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[Nee artigo € fit uma breve recaptuagio das eigen € desdobramenos da esta moderista nas artes visi € no design para se exbogd aps um pequeo liste do design pésmoder, Obariase eno que um esilo mut sad o desgn al ra rv plist pel arpa dled de ves cmos seas reed deneio nus. nego ds deers pa feo ead qurr phar cada vermis lra de suas pss, popnd a sigcaro camo um jogo de ii- inds psa de raza. ABSTRACT ‘This aie presents a Iie! summay onthe org ofthe modernist aesthetics in the visual arts and in graphic design in order to skelch, alferrrds, a short histscal account of posmodem design Its pointed out then that ther isa recent postmodem design syle which exits 1 visual aetic which resales that of pimses, for it uss several ovraping transparent layers of helerge eos signs ints layouts. The gel of that ste seems o be to draw the viewer ino « hermeneutic game of unlimited assis of nterpelation which precdes the pousiity of easy’ reaings. sta visual (sl esis) GD POLO CUFiAcORA curso: DES. outa OBL nor: Stag er: Flavio Vinicius Cauduro PhD em Comunicasio Grif, University of Reading UK Pro do Progra cde Pe graduto daFAMECOS/PUCRS ‘As NOVAS TECNOLOGIAS Dios e de comuniica- (Go esto cada vez mais nos habituando a conviver com a pbs-modernidade, essa era dda pluralidade, da fragmentagzo, da hetero- igeneidade, da complexidade, das contradi- ‘goes insoldveis, das incertezas ¢ das indecidi- bilidades, das simulagOes, da transitorieda- de, da globalidade. E a pratica do design gré- fico, assim como a das artes visusis, tem apresentado importantes mudancas estéticas, como conseqiiéncia da relatividade e varie- dade de estilos das manifestagies visuais da nova era, que ironizam e rejeitam razBes, prloridades © premissas supostamente uni- ‘versais dos modernistas. ‘Apés pouco mais de um século de pro- postas graficas modernistas, comegamos a que 0 pée-modernismo no design ‘lo € resultado de decsves t2o arbitrérias ou ‘andrquicas como possa parecer, pois também apresenta alggumas caracteristicas estéticas re- correntes, que podem eventualmente nos 2judar a mais facilmente reconhecer e melhor entender suas manifestagoes. ‘Como sabemos, 0 periodo que vai do Renascimento ao século XIX caracterizou-se pela busca da estética realista nas artes em eral. Com o advento e desenvolvimento da fotografia, as artes visuals entraram em crise, cise esta que deu origem 20 modemismo, movimento constituido por uma série de rupturas e inovagdes que procuraram libertar as artes da retéria do ilusionismo realista. A ‘partir dos impressionistas, 0s artistas visuais comegam a procurar novas possibilidades de representacio que nao sejam fundadas no na- ‘uralismo académico. ‘Aarte-em geral rebela-se contra os cino- nes éssicos, torna-se radicalmente moderna, inventiva, estranha Bs tradigbes e ao senso co- mum. Comeca a trlhar um novo caminho, que basicamente rejeita a histéria © a8 con- ‘YengGes, procurando romper com as normas consolidadas para reinventar constantemente Revita FAMECOS © Prt Alegre =n" 15 dena 2000 somes! « Rdimpseile “"perepsrirhe que anode de mene Vey Honuncrito cuts) wrcritiets) RE uo. erent, era ubiBiydis nob oxje textd Je derccloreCa) jor Len). Gente: Dicionsiio Aurelio , acto) novas regras, tentando tomar-se uma pratica autdnoma, individualista e redentora, que ‘yaloriza antes de tudo a singularuidade do {rio artistco, O artista acredita no progres: fo, toma-se um incansével pesquisador de possibilidades sempre inéditas de represen- {acfo, cultivando uma consiante insalisfaclo com 0 presente € o satus quo extético de sua época. A arte modema passa a valorizar a [percepglo répida, efémere, fugaz, ea utlizar Yvasias manchas de cores, em. detrimenio da ‘Sonismo). Também comega @ cultivar 0 gosto pela assimetria, pela estlizagso, pela geome- {rizacao das formas naturals, pelo decorative @ pelo ritmado (at nowem). Tendo desco- berto o prazer da transgressio estétiea, 20 fertar com impulsos subeonscientes repeimi dos via manifestagies crométicas selvagens (feuvismo), as artes plésticas diresionam-se sgadualmente & abstracSo, a transgressso m&- xima ao realismo. ‘Alguns de seus artistas embriagam-se com a poténdia e velocidade das novas tecno- logias mecinicas e elétricas, fruindo prazero~ samente a caética mistura de seus rufdos, ‘seus oxiores, seus movimentos (flurismc). 8s representagdes visuais tornam-se ilogicas ¢ ‘cabticas, fazendo do deboche ao racionalismo © & omdem académica sua estratégia criativa mdbima, chegando a contestar a propria no- fo de are como ciagio excepcional tinica, (Gemnde promoverm abjetas seriados do coti- Zaee 2 condixSo de obras axt&ticas dignas Ge exbigio 2 admiracSo em museus (dadei mo) Mas tarde as artes visuais tentarso sub- werter 2 razdo convencional apelando para @ imprevisibilidade e produtividade do in- consciente, livres assodagies de formas, de caréter pottico e onttico, €2 trans ‘gressAo deliberada de cidigos convencionais de oes ditas cvilizadas (surrealism) ‘A nova arte ultrapassa todos os limites do senso comum, rompe com as molduras, desce dos pedestais e tira partido dos impre- vistos e acasos do cotidiano fragmentado, através de proposig6es cada vez mais cho- ‘antes para os conservadores. Os idealistas ‘ainda procuram valorizar a razio do ser, seu genio riador, o sujeito metalisico que vive frégicamente sua extrema sensibilidade ‘Com 0 cubism, 0 racionalismo geome- trizante fnaliza a desconstrusso da figuracio realista, ‘para depois remon- ela através de uma l6gica espago-temporal qelativisin Temas simples e banais do cotidi- ‘Eno so valorizados, para fécil identificagio dos vestigios que restam das formas. S80 também exploradas colagens, que reintrodu- em fragmentos da realidade material nas pes artistas, para mitigar a ari- (Ger de susus formas abstratas. Essa corrente (Graiitice contima a procurar formas e cores coda vez mais puras e nlo-objetivas, como (que tentando reconstruir a realidade segun- Go pardmetros mais centficos, mais mate- Imiaticas (supremtismo © construtivismo). O fauge desse puritanismo visual é alcangado com as formas programadas e calculadas das obras dos holandeses modemistas, caleadas nno dualismo intrinseco do angulo eto, no tlementarismo da linha reta e na pureza das ‘cores primérias| ee Sti). Essa arte toma-se dogmética, obcecada com o alinha- mento visual, com a precséo geométrica das ‘Suas represeniagSes, e com a pureza dos espa- ‘gos em branco, como que procurando peritenc- fr-ce das formas sensuais, lnxuriantes e deca ‘dentes do barroco de tempos passadas. ‘Nea arquitetura, a omamentass0 jé havia se tornado um crime (Adoif Loss) e a simplic- dade das formas geométricas passara a Ser a ‘sua principal inspiracdo (Le Corbusier). (0 ascetismo formal predomina nas ar tes visuais, e na viséo de certos idealistas ‘passa a fer como misséo redimir os objetos Industriais de seus excessos extravagantes, reprimindo impetos decoratives e o paganis- mo das solugdes espontaneas intuitivas. Sob o pontificado de um inspirado arquiteto (Walter Gropius), surge uma nova religio, 0 design, a arte ullitaria redentora, que Se PrO- 128 Revista FAMECOS o Port Alegre © 13 «decent 2000 xemesee poe a civilizar a inddstria primitiva, educan- do-a para a apreciaco e produgéo da boa forma estética. ‘Ao mesmo tempo, gracas & influéncia dos formalistas russos (Kandisnky, El Lissitsky, ‘Malevitch, Rodchenko), as artes visuais atingem rapidamente seu nivel mais 6tico, mais abs- rato, sem referéncias externas. Os artistas ‘modemos, da segunda década do século em diante, almejam tornar as artes visuais uma ciéncia da percepgao visual (Mondrian), de- senvolvendo trabalhos ora Iiticos e metaféri- cos, como 08 realizados pela misica, ora ob- jetivos e concretos, como os da arquitetura. A arte moderna abstrata passa a valorizar 0 processo criador mais que as suas obras (arte concrete, Theo oan Doesburg), abrindo caminho para o surgimento, da segunda metade do século em diante, para a Arte Minimalista, a Op-Arte a Arte Cinética, precursoras da Arte Ciberética e da Arte Digital dos anos 60. Muitos tendem a ver as artes em geral como sendo simplesmente a resultante da di- alética cientifica entre o impulso formador e as leis da sica, procurando resolver os con- flitos entre 0 continuo e 0 descontinuo, o pre- dso e 0 impreciso, o limitado eo ilimitado, 0 deterministico e o aleatério (Albers, Max Bill. ‘As novas correntes das artes visuais vio ad- (quirindo um carder cada vez mais pragméti- co, ao serem exportadas para 0 continente americano, e onde seus praticantes tentam li- bertar novamente a visualidade de qualquer célculo premeditado ou filiagao hist6rica, através do expressionismo intuitive e sub- consciente (action printing, tachismo). Tudo & possfvel, a criacio torna-se sinénimo de im- provisacio, o signo precede seu referente, o {cone inventa set objeto, e 0 indice gestual & ‘o que vale, pois 6 0 que garante a autoria. Foi-se toda e qualquer possibilidade de Aiguragéo, a pintura torna-se finalmente uma (pura abstragio. A produgo do sentido da ‘obra artistica é responsabilidade delegada agora ao espectador. O artista produz, en- quanto 0 péblico interpreta e dé sentido a0 que sente € ve. Pluralizam-se os significados, ‘aumentam as incertezas e as dtividas. As ar- {es visuais propoem-se como um jogo semié- tico que requer a participacéo constante do piiblico para tornarem-se significantes. O caréter IGdico nas artes 6 o que da inicio a fase pés-modema ¢ que partir dos anos 60, abriga trés principais temas, segun- do Frederico Morais (1977): Objeto, Conceito e Corpo. O Objeto de consumo de massa da sociedade industrial, 0 objet-trouvé, 0 roady- made, & o fcone privilegiado pela Pop Art. O Conceito, por sua vez, privilegia a idéia como arte, usando meios de comunicagio de massa como suporte e mediagéo, dando origem & arte conceitual (Sol Lewitt). O Corpo, por outro ado, torna-se meio de expresso e fundamento de toda expresso simbélica, amalgamando a arte com processas vitais, em performances des- tinadas & divulgagéo por impressos, filme e vi- deos, revivendo praticas e rituais ancestrais, como a das tatuagens, maquilagens, travestis- ‘mos eescarficagdes (Body art). ‘Os museus e galerias tornam-se obsole- tos, seu papel agora é limitado ao registro de eventos e atividades considerados como ar- {isticos e que aconiecem geralmente fora de suas sedes (happenings, performances). ‘As questées que 2 arte pés-moderna atual propée estio focalizadas nos modos e meios de representag&o que constituem as snossas experiéncias de realidade e formam as nossas identidades. As teorias pés-estrutura- listas e desconstrucionistas desestabilizam toda e qualquer definigao que ainda preten- da caracterizar a esséncia do sujeito ou da arte, enquanto que as priticas de representa- fo apoiadas nas novas tecnologias videoc- nefotogréfica e de simulagio digital vao g2- mhando cada vez mais espaco. A realidade se torna cada vez. mais virtual, enquanto a iden- tidade do sujeito 6 considerada agora imagi- néria, plural, contraditoria e cambiante. A ge- cetrizacio das formas e as grils urbantsticas © tiy 80 agora simbolos abominados de domninagao ideolégica e controle social. © shopping center e a experiéncia do consumo de massa tornam-se referentes pri- vilegiados da arte da simulagao, do espaco fabricado da fantasia, seja ele fisico ou digital (Disney, Las Vegas, Internet). Consumir ¢ si- nénimo agora de lazer, uma atividade esca- Revista FAMECOS © Porto Alegre * n° 13 dezemibro 2000 ¢ semestrdl 129 pista prazerosa. Somos todos voyeurs e turis- tas do contemporaneo, professando a religiao do consumo incessante (nem que seja apenas pelos olhar). O desejo nos mantém em movi- mento e sequiosos por novidades, mas, como ele nunca 6 satisfeito, nos mantém reféns das comodidades que instaladas em nossos ima- ginérios. ‘Nao admira, portanto, que as estratégi- as reldricas assumidas pela arte de resistén- cia sejam a pluralidade, a ironia, 0 pastiche, a parédia, o plagio, a heterogeneidade, a frag- Tentagio, 0 excesso, 0 jogo, a interatividade e a participacao, a intertextualidade, a brico- lagem, o Kitsch. ‘Acabaram-se as metanarrativas, os cé- nones, as utopias compartilhadas, os valores tradicionais. Sobraram as realidades simula- das do virtual digital, as fantasias alucinantes do imaginério, 0 mundo das representacSes segmentadas, onde tudo tende a ser persona- lizado, possivel e reversivel, e cada vez me- nos consensual, interditado ou linear. & aro que todas essas mudangas de perspectiva que experimentamos atualmente esto trans- formando, os valores e as estéticas que infor- mam nossas vidas assim como a prética atual do design. © design modernista A Bauhaus, como sabemos, foi o movimento artistico que mais influéncia teve na socieda- de moderna, em termos de abrangéncia e du- racio, ao pregar a estetizagio calculada dos objetos produzidos em escala industrial. A Bauhaus se propés a absolver 0 consumo de ‘massa, consagrando-o como uma atividade logica de fruicéo artistica e intrinseca a socia- bilidade moderna. Naquela escola, subsidia- da pelo Estado alemao, predominavam o cultivo a ordem e ao racionalismo, & clareza e a hanmonia, como um contraponto a emogao, A anarquia, ao caos e & desestabilizacéo do status quo, que eram estimulados pelos movi- mentos sociais revoluciondrios surgidos du- rante e apés a I Guerra Mundial. A escola suica, que viria a suceder a ‘Bauhaus apés a Il Guerra, refinou e reprimiu mais ainda quaisquer subjetivismos, regiona- lismos ou ‘estilismos kitsch’ que ameacassem contaminar as formas ascéticas do design propagadas pelos racionalistas alemées. O trabalho de muitos designers tipogré- ficos europeus, por exemplo, € caracterizado ainda hoje por manipulagdes mfnimas de ta- manho, cor, textura e posigdes espaciais nos impressos. Porque, segundo a tradiggo mini- malista, menos é sempre mais, Sendo modernis- tas e sufgos exemplares (precisos ¢ dogmati- cos) sous designers maiores (Emil Ruder, Ar- min Hoffman, Josef Malller- Brockman) prega- ‘vam a superioridade universal de suas solu- Ges gréficas restritivas, rigidamente contro- Iadas pelo grid system e vestidas uniforme- mente pelas familias Futura, Helvetica e Uni- vers. Este estilo veio a ser conhecido nos anos 60 € 70 sob a denominagao de Internatio- nal Style, sendo adotado por quase todas as grandes empresas multinacionais, em seus programas de identidade visual corporativa, assim como por grandes editoras de livros Gienttficos, técnicos e artisticos. Essas solugdes minimalistas dos funcio- nalistas sufgos eram repetidas incessante- mente, tornando-se em breve uma {érmula facilmente copiada por qualquer designer, independendo de seu talento, gosto ou prefe- rencias. Em breve, as ‘programag6es visuais’ que essas formulas mecanicistas geravam tor- naram-se muito faclmente previsfveis, abor- recidas e desinteressantes, sendo praticamen- te invisiveis apés algum tempo. Isso era, na verdade, a conseqiiéncia légica e inevitével do seu principio maior: form follows function. Se a fungao de um determinado género de im- ‘presso € basicamente sempre a mesma, segue se que nao ha porque fazer maiores alteragSes :nas formas jé consagradas para aquele género - como no caso de programas de sinalizacdo visu- al ambiental ou de programagdo visual de em- balagens farmacbuticas, por exemplo. Embora um dia pudessem ter sido iné- ditas e no-redundantes, essas solugbes pa- dronizadas e repetitivas eram camisas de for- ‘ca para designers criativos. A hegemonia do estilo internacional, devida a sua divulgagao ¥B@ Revista FAMECOS « Porto Alegre n° 13» decembro2000 » somestral programada em todas e quaisquer pecas de comunicagao das grandes corporagoes, pro- pagadas incessantemente e em escala global, desestimulava a emergencia de estilos alter- natives, Era muito facil, comoda e rentével a adogao desse estilo suico, e os clientes senti- am-se muito seguros em segut-lo. Qualquer empresa, por menor que fosse, podia igualar- se a IBM ou a Bayer, em termos da aparéncia visual de seus impressos ou embalagens. Para os modernos funcionalistas, por- tanto, a tipografia continuava a ser uma mo- dalidade de escrita, um proceso de codifica- cao da fala, otimizado para a facil produgio & difusdo de impressos em larga escala de in- formagies alfanuméricas. Para isso ela utili- zava 0 alfabeto greco-romano simplificado, seus simbolos sendo realizados no caracteris- tico estilo ‘sem serifa’ e ‘monolinear’. A tipo- grafia idealizada por eles materializava os critérios maiores de legibilidade, uniformi- dade de traco, discrigéo ¢ redundancia de forma. As vertentes de design pés-moderne ‘A monotonia e pasteurizacao do design oci- dental s6 vai comecar a ser contestada a par tir da metade dos anos 60, quando alguns jovens designers sufgos, como Odermatt & Tissi em Zurique, Wolfgang Weingart em Basle, entre outros, comegam a propor alter- nativas néo-dogmaticas, mais descontrafdas (retorno & omamentagao, a0 simbolismo, a0 humor ea improvisagao) para fugir da esteri- lidade das formas modernistas. (O pés-modernismo no design € uma re- agfo intuitiva da nova geragao de designers ‘aos excessos racionalistas ¢ positivistas dos programadores visuais dos pés-guerra. Influ- enciados pelas novas e formas de.viver pregada pelos existencialistas beat- “niks dos anos 50, ¢ pelos hippies dos anos 60, que enfatizam costumes e modos de vida ainda mais radicais, pregando a vida em co- munidades rurais, a prética do amor livre e 0 consumo de drogas leves, surge o movimen- to pricodélico no design americano de contra- cultura. Esse estilo poderia ser considerado como uma apropriagao e radicalizagao da Op Art da 6poca pelos jovens rebeldes. Ao mes- ‘mo tempo, estilos antigos de vestimentas ¢ penteados so revividos, a historia passa a ser recidada, e © progresso material e finan- ceiro € desprezado. Esse cima de descontracéo ¢ euforia dos anos 60 acaba por solapar 0 ascetismo racionalista herdado dos funcionalistas Bau- hausianos, valorizando cada vez mais 0 in- conformismo, a intuigéo e 0 subjetivismo. © Push Pin Studio, de Milton Glazer Seymour Chwast, em New York, marca 6po- ca com o revivalismo dos estilos Vitoriano, ‘Art Nouveau e Art Déco agregados a um es- tilo psicodélico e edlético. Ao mesmo tempo, © estilo tipografico autoproclamado expressi- onista de Herb Lubalin passa a fundir tipos ‘com pictogramas, em suas solucées metaféri- cas inspiradas no vernacular norteamericano. Philip Meggs, ia 2a. edigao de seu co- nhecido livro A History of Graphic Design (1992), vé quatro principais vertentes alimen- tando a corrente pés-modernista no design grafico, asaber a) a rebeldia da New Wave Typography dos novos designers suigos, liderados por Wolf- gang Weingart. Rosemarie Tissi e Siegfried Odermatt, que procuravam reintroduzit mais conotagées simbélicas, subjetividade e acaso nos trabalhos neutralistas da escola suica, ¢ que, através dos trabalhos de April Greiman e Dan Friedman, ex-alunos da Escola de De- sign de Basel, teve répida e ampla divulg- ‘Go nos EUA, a partir dos anos 70; ‘b) os maneirismos exuberantes e as idiosin- crasias ex6ticas dos designers do Grupo Memphis de Milo, de William Longhouser na costa leste dos EUA, e dos designers da costa oeste dos EUA, principalmente de San Francisco, a partir da década de 80; <) o movimento Retro, que através de um esti- Io edlético e excéntrico, revive ou reinventa solugdes vernaculares e modernistas euro- péias e norteamericanas do perfodo entre- Revista FAMECOS + Porto Alegre © n° 13 * decembro2000 * zemestral ¥88 guerras (baseadas em grande parte na Art Décodaquele perfodo), como se observa nos trabalhos de Neville Brody para as revistas The Face e Arena, também na década de 80; d) ca revolugéo digital, originada pelo apa- recimento do computador grafico pessoal Mcintosh, a partir de 1984, que reviveu o construtivismo no design e que passou a re- interpretar todos os outros estilos da época através dos bitmaps e das curvas vetotiais, tendo como figuras de destaque os préprios designers da interface da Apple, Susan Kare e Bill Adkins, a dupla da Emigré, Zuzana Licko e Rudy VanderLans, e, novamente, April Greiman. ‘Merece ainda mencao a radicalizacdo do design grafico proposta pelos trabalhos “irracionais” de David Carson, na década de 90, através de revistas de surf e de rock music, e que parece querer fundamentar a prética do design no fim do milénio em bases dadafstas e anarquistas. Essa corrente mais recente, que deriva de Carson, parece ser ainda a tendéncia do- minante atual, pois se observa que uma das caracterfsticas recorrentes do design de ponta produzido nas Américas e na Europa, 60 res- surgimento de trabalhos mais “artisticos”, isto é mais ambiguos e paradoxais, com mais rufdos e interferéncias, menos “neu- tros”, menos “funcionalistas”, em suma, me- nos 6bvios, 0 que é conseguido através da utilizagéo de layouts mais complexos, hete- rogéneos e espontaneos. Essa mudanea ideologica no design nos tiltimos 25 anos (e que vai do racionalismo mais extremado ao caos mais radical) parece ter sido devido também, conforme relatam El- Jen Lupton & J. Abott Miller (1996: 8), gradual Popularizacao nas escolas de design america- nas das teorias pés-estruturalistas de signifi- cacao (Detiida, Barthes, Lacan) em conjunto com as teorizactes sobre a arquitetura verna- cular americana, de origem comercial, pro- postas por Robert Venturi e Denise Scott-Bro- ‘wn, em Learning from Las Vegas (1972) assim como devida 20s trabalhos visuais do movi- 132. Revista FAMECOS « Porto Alegre ® mento Pop Art (Andy Wathol, Roy Lichtenstein ¢ Robert Rauschemberg, entre outros). O encontro do espirito de rebeldia da época com as teorias desconstrucionistas duziu entao os primeiros te6ricos do design pés-modemo nos EUA, na Cranbrook Acade- my of Art, em Michigan. A partir de 1978, sob a lideranca de Katherine McCoy, os desig- ners que Ié estudam comegaram a propagar as novas tendéncias desconstrucionistas atra- vés de posters e catélogos que confundiam propositadamente a cléssica distinco entre texto e ilustragio, procurando produzir, por estratégias visuais sutis, uma leitura ambi gua dos tragos impressos. Ao mesmo tempo, a grid foi flexibilizada ou até ignorada, e 0 uso de elementos gréficos ‘intiteis’ foi incenti- vado, visando o enriquecimento das possibi- lidades expressivas e interpretativas tanto dos designers como dos leitores (Lupton & Miller 1996: 7-9). Entao, a partir da década de 70, a comu- nicagio visual praticada nos EUA passou a ser encarada pelos designers cada vez menos como uma pratica teenicista de “transmisso de sentido”, para ser cada vez mais concebi- da como um jogo, como uma pratica retérica, probabilistica ¢ estimulante de formulacéo de mensagens hipotéticamente eficazes (Cau- duro 1990). Com isso os projetos de design Passaram a ser menos calculistas e mais ins- tintivos, muitas vezes ironicos, quase sempre provocantes e muito criativos. Essa tendén- Ga foi gradualmente se espalhando pelo mundo ocidental, principalmente por permi- ir um maior flexibilidade de estilo, um me- Ihor aproveitamento da cultura visual local ¢ ‘uma maior contribuigao da improvisagao do designer, caracteristicas estas que eram repri- midas pelo estilo modemista até entio domi- nante (Cauduro 1998). Segundo o novo paradigma da semisti- ca pés-estruturalista, a recepcao de mensa- gens passa a ser um jogo hermenéutico, cujos resultados poderao ser profetizados apenas com sofrfvel grau de acerto, pois os sentidos produzidos sempre variam de acordo com as idiosinerasias e particularidades do sujeito predicante. 13 » dezeribro 2000» semestral Caberia, pois, ao designer, descobrir es- tratégias que permitissem suas audiéncias participar desse constante jogo interpretativo de uma maneira prazerosa e cativante, sem que a abertura dessas leituras resultasse numa anarquia semantica ou total relativis- mo de sentido. Investigando essa hipstese com mais atengio, tenho observado que uma das estra- tégias que o design pés-moderno utiliza (conscientemente ot ndo) para induzir 0 su- jeito a participar desse jogo interpretativo, 6 a uutilizagao do que tenho chamado de “estética visual do palimpsesto” na articulagéo dos significantes das mensagens visuais (Fig.1). Esse recurso no permite que se esgotem as possibilidades de geragao de sentido, e as- sim mantem présa a atencao dos sujeitos in- terpretantes por muito tempo (mesmo que o designer procure privilegiar a produgao de certos sentidos mais que de outros). Palimpsestos Pela definicao do diconério Aurélio, palimp- sesto 6 um “antigo material de escrita ... usa- do, em razdo de sua escassez ou alto preco, duas ou trés vezes, nitediante raspagem do texto anterior”, ou ainda, manuscrito “sob cujo texto se descobre ... a escrita ou escritas anteriores” (Fig. 2). (© American Heritage Dictionary acres- centa, na sua definicao, que o palimpsesto ‘um documento sobre cuja superficie se escre~ veu varias vezes, “muitas vezes deixando vi- sfveis tracos imperfeitamente apagados de escritos anteriores, que se constituem em im- portante fonte de recuperagao de obras literé- rias perdidas da antigitidade cléssica”. Segundo o historiador Wilson Martins (1996: 59-68), os primeiros suportes utiliza- _dos pela escrita humana foram de origem mi- nneral: a pedra (desenhos pré-hist6ricos em ca- vernas, as tdbuas dosi0 Mandamentos, 2s inscrigées Maias), 0 mdrmore (inscrigdes tu- mulares e civicas Greco-Romanas), a argila (tabuinhas gravadas e cozidas das bibliotecas da Mesopotamia) e diversos meiais (bronze e chumbo, em algumas ocasites excepcionais, ouro e prata, gravados por estiletes ou fundi- dos). Esses suportes so utilizados ainda hoje, em aplicagdes desde as mais banais até as mais nobres. Muitas vezes esses suportes apresentam sobreposicao de mensagens, por estarem em locais privilegiados e muito dis- putados, dando origem a palimpsestos que se apresentam como verdadeiros murais. Lembremos aqui a pratica tao atual dos graffitti ~ escritas em muros, em paredes de edificios, em vagées de metrd e em outros ‘vefculos puiblicos, realizadas através de pin- tura spray ou a pincel, ou mesmo riscadas ou entalhadas, e que, ao compartilharem mensa- gens diversas, dao origem a palimpsestos ver~ naculares muito interessantes, j4 documenta- dos por varias publicagdes que enfatizam sua rica plasticidade e originalidade. radd. EET ergaidpoue g LA QepEERHEL egOHDpo wtp fe Fig. 2 Detalhe de palimpsesto do séeulo IV (Martins 1986: 67) [Revista FAMECOS + Porto Alegre ® 1° 13 ¢ dezembro 2000 © semestral 133 ‘Temos também as pinturas murais plane- jadas com muito cuidado, do tipo tromp Toil, presentes notadamente em Los Angeles e Lon- dres, e que geralmente se constituem em casos ‘extremos de escrita palimpsestica, pois visam a apresentacSo de mensagens deliberadamente ambiguas e paradoxais aos espectadores, por confudirem habilmente figura e fundo e pro- blematizarem a diferenca entre representacio e suporte em suas imagens. Nesses casos, uma das escritas 6 gerada elas formas, aberturas ¢ texturas originais do suporte utilizado (muro, fachada, parede), a ou- tra sendo uma pinture, geralmente hiper-realis- ‘a, superposta ao suporte. Dependendo da dis- tancia entre o cbservador e 0 suporte, predomi- naré a leitura da pintura ou do seu suporte ig. 3). Fig. 3 Steve McQueen, Kent Twitchell, Los Angeles, 1971, (Levick & Young 1988: 113) Do reino vegetal, foram e ainda sao uti- lizadas madeiras, sob a forma de tabletas enta- Ihadas, ou recobertas por fina camada de céra para serem riscadas por estiletes; também ram utilizadas folhas de palmeiras, folhas de zeira, © papiro, assim. como, até hoje, também so empregados panes, sedas e 0 familiar papel. ‘Um tipo de pelimpsesto vegetal corri- queiro, gerado sobre papel diariamente nas gréficas, séo as chamadas maculaturas, proves de varias impressdes diferentes, sobrepostas, obtidas quando se efetuam ajustes de posi- ‘do e de entintamento de chapas litograficas, utilizando varias vezes as mesmas folhas de papel. Dependendo da sorte, das cores e das formas dos elementos gréficos presentes nas artefinais, os resultados podem ser muio in- teressantes (Fig. 4). Fig. 4 Um exemplo de maculatura onde se sobrepcem ti- os e fotos (detalhe). Varios designers jé tiraram partido da riqueza plastica gerada ao acaso por essas fo- Ihas de ajuste (que podem até justificar o esti Jo neo-dadaista de muitos designers atuais). Outro tipo interessante de palimpsesto 134 Revista FAMECOS © Porto Alegre sn 13 » dezenbro 2000 © semestrel, que se pode observar em papel é aquele re- sultante da sobreposigiio de vérios cartazes rasgados, ou de seus residuos, em muros outdoors, efeito esse explorado nos anos 60 pelo artista pop italiano Mimmo Rotella, a5- sim como por muitos fotografos (Fig, 5). ‘Também poderfamos considerar certos bati- ks tingidos mais de uma vez, assim como moldes de costura com varios feitios super- postos, outros tantos exemplos attais de pa- limpsestos do tipo vegetal. Fig. 5: May, cla, Mimo Rotella, 1953 Na pintura também podemos ter o “efeito palimpsesto”, chamado de velatura, e que € produzido de maneira intencional, re- cobrindo figuras ou manchas ja pintadas com uma Ieve mio de tinta de outra cor, de ma- neir a deixar transparecer 0 que estd por bai- x0 ~ efeito de véu, onde formas e cores so mais sugeridas do que mostradas abertamen- te). Para substituir 0 papiro, raro e caro, foi inventado o pergaminho, um pouco mais eco- ndmico, do reino animal, e que foi o suporte mais empregado na escrita, tanto na Antigui- dade como na Idade Média. Era uma mem- brana produzida a partir de peles de vitela, ca- bra, carneiro ou ovetha. Essas peles eram amo- lecidas em cal, raspadas e polidas até apre- sentarem uma superficie fina, lisa e sem fa- Ihas, resistente a0 manuseio, que fosse ade- quada para ser utilizada como suporte para ‘manuscrites ou para encadernagées. Mais tar- de o pergaminho de pele animal passou a ser substitufde pelo pergaminho vegetal obtido com a celulose pura (pergaminho-papel), ber ‘mais barato. O pergaminho, até a invengio do papel, ‘era 0 suporte mais adequado para a escrita de documentos filoséficos, legais ou religio- 808, por ser muito durdvel, mas era um rem que foi se tornando progressivamente escas- 80, com a proliferagdo das cépias de manus- cxitos importantes pelos mosteiros. ssa cir- cunstancia dew origem 0 aparécimento dos palimpsestos propriamente ditos, como jé ob- servamos, ¢ que resultavam da tentativa de reaproveitamento de antigos pergaminhos considerados de menor importancia. O palimpsesto, que significa “raspado de novo” em grego, era portanto um pergami- ho reciclado. O processo de apagamento, por descoloramento ¢ raspagem da escrita anteri- or, geralmente nao se dava perfeitamente ela reaparecia, ainda que mais fraca, sob a nova escrita, como uma escrita fantasma. Es- larece ainda Martins que: “Pensou-se durante muito tempo que esse habito [de reciclar pergaminhos} resultava das intengies piedosas dos monges copistas, que apagavam tex- tos pagdos para inscrever em lugar deles oractes e meditagées religiosas. Mas, verificou-se posteriormente que no 86 0 palimpsesto existe desde a mais remota antigutidade, como ainda intimeras oragdes e trechos religiosos tinham sido raspados em beneficio da literatura profana.... Em qualquer dos casos, é possivel ler, com o auxilio de recursos modernos, 0 texto primitive Revista FAMECOS * Porto Alegre © n° 13 + decombro 2000 *semestal 198 ou textos anteriores}, que se desta- calm] com maior ou menor clareza sob a acdo de reagentes quimicos.” (Martins 1996: 67) Alguns palimpsestos foram reciclados mais de uma vez, acumulando vestigios de escritas de varias épocas, 0 que os fornam ainda mais valiosos. Muitos manuscritos im- portantes, como os dos Evangelhos, da Ifa- da, e mesmo cientificos, tem sido recupera- dos de palimpsestos mal apagados. Um pa- limpsesto que se tornou muito famoso foi aquele achado em Constantinopla em 1906, e que continha sob uma colego de oragbes 0 texto completo em grego de diversos e im- portantes escritos matemdticos de des (Quinion 1998), ae, A metétora de pelimpseste na signi- fiencéio Na semistica pés-estruturalista, © conceito do palimpsesto esta presente na nogao da es- crita mental (arche-écriture), desenvolvida por Derrida e inspirada em Freud — escrita essa que alimenta a produgao de sentido através da diferenciac4o espacial e temporal entre seus tracos mneménicos e cujo estudo Derri- da chamou de gramatologia (Derrida 1967/ 1976). Harland (1987) nos oferece a seguinte verso para a gramatologia de Derrida, e que poderd ser bastante sitil para entender a me- ‘afora do palimpsesto implicita naquela teoria: “Derrida deriva sua teoria da ‘ esctita’ a partir de Freud, especial- mente do ensaio de Freud entitulado "Nota sobre o Tablete de Escrita Magi- co’ [“A note upon the ‘Mystic Writing Pad’, em Freud 1925/1984: 429-434]. Neste ensaio, Freud compara 0 apara- to psiquico ao Tablete de Escrita Mis- tico (ou Magico), que ainda hoje é vendido como um brinquedo novida- de para criancas. O tablete é feito de uma folha transparente de celuldide que recobre uma fotha de papel nao- absorvente que por sua vez recobre uma base encerada. Um estilete, 20 pressionar o celuléide, pressiona o Papel contra a base encerada, e esse ‘iltimo contato faz com que a cor escu- ra da base transpareca como uma es- rita no papel levemente colorido de cima. Tal escrita nao esta realmente depositada no papel, e pode ser feita desaparecer simplesmente levantando e separando o papel da base. Contu- do, como observou Freud, a base en- cerada ainda retém a marca inscrita pelo estilete, mesmo quando 0 escrito J ndo € mais visfvel. Nesse aspecto, a ase pode ser comparada ao inconsci- ente da mente, que retém o que ele nao percebe, e 0 papel (com o celuldi- de) pode ser comparado ao sistema de consciéncia-percepe%o, que por sua vez transmite [é conscientiza] aquilo que nao retém.” Por sua vez, David Harvey (1989/1998: 53) nota que o pensamento pés-esiruturalista de Derrida, ao contrario do consensualista/ modernista de Saussure, considera instavel a ligacdo entre 0 significante (ou meio) e o sig- nificado (ou mensagem), isto é em continua différance ou scorregamento. Por isso, diz Har~ ‘vey, 0 movimento desconstrucionista é um poderoso estfmulo para os modos de pensar pés-modemos: a vida cultural é vista como ‘uma série de textos em interseceo com ou- tros textos, produzindo mais textos. Assim, continua Harvey, ndo se pode dominar o sen- tido de um texto, porque o perpétuo entrete- cer de textos e sentidos esté fora do nosso controle (porque produzida no inconsciente) ~a significacdo opera através de nés, em am- ‘bos os sentidos da palavra. Nao admira portanto, continua Harvey (1989/1998: 55), que Derrida considere a cola- gem/montagem a modalidade priméria do discurso pés-modemo. A heterogencidade que caracteriza as produgdes pés-modernis- tas estimula os receptores de um texto ou imagem a produzir significagées instaveis, 0 136 Revista FAMECOS © Porto Alegre © 13» dezembro 2000 « smestral que faz. com que a produgao de sentidos sub- jetivos para os artefatos culturais seja atribui- S80 tanto de autores/produtores como de lei- tores/consumidores: “.. 0 produtor cultural s6,cria matéri- ‘5 primas, (iragmentos e elementos), «| dtixende=abestaresseuonstmidores tecombinagao desses elementos da ‘maneira que eles quiserem.” (Harvey 1989/1998: 55) Portanto, nao é por acidente que a esté- fica do palimpsesto ¢ privilegiada pelas artes ¢ pelo design na era pésmodema. Hles se alimentam da anarquia, da fragmentacéo, da instabilidade, da heterogeneidade, da recicla- gem de memérias e textos descontextualiza- dos, descontinuos — tracos tipicos da escrita palimpsestica — procurando uma maior ri- queza nas significagSes geradas nas interpre- tagSes das-audiéneias, que procuram fazer sentido (signum facere) dessas combinagdes “irracionais”. Esse tipo de visualidade pés- moderna estaria como que procurando emu- lar os modos primérios de significago do i consciente, 0 deslocamento e a condensacito, identificados por Freud em sonhos e chistos. O termo patinpsesio também aparece atualmente para designar fragmentas ou nutnas arquitet6nicas que mostram tragos de uma configuracdo ou estrutura anterior (e que ain- da pode ser detectada), por estar imersa em um contexto visual mais recente e completa- mente diverso. © termo se aplica a0 modo tipico de estruturagio do tecido urbano con- temporaneo, porque af encontramos com fre- giéncia “formas passadas superpostas umas as outras” (Harvey 1989/1998: 69}, A estéfica do palimpseste na visuali- dade recente Podemos identificar a estétiea visual do palimp- sesto. laramente cultivada nos trabalhos seri- graficos de Robert Rauschenberg realizados a partir de 1962, apés sua fase tridimensional de combine painting (Lippard 1966:24). Coinci- dentemente, ele é considerado por muitos ‘exiticos como sendo um dos principais expo- entes da pop art e um dos precursores mais noléveis do pés-modemismo (Harland 1989/ 1998: 58). Entre os seus primeiros trabalhos seguindo essa linha estética, destacamos Es- fate e Overdrive, ambos de 1963, em dleo e serigrafia fotografica sobre tela, ¢ os notérios Persimon e Tracer, na mesma técnica, ambos de 1964, e com muitos elementos figurativos em comum. Fig. 6 Ela, Robert Rauschenberg, 1953, Para David Harvey, Rauschenberg, “am dos pioneiros do movimento pés-mo- derno”, se destaca por reproduzir, em vez de produzir suas imagens através do “confisco, citagio, retirada, acumulagao e repeticio de imagens jé existentes”, o que faz com que “a aura modemista do artista como produtor 6 dispensada” (Harvey 1998: 58). Ou seja, ele inaugura a era das assemblages Visuais, utili- zando clementos figuratives pré-existentes (de maneira andloga as montagens dos redy- made de Duchamp). Significativamente, Raus- chenberg continua utilizando ainda hoje a mesma estética do palimpsesto em seus tra- Revista FAMECOS » Porto Alegre * 13 ¢dezomira 2000 °semestral 137 balhos, agora aliando fotografia com proces- samento digital de imagens, como na série de trabalhos de 19% entitulada Anagram. A estética visual do palimpsesto tam- bém ¢ encontrada na arquitetura pés-moder- na, Segundo Harvey, “o desconstrutivismo ... concebe o prédio ndo como um todo unifica- do, mas como ‘textos’ e partes disparatados que permanecem distintos e néo alinhados, sem adquirir sentido de unidade, e que so, Portanto, suscetiveis de varias leituras ‘assi- métricas e irreconcilidveis’ ” (p. 95), 0 que re- forga a idéia de que “a .. [nossa] situagso P6s-Moderna permite... [nossa] sensibilidade ser uma composicgo de sensibilidades pré- vias, um palimpsesto ...” como poderfamos acrescentar, citando Jenks (1987: 56). Margot Lovejoy, por sua vez, afirma que 0 pés-modernismo levou os artistas a co- megarem a ver 0 mundo como “uma experi- éncia de sequiéncias continuamente cambian- tes, juxtaposiobes e-deposigdes em camadas, como parte de uma estrutura decentrada [sem logica] de associagdes” (Lovejoy 1997: 69), o que também 6 uma outra maneira, per~ feitamente adequada, de caracterizar a pre- senca da estética visual do palimpsesto nas artes visuais. Fig. 7: Pigina da Rezorfsk Subnetwork, por Thomas Meller, em hip|owmssub.com (cessado em janeiro 200) No design grafico, propriamente dito, também podemos encontrar esta esiética visual do palimpsesto sendo empregada, desde ha al- gum tempo, nos trabalhos de Wolfgang Weingart, April Greiman, Neville Brody, Stu- dio Dumbar, David Carson, 86 para citar os, nomes dos pioneiros mais conhecidos. ‘Também vamos encontrar essa estétic presente em sites de designers, de artistas e de empresas de comunicagéo visual, como podemos constatar pelas ilustragées do livro Web Design: The Next Generation (1998). Poderfamos alongar ainda mais pre- sente estudo, mostrando a presenga da estéti- ca visual pés-moderna do palimpsesto em coutras préticas visuais, tais como fotografia, historia em quadrinhos, videoclips e filmes, para confirmar que essa 6 uma estética tipica e onipresente da visualidade pés-moderna. ‘Mas o importante, nos parece, é termos po do identificar essa nova estética, que esta en- Tiquecendo nossa percepsio visual e, tomara, valorizando cada vez mais nosso imaginério, or estimular significativamente nossa parti- Gipacao na construggo da realidade « Fig. &: Pégina de Jonathan Leong para sew portfolio, em pectic Referéncas Cauduro, F V (1990) ‘Semioties and Design: For an intertextualized dialogial proxs PRD thesis, Depar- ment of Typography & Graphic Communication, University of Reading. 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