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0 texto que vem a seguir € uma morta gem feita pelos autores, a partir de fragmen- tos de uma reportagem de Wagner Carelli pu- ada pela revista Carta Copital (15 12-25, cut, 1995) ‘Sob o titulo “Pequeno Tratado do Malcria- do Brasileiro”, o jomalista expée e comenta o ‘comportamento socal de um tipo de brasileico pertencente & elite econémica do pas. Fi so- ‘bre essa forma de comportamento que 0 pes ‘uisador americano Michel Lind elaborou uma {ese académica, edtada em livro sob o titulo de The Next American Nation (traduzindo |i teralmente,"A prima nago americana". Nes- 53 obra, o autor cria 0 neolagismo “trasifani~ _zagdo" para designar um fenfmeno socal que se originou ¢ se implantou no Brasil ¢ que constitu, segundo ele, a malor ameaga para @ sociedad norte-americana do século XXL Para destacar com nitidez os aferentes {ragmentos extraidos da reportagem, cada um deles vem precediéo de um nimero romano (que ndo consta no texto original | Marcos G., publiltério bem-sucedido, Fico, 38 anos, dew uma mountain bike im- portada prego por volta de seus R$500,00 = para o flo Bruno G., 9 anos. Era um presente de aniversétio. Marcos ¢ familia ‘moram em Alphaville, um condominio da alta classe média da regio peifrica de Sto Paulo, concebido dentro dos padrdes dos ‘methores suburbios americanos; ai, as bici- cletas das criangas costumam corresponder em estilo, origem e preco aos earos dos pals Passada uma semana do aniversirio, Mar- 0s notou que o flho brincava a pe. Per- untou pelo presente, © 0 menino descon- ‘versou. Confessou depois muito embaraga- do que a biccieta for, ahn, expropriada por Pedro A. C, 10 anos, filho do bem-sucedido empresirio da construgdo civil Carlos AI- ‘berto C, rico, por volta des 40, 42 anos, mo- rador daquelz casa enorme na quadta de ‘ima, Marcos bateu & casa de Carlos Alber to, 0 proprio Carlos Alberto atendeu. "Vim buscar a bicicleta do Bruno, que o Pedro tomou emprestada”, disse Marcos. Carlos Alberto nao gostou: “Me diz 0 prego dessa tm. ai que eu pao" Marcos disse que a bi- cleleta nao estava & venda, entrou para pe- aia, ¢ voltou para case, TRATADO DO I Alphaville é apenas um dos enclaves, socials de elite que se disseminam pelas srandes cidades brasileira, espécies de gue- tos as avessas, que variam nas caracteristi- cas econcordam to propésito, No gucto chi- ‘que do Morumbi, na Zona Sul de Sao Pau- lo, por exemplo, 0 afastamento é determi- nado por lombadas e cancelas — uma das formagies defensivas mals comuns aos bair- ros nobtes das capitais do pais. Com um acintoso agravante: af o espago de'defesa & tomado a cidade, Em dezenas de ruas pi- blicas e centrats do bairro, lombadas a ca- dda cem metros ¢ cancclas as extremidades, operadas por guardas armados, lembram 30 caminhante eventual ~ caso Ihe dem pas- sagem — que trafega em propriedade alheta As muas foram expropriadas & comunidade, ‘como a bicicleta do menino em Alphaville, para o erguimento da paligada. O chamado asso social nunca foi tio explicita, IL. 0 fendmeno chegou a ser observa do além-frontelras ¢ nas Estados Unidas me- receu a tese de um scholar, Michael Lind, ctor de influente publicagao americana, 0 The New Republic. Ai ganhou cariter de pe- rigosa tendéncia social ¢ um nome: em Seu. livro The Next American Nation, ainda sem digo brasileira, Lind chama 0 processo de entrincheiramento das elites de brasilian za¢do. Ele cunhou o termo para explicar “a crescente retirada das classes superiores para tis das barricadas de uma pripria nag -dentro-da-nacio, um mundo de bairros privados, escolas privadas, polfcia privada, satide privada até mesmo ruas privadas, ‘muradas contra a miséria ao redor’ Lind refere-se as evidéncias ainda es- cassas — que considera ameagadoras ~ da tendéncia nos Estados Unidos, mas reco- sahece no Brasil sua origem © sua forma institu, IV, Sob a rubrica desse egofsmo termi- ‘nal ~ que nao apenas usa o outro, mas 0 climina ~ & possivel sistematizar ¢ catalo- gar um rol de atitudestipieas, até entao apa- rentemente desconectadas. 0 caso do lixo, por exemplo: na cabine do sempre limpis- simo carro ~ importado, nacional, velho ou novo, o carro & alma da célula brasilian’ zada ~ 0 lixo nio fica; fora, pode fica, ja {que 0 lado de fora, viu-se, € um lugar que nao existe. Abre-se a porta do elevador e 0 :maleriado,tnico desenvolvide no pais, nfo ‘espera que as pessoas salam 1a de dentro: le caminha diretamente rumo ao fundo do levador, como se entre almas. Q sinal fe- cha, 0 motorista mais malcriado em todo 0 ‘mundo Interrompe 0 cruzamento do trife- o transversal; fora da sua propria cabine fem movimento no ha trafego: esse indivi- ‘duo que ndo acredita em vida além da sua produz 60 mil mortes, anualmente, quase a ‘metade em atropelamentos. Questdo 1 No trecho I, ha uma passagem que ilustra ‘exemplarmente a expresso “Maleriado Bra- silero", que consta do titulo da reportagem, 2) Tronsereva essa passagem. 1) Que indicadores de mé-criagSo estdo pre sentes nessa passagem? 1 Opondo-se a esse discurso do “brasileiro maleriado”, cieula, dentro da nossa cultura, tum outro discurso que serve para demonstrar ‘que, por trés do ponto de vista defendido por tm, existe um ponto de vista contrério, mes= ‘mo que no venhs explicit, Qual &0 diseurso que arma um ponto de vista oposto ao que ver explicita na trecho 1? ‘Questo 2 Ha uma concepedo segundo a qual a ri- ‘queza fruto da injustia e, por isto, nde deve ser motivo de exibcionismo mas de culpa por parte de quem a possui & 0 que diz este pen- samento de Montesquieu: "As riguezas so uma injustica que se deve reporar, €poder-se- ia aizer:‘Desculpem-me, se sou rico” spent. fy PON Pa, Be en! te Fre ier wim Rn Poms 4) Ainda no trecho |, hd uma passagem que se ‘opde frontalmente a esse ponto de vista Trans 1) Expique 2 sua resposta Questio 3 O trecho que vem a seguir, retirado da re vista Veja, & exemplar para demonstrar a hete- rogencidade de vozes (pontes de vista) pre- sentes no discurso: Patrées de um lado, empregados de ou- tro. Os primeiros sobem e descem pelo cle- vvador social. No de servigo, com sacos de lixo € carrinhos de compras, vao as empre= ‘gadas domésticas, os motoristas € os entre Badores de pizza. Essa divisio ja € consi- derada contravengao em Sto Paulo. £0 que arante 0 projeto de lei elaborado pela ve- readora Aldaiza Sposati (PT) ¢ sancionado | pelo prefeito Paulo Malut. A partir de agora, quem impedira empregada de usar o cle vador social ou obrigar a manicure a subir pelo de servico podera pagar uma multa de 1185 reais. sta 28,24 Como se vé, numa sociedade complexa, ‘uma questdo posta em debate gera opinides ivergentes,veriando de grupo para grupo, No texto de Veja, esto explicit dois pon- tos de vista opostos sobre uma Gnica questdo: a) Quais sao esses pontos de vista? 1) Qual desses pontos de vista corresponde a0 4o "brasileiro malcriado"? Explique por qué. No trecho Il, 0 autor da reportagem da re- vista Corta faz um relato sobre “O gueto chique ‘do Morumbi’ 0 que vem relatado af opde-se a ‘qual dos pontos de vista explicitos no trecho da revista Veja? Explique sua resposta e transere- va uma passagem que siva para iustr-ta. Questo 4 Observe a citagdo que segue, um fragmen- to do liv Rates do Brasil, de Sérgio Buarque e Holand: daremos ao mundo 0 “home cor dial’. A Ihaneza no trato, a hospitalidade, a ifenerosidade [..| representam, com efeito, tum traco definido do cariter brasileiro... Sent Bre ees i 0 Bt 6. re ide ‘ares. Cm No trecho Ilo termo 6rasilianizagdo con- firma ou nega o conteido da citagdo acima? Por qua? Questko § ‘No discurso do homem que se chama de ci- vilizado, a palavra urbanidade designa a quali- que age com decéncia. © terma slstce, por ‘oposigdo indica qualidade de quem € grosseir, rude, maleriado. Trata-se de palavras carega- das de preconceito social, jé que, segundo a ori- gem latina, utanidode & 2 qualidade de quem ‘vive na cidade (urbs em latim = cidade); risti- co € préprio de quem vive no campo (us em la- tim = campo, regido agréria, espago rural) 2} Levando em conta esses dads, os relatos Contidos no trecho IV se opdem ou se ajustam a conceito de urbanidade do discurso do ho- ‘mem que se diz civlizado? ') Dentro do diseurso do homem urbanizado, a boa educagao se caracteriza por certas ati- ‘tudes como: polidez (~ delicadeza, cortesi) altruismo (0 oposto do egoisma, cansideracao € respeito pelo outro}; a compaixdo (= senti- mento humanitério, preocupagio com o bem= estar do préximo, afligéo com a dar alheia). ‘Transcreva, do trecho IV, atitudes que con- trariam: a polidez; o altruism; a compaixdo, Questo 6 Da leitura dos quatro trechos, pode-se con- cir que: 42] 0 autor da reportagem dé mostras claras de (que se opde ao ponto de vista daqueles que defendem o discursofavordvel a0 fenémeno da “braslanizaca +) © autor da reportagem se opie ao ponto de vista de Michael Lind sobre o dscurso da "bras- lianizaglo",considerando que nao se trata de um ‘endmeno exclusiva do Brasil e, por isso, o autor ‘americano € injusto pare com os brasileira. Ventre 0 ponto de vista do autor da reporta- {gem e ode intelectual americano Michael Lind ‘io hé nenhuma oposicdo ja que ambos con- sideram a "brasilianizagao” como uma ameaga utura para o Brasil e pare os Estados Unidos. 4) 0 autor da reportagem faz questio de repe- tir muitas vezes fato de que, 20 lado do bra- sileiro maleriado, existe um outro tipo de bra- silero conta, afivel € generoso. }o texto todo da reportagem adverte que nos Estados Unidos 0 fendmeno da “brasiianiza- 80" € mais disseminado do que no Brasil ¢, por iss0, ndo hé razéo para designar tal conduta social com um nome que ofende o nosso sen- dade propria da pessoa bem-educada, poli, 36 timento de nacionalidade.

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