2 ‘queso destnam. Somente assim poderdassentar baa cultu ‘ais fecundes para quo sobre elas 0 trabalho de todo 0 povo, se unique num estorgo conseente de ascenso histrie 87 30 TEMA: [AS CONCEPCOES INGENUA E CRITICA DA EDUCACAO resentaes0 mental da realide- 4 exterior, do objeto, do mundo, repreentagso mental {esi do sujlt, autoconscéncia, A concept inginua A concepefo ingénus ¢ aquela que proved de ume conscignciaingdnua.Portento 6 necesiio defini eta 9} Conseiéncia ingtnua 6 aquela que ~ por motivos que cabe &andlsefilosofics examinar ~ ndo incl em sua rere sentapio da realidade exterioc ede si mesma a compreensto das condipSes e determinantes que a fzem pensar tal como ‘enes. Néo incu a reteréncia so mundo objetivo como seu fe 28 pode a porto de vita humanist, rlo Kelis. Constientement, & neces part do srlfabeto camo ter humano endo do analfabetamo, que € um conelto ab trate, Prt do fto ral conreto, exten, que 0 bo tram adult anafebto #eonsdrer come send, de do, 0 spect soko fl ft, 0 anaaetime © atabeto uma reeidade Mura, enquanto 0 analfabe {iio uma realidad ocoigen. © pono medio, conse em cher & cating autintica do prlfabet: para encontrle€peceio supe. fara defini expontnse, ular, por 0, gts, ue Conese o anafsetoH20-torente como o invve que ‘no sae ler Esa & ua defini era, etimaigca¢ Por a jt iso Obvia, mas impropria para a andlse filosétia que dese mak emreender. € Impropra porque ndo apreende 2 es inca de ealidade conereta do homem aalfabet, Limite se 9 referinae 20 fatobruto, eidental deur in ividuo que no sabe lr, mas no contém nenhuma refer ‘a 20 er proprio de tl individu, ser este que expla (ito 6, que contém as causas de) sua realidad de ietrado. ‘A. definigdo sutética parte da existincia conereta o analfaeto, ou sea, da sua realidade como ente humana fem um mundo ckeunstane, em uma sociedad que vive de Terminado momento histérico, no conjunto de relagbes que tmantém om seus semelhante Ora, o male importante dos ‘epectos, nos quae se manifesta aus rela com os demas homens, € seu trabalho. Porque, de acordo cn a natureza concrata do trabalho que desempenh, etd designada a ele uma posi na socidade (eno 0 inwerso) Por consegunte, © anafabeto, em sua essénca, nBo « aquele que no sabe le, sim aque que, por suas cont Ges concretasdeexisténcla, 80 necesita ler. Esta 6 sa de finito real. E a exposico de ua exstcis, porque nfo apre senta 0 fato de ter letrado como um aldente, ms como a 9 orignal, esencal, que tem que ser asim, dada su cond {0 de vid, fundamentalmente de trabalho. Porque se asim ‘io fosse, se nectsitase saber lor para sobreviver, ou bem ‘aberia fe entio ndo haveria © problema) ou entio simples ‘mente no exist, (© conceito de “necesitar saber” ou "no necesitar sabe" vem orig, do tntimo do se considerado em sua lena realidade,enquanto 0 de "saber" e “abo saber” (como fatos empiricos)calocase na superficie do sat humano, & tum acidente soc, ol de ser impossivel define com rigor absolut os limites entre o "saber" @o "ndo-saber” (dat que fo hé uma frontir exata entre o lfabetizado eo anata beto}. Porque o “necessity” € ume coise que ou 6 satifeita (Go 6 exigonia interior) ou, se nfo 6, alo permite a0 ind v0 subsistir come tal ente (par exemplo: as necesidodes 92 biolbgicas). © “necesstar” a0 qual se referam a ictura @ 2 ‘exerta € de cariter social (uma ver que tem por funds onto o trabalho) A leita 2 escrita so primordialmante dois dos recuros 2 que © individuo recorre para execugSo de um ‘yabalno que nfo pode sor feito som esse conhecimento, Por cansoguinte, 0 conhecimento da leitura e da esrita é uma caracteritics do trabalho. Sua valoragio 36 pode ser {eita tomendo em consideragio 0 nivel de trabalho que co da individuo execute a socledad. Podese dizer que ¢ 0 trabalho que alfabetiza ou analfbetiza © homem, segundo exija dele 0 conhecimento Gas letras, Ou seo de tal expécie que o dispense de connect las. Como, porém,o trabalho, por sintetizar 0 conjunto de relogbes soca 25 quais © homem estésujeito, toca a ess ‘la do homem, edefinigdo do analfabeto (deinio autent fe} tom que ser estabeecido em terms de necssdide ov ‘nfo do saber ler, © de nenhum modo pelo fato exterior do Simples desconhecimento. Esta 6 ra2H0 pela qual no tem sentido dizer que @ crlonga (que, por sua idade, etésenta de trabalho) ou oi Sigena de una tribo primitive, na qual fo hé nenhuma ex pécie de trabalho que exlja 0 conecimento das ltrs, 530 nalebetos CConcopedesingénuasrlativas a analfabetismo A conscinciaingénua é tél em atitude referentes 90 analtabatismo. Algumasdelas se referem 8s causa, Utrss 20 significado do analfabetismo. NEO é possivel indicsias to as, as somentealgumas, 2} No que dlz respeito 8s causas, refer sempre o aa fabetismo a um vicio de formagéo individual, pelo qual é responsive! o préprio enalfabeto ou sua fami, jamais aso Cadade como um todo. E quando mencions a sociedede, lentende como um simples meio ambiente, como uma resi 93 ade puramente Fisica, sem consequanciasexstenciis. € as ‘im que a eauas podem ser: ‘Vo deseuido da familia em edar seus flhos, 08 vi tioe 0 mau ambiente moral em que nasce arian, 2} indoléncia, a prepuga do indlviduo. 53} ineapsidade de adaptacio a0 meio, arebeiia aos bone nibites 4)o baixo nivel intelectual da eranss. 5} as més inclinaces da crianga que determinar a eva Ho da escola, 6)as conde destavordvels do melo fisico, especial mente aiatncia da casa 8 escola, ‘Te eesintresse dos governos em ei expoas para to os 8) pobreza familar, entendida como fatoisolado do ‘coneita de clase soci 1b) No que oe refere te atitces que cultiva com relapdo 20 analfabetismo, j8 tems indicado que o considera como ‘om “mal”, uma “enfermigade” soil, eter por ele enorme fesprezo, porque © considera como ineulture, como ume ‘mancha na face do pas. As eles Inelectuais com freq la preerem desnteestrse do problema, que pesioalmen: te rio Ihes diz respite, considerando-o como um residuo {eum pastado de ignorinca, do qual individualmente 50 Uberaram. °c) Para “combater” ou “erradicar” o anatfabetsmo, © ‘que propem 4 3 a¢fo governamental levada a cabo por meio de "compan", que @ consciénca ingbnua concebe sempre de forma inadequada. Jé tems dito que no deve hver “campenhas” conta o aalfabetismo (que partem do Coneoito de analfseto como 9 “niga” ou “ill”, mas

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